quinta-feira, 21 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10057: Patronos e Padroeiros (José Martins) (27): Bartholomeu Costa, Patrono do Serviço de Material




1. Em mensagem do dia 16 de Junho de 2012, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos mais um trabalho para a série Patronos e Padroeiros.






Patronos e Padroeiros XXVII

Patrono do Serviço de Material

Bartholomeu da Costa


Figura pouco conhecida da nossa história, nasceu em Lisboa no dia 1 de Novembro de 1731, e aos 17 anos, como era hábito na época, iniciou a sua carreira militar, como artilheiro e andou embarcado, na Armada da Guarda Costeira, durante quatro anos.

Em 1758, ao ser promovido a Condestável-Mor de Artilharia da Guarnição da Corte, passa ao serviço de terra, e desenvolve a sua actividade no Arsenal do Exército, no aperfeiçoamento da técnica, aperfeiçoamento de máquinas e de novos procedimentos tecnológicos, que muitos úteis se tornaram em Portugal.

A sua carreira foi considerada extraordinária. Aos 27 anos era Condestável-Mor de Artilharia; Ajudante de Artilharia em Janeiro de 1762 (31 anos) e a Julho desse ano, Capitão de companhia de Bombeiros; é promovido a Sargento-Mor de Artilharia, em Maio de 1764 (33 anos); e em Dezembro de 1774, com 43anos, ascende a Tenente-coronel de Infantaria, mas continuando a prestar serviço em Artilharia.

Aos 58 anos, Maio de 1789, é promovido a Marechal de Campo e com 67 anos a Tenente-General (Dezembro de 1796).

Da sua actividade industrial, realçaremos que em 1762, toma a iniciativa de orientar a fundição de 12 peças de artilharia ligeira, para suprir atrasos verificados na encomenda que havia sido feita a Inglaterra. Para tal utilizou as instalações de uma antiga fundidora de sinos. Construiu dois obuses e aumentou o número de oficinas de duas para vinte no Arsenal, aumentando a autonomia do exército, evitando, desta forma, a recorrer a fornecedores particulares. A duração das peças de artilharia, devido a uma nova liga que criou, passaram a ter o dobro de tempo de duração, assim como inventou uma máquina para brocar, perpendicularmente, as peças de artilharia de vários calibres.

Inventou máquinas para tornear munhões, peças para canhões, e máquinas de tornear morteiros.

Fez história na arte de fundir, um feito sem precedentes, ao fundir, de um só jacto, a estátua equestre de D. José I, assim como a máquina que haveria de retirar da “cova de fundição” a peça inteira e o seu transporte, assim como providenciou um carro, para o transporte das colunas para o Convento do Santíssimo Coração de Jesus da Estrela, mandada erigir por D. Maria I.

Inventou um granador e um peneiro cilindrado, para separar vários tipos de pólvora, assim como iniciou a manufactura de espingardas, com fechos idênticos, permitindo, assim, não só a produção das mesmas em série, mas também a possibilidade de trocas de peças avariadas mais facilmente.

Exerceu, ainda, outras actividades como o desenvolvimento de um novo tipo de porcelana, melhoria da fundição de ferro, em Paço de Arcos, recuperação da mina de carvão natural no Cabo Mondego, melhorou o método de fabrico de alcatrão, recuperação do pinhal de Leiria, etc.

Propôs que o Arsenal da Marinha fosse transferido para a margem sul, facto que só se veio a concretizar dezenas de anos mais tarde.

Uma das suas últimas obras foi a construção e direcção da doca seca da Ribeira das Naus que permitiu, em pouco mais de dois anos – Dezembro de 1792 a Março de 1795 – a reparação de cinco naus.

Foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, Fidalgo da Casa de Sua Majestade, sócio da Academia Real das Ciências, entre outras.

Foi um insigne militar e técnico industrial, pelo que foi eleito como Patrono do Serviço de Material.

Vindo a falecer em Calhariz, com 70 anos de idade, no dia 7 de Junho de 1801, tendo-lhe sido dado sepultura na Igreja do Mosteiro de Belém.

José Marcelino Martins
16 de Junho de 2012
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10050: Patronos e Padroeiros (José Martins) (26): Patrono do RI 14 (Viseu) e Curso da Escola do Exército - 1951/1954

Guiné 63/74 - P10056: (Ex)citações (187): A secção de funerais, 1ª Rep / 2ª Fun QG/CTIG do meu tempo (Francisco Jorge de Pinho)

Esclarecimento do nosso camarada Francisco Pinho, que vive em Castelo Branco, e que esteve na  1ª Rep-2ª Fun-QG/CTIG (1973/74), em comentário ao poste P10046




1. A secção de funerais, 1ª Rep/2ª Fun-QG/CTIG, era constituída por;

(i) um tenente do SGE; 
(ii) um primeiro sargento;
(iii) dois furrieis milicianos;
(iv) dois primeiros cabos;
(v) e cinco soldados, estando um sediado em Nova Lamego (tinha a seu cargo tudo o que respeitava a tratamento de mortos no COP5). 

2. NUNCA foram juntos cadáveres ou parte destes na mesma urna. 

3. Quando era impossível recuperá-los por diversos motivos, eram declarados desaparecidos, com forte presunção de morte, ou então era comunicado que os mesmos ficavam sepultados na Guiné, sendo fornecidas todas as indicações sobre as suas sepulturas, caso de Guidaje. 

Francisco Jorge de Pinho, Fur Mil 1ª Rep-2ª Fun-QG/CTIG (1973/14-10-1974)
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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10018: (Ex)citações (186): Éramos alferes, furrieis e... prontos! (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P10055: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (57): Que alegria ver outra vez o meu amigo Ludgero Sequeira, da 38ª CCmds, e hoje professor da Universidade do Algarve (Bernardino Parreira)

1. Comentário do Bernardino Parreira ao poste P10028, de 13 do corrente:

Que alegria, ver outra vez o meu amigo Ludgero Sequeira, jovem, como naquele longínquo ano de 1972! Também me parece conhecer o Amilcar Mendes! Tive várias operações no mato com o meu amigo Ludgero e a Companhia de Comandos a que ele pertencia, [a 38ª CCmds]. 


Também em Teixeira Pinto nos encontrámos várias vezes. Talvez tenha estado algumas vezes com o Amilcar, junto do Ludgero. Depois, eles regressaram a Mansoa [, CAOP1]. E eu, como se sabe, regressei à Metrópole em Março de 1973. 

Ainda sofro ao recordar como, cerca de 2 meses depois de cá estar, recebo a triste notícia de que o Ludgero tinha sido ferido numa mina e corria risco de vida...e que estava cego... Foram meses de angústia para a família e para os amigos. Apesar de ter ficado com grande perda da visão, graças a Deus o Ludgero salvou-se e hoje é um ilustre professor da Universidade do Algarve, [doutorado em Ciências Económicas e Empresariais pela Universidade de Huelva, Espanha, 2003].

Quando nos encontramos, a conversa foge, forçosamente, para o futebol e para o nosso tempo de guerra na Guiné.

Foto à direita: O ex-fur mil cmd Ludgero Sequeira com o ex-1º cabo cmd Amilcar Mendes, em Gampará, 1972. 


Foto: © Amilcar Mendes (2007). Todos os direitos reservados.~

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10049: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (56): Desde a ilha de Luanda, evocando o bom irã de Bedanda e enviando um abraço para todos os bedandenses que estiveram no 2º encontro das Onças Negras, e em especial o Tony, o Pinto Carvalho e o Belmiro Pereira (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P10054: Parabéns a você (438): António Teixeira, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Guiné, 1971/73)

Para aceder aos postes do nosso camarada António Teixeira clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10051: Parabéns a você (434): Cherno Baldé, Gestor de Projectos na Guiné-Bissau

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10053: História da CCAÇ 2679 (51): Uma dívida por pagar (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 12 de Junho de 2012:

Caríssimo Carlos,

Para não pensares que te esqueci, aqui vai mais um nico da história da minha companhia.
Para não te castigar, é coisa pouca, mas suficiente para reflectir o ambiente que ali reinava.
Anexo ainda a resposta do Pedro ao meu pedido para confirmação dos dados. Exageradamente refere: "está mais que correcto".

Para ti e para o tabancal vai um abraço fraterno
JD



HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (51)

Uma dívida por pagar

Nos primeiros dias de Fevereiro o Pedro devia ter vindo de férias à metrópole, todavia, o Pedro andava em conflito com a corja, ou melhor, a corja conflituava com todos que lhe dificultassem a actividade de locupletanço. Ora, o Pedro tinha muitas dificuldades de relacionamento, por via das gasolinas, da aberração das constantes viaturas paradas, pelo seu feitio não aderente, razões suficientes para ter sido aleivosamente prejudicado, com a impiedosa desautorização para partir em gozo das férias que tinha planeado. O parque automóvel era o espelho da corja, mas esta fazia-o um reflexo do Pedro, o chefe dos auto-rodas, na senda dos militares implicados para desresponsabilização de quem manda. E a corja é que mandava. E convinha-lhe assim. Os mapas para Bissau davam indicações falaciosas, que justificavam os consumos de combustível, que a corja, em sociedade com o tipo da Casa Gouveia, "empochava" (termo vulgar, derivado do francês poche - bolso, referido quando alguém enche os bolsos à custa do alheio). A corja também não tinha preocupações com o pessoal operacional, que se deslocava em viatura sem quaisquer condições de segurança, pois em caso de emboscada, ou de accionamento de minas, os estragos eram tão maiores, quanto mais compactado o pessoal seguisse. Tenha-se em conta, que raramente dispúnhamos de mais de duas viaturas operacionais, ainda reflexo do material herdado da companhia anterior, e incrivelmente aceite. E a impunidade reinava, porque a máquina militar não contemplava o controle dos gastos.

O Pedro, naturalmente furioso, chispava lume, quando não foi autorizado o necessário "passaporte" para férias. Nesse dia e no seguinte, revelaram-se inúteis as tentativas de solução para aquela crise. O Pedro, com o orgulho dos sérios, recusava-se a pedir batatinhas, a mendigar por um direito que lhe assistia, e era-lhe vedado. O capitão, e os sargentos, resmungavam à guisa de justificação, que as viaturas careciam de reparação. A reparação consistia em retirar peças de umas viaturas para outras, sendo que, algumas delas, já não teriam viabilidade. E a corja, que sempre protelou a recuperação do parque automóvel, só agora, surpreendentemente, manifestava preocupação. Estariam a adivinhar alguma inspecção? Quereriam ter alguma margem de segurança perante uma eventualidade dessas?

