terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9514: In Memoriam (110): Faleceu o Major de Artilharia António José de Mello Machado, 2º CMDT do BART 2865 - Catió, Cufar e Bedanda -, FEV1969 a DEZ1970 (António Brandão)


1. O nosso Amigo e leitor António Brandão, ex-Alf Mil OpEsp da CCAÇ 2336 (Angola 1968/70) reenviou-nos uma mensagem com 6 fotografias, que lhe foi envidada por um primo seu, dando-nos conta do falecimento do Sr. Major de Artilharia António José de Mello Machado, que foi 2º Comandante do BART 2865. 

Caro Magalhães Ribeiro:

Reencaminho-te este e-mail de um primo meu, também ele, ex-Alf Mil em Angola, no BART 3881, 1972/74.

Possivelmente, tal como o Duarte diz, "tocará" alguns de vós ex-combatentes da Guiné.


Publica se entenderem.

Um abraço,
Brandão 


Faleceu o Sr. Major de Artilharia António José de Mello Machado, que foi 2º Comandante do BART 2865



“Biba,

Soube ontem, segunda-feira, com atraso, do falecimento do cmdt do meu batalhão (1972/73); hoje é rezada missa do 7º dia na igreja da Assunção, em Cascais.

Não sou destas coisas de orações, mas conto por lá passar para ver se, depois destes anos todos a viúva ainda me conhece; boa senhora, mas um pouco debilitada desde os idos de 70, por força do que hoje se chamaria uma depressão persistente e que, em boa parte, deu cabo da psique do falecido, que, mesmo assim, nunca deixou de ser  o oficial digno e de invulgar elegância no trato com todos.

Ocorre-me que podes divulgar o óbito pelo pessoal da tabanca grande, já que ele passou nos três teatros de operações, de seu nome: António José de Mello Machado. 

Pelas minhas contas terá estado na Guiné por volta de 1968/70 [, vd. referência ao BART 2865, no nosso blogue: esteve na Região de Tombali - Catió. Cufar e Bedanda - entre fevereiro de 1969 e dezembro de 1970]; antes esteve em Moçambique (comandava a RMM o  general Carrasco).

Na passagem pela  Guiné, pelos meus registos, esteve no comando das guarnições de Catió, Cufar, Bedanda, Cabedés, Cacine, Cameconde, Gadamael, Guilege e Ganturé.

O orgulho do homem foi uma operação, em que ele e meia dúzia de operacionais se deslocaram e emboscaram na ilha de Como (pese embora o facto de não ter apanhado o que queria); o Spínola veio a tomar conhecimento, louvou e proibiu repetições da aventura.

Junto 6 fotos que tirei de um livro dele: na última, como se refere, está com o George que embora não pareça era um implacável comandante catanguês

abr
dna"  







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Nota de M.R.: 

Em nome do Luís Graça e demais Camaradas desta tertúlia bloguista endereçamos à família enlutada do Sr. Major de Artilharia António José de Mello Machado os nossos mais sentidos pêsames, em mais este negro momento da “família“ do BART 2865 e de todos os Camaradas que cumpriram as suas comissões militares na Guiné.

Vd. último poste desta série em: 

 9 DE FEVEREIRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P9463: In Memoriam (109): Daniel Matos (1950-2011), ex-Fur Mil, CCAÇ 3518 (Gadamael, 1971/74): Agradecimentos da família aos camaradas da Guiné (Joana Matos)


Guiné 63/74 - P9513: FAP (66): Buruntuma: lá no cu de Judas... o famoso ataque de 13 horas (em 27/2/1970), as represálias aéreas de Spínola (27 /11/1971 ) e a caça aos MIG imaginários (1973) (António Martins Matos / Luis Borrega / José Manuel M. Dinis)

1. Comentário, ao poste P9505,  de António Martins Matos, ex-ten pilav (Bissalanca, 1972/74), hoje ten gen na reserva:

Buruntuma era mesmo no cu de judas.


Tinha igualmente aquele estigma, (semelhante a Guidage e Pirada) demasiado próximo da fronteira com o país vizinho, podia ser utilizada como tiro ao alvo do PAIGC sem que pudéssemos ripostar, já que o Spínola não autorizava missões da FAP no estrangeiro.

Os aviadores aterravam na direcção da fronteira e descolavam na direcção oposta (qualquer que fosse o vento ou as condições meteo).

Andei várias vezes por ali à procura de Migs imaginários, nunca os vi!!!

Um dia deixaram-nos ir partir umas bilhas lá para Koundara, quando aterrámos em Bissau já estávamos a dever combustível ao G-91.

2. Comentário de Luís Borrega (ex-Fur Mil Cav e MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72):

Caro António Matos:

Quando foste a Buruntuma bombardear Koundara [, capital da região da região Boké, a sudeste], não seria Kandica  [, frente a Buruntuma, no nordeste] ?


O  Gen Spínola estava lá em Buruntuma. A CCav 2747 tinha tido um valente ataque IN na noite de 25/11/71. Dia 27 ,Spínola vai de DO a Buruntuma. Manda formar a guarnição, a milícia e a População.  Nesse momento chegam seis Fiat G-91, rasam Buruntuma e Kandica, ali as antiaéreas começaram a disparar mas calaram-se logo. A seguir ouviram-se enormes rebentamentos em Sofá, a base do PAIGC. Nova passagem, largaram o resto das bombas e retiraram-se para Bissau.
Spínola mostrou o seu carisma de chefe. Falou às Populações locais:
-Viram o que aconteceu ? Agora vão dizer aos do lado de lá, que se tornam a fazer outro ataque com morteiros, mando o dobro dos aviões e o dobro das bombas !
Com esta atitude moralizou extraordináriamente os militares da CCav 2747 e Milícias...

Mantenhas, Luís Borrega.


3. Comentário de José Manuel Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), ao mesmo poste P9505:
Da mesma história da unidade consta que o IN sofreu 8 mortos militares, incluindo o tenente comandante, e o chefe da alfândega.

Foi a primeira acção em que participou a minha companhia, atravé do 1ºpelotão e do Fur mil Azevedo de armas pesadas.JD
É verdade,  o sentimento de Spínola em relação àquela fronteira. Não sei desde quando, mas o general teria mandado informar que,  se Buruntuma fosse atacada, as NT ripostariam sobre Kandika. Em 27fev70, após um ataque àquele aquartelamento em 24fev70 (é o que consta da História da Unidade, embora me pareça que decorreu mais tempo), que provocou 28 mortos civis, depois de vários transportes de material (obuses, canhões e morteiros, bem como munições, guarnições, e outra tropa de segurança), as NT retaliaram durante cerca de duas horas. O IN respondeu durante 13 horas. As famosas 13 horas de Buruntuma. As NT sofreram 1 morto e 5 feridos.
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8111: FAP (65): Falando do nosso destacamento em Nova Lamego (Gil Moutinho)

[ Palmas !!!, há mais de 1400 postes - 10 meses... - que não se publicava um poste na série FAP... Ou os editores andam a ver navios, ou os nossos pilaves não descolam... Viva o Carnaval da Tabanca Grande!] 

Guiné 63/74 - P9512: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (1): O caso de Buruntuma e o ultimatum de Bobo Keita, comandante do PAIGC


p. 222




p. 223


p. 224

 p. 225




p. 226

Reprodução de excertos do livro de Norberto Tavares de Carvalho, De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, 2011, pp.  222-226. Sublinhados, a vermelho, de L.G.



Capa do livro de Norberto Tavares de Carvalho, De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011, 303 pp. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes.


1. Os acontecimentos acima referidos por Bobo Keita (ou Queta) passam-se com as NT estacionadas em Buruntuma (sector de Pirada), mas também na Ponte Caium (que dependia do batalhão de Piche). Os interlocutores portugueses aqui referidos deveriam ser o capitão de Buruntuma e o tenente-coronel que comandava o batalhão sediado em  Piche (já que o destacamento de Caium dependia de Piche).

Em 25 de Abril de 1974, havia o batalhão,  com comando e sede em Pirada, era o BCAV 8323/73: mobilizado pelo RC 3, partiu de Lisboa em 22/9/1973 e regressou a 10/9/1973. Comandante: ten cor  cav Jorge Edurado Rodrigues y Tenório Correia Matias.

Deste batalhão faziam parte:  

- a 1ª C/BCAV 8323/73, que guarnecia Bajocunda (Comandantes: Cap Cav Ângelo César Pires Moreira da Cruz; Cap MIl Cav Fernando Júlio Campos Loureiro);

- a 2ª  C/BCAV 8323/73, que esteve em Piche, depois Buruntuma e de por fim de novo em Piche. depois da retirada de Buruntuma, em 5 de juolho (Comandantes: Cap Mil Cav Aníbal António Dias Tapadinhas; Alf Mil Cav António Jorge Ramos Andrade);

- e ainda 3ª C/BCAV 8323/73, que esteve (sempre) em Pirada (Comandante: Cap Mil Cav Ernesto Jorge Sanches Martins de Brito).

O batalhão que estava em Piche, em julho de 1974, era o BCAÇ 4610/73, que foi render o BCAÇ 3883 (Piche, 1972/74).  Mobilizado pelo RI 16, partiu para o TO da Guiné em 11/4/1974 e regressou a 14/10/1974. Esteve em Bissau, Piche, Bula e Bissau. Comandantes: ten cor inf Paulo Eurico de Lacerda e Oliveira Martins; ten cor inf César Emílio Braga de Andrade e Sousa.  

Terá sido um destes dois oficiais superiores que terá proferido ameaças ao Carlos Fabião (último Governador da Guiné, de 7 de maio a 15 de outubro de 1974, com-chefe do CTIG, além de representante da Junta de Salvação Nacional na Guiné), a acreditar no depoimento do Bobo Keita. 

 

O BCAÇ 4610/73 era constituído por 3 companhias:

- 1ª C/BCAÇ 410/73: esteve em Camajabá, Piche, Bissau, Nhamate e Bissau. Comandante: Cap Mil Inf Manuel Cunha Pereira Machado;

- 2ª C/BCAÇ 410/73: esteve em Camajabá, Piche, Bissau, Tite e Bissau. Comandante: Cap Mil Inf José Emídio Barreiros Canova;

- 3ª C/BCAÇ 410/73: esteve em Piche, Bula e Bissau. Comandante: Cap Mil Inf Marcos António Blanch Machado.

Buruntuma foi a primeira guarnição da zona leste a ser desocupada pelas NT e ocupada de imediato pelo PAIGC, por  uma força comandanda pelo Bobo Keita, em 5 de julho de 1974. Camajabá e Canquelifá foram desocupadas a seguir, a 6 e a 7 de julho, respetivamente. 

As restantes guarnições do leste só foram desativadas em Agosto e Setembro, respeitando os planos de retração do nosso dispositivo militar (aprovado pela 3ª Rep/QG/CCFAG) :  

Madina Mandinga (20 de agosto), 
Paunca (21), 
Bajocunda (22), 
Pirada (25), 
Piche (25), 
Saltinho (27), 
Cancolim (1 de setembro), 
Contuboel (2), 
Fajonquito (2), 
Nova Lamego (4), 
Galomaro (5) 
e Bafatá (7).

Também faziam parte da "zona leste", tal como o Saltinho, Galomaro e Cancolim, mas aparecem na "zona sul" (, no relatório da 2ª rep, certamente por lapso, ) as seguintes guarnições: Mansambo (2 setembro), Bambadinca e Xime (9 de setembro).

Os fatos acima relatados pelo Bobo Keita são confirmados pelo relatório da 2ª rep. O ultimatum de Bobo Keita às NT em Buruntuma é vista uma clara violação ao acordo de cavalheiros estabelecido pelas NT e o PAIGC no que respeito à retirada, planeada, ordenada e concertada (a nível local), dos nossos aquartelamentos e destacamentos. Alega-se que Bobo keita estaria "mal esclarecido" sobre esse acordo e os seus trâmites. Por outro lado, as instalações das NT eram particularmente apetecidas pelos combatentes do PAIGC, na zona leste, mais árida, com menos vegetação do que no sul, e em plena época das chuvas. No relatório da 2ª rep, diz-se explicitamente que o comportamento indisciplinado dos homens de Bobo Keita se devia também, em parte, ao facto de serem "periquitos", de serem novos na região e na guerrilha, viverem em condições precárias e estar-se na época das chuvas.