No segundo dia o Pedro lastimava-se de ter empatado a meia-dúzia de contos do bilhete do avião, que para as férias já nem queria saber. Decidi então comprar-lhe o bilhete. Quando me dirigi ao Trapinhos a comunicar-lhe que partiria de férias, ainda me dificultou a decisão. Quem ficaria com o pelotão, questionou. Por sorte, estava o alferes Leite no gabinete, que imediatamente referiu, que se encarregaria dequela matéria. O Leite era o segundo-comandante da companhia, e o Trapinhos não teve como não aceitar a solução.

Dei uma rapadela ao cabelo, cortei a mosca, vesti-me apinocadamente de número dois, e apresentei-me em Nova Lamego, no primeiro andar, onde pontificava o comandante com a partente necessária para o passaporte. Encontrava-se no varandim do gabinete em conversa, e esperei até ter oportunidade. Mandou-me avançar, enquanto questionava sobre a minha pretensão. Quando lhe estendi o papel e leu o nome, deu um sorriso por não me ter reconhecido, o que avalisava a minha apresentação. Entrou, assinou, e despedimo-nos. Fui direitinho à pista, onde um tenente do exército, velhote, fazia a lista de embarque. Naturalmente, já muita gente se tinha apresentado. O tenente disse-me que eu só embarcaria se houvesse desistências. Argumentei sem resultados, ele "não podia fazer nada". Ora, era mais que óbvio, que ninguém dos militares e civis iria faltar ao embarque.

Desorientado e mal conformado, dirigi-me para um bar no centro, mesmo em frente ao comando, que era onde costumava encontrar malta conhecida. Quando assomei à porta, logo ouvi o meu nome, chamado de uma mesa de páras. Estavam ali alguns militares com quem me tinha relacionado no mato e, particularmente um furriel, de quem não recordo o nome, acenava para ali me sentar. Foi o que fiz. Depois das apresentações, o pára mandou-me pagar uma rodada, a que acedi, mas contei-lhe que era o segundo azar que tinha naquela manhã. A minha cabeça andava longe dali, pois enquanto eles conversavam alegremente, eu só pensava no que teria que dizer convincentemente ao tenente. Depois de umas bejécas, manifestei vontade de voltar à pista, mas o furriel convenceu-me a ficar até à chegada do avião militar. Covenceu-me a pagar outra rodada. Quando o avião já devia estar na pista, antes de me levantar e despedir, bebemos novamente em saúde de todos. O furriel levantou-se, pegou na boina, convocou o condutor que abancava connosco, e mandou-me acompanhá-lo.

A fila alongava-se, e movimentava-se vagarosamente, apesar dos escassos lugares vagos, enquanto o tenente verificava a lista de embarque. O pára mandou-me segui-lo, fez uma palada ao tenente, e disse-lhe que eu estava requisitado pela companhia de pára-quedistas e tinha que embarcar para Bissau. E foi assim que cheguei à capital provincial. Depois foi só dirigir-me ao balcão da TAP e regularizar a situação.

Embarquei de manga curta tendo em conta os calores daqueles trópicos, e desembarquei de manhã em Lisboa com três graus positivos. Lembro-me de que só a meio da tarde senti necessidade de vestir uma camisola. Tinha pedido ao meu pai para convidar dois amigos para o jantar, e comi peixe.

Daquele furriel pára-quedista que me dispensou tanta gentileza, não tenho qualquer referência, mas ainda lhe estou devedor de outa bejéca, ou de um tinto refinado.

JMMD
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9914: História da CCAÇ 2679 (50): Uma motivação imprevista

Guiné 63/74 - P10052: Cartas do meu avô (9): Sétima carta: A universidade, o 25 de abril... (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria do nosso camarigo Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. [, Foto à esquerda, com os netos]. As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*)

B. Sétima carta: Universidade

No princípio de Outubro de 1966, começaram as aulas de Direito. Estava ansioso. Tomei o autocarro para o Campo Grande. Estou a lembrar-me de o atravessar apressado, com uma mala, e subir a pé a alameda da universidade.


Fui o primeiro aluno a entrar no anfiteatro onde ia assistir à primeira aula. Um grande salão em escadaria de balcões, como num cinema. No palco, ficava, imponente, a secretária do professor. Tive a noção exacta de que aquele, sendo o meu curso inicial, não seria com ele que eu chegaria ao fim. E senti-me triste.

Dentro em pouco estaria casado e a trabalhar. Sabia que não ia adiar a vinda dos filhos por causa do curso. Os colegas começaram a entrar e a ocupar as cadeiras livremente. Eu escolhi uma da coxia na 4ª fila. Para poder alcançar tudo bem.


Eram todos mais novos que eu. Rapazes e raparigas. Muito tenros. Tinham acabado o liceu. Lembro-me duma colega que viria a ser célebre, a Leonor Beleza, e doutro, o… O resto era tudo desconhecido. As aulas iriam acontecer lentamente, no dia a dia. Sem provas nem frequências. Exame, só no final do ano.


Se corresse tudo bem, teria de esperar cinco anos pelo fim do curso. O ramerrame do dia-a-dia, no meio daquela turma de gente muito mais jovem que eu, era-me muito desagradável. As mentalidades eram naturalmente diversas.


Tinha de avançar noutro ritmo. Eu sabia que poderia utilizar o regime de estudante-militar. Nele, preparar-me-ia por mim, e, quando entendesse que estava habilitado, requeria exame. Em qualquer data. Era uma pequena compensação para quem tinha perdido tempo no serviço militar. Abalancei-me a utilizar esse regime.

Depressa me apercebi de que os professores não gostavam muito dos estudantes trabalhadores, muito menos de ex-militares. Tinha sido uma imposição do governo. Quem sofria éramos nós. As notas eram baixas, à partida. Muito facilmente se reprovava. Bastava um deslize estava tudo perdido. Havia que repetir. Com mais duas tentativas. Se chumbasse três vezes, estava erradicado da universidade nessa cadeira. Só noutra faculdade. A única existente era Coimbra.

Foi o que aconteceu numa das primeiras cadeiras do segundo ano. Teoria Geral de Direito. O professor era o célebre Paulo Cunha [, 1908-1986]. Um catedrático veterano, distante e pomposo. Um vozeirão de meter medo. Fui ao exame oral. A tremer de medo. Sentado diante daquela bisarma, lá em cima no seu cadeirão, varreu-se- me tudo da cabeça, à primeira questão que me pôs:
- O aluno vai dizer-me quais os vícios da vontade na formação do contrato. – foi a primeira pergunta. Dá pano para muita manga.

Eu sabia que a lista dos vícios era uma fila enorme. Ocupava folhas e folhas na sebenta.Todos muito ligados uns aos outros por ligeiras nuances que teriam de ser logo muito bem distinguidas e explicadas.

Num primeiro momento, fiquei atordoado. Não me lembrava, rigorosamente, de nenhum. Fiquei calado por instantes. Eu sabia que não podia demorar muito. Numa tentativa de me desenlaçar, respondi para o ar:
- Os vícios da vontade na formação da vontade… são sete.

Ele sorriu.
- Como os sete pecados mortais?... - gracejou.
- Bem. Então vamos ao primeiro.

Mais uns momentos de silêncio. E nada. Bom. Tenho de desistir, para não chumbar.
Foi o que fiz.
- Senhor Professor! Quero desistir…
- Porquê? Não quer tentar mais um pouco?

Fiquei calado, a ver se recuperava a memória. Afinal, eu tinha-os estudado muito bem. Não deu certo.
- Bem, então pode levantar-se. Voltará cá outra vez. - disse o professor.

Grande desaire!... A partir daí, foi uma desgraça. Eu que sempre fora um aluno superior, não habituado a chumbar, a dispensar da oral, passei a levar de todos. Tinha entrado automaticamente para o lote dos que deveriam ser escorraçados da faculdade.

A minha luta, porém, foi titânica. Nunca desarmei. Ia dando em maluco. Eu e a namorada que viria a ser a minha mulher, a breve trecho.

Andei a caminhar para a faculdade como um viciado ou que vai à missa, a todas as horas, durante anos e anos. Não havia recanto ou café de Lisboa onde não tivesse estado a estudar. Até nas maternidades, quando acompanhava a mulher, no nascimento de mais um filho. Cheguei a levar o primogénito, o Paulo Alexandre, aí com uns 3 a 4 anitos, a ver as notas dum exame, na pauta.

Os colegas que ali estavam puseram-se a brincar com ele. Nas correrias, as calças caíram-lhe pelas pernas abaixo e ficou com o rabito ao léu… foi uma risota no átrio. Nunca mais esqueci.

Entretanto, a situação política do país e a internacional, tinha evoluído muito. Com grandes manchetes. Em 1967, subitamente, Israel, sob o comando do Moshe Dyan, invade a Palestina, com um poderio bélico de tal ordem, que sufocou o adversário em meia dúzia de dias, com o espanto de todo mundo.

Cá dentro, a guerra colonial agravava-se num crescendo assustador. Como alimentá-la em material e homens?...As gerações jovens estavam cada vez mais esclarecidas. Começava a dar-se uma hemorragia preocupante, deles para o estrangeiro, na hora de se apresentarem. Portugal estava a ser flagelado nos aerópagos internacionais, pela adversidade de todos os países ocidentais. 

A polícia política exaspera-se, de dia para dia, na caça aos comunistas clandestinos que desestabilizavam as universidades e as empresas. A universidade torna-se palco de pancadaria pelos corredores e escadas, entre os “gorilas” (uma tropa de seguranças escolhidos a dedo) e os estudantes “insurrectos”. Cada vez se tornava mais difícil salvaguardar o regular funcionamento das aulas.

A mim, não me preocupava essa pancadaria. Já tinha feito a minha guerra. Não tomava partido por nada. Um clima de incerteza geral e de preocupação instala-se na universidade. Havia que concluir o curso o mais depressa possível.

Quando, em 1974 se desencadeia o vinte cinco de Abril, eu estava quase a concluir o 4º ano. Durante os dias que se seguiram ao golpe, as universidades colapsaram com as rebeliões internas. Os saneamentos dos professores, a torto e a direito, despovoaram as cátedras de mestres. Era a vingança da estudantada.