Por outro lado, o capitão de Buruntuma deveria ser Cap Mil Cav Aníbal António Dias Tapadinhas (que, por curiosidade,  foi camarada do nosso camarigo A. Marques Lopes, no 2° Pelotão da 3.ª Companhia do Curso de Oficiais Milicianos do 1.º turno/janeiro de 1966, na EPI, Mafra).

 



Reprodução de um excerto das pp. 52/53 do Relatório da 2ª Rep / CCFAG: de 1jan73: relativo ao período de 1jan73 a 15out74 (*)


Confirma-se que a força do PAIGC que cercou Buruntuma era comandada Bobo Queta (ou Keita), sendo Eduardo Pinto muito provavelmente o comissário político. Nas entrevistas nunca é referido, por Bobo Keita, o nome de Eduardo Pinto. No supracitado relatório, avança-se com a tese da existência de 2 linhas dentro do PAIGC, no que diz respeito ao processo de transferência de soberania: (i) uma mais dura, que se manifestou no leste (com as pressões sobre Buruntuma, Canquelifá, Dunane, Camajabá, mas também Madina Mandinga, Dara, Pirada, Bajocunda, além das barragens de controlo das nossas colunas militares) e que foi protagonizada por Bobo Keita; e (ii) uma linha mais conciliatória e sensata, que terá sido seguida no sul.

Apesar de "todo o processo de retração do dispositivo e desocupação dos aquartelamentos das NT" ter sido "fértil em diferendos com os grupos das FARP ocupantes" (veja-se o caso de Buruntuma),   foi sempre possível evitar incidentes de maior, recorrendo-se ao diálogo em vez da confrontação direta. Em suma, imperou o bom senso e fez-se valer a capacidade de negociação e comunicação das duas partes.

Bobo Keita acabou por ser 'desautorizado'  por Aristides Pereira e por 'Nino' Vieira, que reprensentavam o poder político a que se deviam subordinar os operacionais do PAIGC. (Vd. a pp. 197/198, do livro do Norberto Tavares de Carvalho,  as apreciações críticas que o Keita faz sobre os defeitos de caráter do 'Nino'). 

Recorde-se, por outro lado,  que Bobo Keita é um dos três comandantes que integram a delegação do PAIGC na primeira ronda de negociações de paz em Londres (de 25 a 31 de Maio) e depois em Argel (13-14 de junho): ele representava a Frente Leste, os outros comandantes eram o Lúcio Soares (Norte) e o Umaru Jaló (Sul). O chefe da delegação era o Pedro Pires. Entretanto, a 8 de setembro Bobo Keita é o primeiro a entrar em Bissau com os seus homens (não sabemos quantos), vindos do leste. Aqui, e até à partida do último governador português do território, em 13 de outubro, a relação do Bobo com as NT parece ter sido correta e até cordial. 



Reprodução de um excerto da pág. 51 do relatório da 2ª rep (*)

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de

15 de fevereiro de 2012 >
Guiné 63/74 - P9486: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte VIII): pp. 37/46

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9511: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (9): Circo... e bombas que não eram de carnaval ... em 1974


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Alguns dos quadros da companhia, vestidos com trajes fulas... Presume-se que fosse uma brincadeira de Carnaval... Dois militares parodiam a PM - Polícia Militar... O Eurico Corvalho † podia ser o terceiro a contar da esquerda,  pelo menos é alguém que parodia a figura do capitão. "Aqui de certeza é o Corvacho, um bom amigo", garantiu-me uma vez o Nuno Rubim, que foi seu camarada da academia (O Nuno era de um curso anterior ao do Eurico)... Mas o Zé Brás,  que também o conheceu, em Mejo e Guileje,  diz que não... (LG).

Foto: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). (Fotos do José Neto † , reeditadas por Albano Costa). Todos os direitos reservados.


Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CART 1746 (Bissorã e Xime,1967/69) > A RTX - Rádio Televisão do Xime, em ação, no Carnaval de 69...  


 Foto: © Manuel Moreira (2011)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Que a guerra não rima com carnaval, isso toda a gente sabe. Na Guiné, em tempo de guerra não se limpavam armas...No carnaval de 1970, 9 de fevereiro, lembro-me de ter levado porrada da grossa.  No mesmo dia, embarcava para a Guiné o Cap Mil Art Jorge Picado, deixando mulher e quatro filhos... 

Outros, eram capazes de se desenfiar por umas horas, em dia de carnaval (ou noutro dia qualquer), por uma boa causa como a de ajudar os camaradas a comer um cabritinho assado:  estou-me a lembrar do Tomás Carneiro, o nosso camarigo açoriano, que no Carnaval de 1973  fez Jugudul-Polibaque sozinho, com o seu Unimog ou  Berliet e a sua G3, só para matar saudades dos amigos de Polibaque...

Em suma, não sobrava tempo (e muito menos ainda disposição) para "brincar ao carnaval"... É possível que, num ou noutro sítio, num ou noutro tempo, houvesse quem arranjasse tempo e pachorra para se mascarar, reinar, parodiar, brincar... Estou-me a lembrar dos foliões da CART 1613 (Guileje) ou da CART 1746 (Xime) de que publicamos  fotos acima... O ser humano é imprevisível... Tragédia, drama e comédia, podiam acontecer no mesmo dia, e até em dia de carnaval...

Fui ao Diário do António Graça de Abreu (AGA) mas lá não há referências ao Carnaval. Minto: há uma, mas é irónica... Em contrapartida, um mês antes, tinha passado por  Cufar o circo!.. Podem achar surreal, mas houve pelo menos uma companhia de circo, em deambulação pela Guiné, no 1º trimestre de 1974... Esteve em Cufar, no dia 25 de janeiro de 1974... Nesse ano o carnaval, foi a 26 de fevereiro... 

Por gentileza e generosidade do nosso camarigo AGA, aqui ficam aqui mais dois  excertos do seu Diário da Guiné, 1972/74, de que temos um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp) (*).


(...) Cufar, 25 de Janeiro de 1974

A companhia do “Circo Sevilha” chegou a Cufar para um grande show destinado às nossas Forças Armadas e à população nativa. De manhã cedo, o Nordatlas trouxe os artistas e os adereços, veio buscá-los à tardinha, de regresso a Bissau. O exército pagou aos talentosos artistas, deu-lhes cabrito assado para o almoço, forneceu o público.

O circo serviu para distrair, dar fantasia à dureza dos dias, adoçar-nos a boca cheia de temores e angústias amargas.

O que é um circo? Quem são os homens que fazem um circo? Para que serve um circo?

Juntam-se as pessoas num grupo, cada uma delas capaz de executar um truque ou habilidade, ou de colaborar na realização de diferentes números, difíceis, fantásticos, surpreendentes. Os artistas, o prestidigitador, o músico do trompete, a “partenaire” do equilibrista, o carregador de aparelhos para dentro e fora da pista, os animais, os palhaços.

O circo. Música de tchim-pó-pó, o movimento e a cor, os saltos no ar, lantejoulas, garridice, a fantasia, alegria com vislumbres de verdade, tristeza com laivos de exultação e festa.

O circo. Momentos de espanto e de magia, mas o gato com rabo de fora. Gente que ganha e gasta a vida. Povo real, os trajes coçados pelo uso, os corpos deselegantes e cansados, as meias rendadas rotas, os truques velhos, o espectáculo pobre.

Boquiabertos, assistimos ao retrato original do que também somos.


(...) Cufar, 25 de Fevereiro de 1974

Véspera de Carnaval e houve grande folia pelas terras do sul da Guiné. Foram rebentamentos uns atrás dos outros, de manhã à noite. São agora nove horas, às oito ainda os Fiats largavam bombas e mais bombas sobre os refúgios do PAIGC. Os guerrilheiros resolveram atacar Bedanda, três vezes ao longo do dia, mais Caboxanque, duas vezes, Cadique, Jemberém e Cameconde. Em Caboxanque houve três feridos entre a população, nos outros, apenas os estragos materiais do costume. (...)

[Foto acima: Máscara bijagó, Bubaque, 13 de dezembro de 2009. Foto de João Graça]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9475: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (8): Boatos, em Lisboa, de ameaças de ataques a aviões da TAP... e de bombardeamentos aéreos aos nossos aquartelamentos

Guiné 63/74 - P9510: Em busca de... (185): Pessoal da companhia de São João, a que pertencia o Fur Mil Hércules de Sousa Lobo, vítima da explosão do primeiro fornilho na história da guerra, colocado no troço da estrada entre Faracunda e Nova Sintra, em julho de 1963 (Sol da Esteva, autor do blogue Acordar Sonhando)


Guiné > Zona de Quínara > Tite > BCAÇ 237 (cujos comando e CCS estiveram sediados em Tite, entre julho de 1961 e outubro de 1963) > O estado em que ficou a GMC, sinistrada devido ao rebentamento do fornilho na estrada Fulacunda, São João,  entre Nova Sintra e Faracunda...


Imagens:© Sol da Esteva / Blogue Acordar Sonhando (2011). Todos os direitos reservados

1. Sol da Esteva é um leitor do nosso blogue (e, possivelmente, também um camarada da Guiné). Tem um blogue de poesia onde já publicou pelo menos um poema (intitulado Batalha) do nosso camarada Santos Oliveira. Também dedicou uma homenagem à Manuela França, ex-cap enf paraquedista, falecida em 27/12/2011


O blogue chama-se Acordar Sonhando, foi criado em novembro de 2010, e é visitado por camaradas nossos.  De acordo com o seu perfil no Blogger, o Sol da Esteva (pseudónimo) vive em Vila de Nova de Gaia, é delegado de marketing, tem formação em Relações Públicas, Comunicação e Marketing, da Católica do R.J. [Rio de Janeiro]. É casado, tem uma filha e dois netos. A avaliar pelas canções (dos anos 60) que fazem parte do fundo musical do seu blogue, é um homem da nossa geração. 


Tudo indica que o nosso poeta tenha estado na Guiné, a avaliar pelas imagens que nos acaba de mandar, e que têm a ver com o poste P9507 (*) em que se pediam informações sobre a companhia do Fur Mil cabo-verdiano Hércules de Sousa Lobo, vítima do primeiro fornilho usado pelo PAIGC na Guiné. O Sol da Esteva acrescenta, na legenda das fotos: "Não possuo ou lembro (sic) outras informações"...

A informação que nos mandou, por mail, esta manhã é a seguinte:

"Várias Baixas, na Companhia de S. João, pelo acionamento de mina/fornilho, na Estrada de S. João (Jul 63), entre Nova Sintra e Faracunda, mais a sul. As baixas foram deslocadas para Tite (BCac 237) e depois remetidas para o Hospital Militar, pelos meios adequados. 

"Não havia nenhum bidão de combustível, na viatura. Apenas a gasolina que a GMC tinha no depósito. Doutro modo acabaria calcinada, e pode ver-se que não, pela imagem abaixo feita já no quartel de Tite. A coluna fazia o patrulhamento habitual (demasiado rotineiro) que lhe era cometido, até ao cruzamento de Nova Sintra."


2. Comentário do editor:


Ficamos a saber que:


(i) O Fur Mil Hércules de Sousa Lobo pertencia uma força que fazia um patrulhamento de rotina na estrada São João - Fulacunda;


(ii) A GMC onde ele ia acionou um engenho explosivo (fornilho), colocado no troço entre Faracunda e Nova Sintra, antes portanto do cruzamento para Tite;


(iii)  Essa força vinha de São João e devia pertencer à companhia lá sediada. 