Não se sabe donde, surgem mil movimentos ideológicos que querem apoderar-se das rédeas das escolas superiores. Os confrontos, agora, passaram a ser entre os MEC {, Movimento Estudantil Comunista] e os MRPP [, Movimento de Reorganização do Proletariado Português], comunistas e maoístas…

Sucedem-se repetidas RGAS (e uniões gerais de alunos) para se obterem votações directas. Os estudantes eram quem tinha o poder de traçar rumos para a universidade. Verdadeiras batalhas campais, com muita violência, martirizavam aquelas magnas assembleias, sem se chegar a conclusão nenhuma. Só pela alta madrugada, quando já se tinham ido embora a maior parte dos estudantes, é que vinham as decisões.

Tudo foi posto em causa. Rasgaram-se os programas de ensino. Ensaiaram-se os métodos e currículos o mais utópicos que se possa imaginar. Foi uma terrível frustração geral. Parecia que nunca mais as Universidades funcionariam outra vez.
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Nota do editor:


Guiné 63/74 - P10051: Parabéns a você (437): Cherno Baldé, Gestor de Projectos na Guiné-Bissau

Para aceder aos postes do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10049: Parabéns a você (433): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4640/72 e Leopoldo Amado, Historiador e Professor Universitário, natural da Guiné-Bissau

terça-feira, 19 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10050: Patronos e Padroeiros (José Martins) (26): Patrono do RI 14 (Viseu) e Curso da Escola do Exército - 1951/1954




1. Em mensagem do dia 15 de Junho de 2012, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos mais um trabalho para a série Patronos e Padroeiros.






Patronos e Padroeiros XXVI

Patrono do Regimento de Infantaria n.º 14 (Viseu) 
e Curso da Escola do Exército - 1951/1954 

Viriato – Painel, em azulejo, que existiu no Restaurante Viriato, em Odivelas (Bons Dias). 
© Foto José Martins 

Viriato 
Capitão da Lusitânia 

A LUSITANIA foi um território que existiu, em grande parte, no território que é agora ocupado por Portugal, mas que acabou dominado por Roma cerca do ano 29 a.C. Eram povos ibéricos pré-romanos, com origem indo-europeia e habitavam estes territórios desde a idade do ferro. Não existem registos escritos anteriores à dominação romana, mas pensa-se tratar-se de tribos celtas, oriundas dos Alpes suíços que, migrando em busca de climas mais amenos, se tenham vindo a estabelecer nestas zonas, e miscigenaram-se com celtas, dando origem aos Lusitanos.

Tinha como chefe um homem a que chamaram Viriato e, sobre o qual, a história pouco regista. Não existe data em que poderá ter nascido e, como data da sua morte, é referido o ano de 139 a.C., com a idade de cerca de 50 anos.

Esse homem, devido às agruras do terreno e da época, habituado à dureza da vida e às privações que esta lhe impunha, não deixava de ser um nómada – pastor e guerreiro – mas não trocava hipotéticos luxos, pela sua liberdade e pela liberdade do seu povo, com o qual se identificava.

Viriato – Desenho existente na Pastelaria Viriato, em Odivelas (Jardim da Radial). 
© Foto José Martins

Caio Vetílio, no ano de 147 a.C, cerca os Lusitanos na Turdetânia, concretamente no vale de Bétis, aos quais de opõem sob o comando de Viriato que, viria a derrotar as tropas romanas no desfiladeiro de Ronda, onde Vetílio vem a encontrar a morte.

Nova força romana, sob o comando de Caio Pláucio, é derrotada em Segóbriga e, em 146 a.C, é a vez de Cláudio Unimano, governador da Hispânia Citerior ser derrotado e, no ano seguinte, teve igual sorte a força comandada por Caio Nígido.

Nesse ano de 145 a.C, Roma nomeia cônsul da Hispânia Citerior Fábio Máximo, irmão de Cipião o Africano, a quem são dadas ordens de dar combate a Viriato, pelo que lhe é entregue o comando de duas legiões. Os lusitanos sofrem algumas derrotas mas, em 143 a.C, passam à ofensiva e conseguem empurrar os romanos até Córdova. É o inicio duma revolta dos celtibéricos que só vem a terminar em 133 a.C, com a queda de Numância,

Viriato inflige uma pesada derrota ao novo cônsul, Máximo Servilliano, a quem são mortos cerca de 3000 romanos e que, para evitar represálias sobre si, garante a autonomia dos lusitanos. Mas, quando a notícia chega a Roma, o Senado considera o acordo humilhante, pelo que toma a decisão de continuar a luta contra a Lusitânia, pelo que envia nova força sob o comando do general Servílio Cipião, com o apoio das tropas de Popílio Lenas.

O general ao sofrer nova derrota, altera a estratégia para dominar as forças lusitanas, recorrendo ao suborno de alguns companheiros de Viriato, acabando este por ser morto à traição.

Viriato viria a ser sucedido por Sertório, antigo general romano, acabando por ser capturado pelos romanos.

Estrabão, (63 a.C. ou 64 a.C. - ca. 24), historiador, geógrafo e filósofo grego, definiu, assim, a Lusitânia: "A mais poderosa das nações da Península Ibérica, a que, entre todas, por mais tempo deteve as armas romanas".

Armas 

- Escudo de Prata, cinco aneletes de negro em sautor, cada um com uma cabeça de águia contornada e cortada, também de negro, e ensanguentada de vermelho, inclusa;
- Elmo militar, de Prata, forrado a vermelho, a três quartos para e dextra;
- Correia de vermelho perfilada a oiro;
 - Paquife e virol de Prata e de negro;
- Timbre um toiro furioso e de negro;
- Condecorações: Pendentes do escudo a medalha de Cruz de Guerra de 1ª Classe;
- Divisa: num listel de branco, ondulado, sotoposto ao escudo em letras de negro, maiúsculas, de estilo elzevir «CUJA FAMA NINGUÉM VIRÁ QUE DOME».
- Grito de Guerra: num listel ondulado, sobreposto ao timbre, em letras de negro, maiúsculas, de estilo elzevir «VIRIATOS».

Simbologia e Alusão das Peças 

- No escudo, a PRATA enlaça a «humildade» - dos meios disponíveis – com a «esperança» - na inventiva do homem das serranias – em alcançar a «vitória», simbolizado no VERMELHO do sangue que escorre das cabeças decepadas das águias.
- Os aneletes - «virae» em latim – recorda a forma como os romanos identificaram VIRIATO, a quem se referiam denominando-o por « o que usa braceletes ».
- As cinco cabeças de águia decepadas em sinal de derrota das forças romanas, invocam as vitórias de VIRIATO sobre os cinco pretores que venceu antes de pela traição se abatido.
- O Touro, alude a VISEU porque perpetua a recordação do ardil de guerra com que os lusitanos desbarataram as forças de CAIO NIGIDIO que, encurraladas na cave – hoje designada de VIRIATO – debandaram em pânico quando sobre elas carregou em tropel uma manada de trezentos touros enlouquecidos pelo aguilhão de varas de ferro aquecidas ao rubro.
- VIRIATOS inscreve no brasão o tradicional grito de guerra da Unidade.


Os Esmaltes Significam 

- PRATA: humildade e esperança;
- VERMELHO: vitória;
 - NEGRO: constância e firmeza.

Imagem e texto retirados, com a devida vénia, da página do Exercito Português. http://www.exercito.pt/sites/RI14/Historial/Paginas/Heraldica.aspx

José Marcelino Martins
14 de Junho de 2012
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9163: Patronos e Padroeiros (José Martins) (25): Anjo Custódio de Portugal

Guiné 63/74 - P10049: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (56): Desde a ilha de Luanda, evocando o bom irã de Bedanda e enviando um abraço para todos os bedandenses que estiveram no 2º encontro das Onças Negras, e em especial o Tony, o Pinto Carvalho e o Belmiro Pereira (Luís Graça)

1. Comentário do nosso editor Luís Graça (, que está esta semana na Ilha de Luanda, em trabalho, e pouco contactável):

O êxito do 2º encontro dos nossos camaradas bedandenses deve-se a dois tipos de razões… Por um lado, às qualidades de comandante do António Teixeira (Tony, para os amigos), à sua capacidade de liderança motivacional e de organização, qualidades que eu topei logo quando o conheci, o verão passado, na Lourinhã, por intermédio de um amigo comum, o Pinto Carvalho, o mais lourinhanse dos cadavalenses [, nativos do Cadaval,] que eu conheço… [Vd. foto acima, dos dois, em Óbidos, em 16 de agosto de 2011].


O segundo tipo de razões, apresentou-as o próprio organizador, no início do seu relatório de mais esta operação "saudade", levada a bom termo… Tem a ver a com o "bom irã" de Bedanda, essa terra mágica:

(,,,) "Muitos dos presentes neste encontro não se conheciam, visto terem pisado naquele chão em alturas muito diferentes. Mas aquele chão, aquela terra, é mágica, e exerce sobre nós um poder fantástico, poder esse que nos move e nos transcende. Assim, e já depois do grande êxito que foi o nosso primeiro encontro, este ultrapassou todas as expectativas, conseguindo juntar 48 convivas, que por lá passaram entre 1963 e 1974. E nem o dia cinzento, com uma chuva miudinha à mistura, arrefeceu o nosso entusiasmo. Logo ao primeiro abraço era como se sempre nos tivéssemos conhecido". (…)

Reconheço, pelas fotos, alguns dos nossos grã-tabanqueiros de Bedanda (ou que passaram por Bedanda entre 63 e 74), uns mais antigos como o Rui Santos e o Hugo Moura Ferreira (a quem bato a pala, porque a antiguidade na tropa é um posto!), mas também outros camarigos, mais recentes como o Vasco Santos, o Zé Vermelho, os nossos "médicos morcões" Amaral Bernardo e Mário Bravo… sem falar dos já citados Tony e Pinto Carvalho.
Não encontro o José Figueiral nas fotos, e corro o risco de esquecer mais algum bedandense, grã-tabanqueiro.

A propósito, estou a tratar dos papéis para "legalizar" a presença do Pinto Carvalho na Tabanca Grande… Tem nada mais nada menos do que sete referências do nosso blogue, e ainda não consta da lista alfabéticas dos nossos mais de 560 grã-tabanqueiros! Imperdoável, mas o lapso é meu...

Tive pena de, mais uma vez, de não poder partilhar, ao vivo, as alegrias deste encontro de bedandenses… Mas prometo que à terceira é de vez, e que por nada deste mundo vou perder a sardinhada, marcada para Peniche,em Setembro, até por que vai ser organizada por um profissional de saúde, que eu conheço, se não me engano quando ele era diretor do centro de saúde de Peniche, no século passado… Agora, o que eu não sabia é que ele era um grande camarada da Guiné e um ainda melhor bedandense… Estou a falar do Belmiro Pereira...