Temos, portanto,  que saber que companhia (ou pelotão) estava estacionada em  São João, nessa época (julho de 1963). Pede-se a colaboração dos nossos leitores. Um abraço de reconhecimento e apreço  para o Sol da Esteva.
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P9509: Nós da memória (Torcato Mendonça) (10): Vida nas Tabancas - Famílias - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 10
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

6 – VIDA NAS TABANCAS
(Famílias)

Era uma vida simples a das famílias nas Tabancas.
Com regras próprias transmitidas e respeitadas ao longo dos tempos.

Não queria falar, agora, muito sobre esse viver.
Relevo só:
- a entreajuda entre eles; o carinho dispensado às crianças e o respeito dado aos mais velhos, aos “ homens grandes “.

Não era difícil, para muitos de nós lá viver, procurar compreender e aprender com aquelas gentes.
As fotos dizem sempre algo mais.

Amor de mãe

Os mais pequenos de uma família

Morança engalanada

Bajudas > Esteticista

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9451: Nós da memória (Torcato Mendonça) (9): Os Putos de Candamã - Fotos falantes IV

Guiné 63/74 - P9508: Notas de leitura (335): Os Últimos Guerreiros do Império (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
Trata-se de uma recolha de depoimentos de militares condecorados por bravura. Um bom número deles passou pela Guiné. Há recordações tocantes e fica-se com a prova provada que os mais bravos guerreiros não esquecem os outros combatentes, a quem por vezes devem a vida. O tenente-coronel Nogueira Ribeiro não esquece o soldado 38, um felupe de quase 2 metros, que lhe disse algo que registou para toda a vida: Nosso Alfere não pode morrer, senão nosso ficar órfão. Ontem, no hospital dos Capuchos, nos cuidados intensivos, a olhar para o meu guarda-costas, Cherno Suane, em coma, esta frase cirandava-me entre a memória e um ponto obscuro do coração. Aquela comissão fazia-se de missões e algumas delas prosseguem toda a vida.

Um abraço do
Mário


Os últimos guerreiros do Império (1)

Beja Santos

“Os últimos guerreiros do império”, coordenação de Rui Rodrigues, Editora Erasmos, 1995, é uma coletânea de depoimentos de oficiais e sargentos ex-combatentes, de um modo geral possuidores das mais altas condecorações militares. São 18 depoimentos, 11 dos quais de combatentes que possuem (ou possuíam, alguns já faleceram) a “Torre e Espada”, militares de carreira e milicianos. Obviamente que nos vamos circunscrever à Guiné.

Damos a palavra em primeiro lugar a Hélio Felgas, ao tempo Brigadeiro. Este oficial- general destacou-se como escritor, foi professor catedrático da Academia Militar e fez duas comissões na Guiné, entre outras. No princípio de 1963 foi comandar um batalhão aquartelado em Bula e na segunda comissão, entre 1968 e 1969, chefiou o Estado-Maior do setor de Mansoa, comandou o batalhão de artilharia de Tite e depois o setor Leste,em Bafatá. Diz ter conhecido a Guiné a pé e de jipe, comandou 84 operações, sofreu 26 emboscadas e meia dúzia de flagelações nos aquartelamentos por onde pernoitava. No final de 1968 enviou um relatório a Spínola onde defendia a concessão da independência à Guiné-Bissau e transcreve uma passagem desse relatório:

“Neste final de 1968 a situação militar na Guiné chegou a um ponto tal que só muito dificilmente, e com muito otimismo, se poderá antever uma melhoria significativa.
Nos gabinetes em frente da carta talvez não seja difícil encontrar uma solução vitoriosa. No mato, porém, é muito difícil, e quem escreve isto tem três anos de mato.
Mesmo que venham mais helicópteros, mais páras, mais artilharia e mais aviação e ainda que os efetivos das forças terrestres sejam aumentados e estas sejam adequadamente dotadas com as granadas, munições e armas coletivas que ora lhes faltam, mesmo que isso suceda em breve prazo, nem assim o nosso êxito militar será garantido. O inimigo está demasiado bem armado, bem apoiado pela população, bem organizado e bem enraizado num terreno que lhe é favorável, para poder ser batido e expulso.
Realize-se uma operação em larga escala e veja-se o resultado: uns mortos e uns feridos, umas armas apreendidas, uns acampamentos destruídos e que mais? Mais nada. Se ao inimigo não convier o contato, basta esconder-se no mato e esperar que as nossas tropas se retirem. Ele lá ficará e reaparecerá quando quiser.
Aliás, o que se entende por uma operação em larga escala? Talvez 4 ou 5 Companhias de forças terrestres, 1 ou 2 de Páras e Comandos e a aviação. Que faremos com estes efetivos? Uma operação, mais nada. Alguns dias depois tudo estará na mesma”.

Hélio Felgas sugere mudanças drásticas na atividade militar, abandono de território e concentração de meios. Seria preciso definir bem o problema da população civil. E questiona: “Dezenas de milhares de nativos vivem nas regiões sob domínio do IN, em tabancas perfeitamente visíveis do ar. Deve ou não deve a aviação atacar e destruir estas tabancas e a sua população? Valerá a pena um tal massacre ou não valerá? Isto é que é preciso saber”. Acrescenta, categórico: “Eu bem sei que quem não conhece o mato da Guiné, nem as dificuldades deste tipo de guerra, sente-se inclinado a considerar exageradas as minhas palavras. Infelizmente, tenho a certeza do que afirmo. Deixou-se o IN inchar demais para se poder, agora, desalojá-lo com os meios que temos”. O brigadeiro Felgas considerava que se devia dizer verdade, na Guiné estava-se apenas a aguentar a situação: “Estamos à espera que o IN adquira suficiente estrutura e capacidade militar para correr connosco. Mostramo-nos incapazes de o desalojar definitivamente seja de que área for”.-