Mais uma vez é caso para dizer que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca… é Grande!... Fica, desde já o Tony encarregue de apadrinhar a entrada do Belmiro na TG, depois de aceite o convite que eu formalizo e endereço, na minha tripla ou quádrupla condição de lourinhanse, vizinho do Pinto de Carvalho, homem da saúde pública, camarada da Guiné e fundador e animador deste blogue... 

Um Alfa Bravo para todos os bedanses, sem esquecer os "onças negros" da CCAÇ 6... Um "nharro" da CCAÇ 12, Luís Graça...

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9941: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (55): O alf mil capelão Horácio Fernandes, natural de Ribamar, Lourinhã, no álbum fotográfico do nosso saudoso Victor Condeço (1943-2010) (ex-fur mil mec arm, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69)

Guiné 63/74 - P10048: Parabéns a você (436): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4640/72 e Leopoldo Amado, Historiador e Professor Universitário, natural da Guiné-Bissau

Para aceder aos postes do nosso camarada Henrique Cerqueira e do Professor Leopoldo Amado, clicar nos seus nomes.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10044: Parabéns a você (432): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCS/BART 3872 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10047: Blogoterapia (211): Não desistas de fazer anos porque é um exercício muito saudável (Juvenal Amado)

Não desistas de fazer anos porque é um exercício muito saudável

Meus amigos e camaradas
Esta é uma receita para se usar e recomendar. Mas a vida é embelezada pela a família e colorida pelos os amigos.

Pode-se dizer com propriedade que a riqueza de um homem se mede pela quantidade de amigos que fez durante a sua vida. Atrevo-me a dizer que sou um homem rico.
Um ombro amigo na dor e um abraço de alegria, são momentos que perduram para sempre.
A amizade suaviza os maus momentos e faz rebentar a escala nos bons.

Assim só me resta agradecer a todos que de mim se lembraram no dia do meu aniversário* e porque é saudável fazer anos, para o ano cá estaremos todos outra vez.

Obrigado
Um abraço
Juvenal Amado
ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872,
Galomaro
1971/74
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Notas de CV:

Vd. poste de 17 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10044: Parabéns a você (432): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCS/BART 3872 (Guiné, 1971/73)

Guiné 63/74 - P10046: Interessante os diálogos com o Senegal em Junho de 1973 (José Paracana)

1. Mensagem do nosso camarada José Paracana (ex-Alf Mil Analista de Segurança das Transmissões do QG do CTIG, 1971/73), com data de 30 de Maio de 2012:

Caro camarada!
Como estive colocado na Xeret, recolhi informação classificada!
Aí vai: pode pôr no blogue que eu já não me recordo dos dados de entrada no dito!
Interessante saber que o Senegal... dialogava!

Um abraço do
ex. alf. mil. José Paracana


Este documento transcreve uma escuta-rádio do pessoal da Guiné-Conakri!

É por demais ridículo... mas aconteceu este tipo de defesa. Na verdade, por vezes o nosso pessoal, junto à fronteira, "invadia o lado de lá" para passar tempo e beber "no estrangeiro"! Pelo menos assim mo contavam!!!


Neste documento a coisa reveste-se de tragédia: a morte levou mais inocentes para o seu quintal! [...]


Travei conhecimento com o alf mil que estava no serviço de reenvio de corpos para a metrópole! [...]. 

Nota do editor (LG): 

(...) Sobre este ponto (delicadíssimo), diz o nosso camarada Francisco Pinho o seguinte em oportuníssimo e esclarecedor comentário, de 19 d9 corrente, enviado às 7:28:00 PM:

 (...) "Quanto ao segundo documento, e relativamente ao comentário sobre o mesmo,  venho dizer que não havia nenhum alferes miliciano que reenviava os corpos para a metrópole. A secção de funerais,  1ªRep/2ªFun-QG/CTIG,  era constituída por um tenente do SGE, um primeiro sargento, dois furrieis milicianos, dois primeiros cabos e cinco soldados, estando um sediado em Nova-Lamego e tinha a seu cargo tudo o que respeitava a tratamento de mortos no COP5. 

NUNCA foram juntos cadáveres ou parte destes na mesma urna. Quando era impossível recuperá-los por diversos motivos,  eram declarados desaparecidos, com forte presunção de morte, ou então era comunicado que os mesmos ficavam sepultados na Guiné, sendo fornecidas todas as indicações sobre as suas sepulturas, caso de Guidaje. Francisco Jorge de Pinho, Fur Mil 1ªRep-2ªFun-QG/CTIG 1973/14-10-1974". (...)
 

Interessante saber que o Senegal... dialogava!

Guiné 63/74 - P10045: Notas de leitura (370): "Bissau, Entre o Amor e a Guerra", de Leonel C. Barreiros (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 2 de Maio de 2012:

Queridos amigos,
Este Leonel Barreiros é uma surpresa, cheio de vida, folgazão, nunca se disfarça de herói, anota conversas, nas rusgas pelos bairros encontram aqui e acolá armas e sacos de granadas.
Aquela Bissau e toda a sua península vivem aparentemente fora da guerra ou iludem-na na perfeição. Como anota tudo, há que fazer fé dessa agenda onde eles nos dá informação dos feridos e mortos.
Temos aqui um retrato suave, inocente e sincero de alguém que não combate, que destabiliza corações e aprende a encher o tempo.
É talvez o primeiro diário feito por um soldado na Guiné.

Um abraço do
Mário


Diário do soldado Calvário, da Companhia de Polícia Militar 590, Guiné 1963/1965 (2)

Beja Santos

“Bissau entre o amor e a guerra” por Leonel C. Barreiros (edição do autor, 1993), não é de mais insistir é um diário de um soldado da polícia militar que vive dentro da fortaleza da Amura, um D. Juan faceto, hílare e bem convivente, que regista metodicamente pilhérias, alguma brutalidade dos seus superiores, histórias de camaradagem e a evolução da guerra. Aquilo de ser membro da PM dava imensas facilidades para arranjar viaturas ou aproveitar as patrulhas para ir à cata de diversão nos bailaricos populares. Estamos em Março de 1964. A comida é insipida, vão à caça, quando não há caça apanha-se uma cabra desprevenida sem o proprietário à vista. Às vezes há manifestações, o piquete aparece e intervém: foi assim em 22 de Março, houve pancadaria na Praça do Império. Dias depois regressam os contingentes militares da operação “Tridente”. O soldado Calvário vai encontrando conterrâneos por Bissau: é assim que fica a saber que as coisas estão feias à volta de Farim, aliás, ele de vez em quando está de serviço no Hospital Militar e nunca deixa de se impressionar com a carrada de feridos. Estamos chegados à quadra pascal e ele escreve: “Era Sexta-Feira Santa, um dos dias que eu mais venero. Respeitei os meus princípios de cristão nas minhas reflexões evangélicas. Lembrei-me da minha voz infantil quando nesta época dizia aos outros miúdos o Sermão da Montanha e não esqueci nem só um minuto a Procissão do Enterro, feita com as velas, à brisa fresca da noite”. Vão amiúde a Mansoa, os guerrilheiros intimidam e regressam ao mato, são destruidores e ladinos. O namoro com Mariana prossegue, o soldado Calvário irá ser informado que o antigo namorado é um guerrilheiro que está disposto a entregar-se. É impressionante o número de acidentes rodoviários mortais que ele regista quer com civis quer com militares.

O soldado Calvário enfrenta com bonomia as vicissitudes do amor, mesmo as alheias. Na jangada de João Landim encontrou Gabriela que veio de Torres Vedras, queria ir para lá de Mansoa saber do namorado que estaria em Bula, também a família se recusava a dar notícias. O comandante de companhia do dito namorado manda que a levem até ao hotel, Gabriela virá a descobrir que já não está no coração do seu amigo, ficará em Bissau como cabeleireira, encontrará outro ninho de amor. Na caserna, ligam o rádio e ouvem notícias de Argel, de Moscovo, do Senegal. Faz-se enorme alarido sobre o que se passou na ilha do Como, canta-se vitória pelo PAIGC. Registo do dia 5 de Maio:

“Chegou o Quim Bispo que veio de Cutia para ser visto no H.M. à cicatriz do estilhaço que meses antes o tinha atingido. Como ele o António Medo da Póvoa. A conversa do momento foi a situação que se tinha vivido no dia 22 de Abril, quando a companhia deles esteve cercada umas horas debaixo de fogo. Quando o capitão viu um homem ferido, desesperou e exclamou:

- Quem puder fugir, fuja! 
- Nem pense nisso, meu capitão, se o fizermos seremos perseguidos e massacrados. Temos de lutar até chegar o avião, não deve demorar – disseram os alferes e os furriéis.
- Como vamos poder sair daqui com tanto fogo? 
- Os nossos homens são firmes e corajosos, meu capitão… Eles não vão arredar pé de qualquer maneira.

Os aviões começaram a picar e todo o fogo se calou. O capitão, durante muito tempo, sentia-se envergonhado ao pé dos seus soldados”.

Em 9 de Maio, o batalhão 490 volta para o Como, Calvário vê-os partir com tristeza. Dias depois chega o Uíge com 1500 homens, foram todos para os quartéis do Sul. E depois chega Arnaldo Schulz. Há sempre farras, descobre-se sempre o motivo para uma celebração. E ele lá vai registando emboscadas, minas, a chegada de feridos, a venda de sangue, sempre eram 450 pesos para as farras e idas ao Pilão. É uma prosa onde não há tédios, Calvário tem folgas, faz guardas de honra, faxinas à cozinha onde tem birras monumentais com o cabo do rancho, vive o seu idílio com Mariana, até ouve confissões de guerrilheiros.
Por exemplo, no dia 9 de Julho: “O guerrilheiro detido no dia 4 em Buba confessou tudo. Era pedreiro e trabalhou na construção do HM. Foi levado contra vontade para a guerrilha mas, como lhe prometeram um salário de 2000 pesos por mês aceitou. Até aquela data nunca lhe tinham pago nada. Estava farto de lutar contra os portugueses. Queria-se entregar mas não sabia como. Acidentalmente encontrou-se com Arcanja Patrícia, um antigo devaneio. Parece que tudo se reacende e ele volta às quadras ao gosto popular: “Jura agora Calvário/ Se me queres bem ou não/ Dá-me um sinal no teu riso/ Tem dó do meu coração./ Juro Patrícia, juro/ Que te quero muito bem/ Tu és para mim a moça/ Mais bela que o mundo tem”. O Movimento Nacional Feminino oferece-lhe uma viola, o capitão questiona-o, intrigado: 
- Como é que aparece aqui uma viola em seu nome?
- Quando chegámos conheci a criada do nosso comandante militar. Durante o tempo que falávamos, quando estava de reforço, eu cantava baixinho junto ao peitoril do quarto dela. Certo dia abriu a janela e disse-me que a cantiga era demasiado linda para ser cantada sem música. Eu respondi que quando chegasse à metrópole que metesse uma cunha à esposa do nosso comandante para pedir às senhoras do MNF uma viola e mandar-ma. 
- Sabe tocar?
- Pouco, meu capitão. O cabo telegrafista é que me tem emprestado a dele para ir aprendendo pelo método instantâneo.
- Leve-a e estime-a. Quando formos embora, tem de a entregar para ficar para a companhia que nos render.

Em 3 de Agosto estão de prevenção, mas nada acontece. Vai ao convento de Bor e conversa com Canjala, ela agora só serve Deus. Mais bailes, mais zaragatas, espetáculos na UDIB, Calvário deslumbra-se com o conjunto Os Conchas. É inaugurada a piscina no QG, vestem-se à civil e para ali vão não só para mergulhar como para ver as beldades e até trocar piropos. E anota mais emboscadas, mais minas, mais motivados. Calvário responde às suas madrinhas de guerra, de algumas até recebe notas de 20 escudos. Por vezes reza, contrito, pede a clemência divina. Em Novembro, um furriel descobriu que ele andava a escrever o diário, Calvário recusou a entregá-lo. Nesse mesmo mês encontrou outro viseense que tinha andado na ilha do Como, onde fora ferido, um avião disparou por engano, um camarada morreu logo ao seu lado, a balbuciar o nome da namorada: “O meu ferimento foi ligeiro, mas chocou-me tanto vê-los morrer que me tem feito chorar a alma todos os dias”. No final do mês escreve que uma coluna dos comandos sofreu uma mina que transportava bidons de gasolina, 10 homens morreram carbonizados. Foi ao funeral dos 10 infelizes e dedica-lhes uma quadra: “Ao leme de uma nau de guerra/ Pelos casebres desgarrados/ Fizeram dar à terra/ Dez corpos queimados”. A vida prossegue, com rondas, folgas e plantão à caserna.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10036: Notas de leitura (369): "Bissau, Entre o Amor e a Guerra", de Leonel C. Barreiros (Mário Beja Santos)

sábado, 16 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10043: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (2): Gazelas em Mansambo

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), com data de 27 de Maio de 2012:

Caro Carlos,
Aqui vão as duas fotos com algum atraso por isso as minhas desculpas, uma tirada em Bissau um mês antes do regresso, a civil com o peso dos sessenta e dois.
Junto uma estória de Mansambo.


Um abraço
António Eduardo Ferreira


Mansambo
Foto: © Torcato Mendonça (2012). Todos os direitos reservados


PEDAÇOS DE UM TEMPO

2 - GAZELAS EM MANSAMBO

Certa noite em Mansambo, o cabo mecânico fazia reforço num posto de vigia que ficava próximo do heliporto. Quem o conhecia, o Santos, sabia bem como era o seu comportamento, sempre pouco preocupado com o que pudesse acontecer.

Em Mansambo no nosso tempo não era permitido fazer fogo quer fosse de noite ou de dia.
Naquela noite tudo decorria com normalidade como era costume, até que o Santos viu entrar na primeira vedação de arame que circundava o aquartelamento uma manada de gazelas e vai disto, sem pensar na confusão que iria arranjar, despejou o carregador na direção dos pobres bichos, que naquela noite pensavam ir ter uma refeição especial ao mondar a mancarra que o pessoal da Tabanca tinha semeado entre as duas vedações, mas ficaram-se só pelo susto.

Com aquele despertar toda a rapaziada supôs ser ataque junto ao arame nós que até nem sabíamos o que isso era (nunca aconteceu enquanto tivemos em Mansambo), foram perguntar ao Santos o que é que ele tinha visto. Ele com aparente convicção, disse que tinha visto homens junto ao arame e por isso tinha disparado nessa direção.

Mesmo sem resposta ao fogo do Santos por parte do inimigo, a ordem foi para bater toda a zona e, a reação ao suposto inimigo, foi de tal ordem que as nossas munições de armas pesadas ficaram quase esgotadas.

No dia seguinte foi feita uma coluna a Bambadinca para repor o material em falta e certamente para dar mais pormenores acerca do sucedido ao Comando do Batalhão. Só passado algum tempo, é que o Santos disse o que na verdade tinha acontecido, viu as gazelas disparou e, tinha que arranjar maneira de sair daquela situação, e assim se safou inventando essa pseudo aproximação do inimigo ao arame.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9847: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (1): Cobumba, Pessoas, Guerra e Reflexões

Guiné 63/74 - P10042: Estórias avulsas (62): A minha ida para a Guiné (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, (1972/74), com data de 11 de Abril de 2012:

Caro amigo aqui estou de novo.
Já hoje visitei o blogue, o que se tornou um hábito.
Não passo um dia que não o visite. Felicito-vos por tão grande iniciativa.
Os meus parabéns, pois foi o blogue que me ajudou a superar certos traumas que eu tinha desde aqueles tempos idos. Hoje não me envergonho de haver sido militar e ter servido na Guiné porque vocês me deram a força interior para quando em algum sitio que eu esteja presente e surja uma conversa sobre a guerra do ultramar, ou a guerra colonial, digo sem rodeios que eu cumpri o serviço militar na Guiné e quando os que menos sabem do que lá se passou começam a dizer asneiras, e muitas vezes a denegrir a imagem dos ex-combatentes no ultramar, antes eu me calava, mas agora tenho força suficiente para os desmentir e dizer-lhes que calados estariam melhor pois nunca lá estiveram e porque nasceram noutra época e não lhes tocou o que nos tocou a nós.

Por tudo isto o meu muito obrigado.
António Melo


A minha ida para a Guiné

Pertenci ao BC 5 de Campolide mas estava destacado em serviço no Forte do Alto Duque em Algés, e como éramos poucos, o Comandante mandou metade do pessoal passar a casa o Natal e a outra metade o Ano Novo e assim ficaram todos contentes. A mim tocou-me estar de serviço pelo Natal e ir passar o Ano Novo a casa com a família. Por sorte minha chegou a minha mobilização no dia 24 de Dezembro e quando chegaram os que foram passar o Natal, o sargento da secretaria ao ver a mensagem de que eu estava mobilizado para a Guiné calou-se para não me estragar o fim de ano com a família. Ao regressar no dia 4 de Janeiro de 1972 ao destacamento chamaram-me à secretaria e deram-me a notícia de que estava mobilizado e que tinha que preparar todas as minhas coisas para me apresentar no BC 5 que era a minha unidade,

Um pouco tristonho e meio confuso pelo que se estava a passar porque tinha nessa altura um irmão a cumprir o serviço militar na BA 12 de Bissalanca, na Guiné, pensando pelo caminho, se me acendeu uma luz e disse para mim mesmo: - Eu não vou porque dizem que não podem estar dois irmãos ao mesmo tempo no ultramar.

Quando cheguei ao BC 5, cheio de coragem, porque os ia fintar, apresentei-me, eles repassaram uns papéis que tinha na sua frente e disseram-me que eu ia para a casa da rata porque era um desertor. Ali mesmo se me baixaram os fumos e tentei explicar que só havia saído nesse mesmo dia do destacamento do Forte do Alto Duque porque só naquele dia me haviam comunicado a minha mobilização. Por resposta recebi a contestação de que me deveria ter apresentado no dia 25 de Dezembro e que portanto era um desertor. Insisti que não era como eles diziam mas sim como eu lhes estava a contar. Um Primeiro-Sargento que me escutava mandou-me sair um bocado e, não sei se por telefone ou por que meios, comunicou com o Destacamento e confirmou que eu estava falar a verdade. Assim terminou tudo em bem e este rapaz respirou de tranquilidade.

Comunicaram-me que me iriam fazer uma guia de marcha para me apresentar nos Adidos onde me tratariam de tudo, incluindo vacinas, para poder embarcar para a Guiné. Foi então que eu pensei: - Esta é a minha oportunidade, vou atacar agora mesmo. Disse-lhes que tinha um irmão na Guiné a cumprir o serviço militar e que por isso mesmo eu não poderia ir porque estava legislado que não poderiam estar dois irmãos ao mesmo tempo no ultramar, ou na guerra, palavra que a mim me parecia melhor. O tal Primeiro-Sargento que me havia mandado sair um pouco de novo interveio e disse:
- Sim senhor, tens razão, vou-te preparar um documento para que o assines.

Enquanto esperava que preenchessem o documento pensava para comigo mesmo: - Esta partida já a ganhei. Estava contentíssimo pois eu não era um parolo e a mim não se engana facilmente. Que contente estava cá o rapaz até que chegou o momento de me chamarem e me disseram:
- Assina aqui este documento para que vás para casa, e quando o teu irmão regressar, no fim da comissão, tens que te apresentar para ires cumprir a tua missão.

Respondi ao meu queridíssimo sargento que para ir depois do regresso do meu irmão preferia ir já. Retorquiu o sargento que não havia necessidade de o ter chateado tanto quando afinal a minha vontade era ir. Calei-me porque a minha vontade era mandá-lo a um sítio que agora não digo.

Deram-me a guia de marcha e lá fui apresentar-me nos Adidos. Depois de cumpridas as formalidades e andar de um lado para o outro e tudo o mais que tocava a todos e de que pouco me recordo, deram-me uma licença para ir para casa e apresentar-me em determinado dia.

No dia seguinte à apresentação foram as vacinas da praxe que todos nós conhecemos, mas quando estava para embarcar surge o inesperado, dizem que eu não estava vacinado. Eu de novo a insistir que estava e eles a dizerem o contrário. Escusado será dizer que a minha palavra não valeu de nada e de novo mais vacinas. Dizia para mim mesmo: - Como é possível isto estar a acontecer, mas cala-te porque se vai passar igual ao que te aconteceu no BC 5. Come e cala.

Quando estava de novo vacinado é que foi tudo muito rápido. Fui informado que no dia 26 de Fevereiro tinha que estar cedo no Aeroporto de Figo Maduro ou então 2 horas antes aqui nos Adidos, ao que respondi que me apresentaria no aeroporto no dia seguinte.