Temos agora o Fuzileiro Comando João Seco Mamadu Mané, foi Segundo Comandante de um grupo de 25 homens na 3.ª Companhia de Comandos. Refere operações, ferimentos, lutas duríssimas, estará presente na operação a Kumbamory, em maio de 1973 a “Ametista Real”. Logo no primeiro dia perderam dois alferes, mortos a tiro, no meio das dificuldades, apareceu Marcelino da Mata que terá provocado grandes destruições. Em 1974 entrou em Canquelifá, um quartel quase destruído, há um mês que não se tomava banho, não se podia cozinhar, vivia-se de enlatados. Depõe o seguinte: ”Canquelifá fica no Nordeste, perto da fronteira com a Guiné-Conacri. Piche fica 30 quilómetros para o interior, e para fazer esta distância, em coluna, eram precisos 2 dias. Estava tudo minado. Às vezes com umas minas muito perigosas, que rebentavam se alguém se aproximava com qualquer coisa de metal. Para lá chegarmos não fomos por essa estrada, abrimos nós uma estrada com as viaturas, com o Batalhão dividido em pequenos grupos… Quando lá chegou a 2.ª Companhia, comandada pelo Alferes Bari (que depois mataram em 1977), capturou 3 morteiros pesados de 120mm. Nunca, durante toda a guerra da Guiné, tinham sido capturadas armas dessas. Estavam lá dois cubanos para regular o tiro. E foi preciso um dia para apanhar os morteiros. Avançava-se, recuava-se”.

Queixa-se das barbaridades dos fuzilamentos dos Comandos: “No mês de março de 1975 começaram as prisões. Foi um mês negro para os Comandos. Eu fui preso. E fui torturado. Como muitos outros camaradas. Obrigaram-nos a carregar pneus gigantescos, pneus de Berliet, com jantes e tudo. Era uma das torturas, mas havia outras: como pendurar uma pessoa pelos pés, e dar-lhe chicotadas. Dentro da prisão obrigavam as pessoas a andar despidas, só com as cuecas… Houve camaradas que estiveram presos, 6, 7 e 8 anos. Alguns já tinham sido fuzilados e os familiares continuavam a levar-lhes comida e cigarros. Às vezes, os guardas pediam cigarros, as famílias estranhavam, diziam que eles não fumavam e eles respondiam que tinham passado a fumar,  já estavam mortos. Outros ficaram aleijados para sempre, por causa dos maus tratos. Uma vez fui passar férias à Guiné e encontrei um soldado da minha Companhia, que tinha sido muito valente, chamado Mumó Sissé. Quando me viu começou a chorar. Contou-me que passou seis meses numa cela onde não se podia pôr de pé nem estender as pernas. Quando de lá saiu tinha uma perna e uma mão paralíticas. De vez em quando compro aqui uma camisa e uns calções e mando-lhe… Houve camaradas que foram presos no Senegal, na Gâmbia e na Guiné-Conacri. Foram mandados para a Guiné como se fossem peixe, para serem fuzilados… Eu tenho a minha vida mais ou menos resolvida. Mas muitos deles estão muito pobres. Não há mês nenhum que eu não passe duas ou três declarações a pessoas, para pedirem autorizações de residência. Muitos desses camaradas têm as suas condecorações e os seus louvores e às vezes nem autorização de residência têm… Se alguma organização fez alguma coisa por nós foi a Associação de Comandos, tem ajudado muitos camaradas a conseguir emprego, e eu sou um deles. Mas muitos, muitos dos que passaram connosco maus tempos, dormem por aí, na rua”.

Temos ainda os depoimentos de Marcelino da Mata, Nogueira Ribeiro, Maurício Saraiva e Almeida Bruno.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9498: Notas de leitura (334): O Ultramar Português, o que se dizia sobre a Guiné e se oferecia na Feira Popular em 1945 (Mário Beja Santos)

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9507: Em busca de... (184): Camaradas do Fur Mil Hércules de Sousa Lobo, natural da ilha do Sal, Cabo Verde, gravemente ferido pelo primeiro fornilho acionado no CTIG, em julho de 1963, na estrada São João-Fulacunda (Maria Luísa Sousa Lobo)


Guiné > Região de Quínara > Mapa da província (Escala 1/500 mil) > 1961 > Detalhes > Terá sido na estrada Fulacunda-São João que o Fur Mil Hércules de Sousa Lobo, natural do Sal, Cabo Verde, terá sido gravemente ferido pelo 1º fornilho a ser utilizado pelo PAIGXC, em julho de 1963.


1. Comentário do Poste P8311, assinado por uma nossa leitura, Lulita, caboverdiana;:

Algum dos senhores conheceu um furriel Hercules de Sousa Lobo que foi ferido na Guiné,  em Julho de 1963? Sou a irmã, Maria Luisa Sousa Lobo

2. Mail que circulou, no dia 17 do corrente,  internamente pela Tabanca Grande:

Camaradas do caqui amarelo:  Alguém conheceu o Furriel Hércules de Sousa Lobo que foi ferido na Guiné em Julho de 1963 ? A pergunta é da irmã Maria Luisa Sousa Lobo, que vive e trabalha em Cabo Verde... Obrigado pela eventual ajuda. LG

3. Tivemos até à data apenas uma resposta, a do nosso camarigo Manuel Amante da Rosa [, foto à esquerda]:

Meu Caro Luís,

Das minhas muitas idas ao nosso blogue  lembro-me de ter visto uma vez um poste que relatava o seu ferimento [, do Fur Mil Hércules de Sousa Lobo,], numa GMC, saída, salvo erro, de Fulacunda, que teria sido arrebentada por um fornilho. 

Se me lembro,  a GMC levava na carroçaria um bidão da gasolina que teria arrebentado e queimado o furriel caboverdeano. Isto o que li no Poste.

O que soube por fora, de um administrador, é que ele teria ficado muito queimado. Foi evacuado com muito custo para Bissau e depois transportado por um DC6 (?) para Lisboa com escala no Sal onde toda a família vivia e que não terá sabido da passagem desse familiar.

Terá sido o primeiro fornilho ativado na Guiné. Pelo menos contra viaturas militares. Foi acionado a muita pouca distância e o susto do guerrilheiro foi tanta que terá deixado os chinelos e tudo o que tinha tal o estrondo, onda de vento e incêndio que provocara.