Levantei-me às 5 da manhã, preparei as minhas coisas despedi-me da pessoa que tinha ao meu lado, a minha esposa, pois havia casado há pouco mais de um ano. Não me despedi de mais ninguém porque as despedidas sempre me custaram. Apresentei no aeroporto e, cumpridas as formalidades, meteram-me num avião, um Boeing da Força Aérea que cá para mim estava muito bem, mas a verdade, vista agora, que entendia eu de aviões para dizer que estava bem? Ainda porque, acima de tudo, era a primeira vez que eu ia andar de avião.

Chegou a hora e o aparelho levantou voo. A partir daí já só pensava na Guiné e no que havia deixado para trás. Levava comigo uma mágoa, deixava a família e a esposa por dois anos. - Vamos lá que sou jovem.

Quando levávamos algum tempo de viagem fomos informados de que iriam servir a comida. Pensei: - Nada mais acertado pois já levo algo aqui dentro que necessita ser aconchegado.

Começa o movimento e vejo vir uma hospedeira que pesava uns cento e vinte quilos e usava farda da Força Aérea. Tinha bigode e não cabia no corredor de tão gorda. Eu que pensava que ia ser servido, como ouvia dizer, por uma senhorita modelo, e toca-me só hospedeiros. Mas que é isto?

Eu queria era uma hospedeira não cabos especialistas da Força Aérea mas, enfim, vamos a isto. Põem-me um pacotezito que parecia os que nos dão nos cafés com açúcar, eu sem saber nada daquilo, olhei para o lado pois aí ia também um cabo especialista que tinha vindo de férias e era do Montijo. Conhecia-o bem, era o Dimas, embora creio, ele não me conhecia. Eu sabia que ele era cabo especialista porque o conhecia e ao ouvir a conversação com outros que viajavam ao seu lado dei conta de que tinha vindo de férias. Vamos lá ver como fazem os outros porque não sei o que isto é. Espero e, como eles fizerem, faço igual. Assim foi, quando eles abriram o tal pacote e começaram a lavar as mãos, eu também. A esperar, a ver e a imitar, lá me fui desenrascando, mas qual no foi a minha surpresa, ao olhar para o lado vejo um parceiro a comer o guardanapo perfumado que era para lavar as mãos. Calei-me como se não me desse conta mas por dentro estava a rebentar de riso ao ver a cena. Quando deu conta da asneira, teve o bom censo de esperar, ver e repetir como fazia cá o macaquinho de imitação.

Com tudo isto lá chegamos ao aeroporto de Bissalanca e para mim o baptismo de voo, pois foi a primeira de muitas e longas viagens que já fiz na minha vida e que por certo me encantou. Desembarcámos e, quando estávamos na sala de desembarque para sair, começou o que não sabíamos ser o coro de periquito, periquito!!!. Começaram todos a recuar pois ninguém queria ser o primeiro a sair. Diz o tal amigo que viajou ao meu lado, pois já nos tínhamos feito amigos durante a viagem:
- Oh, pá não saias porque é só, periquito, periquito!!!
- Eu quero lá saber, que se f…. porque eu estou ali a ver o meu irmão.

Saí e corri para o meu irmão, abraçámo-nos, beijámo-nos e, num abraço demorado, choramos os dois. Um que era eu, com a farda verde, e ele de farda azul da Força Aérea.
As vozes de periquito, periquito, calaram-se e fez-se silêncio porque nesse momento dois militares choravam banhados em lágrimas. Os que chamavam periquitos quiseram saber o que se estava a passar. Com o meu irmão estava um amigo que era da Moita com quem se dava muito bem e que eu conhecia de o ter visto duas vezes antes de irem para a Guiné. Foi ele que fez saber que éramos irmãos e por isso chorávamos. Pois por mentira que pareça, não mais se ouviu a palavra periquito.

Tocou-me aquela gente, mais negros que brancos, que me deram imediatamente uma lição, porque eu levava metido na cabeça que os negros não eram gente como eu, e ali me demonstraram que eram humanos e sensíveis, por isso os respeitei e respeitarei porque souberam compreender a dor de dois irmãos que naquele momento se sentiam alheios ao mundo que os rodeava. Só queríamos saber um do outro e o meu irmão perguntar coisas dos nossos pais, dos nossos irmãos e restante família.

Passado o momento de glória que foi abraçar o meu irmão, cumprimentei o Moita ou mais correctamente o Piedade que é o seu nome, em seguida fui para os Adidos onde o meu irmão e o amigo me acompanharam.

Depois da formatura da ordem, apresentações e de mais coisas que já nem recordo, eles que já eram batidos, falaram por mim e na verdade após me acomodar na caserna fui com eles para a BA 12 comer uns bons enchidos e outras coisas mais que a minha querida mulher me havia metido no farnel. Foi tudo bem acompanhado de boa cerveja e, já com o meu irmão bem tratadinho, fomos comer ao refeitório da Base. Nessa noite dormi na base.

Meus caros amigos, por hoje não vos vou molestar mais.
Um abraço para todos os camaradas da tertúlia, em especial para o Carlos Vinhal.

Nota: - Peço desculpa pela falta de ortografia mas o meu computador é espanhol e por vezes não posso escrever como quero. Sou também muito novato nestas andanças.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9711: Tabanca Grande (328): António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf do BCAÇ 2930, Catió e Quartel General, Bissau (1972/74)

Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9792: Estórias avulsas (58): Fotos de Bedanda (Luís Gonçalves Vaz/Mário de Azevedo)

Guiné 63/74 - P10041: Em busca de... (192): O ex-1.º Cabo Escriturário Mário Serra de Oliveira procura o seu Tenente Mário da Silva Ascensão, 1967/1968

1. Mensagem do nosso camarada Mário Serra de Oliveira (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68), com o pedido de divulgação do seu desejo de encontrar o "seu" Tenente Mário da Silva Ascensão:

Olá camarada Carlos Vinhal!
Fazendo votos que tudo vá bem de saúde, estou a contactar por duas razões.

Uma - procuro um ex-camarada da tertúlia e que, pela sua hierarquia directamente a mim, por todo o respeito, terei que referir com o "Meu Tenente", Mário da Silva Ascensão ou ao contrário. Já lá vão muitos anos mas creio que, seguindo as passadas do tempo e referências à época de permanência na Guiné - de tal a tal data - no desempenho a cargo do refeitório da BA 12 e da Messe de Oficiais da FAP em Bissau, creio que será possível descobrir se a pessoa em causa ainda está entre os vivos.

Foi meu chefe - Alferes primeiro e Tenente depois, entre a minha estadia na Guiné, na Messe de oficiais da FAP, entre Maio de 1967 a Setembro Outubro de 1968, quando ele foi substituído, pelo Tenente Rocha, sobre o qual é tudo quanto sei.

Já contactei o Estado Maior da FAP na Amadora mas não me quiserem dar nenhuma informação debaixo do pretexto - quiçá válido - de que se tratava de informação pessoal sobre a qual não poderiam divulgar, mesmo que soubessem.

Duas - a razão por que procuro saber do seu paradeiro seria para lhe oferecer um exemplar do meu livro - prestes a ser publicado pela prestigiada editora do Chiado, conforme cópia do e-mail-proposta, cujo texto está no anexo acima.

É que, no mesmo livro, faço referência a certos episódios - tal como o baptismo do vinho, como te deves de recordar - bem como outros sobre o qual, gostaria de solicitar ao meu Tenente uma espécie de confirmação do que digo. Claro que, só ao saber que uma pessoa com quem lidei no dia a dia durante tantos meses, já seria mais que motivo saber que ainda estava entre os vivos.

Mas, juntando o útil ao agradável, creio que seria óptimo ter uma dedicatória abonativa da verdade, incluída no meu livro. Antecipadamente grato pela tua colaboração, se acaso não disturbar os teus afazeres.

Um abraço e, já agora, se tiveres oportunidade, visita a minha pagina do FB, carrega em M.Tito e segue os links. Vais gostar de certeza. Se quiseres, podes publicar.

Mário
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9998: Em busca de... (191): Pessoal da 26ª CCmds, camaradas do João Gertrudes Luz, natural de Faro, sold cond comando (Brá e Teixeira Pinto, 1970/71), tragicamente desaparecido em 2007 (Anabela Pires, de regresso à Pátria)

Guiné 63/74 - P10040: Efemérides (104): A nossa malta no 19º Encontro de Combatentes em Belém/Lisboa. 10 de Junho de 2012 (Magalhães Ribeiro)

10 de Junho de 2012
Dia de Portugal
Belém/Lisboa

Junto ao Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar 

 Jorge Canhão, Vacas de Carvalho, Jorge Cabral e Miguel Pessoa. 

José Colaço, António Pimentel, Vasco da Gama e Mário (camisola amarela, de costas) 

 Aspecto geral do pessoal

Giselda Pessoa (pólo branca)

 Mario Fitas (camisola amarela, de costas) à conversa com Magalhães Ribeiro

 Fernando Chapouto (lado direito com boina castanha), Vasco da Gama (ao centro, de frente)  

 

Mario Fitas (camisola amarela, de costas), Miguel Pessoa, Virgínio Briote, António Pimentel, Francisco Silva, Silvério Lobo, Vasco da Gama e Jorge Cabral
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P10039: Tabanca Grande (344): José Alberto Leal Pinto, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAV 8320, Bula e Cumeré, 1971/74 (Luís Gonçalves Vaz)



1. O nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), enviou-nos a apresentação oficial nesta Tabanca Grande do nosso Camarada José Alberto Leal Pinto (foto do lado esquerdo), que foi 1º Cabo Escriturário na CCS do BCAV 8320, Bula e Cumeré, 1971/74. 



Regresso à Metrópole do Batalhão de cavalaria 8320/72 



Como responsável por alguma da indignação de alguns antigos ex-combatentes pertencentes a este Batalhão, já que fui eu que “libertei” algumas notas do último CEM/CTIG, que relatam parte das reivindicações do Batalhão 8230, em vésperas do regresso à Metrópole, resolvi conhecer pessoalmente e entrevistar, aquele que mais se tem manifestado no blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné em defesa da honra do referido Batalhão, o ex-combatente José Alberto Miranda Leal Pinto, ex-cabo escriturário, que esteve nas fileiras do Exército Português, entre o ano de 1971 e 1974, passando na metrópole pelos Regimentos R.I.8, R.A.L. 4, R.L.2 e R.C. 3. Na Guiné Portuguesa esteve em Bula e no Cumeré. José Alberto Leal Pinto, meu conterrâneo, nasceu em Barcelos (Arcozelo) em 28 de Fevereiro de 1950. Atualmente mora na cidade de Barcelos, e é reformado de afinador de máquinas, casado e com quatro filhos, dois deles gémeos. 