Conheço bem a família. O furriel era primo irmão do célebre cantor Ildo lobo, irmão do cantor Mirri Lobo e primo da cantora Ritinha Lobo. É uma família muito conceituada da ilha do Sal e de Cabo Verde.

Recebe um forte Abraço
Manuel

4. Comentário do editor:

Obrigado, Manuel Amante... Em quase 10 mil postes publicados, em 8 anos, não dá para reter todos os detalhes, como é fácil de entender... Confio na tua memória seletiva. Eu tenho uma vaga ideia de se ter falado nessa história, ou no blogue ou nalguma troca de emails contigo (E infelizmente nem tudo é publicável...). 

Sabe-se que o primeiro fornilho, na Guiné, foi acionado em julho de 1963, na estrada São João-Fulacunda...  Ora quem estava na região de Quínara em 1963 era o nosso camarada George Freire (ex-capitão QP, que vive hoje nos EUA desde outubro de 1963 e que já aqui publicou diversos postes interessantes sobre a escalada da guerra no 1º semestre de 1963)... Ele era o 2º comandante da CCAÇ 153 (1961/73) mas depois foi comandar a 4ª CCAÇ, tendo andado pelo leste (Nova Lamego) e depois pela região de Tombali (Bedanda). Voltou, no entanto, a Portugal em 26 de maio de 1963. Já aqui publicámos notas do seu diário bem como um vídeo.

O nosso camarada Hércules de Sousa Lobo pode ter pertencido (mas não me parece provável...)  à CCAÇ 153 (que estava em Fulacunda) ou então à CCAÇ 154 (que estava em Buba). Estas companhias eram independentes. Mas havia ainda o BCAÇ 237 (cujo comando e CCS estavam sediados em Tite, no período de julho de 1961/outubro de 1963). No entanto, a CCAÇ 153 em julho de 1963 já não devia estar na região de Quínara, estando a aguardar embarque em Bissau.

Segundo a informação que temos no nosso blogue, a CCAÇ 153 foi mobilizada pelo RI 13 de Vila Real, era  comandada pelo Cap Inf  José dos Santos Carreto Curto, embarcou para Bissau em 27Mai61 (por via aérea) e regressou em 24Jul63.

A 26Jul61 foi colocada em Fulacunda destacando forças para Empada, Cufar, Catió e Bolama, por periodos variáveis. A 7Fev62 foi rendida pela CCAÇ 274 e foi colocada em Bissau. A 11Fev62 rendeu a CCAÇ 274 em Bissau. A 21Jul63 foi substituida pela CCAÇ 510, ficando a aguardar embarque.  

À CCAÇ 274 (Bissau e Fulacunda, jan 1962/jan 64) pertenceu o nosso camarada Durval Faria. Pode ser que ele nos saiba dizer algo mais sobre este fornilho que feriu gravemente o Fur Mil Hércules de Sousa Lobo.

O  Hércules, em julho de 1963, deveria estar num companhia sediada em Fulacunda ou então em Tite... Qualquer informação adicional será bem vinda.

 Em 1962, as unidades mobilizadas para o TO da Guiné foram as seguintes, para além da CCAÇ 274:

BCAÇ 356: Mobilizada pelo BCAÇ 5, partiou em 17/1/1962 e regressou em 17/1/1964. Esteve em Bissau, Cufar e Catió. Comandante: Ten Cor Inf João Maria da Silva Delgado.

CCAÇ 273: Mobilizada pelo BII 17, partiou em 17/1/1962 e regressou em 17/1/1964. Esteve em Bissau, Catió, Cacine e Cabedu. Comandante: Cap Inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar

EREC 385: Mobilizada pelo RC 8, partiou em 17/1/1962 e regressou em 17/1/1964. Esteve em Bissau e Fulacunda. Comandante: Cap Cav José Olímpio Caiado da Costa Gomes.

[Fonte: Gomes, C.M.; Afonso; A.- Os anos da guerra colonial: volume 3: 1962: optar pela guerra. Matosinhos: QuidNovi, 2009, p. 126. ]

Guiné 63/74 - P9506: Blogpoesia (179): Os Unidos de Mampatá: Do Zé Manel Lopes (Josema) para o seu camarigo António Carvalho, hoje com 62 anos

1. O Josema (José Manuel Lopes) não nos leva a mal se a gente pegar num dos versos do seu poemário de Mampatá, já aqui publicados, e dedicá-lo ao António Carvalho, na semana em que as nossas tabancas (a Grande e a Pequena) celebram os seus jovens 62 anos... [Foto do António,à direita]

Nada disto foi combinado: conheci o António Carvalho depois do Zé Manel, ambos pertencentes aos Unidos de Mampatá (a CART 6250, 1972/74).


Tenho pena de não poder estar no almoço da próxima 4ª feira, na Tabanca Pequena de Matosinhos, para cantar em coro os parabéns ao Carvalho de Mampatá, considerado por todos os tabanqueiros de Lisboa, Porto e arredores como "um bom camarada e um melhor amigo".

Talvez ninguém melhor que o Josema [, foto à esquerda,] traduziu,  em versos diários, espontâneos, sinceros e singelos, esse sentimento de "camarigagem" que, de Mampatá a Buruntuma, de Guidage a Guileje, todos experimentámos no TO da Guiné, a par da saudade da nossa terra em tempo de guerra... 

Parabéns aos "unidos de Mampatá" pela sua lição de vida, traduzida hoje numa cultura sã de amizade, camaradagem, convívio e solidariedader que já vem dos tempos duros da Guiné.

  
Calor, cansaço, suor,

saudades de tudo
e de um rio...
mas podia ser pior,
pois há ali o Corubal
com sombras e água boa;
nem tudo é mau afinal,
não é o Douro, eu sei,
nem o Tejo de Lisboa,
são outros os horizontes,
falta o xisto e o granito,
as encostas e os montes,
mas diga-se na verdade
há o Carvalho, há o Rosa,
há um hino à amizade,
há o Gomes e o Vieira,
a sonhar com a Madeira,
há o Farinha e o Polónia,
gestos e solidariedade,
há o Esteves e o Pinheiro,
amigos e sinceridade,
há o Nina e até amor,
também sofrimento e dor,
há o desejo de voltar
e um apelo à liberdade.