Aquando da sua integração nas fileiras do Exército, numa altura em que eram necessários muitos soldados para podermos manter com sucesso os 3 teatros de operações, o 1º cabo José Pinto, já com um irmão a combater no TO de Angola, e único amparo de sua mãe, solicita então, o “Processo de Amparo”, que infelizmente lhe é indeferido. Não satisfeito com a decisão, solicita superiormente a “revisão da decisão”, e aguardou serenamente pelo desfecho, na Escola Militar de Eletromecânica (EMEL) em Passos de Arcos, onde se encontrava na altura. Entretanto e segundo me contou, um tio seu que conhecia o então CEM da Região Militar do Porto, escreveu-lhe uma “Carta”, dirigida ao na altura Chefe do Estado Maior da Região Militar do Porto (meu falecido pai), coronel de cavalaria e do CEM Henrique Gonçalves Vaz, para que intercedesse numa “eventual reapreciação do processo de amparo”, que por ironia do destino, viria a ser este o oficial do Estado Maior, como adiante veremos, que no TO da Guiné em Agosto de 1974, a negociar com o Batalhão 8320, do 1º cabo José Pinto, bem como coordenar, com o comandante do CTIG, a sua “Retirada” do Cumeré para regressarem finalmente à Metrópole. O nosso 1º cabo José Pinto, pensando que este oficial do CEM, e seu conterrâneo, já estaria no TO da Guiné (ainda não estava nessa altura…), decidiu “aceitar a decisão”, conformar-se com a mesma e seguir do campo militar de Stª Margarida com o seu Batalhão 8320, para o Comando Territorial da Guiné (CTIG), em 21 de Julho de 72, desembarcando na Guiné nesse mesmo dia, já que essa viagem foi de avião dos TAM. 




O 1º cabo José Alberto Pinto, junto de um obus do seu aquartelamento em Bula em 1973. 

O seu currículo no Exército, pautou-se por um comportamento exemplar ao ponto de ter recebido dois Públicos Louvores, como tal é merecedor de ser ouvido neste canal de comunicação, com todo o cuidado e atenção, já que o seu objetivo principal é “repor o Bom Nome do seu Batalhão”, já que considera ter havido “razões especiais”, para se perceber o comportamento naquele dia 22 de Agosto de 1974. Este ex-combatente, ainda na Metrópole frequentou a Escola de Recrutas e Instrução Completar, o que fez com êxito. Mais tarde virá a ser “Escolhido para a promoção a cabo” nos termos da circular nº1020/IPP 010.0/61 de 11/03/61. Como tal em 24 de Abril de 72 é promovido a 1º cabo nos termos do nº123 do RGIE. Fazendo parte da CCS (Companhia de Comando e Serviços) do Batalhão 8320, embarca em Lisboa, por via aérea, em 21 de Julho de 1972, com destino ao CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné). Neste Teatro de Operações estará quase sempre sediado em Bula, onde durante mais de dois anos (2 anos e 35 dias), servirá o Exército Português, da melhor forma que soube, adotando sempre a máxima, “prefiro a disciplina à indisciplina”, ao ponto do seu Comandante, o Tenente-coronel Ferreira da Cunha (como comandante do Batalhão de cavalaria 8320), o ter Louvado neste TO (Teatro de Operações) duas vezes, a primeira em 11 de Abril de 74, pelo “… seu gesto, sentimentos e humanidade dignos de apreço…” (O.S. nº86 do Bat. Cav. 8320), e em 6 de Agosto de 1974 “…porque ao longo de quase 25 meses de Comissão no T.O. da Guiné, ir desempenhando as suas funções com muito zelo e aptidão. Escriturário da Secção de Reabastecimentos e Tesouraria, tem desempenhado idênticas funções junto do Exmo segundo comandante deste Batalhão. Na ausência do Furriel encarregado da secretaria anexa ao gabinete do Exmo 2º comandante, o primeiro cabo Pinto soube sempre manter, com eficiência notável os serviços de entrada de correspondência e arquivo da mesma, em acumulação com as tarefas que desempenhava. Espírito voluntarioso, sempre deu a sua total e desinteressada colaboração à organização das atividades desportivas e culturais havidas. …”(O.S. nº183 do Bat. Cav. 8320). Como condecoração, teve direito, como todos os ex-combatentes neste TO, à Medalha Comemorativa das Campanhas da Guiné, com a legenda “1972/74 (Ordem de Serviço nº138 do Batalhão de Cavalaria 8320). 

 O 1º cabo Pinto no Mato, preparado para mais uma missão. 

José Alberto Pinto com miúdos de um Tabanca local, na zona de Bula (1973). 

Após o Golpe Militar do 25 de Abril, e depois dos primeiros acordos com o PAIGC, iniciam-se por toda a Guiné, os primeiros contactos com o IN, e nesse sentido, o comandante militar de Bula, juntamente com o comandante de Có, reuniram em 16 de Junho de 74, com o Comando (comissário) Político de Biambe (PAIGC). Estes contactos continuam, e em 13 de Julho o Comandante de Bula reúne com o comando do “8 El PAIGC”. Segundo os “Relatórios” por mim consultados, excetuando os casos de Buruntuma e Jemberem, a retracção do dispositivo das Nossas Forças Militares decorreram normalmente, tendo as FARP (PAIGC) recebido o Aquartelamento de Bula, das nossas forças, em 8 de Setembro de 1974. O nosso 1º cabo José Pinto, segue então com o seu Batalhão de Cavalaria 8320/72, para o Centro de Instrução militar do Cumeré, local onde ficarão sediados, até o dia 25 de Agosto desse ano, dia em que embarca para regressar à Metrópole, com o seu Batalhão. Durante estes dois anos, mas corretamente, durante 26 meses, muitas histórias este ex-combatente terá para contar, e que brevemente o fará aqui neste nosso blogue. Passando agora à abordagem do “episódio em causa”, e segundo o nosso protagonista, “…o referido Batalhão [, BCAV 8320/72,] do qual eu fazia parte, não se pode dizer que era indisciplinado, pois não o era... Mas com 26 meses e companhias com apenas 13 e 14 meses a virem embora e nós a ficarmos por lá não se sabia a fazer o quê... foi essa a razão da indignação, não revolta. …”. Estas são algumas das suas explicações para justificar a “caminhada/revindicação” durante a noite de 22 de Agosto para 23 de Agosto. Em virtude do referido, a maioria dos militares do Batalhão de cavalaria 8320/72, indignados por não chegar a sua vez de regressar à Metrópole, vendo-se ultrapassados por outros contingentes com menos tempo no TO da Guiné, insurgem-se contra tal, e resolvem (a grande maioria do batalhão), dar conhecimento ao seu comandante, o Sr. Tenente-coronel de cavalaria, Ferreira da Cunha, um oficial que segundo o José Pinto, colhia respeito e admiração, das suas “reivindicações”. Na noite de 23 de Agosto, a esmagadora maioria dos militares do Batalhão pediu a presença do seu comandante e expôs-lhe a sua decisão, de “marcharem sobre Bissau” e exigirem que os Comandos do CTIG, os embarquem, de preferência de avião, para regressarem finalmente à Metrópole. Esse encontro não teria sido muito pacífico, mas não houve lugar a muitas explicações e discussões, pois a decisão já estava tomada! Eram momentos difíceis, em que a “liberdade conquistada” pelo golpe militar do 25 de Abril, bem como “a força dada a todos os militares, pelos comissários políticos do novo regime” a instalar-se no nosso país, os jovens oficiais do MFA, legitimavam que “reivindicações no seio das Forças Armadas Portuguesas” se afirmassem de uma forma “nunca dantes permitida”, sem que na altura fosse considerado “um verdadeiro ato de indisciplina”, no sentido de violar o RDM da instituição militar (Regulamento Disciplinar Militar). 

Imagem retirada do Google, onde se pode perceber a localização de Safim e o referido cruzamento para Bula, relativamente à distancia de Bissau, zona apontada por alguns ex-combatentes do Batalhão 8320/72, como aquela onde o Batalhão 8320/72 teria sido “barrado 

É claro que esta é uma opinião pessoal, mas que não descarta, que esta decisão de “um grande grupo de militares”, poderia eventualmente, perigar a segurança e integridade de muitos outros camaradas, já que estávamos em plena implementação do “Dispositivo de Retracção das nossas Forças”, com o IN por perto e a “cercar” e tomar conta da maioria dos aquartelamentos das nossas forças, como tal, alguns comandantes do PAIGC, não só eram “exigentes”, como revelavam agressividade e ameaças, impondo unilateralmente condicionalismos na circulação das nossas forças. Nesse sentido, o PAIGC poderia “aproveitar” a nossa retirada “apressada e sem cuidados de segurança” e tentar infligir uma ofensiva neste ou noutro local, o que felizmente não aconteceu com eventuais consequências graves para as nossas forças, que mantiveram sempre uma “testa de ferro”, seguindo princípios gerais táctico-militares de implementação de uma Retirada de um grande dispositivo militar, e foi no cumprimento estrito da aplicação desse princípio, retirar “de fora para dentro”, ou da frente de combate para a retaguarda, as forças que estavam no terreno em contacto com o IN, que assim se realizou na generalidade a nossa retirada, para que tudo corresse de feição e com segurança para as NF. Mas este “princípio táctico-militar”, da nossa “Retirada Final”, possibilitou que Companhias ou Batalhões mais antigos no TO da Guiné fossem ultrapassados, por outros menos antigos e mais “maçaricos”, mas tudo em prole de uma “Retirada Segura” e ordenada da nossa parte, esta é a minha análise destes incidentes, bem como parte da explicação para que alguns contingentes fossem “ultrapassados” relativamente à sua antiguidade. No entanto não quero de forma alguma, com estas minhas palavras criticar quem quer que seja, apenas relatar com o máximo de rigor este cruciais momentos, que foram sem dúvida momentos difíceis para todos os nossos compatriotas que se encontravam naquele que foi sem sombra de dúvida o PIOR TEATRO DE OPERAÇÕES, dos três Teatros que tínhamos na altura. 

Cruzamento em Safim, onde na noite do dia 22 de Agosto de 1974, o então Chefe do Estado Maior do QG unificado para o Comando Chefe e CTIG, coronel Gonçalves Vaz, interrompeu a marcha sobre Bissau e tentou “negociar” no sentido de evitar que o Batalhão 8320/72 chegasse a Bissau sem autorização superior e sem o seu comandante.  