Josema
Mampatá, 1974

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Nota do editor:

 Último poste da série > 14 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9482: Blogpoesia (178): No tempo em que eu colhia rosas nas covas do teu rosto... (António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P9505: Memória dos lugares (176): Buruntuma, lá no "cu de Judas"...




Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Carta de Buruntuma (escala 1/50 000)> 1957  > Detalhe > A estrada, a vermelho, que se vê no mapa, atarvessava todo o leste, desde o Xime, Bambadinca, Bafatá, até Nova Lamego, Piche e Buruntuma (na fronteira com a República da Guiné-Bissau). O aquartelamento (e povoação) de Buruntuma foi ocupado pelo PAIGC em 5 de julho de 1974.


1. Escreveu Luís Graça em comentário ao poste P9499:


(...) "O caso de Buruntuma merece um poste com destaque para a destemperada atuação do comandante da Frente Leste, o antigo futebolista Bobo Keita (ou Queta), de que já aqui falámos diversas vezes, a propósito do livro de Norberto Tavares de Carvalho ("De campo em campo: conversas com comandante Bobo Keita", edição de autor, 2011).


"O Bobo Keita tinha feito parte da delegação do PAIGC, na 1ª ronda de negociações de paz, em Argel... Depois de Argel, regressou à Frente Leste. E deve-lhe ter subido à cabeça a mania do protagonismo...


"Aqui, no leste, foi claramente 'mais papista que o Papa'", passando a perna à direção política do PAIGC. Foi ele quem teve a iniciativa de (i) colocar barragens para controlos dos nossos veículos militares, nas estradas do leste, (ii) forçar a desocupação do quartel de Buruntuma... para além de (iii) ter resolvido, através do terror (3 fuzilamentos e diversas prisões), um conflito em Paunca com mílicias (ou não seriam antes os militares da CCAÇ 11 ?)...


"Ele próprio reconheceu, antes de morrer, na altura em que foi entrevistado para o livro, que a chantagem feita aos tugas de Buruntuma era mero bluff, que não era sua intenção atacar nenhum quartel...


"A verdade é que este homem podia ter originado uma tragédia de consequências imprevisíveis e incalculáveis... A sua atitude de fanfarrão obrigou à intervenção pessoal do Fabião e do Juvêncio Gomes (delegado do PAIGC em Bissau)...


"Veja-se o seu depoimento nas pp. 222 e segs."


2. Disse o cor cav Carlos Matos Gomes:


(...) "Pois. Porque Buruntuma era o pior sítio da Guiné. Aliás, quando lá esteve o general Schultz, Buruntuma era o 'cu de judas' da Guiné. É no vértice superior direito do [mapa] e era, de facto, um buraco infecto onde os soldados deviam pedir aos inimigos para os mandarem embora. [Apartes sobre Buruntuma e a sua localização] ".


[In: Arquivo de História Social. [Em Linha] ICS -Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2011. Estudos Gerais da Arrábida: A descolonização portuguesa: Painel dedicado à Guiné (29 de Agosto de 1995). Depoimentos do General Mateus da Silva, Coronel Matos Gomes, José Manuel Barroso e  Coronel Florindo Morais. [Consultado em 18 de fevereiro de 2012]. Disponível em http://www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/docs/guine_1995_08_29.pdf ]


3. Temos poucas referênicas a Buruntuma. Menos de duas dezenas. Temos poucos camaradas que lá tenham estado ou por lá tenham passado. Conheci um, em tempos, ex-operário da Sorefame, na Falagueira. Falámos de Buruntuma num dia que, por acaso, era o Dia Mundial da Poesia. O Carlos Matos Gomes, por seu turno,  chama-lhe o "cu de Judas da Guiné". 


Não sei, nunca lá estive. Mas ouvi dizer, ouvi contar histórias... Eu estava na outra ponta da zona leste. E como a Guiné era pequena, 36 mil quilómetros quadrados, 8 mil de água, 28 mil de terra!... (Ou não era assim tão pequena quanto isso ?!). Não, nunca fui a Buruntuma.  


Procurei na Net.  Encontrei, no nosso blogue, o nosso camarada Luís Guerreiro, ex-Fur Mil, emigrado no Canadá, que andou um mês por terras de Buruntuma com o seu Pel Caç Nat 65, "Os Leões Negros", no 1º trimestre de 1970... E de Buruntuma tenho aqui uma foto dele, junto à capela, ao pau da bandeira e aos monumentos das companhias que por lá passaram... É pena que seja em formato pequeno, e portanto tenha fraquíssima resolução...


Na Net, e num blogue de família, encontrámos duas fotos de 1973: são de um camarada que vive no Porto, Manuel Cortez Lopes. Espero que ele, e o editor do blogue, não levem a mal a reprodução das imagens... É por uma boa causa. E, por outro lado, talvez alguém se lembre deste camarada, que pertence à família Cortez..







Manuel Cortez Lopes, Buruntuma, 14 de Junho de 1973 ("ao fundo, a República da Guiné Conakri")


[In: Blogue Família Cortez >  15 de fevereiro de 2011 > Manel, 1973. Reproduzido com a devida vénia...]
 
Quem também passou por Buruntuma, mas nos primórdios da guerra, em 1962, foi o nosso camarada Alberto Nascimento. É um dos velhinhos do nosso blogue, ainda do tempo da Mauser e do caqui amarelo... 


Que estas imagens, e estas referências, despertem ao menos a curiosidade e a vontade de mais camaradas, enriquecendo o nosso arquivo de memórias sobre este topónimo... Buruntuma era mesmo no "cu de Judas" ? (LG)


Guiné > Zona leste > Região do Gabu > Buruntuma > CCAÇ 84 > Fevereiro ou Março de 1962 > "Na zona dos Bucurés, a malta da companhia, com a G3"




Foto (e legenda(: © Alberto Nascimento (2008). Todos os direitos reservados.



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Nota do editor:
 
 Último poste da série > 8 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9459: Memória dos lugares (175): Gadamael em 1969 (Luís Guerreiro)