Chefe do Estado Maior do QG unificado para o Comando Chefe e CTIG, coronel Gonçalves Vaz. 

Como já disse aqui no blogue, o editor Luís Graça, “… a cadeia hierárquica começou a fragilizar-se, a metrópole estava em polvorosa, ninguém queria ser o último a fechar a porta...”, e então é neste contexto que no final da 3ª refeição do dia 22 de Agosto de 1974, o Batalhão 8320, no Cumeré, pede a presença do seu comandante, o tenente-coronel Ferreira da Cunha, e lhe comunicam a decisão de “marchar sobre Bissau”, já que sentiam “… indignação, pelo facto de haver tropa muito mais nova do que nós e que vinham nos TAM, nos aviões militares, e nós por lá estávamos...! ...”. A esta tomada de posição por parte da grande maioria, o Comandante do Batalhão retorquiu sem rodeios: “… só por cima do meu cadáver!...”, e segundo o ex-1º cabo José Pinto, o Batalhão deixou mesmo o seu comandante ali a falar sozinho, e encetou a viagem para Bissau, mas desarmados e sem bagagens de qualquer espécie, conforme me relatou o ex-combatente Pinto, e se pode perceber pelas suas palavras “… nós é que fomos, pois ele não nos queria deixar sair, mas nós desobedecemos e deu-se até um episódio que podia resultar em tragédia, pois nós caminhávamos em fila indiana, uns de cada lado da estrada, e uma Mercedes do tipo das dimensões de uma Berliet, virou-se (numa curva antes de Safim) e por sorte, não apanhou ninguém, e fomos nós que a colocamos novamente na estrada a pulso….”. Será fácil perceber por este episódio, que o número de militares teria de ser mesmo muito grande… para poderem “endireitar” uma viatura pesada como a do relato. Entretanto pelo início da noite desse mesmo dia, comunicam do Cumeré para Bissau, à pessoa do então Chefe do Estado-Maior do QG unificado, o coronel de cavalaria e do CEM, Henrique Gonçalves Vaz (meu falecido pai), no sentido de o informarem do que se estava a passar. O coronel Henrique Gonçalves Vaz, para que fique registado, agiu de acordo com as suas funções na altura, (CEM do comando unificado), pois não competia aos “comissários políticos” do MFA, os jovens capitães a que devemos, sem dúvida, o Regime Democrático em que hoje vivemos, implementar com o “Máximo de segurança”, a nossa retirada, já que por despacho do Brigadeiro Fabião, era ele o responsável, entre muitas outras competências (ler Nota1), elaborar o “Plano de Entrega dos Aquartelamentos”, como tal tomou imediatamente providências, e deu ordens para que o Batalhão fosse interditado na localidade de Safim, para ter tempo de lá chegar e “convencer” os militares a regressarem ao Cumeré. Segundo me confirmou pessoalmente, o ex-1º cabo José Pinto, nessa zona, mais propriamente no cruzamento para Bula em Safim, surge um companhia armada e barra a progressão do Batalhão de cavalaria, ao ponto dos militares de Safim, preocupados com a integridade física do Batalhão “desarmado”, prometeram aliarem-se ao mesmo, se a “força armada” lhe fizesse mal… Pelo que me contou o José Pinto, não houve confrontos e passado pouco tempo chega de Bissau, um oficial do Estado Maior, sem grande comitiva (apenas com um condutor auto… ), o seu conterrâneo, coronel Henrique Gonçalves Vaz, que não identificou na altura, pois não o conhecia pessoalmente, e só se lembra que era um oficial superior e do Estado Maior de Bissau! Eu depois de ler todas as notas pessoais do último CEM/CTIG, posso aqui adiantar que esse oficial do Estado Maior, era o então Chefe do Estado Maior do QG unificado para o Comando Chefe e CTIG, que esteve até às 3 horas da madrugada a tentar resolver este “incidente da retirada das nossas forças”, e foi nesse sentido que mal chegou a Safim, saltou para cima de um jipe, conforme me contou José Leal Pinto, e iniciou um diálogo com os militares do referido Batalhão 8320, prometendo a todos que se voltassem imediatamente para o Cumeré, comprometia-se a resolver o assunto do seu regresso à Metrópole, o mais breve possível, e que teriam um regresso, quando possível, de avião dos TAM, o que na altura imediata não seria possível, só de barco! Os elementos do Batalhão retorquiram que: “…já que estamos mais perto de Bissau, o melhor é continuar na sentido de Bissau, pois o Cumeré estava mais distante!...”, a este comentário e vontade, o coronel Henrique Vaz respondeu, “… se esse é o problema, eu mando vir já de Bissau viaturas em número suficiente para vos transportar até ao Cumeré…!”. E segundo me contou pessoalmente, o ex-combatente José Pinto, o CEM/CTIG mandou mesmo, durante essa mesma madrugada, que dos “Adidos de Bissau” viessem viaturas que transportassem todos os militares novamente para o Cumeré, o que aconteceu. Na manhã do dia seguinte, quando o coronel Henrique Gonçalves Vaz comunicou ao Brigadeiro comandante do CTIG, toda a situação, bem como o pôs ao corrente da sua actuação, informando-o de que teve de fazer algumas concessões, no sentido de evitar que grande número de militares chegassem a Bissau, com todas as consequências nefastas que daí poderiam advir! Pelo que pude constatar nas notas pessoais do então CEM/CTIG, o mesmo brigadeiro comandante não só não concordou, como censurou o chefe do Estado Maior pela iniciativa tida…, daí o brigadeiro comandante do CTIG (Galvão de Figueiredo), teve de ceder às reivindicações dos militares e no dia seguinte, autorizar mesmo que o Batalhão 8320/72 embarcasse finalmente, não de avião, mas de barco, no navio Uíge, o que aconteceu no início da madrugada do dia 25 de Agosto, ao contrário do que previa o coronel Henrique Gonçalves Vaz, nas “suas negociações”, naquela noite atribulada de Agosto do longínquo ano de 1974. 



Encontro do Batalhão de cavalaria 8320/72 no ano de 1987, em Massamá/Queluz, que contou com a presença do seu antigo comandante, o Sr. Coronel de cavalaria Ferreira da Cunha, o segundo do meio, a contar da direita de fato e de cabelo todo branco. 


Como nota final deste relato que em minha opinião, se impunha relatar, poderemos presumir (apenas como reflexão, nada mais…), que se os militares deste Batalhão, tivessem conseguido “controlar um pouco” as suas exigências, teriam talvez regressado mesmo nos aviões dos TAM, aliás como muitos outros militares regressaram, tudo em voos “planeados atempadamente” pelo comando militar do CTIG, durante esta “Retirada Final”, onde o último Chefe do Estado Maior do QG unificado para o Comando Chefe e CTIG, o coronel do CEM, Henrique Gonçalves Vaz, teve muitas e “complexas” responsabilidades. Para que não fique dúvida nenhuma sobre a posição do então CEM, no sentido de “Honrar a palavra tida com o Batalhão 8320/72”, termino este artigo com duas das muitas notas pessoais do coronel Henrique Vaz, já aqui publicadas, a saber: 

Bissau, 22 de Agosto de 1974 

"... História do Batalhão de Cavalaria nº 8320 do Tenente-Coronel Ferreira da Cunha, que se pôs a andar do CUMERÉ, depois da 3ª refeição, em direcção a Bissau, a pé, sob chuva inclemente. Minha actuação ..." 

Bissau, 23 de Agosto de 1974: 

"Como na noite anterior me deitei muito após as 2h, talvez 3 da manhã, levantei-me um pouco depois das 7.30H. A minha "actuação" foi criticada pelo Brigadeiro Comandante nestes termos: "quem o mandou lá? Fazer concessões em meu nome?!" Lá lhe expliquei os motivos do meu procedimento. Em vez de me felicitar, eis o que deu! Durante o dia, as "resistências" do Batalhão indisciplinado vieram ao de cima ... (reticências do próprio) e não teve remédio (o Comandante Militar) senão [...] ceder!, fazendo embarcar o pessoal amanhã à tarde! Eu não desisti e chamei sempre à atenção para a gravidade da situação. ...". 

Coronel Henrique Gonçalves Vaz (Chefe do Estado-Maior do CTIG) 

Tropas portuguesas em viagem no Paquete Uíge (Foto retirada de: 

O 1º cabo José Pinto, finalmente no navio Uíje 

Resta-me agradecer aqui publicamente, ao nosso camarigo e ex-combatente, José Alberto Leal Pinto, a frontalidade das suas posições, o nobre sentido de defender a honra do seu Batalhão, bem como a sua amabilidade em se encontrar comigo, o interesse em me conhecer e contar é claro a sua versão, em quem confio plenamente. Dedico este meu artigo a todos os militares protagonistas destes últimos meses difíceis neste TO da Guiné, especialmente ao meu falecido pai e a todos aqueles que direta ou indiretamente estiveram envolvidos neste episódio, um dos muitos que existiram, durante a Retirada das NF, do TO da antiga Província Ultramarina da Guiné Portuguesa. 

Nota (1): Sobre os “Planos de Evacuação da Guiné” (Abril/Outubro de 1974) 

“… Noutro documento, sem data, que surge aparentemente anexo a este “Plano de Evacuação” são listadas um total de 77 unidades. O extenso documento inclui várias páginas com uma grelha onde estão listadas, da esquerda para a direita o nome da unidade, o trajecto (localidade onde está, percurso e destino, Bissau), e outros pormenores, como data de saída da localidade, chegada a Bissau, aquartelamento, partida para Lisboa, etc. etc. Este segundo documento tem, no final, o nome do Comandante Militar, Brigadeiro Galvão de Figueiredo, mas não está assinado por este. Está, sim, autenticado pelo Chefe de Estado-Maior, Henrique Manuel Gonçalves Vaz, Coronel do CEM. … “ 

Paulo Reis (Jornalista) in: 


Fotografia do encontro do José Alberto Pinto com Luís Vaz.



Luís Gonçalves Vaz

(Tabanqueiro 530)  

Fotos © José Alberto Pinto (2012). Direitos reservados.

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Notas de M.R.: 



Em meu nome, dos demais editores e Camaradas da Tabanca Grande apresento as boas-vindas a esta cada vez maior tertúlia virtual ao José Alberto Pinto, convidando-o a sentar-se à vontade debaixo deste frondoso e fresco poilão. 


Contamos contigo para refrescar as nossas memórias (boas e más) da Guiné. Um Alfa Bravo para ti e outro com agradecimento por este trabalho ao Luís Vaz. 

Vd. último poste desta série em: