quinta-feira, 5 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10119: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (3): Crianças de Mansambo, jamais vos esquecerei!

Crianças de Mansambo, ao tempo da CART 2339 (1968/69)
Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados




1. Em mensagem de 2 de Julho de 2012, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), enviou-nos este texto,  lembrando as crianças de Mansambo do seu tempo.



PEDAÇOS DE UM TEMPO

3 - AS CRIANÇAS DE MANSAMBO

Crianças de Mansambo,  que será feito de vós? O Cherifo foi o nosso primeiro faxina, de olhar atento e profundo, por vezes sem nada dizer, ele dizia não. Um dia os condutores chatearam-se com ele, (não sei porquê, eu tinha vindo de férias à Metrópole), foi embora. Veio o António, bonacheirão e descontraído, para ele tudo estava bem, um dia abalou, os outros meninos diziam que tinha ido para o fanado e por essa razão deu lugar ao pequeno e frágil Demba, (era muito novo) pouco esforço podia fazer, foi faxina até à nossa ida para Cobumba.

Uma das coisas que mais gostavam de fazer era jogar futebol, alguns até já falavam no nome do Eusébio e do Cubillas, influências de Benfiquistas e Portistas, o calçado é que não ajudava, mas eram ágeis a correr. Quando o tropa jogava, eles esperavam e jogavam depois. Uns descalços, outros com trinta e oito de pé e botas rotas quarenta e dois.
Também a Califa que foi minha lavadeira, menina e mulher ao mesmo tempo, sem ter sido criança. Outros havia, por não terem sido faxinas dos condutores nunca soube o seu nome.

Que será feito de vós, meninos daquele tempo? Espero que para vocês a mudança tenha trazido um tempo novo, diferente e melhor, o que parece não ter acontecido a alguns dos mais velhos.
Se mais não tiveram, espero que tenham podido esquecer a palavra guerra e conhecer o que para vocês era desconhecido, viver em paz.
Fiquei feliz por saber que passaram a poder tomar banho na fonte sem necessitar de segurança, apanhar bananas sem medo de haver armadilhas. Poderem ir de Mansambo a Candamã ou a Afiã, sem picadores na frente.

Ao pequeno Demba a quem tinha prometido levar uns sapatos quando viesse de férias segunda vez e, que a minha ida para Cobumba não permitiu, ficaria feliz se pudesse saber que também ele passou a usar sapatos novos, como os que levei ao Cherifo e que a ele eu não pude cumprir a promessa.
Ficava magoado e triste quando alguém lhe dirigia palavras menos próprias, pensava sempre no meu filho que ainda não conhecia, também ficaria triste, muito triste, se alguém lhe dirigisse,  a ele, palavras assim! Não era com intenção de magoar, que essas palavras eram proferidas, eu sei, mas, sim, tentando descarregar a revolta que com o passar do tempo se ia acumulando. Só que, em quem não tinha culpa da situação em que nos encontrávamos… as crianças.

Há momentos na vida que nunca conseguimos esquecer, e eu jamais esquecerei aquele em que um grupo de meninos da tabanca veio até ao meu abrigo levar-me uma galinha, retribuindo e agradecendo assim os sapatos novos que eu tinha levado ao Cherifo quando fui de férias. Não pelo valor da galinha mas pela pela felicidade que todos eles deixavam transparecer naquele momento, que era contagiante.

Crianças de Mansambo, jamais vos esquecerei!
António Eduardo Ferreira (*)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > Quase 40 anos depois... Meninos de Mansambo... e tugas, agora turistas de saudade, entre eles o  antigo... mansambeiro Saagum. 

Junto à fonte, a tristemente famosa fonte de Mansambo: aqui foi gravemente ferido, em emboscada montada pelos guerrilheiros do PAIGC, em 19 de Setembro de 1968, o Saagum, do 1º pelotão da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Recorde-se o relato do nosso camarada Carlos Marques dos Santos, sobre os três graves incidentes ocorridos em 1968 neste lugar, enquanto o pessoal construía, de raíz, numa clareira da floresta,  o aquartelamento de Mansambo:

(...) "A 11 de Julho de 1968 o IN reteve um dos nossos elementos, na fonte, e na perseguição, em conjunto com as NT, o Cmdt do Pel Milícias 103 accionou uma mina A/P, tendo sucumbido aos ferimentos. Deste nosso camarada só houve notícias depois do 25 de Abril de 1974. Em 19 de Setembro de 1968, a CART 2339 sofre uma emboscada, vinda da copa das árvores, também na fonte, enquanto procedia ao abastecimento de água, que causou 11 feridos (5 graves) e um morto. Um dos feridos graves viria a falecer no Hospital Militar de Bissau (241) a 25 desse mês. Em 30 de Setembro nova emboscada na fonte ao Pelotão de Milícia e uma mulher da Tabanca". (...)

Na foto acima, de 2006, os tugas, da esquerda para a direita, o José Clímaco Saagum, o António Almeida, o Manuel Costa, o Aguiar e o Casimiro. Legenda de Albano Costa, foto de Hugo Costa (Guifões / Matosinhos).

Foto: © Albano Costa/ Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10043: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (2): Gazelas em Mansambo

Guiné 63/74 - P10118: Em busca de... (194): Camaradas do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa, 1969 1971 (Carlos Alberto Pinto)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Alberto Pinto* (ex-1.º Cabo Condutor Apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa, 1969/71), com data de 2 de Julho de 2012:

Camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal;
É com muito gosto que estou de novo a contactar a Tabanca Grande e Amigos da Guiné para, e se for do agrado dos Camaradas, dar conhecimento de que já consegui contactos de alguns dos ex-Camaradas do meu Pelotão de Reconhecimento Daimler 2208, que esteve a prestar serviço em Mansabá, Mansoa e Bissau de 6/2/1970 a 18/12/1971.

A partir desta data só tinha tido o privilégio de ter contactado, via Blogue, com o meu ex-Comandante do Pelotão, o ex-Alferes Ernestino Caniço e de o poder abraçar pessoalmente no VII Encontro em Monte Real no passado dia 21/4/2012.

Assim como também tive o gosto de poder conhecer e conviver naquele belo dia na companhia de todos aqueles ex-camaradas que lá estiveram presentes, entre eles tive o gosto de também rever o ex-Capitão Jorge Picado e o ex-Alferes Vacas de Carvalho.
Já mais recente no dia 10/6/2012 tive o gosto de cumprimentar os camaradas Vacas de Carvalho e o Jorge Cabral, no recente encontro do 10 de Junho em homenagem aos Combatentes mortos no Ultramar.

Monte Real, 21 de Abril de 2012, VII Encontro da Tabanca Grande > Na foto: De costas João Paulo Dinis, à esquerda da foto, de camisa branca, Ernestino Caniço seguido de Carlos Alberto Pinto

Mas a finalidade da minha visita ao Blogue é dar a conhecer à Tabanca Grande os nomes dos meus ex-camaradas já encontrados:
António Augusto Proença (Covilhã);
Mário Augusto Alves Francisco (Cantanhede);
Fernando de Oliveira Carneiro (Lisboa);
José Ramos Romão (Alcobaça);
Firmino Manuel Rosado Correia (Budens, Vila do Bispo, Algarve);

Os Camaradas que ainda não consegui encontrar são:
Manuel Domingos Fernandes (de Olhão);
Rui José Cabrita do Nascimento (Alcantarilha, Silves);
António Francisco Rosa (da mesma zona do Rui pois são primos);
João Manuel Leirão Barco (Alentejano);
José Francisco Galrito Potra (Alentejano) é ou foi Funcionário na Segurança Social em Entrecampos Lisboa.

Saudações
Carlos Pinto
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8899: Tabanca Grande (303): Carlos Alberto de Jesus Pinto, ex-1.º Cabo Condutor Apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa, 1969/71)

Vd. último poste da série de 23 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10065: Em busca de... (193): Pormenores do acidente de aviação que vitimou o Sarg. Radiotelegrafista Domingos de Oliveira Neiva em Angola no dia 10 de Novembro de 1961 (Liliana Ramos)

Guiné 63/74 - P10117: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (54): Bula - A guerra das minas (4) - Imprevistos

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 1 de Julho de 2012:

Amigo Carlos Vinhal
Como deverás estar a ir de férias e para que descanses um pouco da “fazedura” das malas e te entretenhas (?!), cá vai mais um troço de “Viagem…” que mandarás para a valeta, assim o julgues.

À rapaziada que à falta de melhor faz (ia dizer goza, mas se calha era chato!!) férias… saúde, boa viagem, boa estadia, bom descanso e DIVIRTAM-SE

Abraços
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (53)

Bula - guerra das minas (4)

Imprevistos

Logo aos primeiros dias no campo minado, estou em crer não estar muito errado ao dizer terceiro, um “Eleito” não esfacela um membro mas é crivado por estilhaços na cara.

Mais BUMMM… iriam acontecer por aqueles dias de inferno e altura houve em que a incerteza e o receio provocados pelas dificuldades na detecção de muitas minas começou a fazer com que a moralização que animava(?) o grupo “mineiro” praticamente caísse por terra para muitos, acabando por acontecer um “Briefing” com o Comandante e os “Eleitos”, onde se tentou ajuizar dos porquês e procurou arranjar uma solução de modo a serem minimizados os danos. O maior problema eram as bastantes e pequenas minas plásticas italianas que estavam deslocalizadas à toa e muitas das vezes difíceis de encontrar dada a sua dimensão e só serem detectáveis pela pica ou pelo pezinho, sendo claro que neste ultima situação relativamente fácil de acontecer, perdoem a ironia, se economizava tempo e trabalho na sua neutralização !!

É bom de ver que a reunião não passou de uma sessão de “psícola” não se encontrando solução alguma ou por outra, como “perguntar não ofende (?)” ainda aventei, santa ingenuidade a minha, da possibilidade de um veículo rebenta – minas, aquele do género bulldozer com correntes rotativas que já à altura existiam, pelo menos noutros exércitos e que poderia ser usado na maior parte do campo. É claro que fui logo perguntado “você está maluco…?” para propor uma tal solução e em pensamento na certa, se era parvo ou imbecil! Para além de não ter achado graça nenhuma, fiquei foi com a impressão de que o homem me “tirou o azimute”! A ver iria.

Perante a resposta e o tom, deduzi que a nossa Engenharia não tinha essa maquinaria nem outra, que um brinquedo desses seria muito caro e como tal, havia substitutos bem mais baratos tais como a nossa cabecinha pensante, as nossas mãozinhas c’as picas e facas em conjugação c’os nossos pezinhos, à mesma eficientes na resolução do problema, mas de manutenção e eventual “oficina” talvez bem mais em conta! A relação custo – benefício era (é?) normalmente decisora da opção.

Pelo meio de BUMM… e mais BUMM, sinónimos de estropiação e mais estropiação, situações que não tenciono abordar à excepção de uma, por a meu ver ser inédita, lá fomos carpindo e digerindo muito mal os dias negros que nos iam assolando. Mais não aconteceram por, sei lá, até porque para alem das contingências “normais", imprevistos potenciadores de desastre aconteciam. Um que hoje recordo e tentarei descrever, pode talvez fazer rir ou pelo menos sorrir ao imaginar-se a cena, mas à altura… podia bem ter descambado em tragédia, bem grande se a dimensão fosse outra.

No meio do campo minado e em dia acalorado andam os “Eleitos” atarefados nas suas lides. Por lá me encontro também, armado com faca e pica e ataviado só com calção e as omnipresentes nessas situações, botas em couro de meio cano alto.

Em pé e peganhento de suor olho para o céu limpo, talvez num daqueles descansos em que era useiro para descompressão, quando dou por uma “formação” de abelhinhas logo ali, que velozmente se aproximam.

Aviso mas não sei se alguém me ouve já que de imediato a minha plena atenção se fixa na visita indesejada de todas ou pelo menos uma parte delas, que começam a passear-se umas pela cabeça e tronco a nú, outras esvoaçando e zunindo em prevenção e algumas fazendo explorações mais alongadas. Destas, uma mais militante, talvez com óculos de visão nocturna ou sensibilizada por qualquer odor atractivo (?) resolve inspeccionar mais a fundo e entra pelo parco e escuro(?) espaço entre o cano da bota e a canela.

Já tinha estado em situações idênticas, quer na minha terra como na Guiné em Capó (P-4031 de14 de Março de 2009) e conforme os ensinamentos adquiridos sabia bem que a hora era do ficar estático e “não pestanejar sequer” ou em gíria castrense “não mexe nem que um cara… lhe passe pela boca”(!) . Seria a única hipótese na tentativa de não sofrer ataque.

Concentrado ao máximo, um dos meus grandes problemas era conseguir ficar estático de modo a evitar que a “bendita que entrou pelo cano” fosse apertada e me brindasse com uma ferroada que em sequência provocasse um movimento instintivo que incitasse as outras ao ataque e aí podia estar feito, já que para alem das ferroadas, para o BUMM… era só preciso descontrolo e umas passadas ou nem tanto!

Após breve tempo que me pareceu infindo, as “queridas” deram às asas sem causar mossa, tendo a inspectora ainda ficado um pouco mais talvez a verificar algo de pormenor ou nauseada, obrigando-me a manter a postura de respeito submisso! Quanto aos “Eleitos” nada recordo mas creio que acabaram por não ser alvos e se calha ficaram a “gozar (!!) o prato”, digo eu !?

Imagine-se agora se o ataque tivesse sido em grande escala e múltiplo, como aconteceu em “Capó”, originando a debandada quase geral… podia causar um verdadeiro desastre. Felizmente assim não aconteceu e mais um dia que podia ter sido negro, foi ganho.

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10006: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (53): Bula - A guerra das minas (3) - Acontecia... Bummm!!!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10116: Inquérito online: "Um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude ?" (Parte III) (Luís Graça / Hélder Sousa / José Rocha)


Sondagem realizada, "on line", de 28 de junho a 4 de julho de 2012. Opinião dos nossos leitores (n=115) sobre o conteúdo da afirmação do historiador francês René Pélissier sobre o nosso blogue ("É um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude")...

Como se pode avaliar pelos resultados expostos acima, as opiniões estão extremadas: uma maioria relativa de 48.7 % (n=56) concorda totalmente ou em parte com a afirmação do René Pélissier; outra parte dos nossos leitores, ligeiramente mais pequena (41.8%; n=48),  discorda totalmente ou em parte ... Apenas 1 em cada 10 parece não ter opinião.

Não se tratava de opinar sobre o historiador (e a sua obra) mas apenas sobre a percepção que ele tem do nosso blogue. Alguns dos nossos leitores acabaram por centrar-se demasiado na pessoa do mensageiro, ignorando ou escamoteando a sua mensagem. Pessoalmente, também discordei frontalmente da opinião do nosso leitor René Pélissier, que me parece redutora. De qualquer modo, todos os que votaram nesta sondagem e/ou expressaram os seus pontos de vista, são credores dos nossos encómios e agradecimentos. (LG)



2. Um dos nossos leitores (camarada, amigo e colaborador permanente) que publicitou e justificou o seu voto foi o o Helder Sousa [, foto à direita]... Aqui fica a sua opinião:

(...) Caros amigos e camaradas: Também exerci a minha possibilidade de votar e votei 'discordo'. Esta questão parece-me simples e fiquei um tanto admirado com o teor de alguns comentários que fui lendo.

Vi as coisas do seguinte modo: um senhor chamado René Pelissier, tido por 'especialista' em questões africanas e em particular relacionadas com Portugal, apreciou e comentou um livro dum camarada nosso, o Fernando Gouveia, que o escreveu a partir do impulso que a sua vivência no nosso Blogue lhe incutiu.

Por via disso, o René, para além de elogiar o livro "Na Kontra Ka Kontra",  acaba também por referenciar o nosso Blogue caracterizando-o como sendo "um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude".

Também por via disso, foi colocado o inquérito para saber em que medida nos revemos nessa classificação.

Vamos por partes: temos, por um lado, uma apreciação a um trabalho de um estimado camarada e, sendo positiva (até podia não ser),  é agradável. Há depois a referência ao nosso Blogue. Não o hostiliza, não o ridiculariza, apenas o classifica segundo os seus (dele) preconceitos, segundo o que ele 'pensa' que é.

Discutir o René, é perda de tempo. Aliás, é inútil, porque o que quer que seja que se venha aqui a teorizar sobre os méritos ou deméritos do 'escritor', do 'jornalista', do 'historiador', não terão grande efeito para além da esfera da nossa audiência.

Portanto, fica a pergunta do inquérito. Não, não acho, que seja um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude. Aliás, grande parte dos comentários que se foi lendo explicam isso muito bem. Pode haver 'nostálgicos', isso sim. Nostálgicos da guerra? Alguns, sim!

Nostálgicos dos tempos da juventude? Também haverá, certamente, e como não poderia isso acontecer, se é normal que o avançar na idade faça muitas vezes recuar as lembranças? Mas não é essa a 'imagem de marca' dos milhares de textos, de poemas, de artigos, que por aqui vão passando.

É, para alguns, um acerto de contas com a 'sua' história, é 'blogoterapia', é tantas vezes o sublimar da amizade...

Ná, não é, definitivamente, "um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude". É de gente solidária, veja-se a ajuda aos vários projectos que se vão desenvolvendo na Guiné, é até de 'filhos de veteranos', portanto o meu forte 'discordo'. (...)




3. Outro camarada, o José Barros Rocha (ex-Alf Mil da CART 2410 - Os Dráculas, Guileje e Gadamael, 1968/70), também expressou um ponto de vista pessoal e original sobre o tópico em apreço:

(...) Não se trata de uma nostalgia da juventude 'lato sensu' nem de uma nostalgia limitada a um período curto - 3 anos?! - da nossa juventude, apesar de, este, ter sido vivido em intenso ambiente de guerra.

Trata-se antes - e é esse, se bem interpreto o espírito da Tabanca - da comunicação pessoal das nossas vivências de tempos tão difíceis, tempos de imprevistos, tempos de incógnitas, tempos de indefinições.

É a libertação de alguns pesadelos, uma sessão de psicanálise, uma catarse, que se manifestam quer pelas palavras e quer também pelas fotografias com todo o seu significado intrínseco e intenso.

Por tudo isto, discordo frontalmente da opinião do 'historiador'. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10110: Sondagem: "Um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude ?" (Parte II) (A. Graça de Abreu / António Rosinha /Armando Pires / Carlos Nabeiro / J. Pardete Ferreira / Manuel Joaquim / Manuel Maia

Guiné 63/74 - P10115: Agenda Cultural (209): Lançamento dos livros "Filhos da Terra - A Comunidade Macaense Ontem e Hoje" e "O Livro de Receitas da Minha Tia/Mãe Albertina", Instituto Internacional de Macau, Lisboa, 11 de julho, 4ª feira, 18h.



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Sítio do Observatório da China...


O Observatório da China – Associação para a Investigação Multidisciplinar em Estudos Chineses tem como finalidade principal contribuir para a divulgação do conhecimento sobre a China em Portugal, através da realização de actividades de investigação multidisciplinares, designadamente:  (i) a promoção de iniciativas que visem o desenvolvimento e divulgação de trabalhos de investigação sobre a China; (ii) a criação de uma rede nacional de investigação em Estudos Chineses; (iii) a organização de eventos descentralizados de modo a estimular a troca de experiências e debates de opinião; (iv)a cooperação com entidades públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, em várias áreas do conhecimento; (v)o acompanhamento e a produção de relatórios periódicos sobre a evolução da realidade económica, política, cultural e social da China; e ainda (vi) a edição de publicações em formato de papel e digital.


1. Mensagem recebida hoje:


Assunto - Lançamento dos livros "Filhos da Terra - A Comunidade Macaense Ontem e Hoje" e "O Livro de Receitas da Minha Tia/Mãe Albertina".


O Observatório da China tem o prazer de se associar à divulgação do seguinte evento [convite em anexo].
Cumprimentos,
Isabel Santos Nogueira,
Assistente da Administração
Observatório da China
Rua de Xabregas Lote E, 13, 1900-440 Lisboa
Portugal


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Notas do editor:





O Dr. Jorge Rangel, presidente do Instituto Internacional de Macau, de seu nome completo, Jorge Alberto da Conceição Hagedorn Rangel, foi capitão  mil no TO da Guiné, tendo comandado a açoriana CCAÇ 3476 (Canbamjari, 1971/73).


Docente universitário com doutoramentos honoris causa, membro do Governo de Macau durante 13 anos, membro dos Conselhos de Curadores das Fundações Casa de Macau, Jorge Álvares e do Santo Nome de Deus, Presidente do Instituto Internacional de Macau e do Elos Internacional, Vice-Presidente, Presidente e membro do Conselho Supremo, é o . Ver aqui o seu perfil completo


(...) "Nasceu em Macau, em 1943. O pai era de Xangai, 'ao tempo conhecida como a Paris do Oriente'; a avó paterna era alemã. Como quase todas as velhas famílias macaenses, tem mais sangue malaio que chinês. 'O cruzamento entre as populações portuguesa e chinesa só começou em meados do século passado.'

Formado em Letras na Universidade de Lisboa, cumpriu o serviço militar na Guiné, tendo trabalhado no estado-maior do general Spínola. À data de 25 de Abril de 1974, ainda estava em Bissau. Regressou a Macau no ano seguinte, para se envolver de imediato na política local. Nas primeiras eleições para a Assembleia Legislativa liderou uma lista independente, a GEDEC, ou Grupo de Estudos para o Desenvolvimento Comunitário de Macau, e foi eleito deputado".(...)



O livro "Filhos da terra: a comunidade macaense, ontem e hoje" foi originalmente uma tese de dissertação de mestrado. Do Repositório da Universidade de Lisboa, retirámos a seguinte informação sobre a obra:


(i) Autor: Rangel, Alexandra Sofia de Senna Fernandes Hagedorn;

(ii) Orientadora: Malafaia, Maria Teresa,1951.-

(iii) Palavras-chave: Costumes e tradições - Macau (China) / Identidade cultural - Macau (China) / Macau (China) - História;

(iv) Teses de mestrado - 2011;

(vi) Resumo:

Esta dissertação de Mestrado é sobre os macaenses, os “filhos da terra”, descendentes de várias gerações de cruzamentos de portugueses com orientais, resultando desta miscigenação uma comunidade com características próprias.

A culinária, o dialecto (patuá) e as festividades tradicionais demonstram a base cultural portuguesa e as influências recebidas dos países asiáticos vizinhos do território com mais de 400 anos de presença portuguesa, devolvido à China em Dezembro de 1999.

Actualmente, Macau é uma Região Administrativa Especial da República Popular da China regida por uma Lei Básica, elaborada em conformidade com a Declaração Conjunta Luso-Chinesa, firmada em 1987. Esta Lei garante aos residentes do território, incluindo os de ascendência portuguesa, a manutenção da sua maneira de viver e os direitos que tinham anteriormente.

É feito um enquadramento histórico, para que melhor se compreenda o nascimento e o percurso desta comunidade, e são identificados os desafios que se lhe colocam, hoje, bem como o seu singular legado cultural. (...)

Último poste da série > 2 de julho de 2012 Guiné 63/774 - P10102: Ser solidário (131): Semana Cultural Guineense. na Escola Fontes Pereira de Melo, Porto, de 2 a 7 de julho de 2012 (Sofia Santos)

Guiné 63/74 - P10114: Patronos e Padroeiros (José Martins) (32): Jozé Maria das Neves Castro - Patrono do Instituto Geográfico do Exército




1. Em mensagem do dia 30 de Junho de 2012, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos mais um trabalho para a série Patronos e Padroeiros.






Patronos e Padroeiros XXXII

Patrono do Instituto Geográfico do Exército





Jozé Maria das Neves Costa 
Brigadeiro 

Nasce a 14 de Agosto de 1774, em Carnide (Lisboa), filho de Manuel Cláudio Costa e Josefa Maria Vieira. Filho de pais não abastados, estudou no Real Colégio das Necessidades, frequentando o curso de Humanidades.

Entre 1791 e 1793 frequentou a Academia de Marinha e, entre 1793 e 1796, estudou na Academia de Fortificação de Artilharia e Desenho, tendo sido considerado um dos melhores alunos na sua época.

Foi promovido ao posto de Segundo-Tenente de Engenharia em 4 de Dezembro de 1796, desempenhando funções na secretaria do Duque de Lafões, e comissões importantes na Brigada de Engenharia até 30 de Março de 1801, altura em que é promovido a Primeiro-Tenente. Em Maio desse ano é promovido ao posto de Capitão de Infantaria e nomeado Ajudante de Campo do Marquês de Marialva.

Por Decreto do Conselho de Guerra de 20 de Julho de 1802, foi nomeado Inspector-Geral das Fronteiras e Costas Marítimas do Reino, o Oficial do Exército Real de França e ao serviço do nosso Exército, Louis-François Carlet, Marquês de la Rosière, em cujo Estado Maior foi colocado o Primeiro-Tenente Neves Costa, onde, se encontrava o Conde de Cambors, pelos quais nutria grande estima e admiração.

Em 1806, com o posto de Capitão de Engenharia a que tinha promovida a 4 de Novembro, é encarregado da reorganização do Arquivo Militar, a convite do Marquês de Marialva, até à entrada em Portugal das tropas comandadas por Junot, que deu inicio ao período das Invasões Francesas.

Durante o governo de Junot, Neves da Costa já com a patente de Major à qual foi promovido em 24 de Junho de 1807, é encarregado pelo Coronel Vicent, engenheiro francês do “Corps du Génie” que acompanhou o exército invasor, e com a supervisão do então Coronel Carlos Maia de Caula, a elaborar o levantamento topográfico das zonas a norte de Lisboa até Peniche.

No ano de 1810, sob a orientação do engenheiro inglês Flether, trabalhou na construção das fortificações que constituem as Linhas de Torres Vedras. Porém, para si, não eram estranhos os projectos adoptados uma vez que lhe é atribuída a autoria, com a indicação dos pontos nevrálgicos, para a defesa de Lisboa. No ano seguinte, 1811, dirigiu os trabalhos de fortificação da Praça de Almeida, finda a qual voltou à sua paixão principal, a topografia, fazendo o levantamento da Carta da Península de Setúbal.

É promovido, a 22 de Janeiro de 1820 ao posto de Tenente-Coronel, e a Coronel, antes do final desse ano, em 18 de Dezembro de 1820. Defensor da ideologia liberal é eleito deputado em 1822 e, por decreto de 28 de Maio de 1823, é nomeado Ministro da Guerra, cargo que não exerceu, por ter sido restaurado o poder absoluto.

Em 1826 é nomeado Governador do Forte de Lippe, também conhecido como Forte Nossa Senhora da Graça, localizado na actual freguesia de Alcáçovas. Foi nesse período que o Coronel José Maria das Neves Costa, em 29 e 30 de Abril de 1827 aquando da revolta aí acontecida, conseguiu repor a ordem, o que lhe valeu ser citado na Ordem do Exército.

Nesse ano de 1827, enquanto esteve no Forte de Lippe, escreveu uma obra acerca dos direitos e deveres dos soldados perante a sociedade civil que intitulou de “Memoria sobre a Organização e Disciplina do Exercito Portuguez, em relação ao Systema Constitucional”.

Em conjunto com o Visconde de Vilarinho de S. Romão e Manuel Gonçalves de Miranda, formaram um grupo de trabalho para participar, em 1835, na reforma do Sistema de Pesos e Medidas e introdução do Sistema Decimal.

A pedido do governo, em 1837, examina a documentação topográfica existente no Arquivo Militar, com a missão de propor a execução da documentação que fosse necessária para um plano de defesa do país, instituição que Neves da Costa bem conhecia, por ter trabalhado nessa instituição por diversas vezes. Reformado por doença, “sem o haver pedido”, e graduado no posto de Brigadeiro, escreveu as suas “Considerações militares tendentes a mostrar quais sejam no território português os terrenos cuja topografia ainda falta conhecer para servir de base a um sistema defensivo do Reino, que seja conforme com a sua natureza geográfica e com os princípios gerais da ciência da guerra” no ano de 1841.

Faleceu em 1841, em Setembro ou Outubro conforme as fontes, no dia 19, com 67 anos de idade, sem ter recebido em vida qualquer distinção, além das insígnias de Cavaleiro da Ordem Militar de S. Bento de Avis.

Foi sepultado no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, e o elogio à sua memória foi feito pelo Tenente-Coronel Augusto Xavier Palmeirim e publicado, em 1 de Dezembro de 1841, no Diário da Republica.

Por despacho do General Chefe do Estado-Maior do Exército, de 06 de Outubro de 2005, o Brigadeiro José Maria das Neves Costa foi considerado o Patrono do IGeoE - Instituto Geográfico do Exército, tendo em conta as suas qualidades de topógrafo e cartógrafo, assim como a sua vida dedicada à cartografia e a Portugal.

José Marcelino Martins
20 de Junho de 2012
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10103: Patronos e Padroeiros (José Martins) (31): Patrono do Instituto de Odivelas - Infante D. Afonso de Bragança

Guiné 63/74 - P10113: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (1): Mandem a Marinha

1. Mensagem de Augusto Silva Santos*, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73, com data de 30 de Junho de 2012:

Olá Camarada e Amigo Carlos Vinhal,
Indo ao encontro do desafio do Luís Graça, com alguma saudade mas não de nostalgia, e muito mais com o intuito de ajudar a “alimentar” aquele que denominamos de “nosso” blogue, atrevo-me a enviar algumas fotos da minha passagem pelas terras da Guiné, mais precisamente por Jolmete no Chão Manjaco, acompanhadas de três curtas mas engraçadas histórias, pois felizmente no meio de tantas situações desagradáveis por nós vividas, sempre se registaram algumas que hoje ao recordarmos se tornam ainda mais hilariantes ou caricatas.

Não cito nomes nem datas para não ferir possíveis susceptibilidades.
Augusto Santos


ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (1)

Mandem também a Marinha

A primeira que vos passo a relatar, embora não tivesse estado pessoalmente presente, foi-me contada de viva voz por alguns elementos e inclusive pelo próprio protagonista, passou-se muito perto do local onde foram barbaramente assassinados os oficiais que estariam algum tempo antes a negociar a paz no Chão Manjaco, local mais ou menos assinalado de possível passagem dos guerrilheiros do PAIGC.

Sabendo o Comandante de Companhia dessa situação, era habitual mandar emboscar nas proximidades dois grupos de combate (normalmente emboscadas nocturnas), sendo que numa das ocasiões, e já de dia, se estabeleceu mesmo contacto com o inimigo.

Se não me falha a memória, nesse contacto foi mesmo feito um prisioneiro que se encontrava ferido.
Tendo as nossas tropas ficado durante algum tempo debaixo de fogo, o Alferes que na altura as comandava, apressou-se a solicitar apoio aéreo, sem que no entanto (segundo algumas opiniões) tal se justificasse, pois o contacto teria sido breve e o pequeno grupo do inimigo se dispersado rapidamente.

Ora estando o tal Alferes excitadíssimo (aos berros) a pedir o apoio em questão e, tendo o contacto já acabado, um dos Soldados que o acompanhava de perto sacou-lhe o rádio das mãos e disse alto e bom som:

- Já agora mandem a Marinha também!

Como devem calcular, este episódio foi durante algum tempo objecto de comentários mais ou menos jocosos por toda a Companhia.

Foto 1 - Jolmete, Fevereiro de 1972 > Tabanca

Foto 2 > Jolmete, Março de 1972 > Mamas de Badã

Foto 3 > Jolmete, Abril de 1972 > Matança de uma vaca

Foto 4 > Jolmete, Maio de 1972 > A vala e o aramen farpado

Foto 5 > Jolmete, Junho de 1972 > Trilhos de Pioce
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9674: Meu pai, meu velho, meu camarada (27): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1º cabo, 1º Comp /1º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto S. Santos)

Guiné 63/774 - P10112: Ser solidário (132): Fonte de água na Escola EVA de Djufunco (José Teixeira / AD)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2012:

Caríssimos editores
No blogue da AD vem mais uma notícia sobre a ação desenvolvida pela Tabanca Pequena.
Pedia o favor de colocarem no nosso blogue.
Vem também uma noticia da ONGD Mão Amiga, que a meu ver merece ser publicitada*.

Abraço fraterno do
Zé Teixeira





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Notas de CV:

(*) Vd poste de 2 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9982: Ser solidário (128): O contentor da ONG Ajuda Amiga finalmente desalfandegado, aberto e distribuido o seu conteúdo (Carlos Silva / Carlos Fortunato)

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2012 > Guiné 63/774 - P10102: Ser solidário (131): Semana Cultural Guineense. na Escola Fontes Pereira de Melo, Porto, de 2 a 7 de julho de 2012 (Sofia Santos)

Guiné 63/74 - P10111: Tabanca Grande (347): António (ou Tony) Borié, ex-1º cabo cripto, Cmd Agrup nº 16, Mansoa, 1964/66, há 40 anos nos EUA... Passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 564




Estados Unidos  da América > Flórida >  2012 > O António Borié, na praia, segurando uma raia...






Guiné > Região do Oio > Mansoa > Comando de Agrupamento nº 16 (1964/66) > O 1º cabo cripto António Borié,  "perto da ponte do rio Mansoa, da parte norte, por trás do clube  Os Balantas, onde funcionava um cinema".




Guiné > Região do Oio > Mansoa > Comando de Agrupamento nº 16 (1964/66) > O 1º cabp cripto António Borié,  "dentro do aquartelamento em construção"...


Fotos (e legendas): António Borié (2012). Todos os direitos reservados


1. Mensagem de ontem do nosso camaradaAntónio Borié, a viver há cerca de 40 anos nos EUA, atualmente na Florida:

Caro Luís 

Muito obrigado pela tua pronta resposta.

Como dizes, somos camaradas, andamos na mesma guerra. E agradeço o convite e vamos tratar-nos por tu. É uma grande verdade, e já agora obrigado pelos votos de saúde, espero que sim, que seja a minha quarta juventude, e às vezes digo para mim, se em pequeno não tive oportunidade de brincar na praia e com a areia, agora sobra-me tempo para fazer isso!.

Luís, aquí mando duas fotos, uma dentro do aquartelamento em construção, e outra perto da ponte do rio mansôa, da parte norte, por trás do clube " Os Balantas", onde funcionava um cinema. que dava filmes de cowboys!. A outra fotografia é aqui na Florida.

Como dizes,  tenho muitas histórias, que já não quero que sejam mais secretas. Eu relacionava-me bem com os meus camaradas, em especial do Batalhão de [Artilharia] 645, e de um pelotão de morteiros de que não me recorda o número, mas dormia na mesma camarata deles, e vivia todas as suas peripécias. 

Esse pelotão teve três mortos,  se não me engano, e eu chorei-os como se fossem meus irmãos. Eu tinha acesso a todos os reportes de toda a movimentação de tropas que se fazia na região do Oio, e é com esses que me vou lembrando, que escrevi o meu livro.

Não menciono nomes verídicos ou lugares. Mas toda a história se passou na região do Oio, e é verídica. Houve essas mortes e houve esses ataques e houve essas minas que rebentaram, e houve esses camaradas que desapareceram para sempre, embrulhados num camuflado todo roto e ensanguentado, e alguns, com um ar de crianças no rosto.
Aqui te mando uma história que se passou com tropas do pelotão de morteiros e de uma companhia do batalhão 645, que sairam de Mansôa, para um patrulhamento. Fazem parte do meu livro, onde existem muitas mais, umas tristes, outras menos tristes. Desculpa o meu português, pois já estou aqui há quarenta anos. 

Um abraço, António.


2. Comentário de L.G.:

António (ou Tony): A falar é que a gente se entende. Aprecio a tua frontalidade. E recebo-te de abraços abertos em nome dos 563 camaradas e amigos da Guiné que estão formalmente inscritos na nossa Tabanca Grande. Tu passas a ser o grã-tabanqueiro nº 564.

Deixa-me só recordar-te  as 10 regras elementares, de convívio, que estão em vigor entre nós, e que juramos respeitar, à sombra do nosso mágico, secular, grandioso, fraterno poilão... 

Neste espaço, de informação e de conhecimento, mas também de partilha e de convívio, decidimos pautar o nosso comportamento (bloguístico) de acordo com algumas regras ou valores, sobretudo de natureza ética:

(i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem);

(ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros (o mesmo é dizer: que evitaremos as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a insinuação, a maledicência, a violência verbal, a difamação, os juízos de intenção, etc.);

(iii) socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra do Ultramar, guerra colonial ou luta de libertação (como cada um preferir);

(iv) carinho e amizade pelo nossos dois povos, o povo guineense e o povo português (sem esquecer o povo cabo-verdiano!);

(v) respeito pelo inimigo de ontem, o PAIGC, por um lado, e as Forças Armadas Portuguesas, por outro;

(vi) recusa da responsabilidade colectiva (dos portugueses, dos guineenses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro;

(vii) não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da actual República da Guiné-Bissau (um jovem país em construção), salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo);

(viii) respeito acima de tudo pela verdade dos factos;

(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus); mas também direito ao bom nome;

(x) respeito pela propriedade intelectual, pelosdireitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos.

Dito isto, espero que comemores os 100 anos aqui connosco, e que vás colaborando connosco na medida das tuas possibilidades, da disponibilidade de tempo, dos teus bons e maus humores, enfim, sempre que te der na tua real gana. Aqui fica a história que nos mandaste, e que é uma transcrição (legível) do teu livro (inédito) com as tuas memórias da região do Oio.
 
3. UMA ALDEIA DESTRUÍDA
por António Borié


O mês era Abril, e era a uma quinta-feira, por volta das dez horas da manhã. Seguia um grupo de militares, a pé. Este grupo, era composto, por tropas de uma companhia de intervenção e de um pelotão de morteiros. Iam com o camuflado, todo molhado e colado ao corpo. Dos joelhos para baixo, iam molhados por atravessarem pântanos, alguns com arroz, e a parte de cima do corpo, estava coberta de suor, pelo clima quente, húmido e abafado.

 Para alguns, o cantil da água era tão importante como a G-3. Bebiam, bebiam, e sempre que podiam enchiam, de novo o cantil, nos pântanos, ao de cima, com gentileza, para só entrar, no cantil, água mais ou menos limpa, sem mosquitos, ou outras espécies. Traziam uma embalagem de ração de combate, mas muitos preferiam um bocado de pão, mesmo rijo, como alguns comiam na sua aldeia, em Portugal, onde nasceram.

Tinham saído do aquartelamento, manhã cedo, ao começo da luz do dia. Saíram em viaturas auto, que os deixaram ao norte, a uns vinte quilómetros do aquartelamento, aproximadamente. Na frente iam uns tantos africanos, que faziam parte das forças armadas portuguesas, e que normalmente faziam de guias e tradutores, pois por vezes, havia contacto com as populações locais. Era uma operação de rotina, inspecionavam a zona por onde passavam, principalmente se havia vestígios do inimigo. Este grupo de militares era comandado por um alferes miliciano.

O Curvas, soldado atirador, alto e refilão, pois andava sempre contrariado, e quando recebia uma ordem, sempre tinha um argumento para refilar, gostava de mandar, devia ser general!. Ia ao lado do Trinta e Seis, soldado telegrafista. O Trinta e Seis, que não sabia quem lhe tinha posto o nome, mas todos diziam que era pela estatura do corpo, pois era baixo e forte, mesmo muito baixo e forte, e diziam que era o conjunto de números, derivado de uma dúzia. Por exemplo, o corpo inteiro eram doze, metade eram seis, um quarto eram três, e no conjunto dos números, começando por baixo, dava, três mais seis, e como ele era baixo e forte, juntaram os números três mais seis, deu no bonito nome de Trinta e Seis.

Era popular, e conhecido pelo Trinta e Seis, carregava uma aparelhagem às costas, com um telefone. Tinha posto pilhas novas antes de sairem, trabalhava perfeitamente. Ambos levavam a G-3, com carregadores à cinta, e duas granadas ofensivas, que lhe tinham sido distribuídas, pela manhã, antes de saírem. As granadas eram distribuídas, antes de qualquer operação, e eram entregues no final da mesma, se não tivesse havido contacto com o inimigo. 

Quando se procedia à distribuição das granadas, alguém ficava à espera que a caixa ficasse vazia, para com a madeira da mesma, construir uma gaiola, para o seu piriquito, um banco, ou qualquer outro utensílio, portanto, quando eram entregues as granadas, no final da operação, iam para um canto da arrecadação de material de guerra. 

Normalmente a G-3, era transportada, debaixo do braço direito, pronta a disparar, mas com o cano sempre em direcção do chão. O Curvas, que era alto e refilão, levava três granadas. Duas distribuídas pela manhã, e uma que ele nunca entregou, de operações anteriores, e dizia. a alguns que sabiam, que essa granada era dele. Portanto na sua ideia, a granada não era do exército. Era dele.

O alferes miliciano dizia constantemente, ao Trinta e Seis, para ir sempre próximo dele, pois em qualquer momento podia precisar do telefone. O Trinta e Seis não acatava a ordem, pois era amigo do Curvas, que era alto e refilão. Andavam sempre lado a lado, e protegiam-se. Saíram do pântano, e iam em terreno seco, com muita vejetação. A antena do rádio, que era mais alta do que ele, tocava em tudo, e o Trinta e Seis, furioso, dizia ao Curvas, que era alto e refilão.

- Porque carga de água é que o alferes traz o pessoal  para um local destes, com tanto arvoredo, e tão difícil de avançar no terreno!? . Se fosse da parte da tarde, dizia que andava bêbado!.

Pois o alferes tinha fama de andar sobre influência [do álcool], lá no aquartelamento, mas era uma excelente pessoa.

Passado um certo tempo, deparam com uma aldeia, com umas tantas casas, circundadas por uma vedação, com estacas e ramos de árvores. Lá na frente, os soldados africanos entram na aldeia e falam alto, numa linguagem que ninguém entende. Neste momento, diz o Curvas, alto e refilão, (que acima de tudo, era rude, e sempre usava uma linguagem reles), para o Trinta e Seis.

- O que é que estes cabrões, estão a falar?. Estão a dar as boas vindas, ou a avisar a população para fugir, que os soldados estão próximos.

Era uma incógnita, que ninguém sabia responder.

Na aldeia havia somente, uma mulher, magra, já de uma certa idade, nua da cinta para cima, com argolas em volta do pescoço, servindo de enfeite, talvez. Estava sentada, ao lado de um cesto de arroz, com casca, com as mãos ao lado da cara, falando aflita, uma linguagem incompreeensível, e de vez em quando, tirava as mãos da cara, fazia gestos para a frente, ao mesmo tempo que balançava o corpo para a frente e para trás. Na sua frente, estavam duas crianças, também magras, e nuas.

Estas três pessoas, eram no momento, os habitantes da aldeia. Os soldados africanos, chamados pelo alferes, para traduzirem as palavras da mulher, diziam.

- Ela se lastima, por os soldados lhe terem morto os seus dois filhos, e diz para se irem embora, que aqui não há mais ninguém. Também diz que tem quatro filhas, que desapareceram certo dia pela madrugada, e que a visitam de vez em quando, pois neste momento eram guerrilheiras, transportadoras de material de guerra.

O Curvas, alto e refilão, diz para o Trinta e Seis.

- Se esta gaja não se cala, meto-lhe já dois tiros nos cornos!.

O alferes repreende o Curvas, alto refilão, que continua a argumentar, dizendo.

- É uma mentirosa, filha da puta!.

Só o Trinta e Seis, é que o acalma, e manda calar.

O alferes entra em contacto com o comando, contando a situação. Recebe ordens, da captura da mulher e as duas crianças, e em seguida queimar e destruir a aldeia.

Aqui começa o saque à aldeia. Os militares encontraram algumas armas, munições, e documentos, que estavam à superfície, e os africanos encarregavam-se dos objectos com algum valor, como panelas, tachos, roupas, às vezes até encontravam dinheiro, bicicletas, enfim, tudo o que alguns, entendessem que era útil.

Depois, era só deitar o fogo a tudo, e no espaço de uma a duas horas, com fogo controlado, deixava de haver aldeia. Esta aldeia era pequena, tinha somente oito casas. Durante o fogo, ouviram-se alguns rebentamentos, sinal de que havia mais algum material explosivo, talvez enterrado.

Os prisioneiros vieram para o hospital, na capitall da província. O Curvas, alto e refilão, começou o fogo, com o lançamento da sua granada preferida, para o meio da aldeia, ao mesmo tempo que gritava em plenos pulmões.

- Filhos da puta!.

O alferes repreendeu-o. Mas isso nele não produzia qualquer efeito, era alto e refilão, não acatava ordens, e queria mandar, devia ser general!.
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10073: Tabanca Grande (346): Fernando Sucio, ex-Condutor Auto do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74)

terça-feira, 3 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10110: Inquérito online: "Um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude ?" (Parte II) (A. Graça de Abreu / António Rosinha /Armando Pires / Carlos Nabeiro / J. Pardete Ferreira / Manuel Joaquim / Manuel Maia

Voltamos aos comentários dos nossos camaradas a propósito da nossa sondagem à afirmação de René Pélissier: "Um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude?"

1. Comentário do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70):

Discordo da opinião de René.
Considerar-nos um grupo de veteranos nostálgicos da sua juventude, além de redutor revela a grande distracção, a forma enviesada, diria mesmo incompetência, com que tem lido o nosso blog.

Sim, verdade que por aqui temos camaradas expressando nostalgia e revolta, tristeza e dor, sentimentos que são parte da alma que é só nossa, que não cabe a ninguém julgar. Mas também temos os que olham o passado como lugar de descoberta do seu eu, do lugar que ocuparam na história politica contemporânea. Mas todos, uns e outros, orgulhosos do que foram, de quem são. E cumprindo neste blog a missão que lhes foi atribuída. Não deixar que ninguém conte a história por eles, por nós.

Uns a favor, outros contra, uns nem por isso e outros, ainda, antes pelo contrário. Mas cada um emprestando o seu contributo para que a história da guerra colonial se faça, se escreva, sem embustes. Jamais alguém poderá falar, contar, escrever, sobre o que se passou em Guileje (p.ex.), sem ler aqui, este Mural, os relatos dos que aos acontecimentos assistiram, não a partir do ar, mas em terra, em dor e sofrimento, em morte e desespero.

René Pélissier, diz a sua biografia, é um leitor compulsivo, um historiador, um especialista sobre colonização portuguesa. Ao dizer o que disse de nós, comporta-se com um dos que assistiram à história a partir do ar. Que a lê no ar. Quem sabe se não é ele o nostálgico, por não ter sido, na juventude, um dos Bravos do Pelotão.

Armando Pires

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2. Comentário do nosso camarada José Pardete Ferreira, (ex-Alf Mil Médico (Teixeira Pinto e Bissau, 1969/71):

O René Pélissier é um castiço!
Conhece a fundo a etomologia das Colónias ou Províncias Ultramarinas Portuguesas, como lhes quiserem chamar, no entanto, não conhece a mística da nossa vida lá nem nas nossas posturas que se seguiram após o nosso regresso.
Que temos nostalgia... temos!
Que fomos jovens... fomos!
Que vivemos muito em pouco tempo... vivemos!
P.S. Pessoal - E O Paparratos foi uma história de Amor... foi!
Todos nós ficamos a amar a Guiné!
Sans rancune.

José Pardete Ferreira

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3. Comentário do nosso camarada Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74):

Claro que o blog evidencia um pouco de nostalgia,afinal foram dois anos de vivência numa experiência nova,num local desconhecido, sob um clima diferente, com gentes diversas,culturas desconhecidas, numa fase de juventude em que a característica fundamental era aquilo a que chamávamos "sangue na guelra".

Essa vontade de recordar, de reviver acontecimentos com quem os conheceu de igual forma, logo muito mais à vontade para compreender esse estado de alma que significou a passagem por perigos e situações adversas que nos marcaram profundamente, essa comunhão de sentimentos, e essa amizade alicerçada ali no teatro da guerra, onde todos "estávamos no mesmo barco" e que só nós somos capazes de entender...

Essa lembrança quantas vezes acicatada por um pormenor que surge de forma impensada e extemporânea que um outro faz aparecer nos convívios à mesa, agora já com famílias que no período subsequente não conseguiam aceitar as narrativas de cada um quando para isso havia força suficiente capaz de explanar sem cair em depressão, e sem gerar atritos...

René Pélissier, tem portanto alguma razão, embora a nostalgia não seja a exclusiva motivação deste nosso convívio à volta de um blog comum a que chamamos nossa casa. Este espaço tem servido também para permitir a descoberta de capacidades, até aqui escondidas, no que à criação literária diz respeito, e são já muitos os camarigos que foram capazes de passar ao papel essas vivências que todos nós conhecemos de forma mais ou menos marcante.

Voltando a Pélissier, não posso deixar de referir que a sua alfinetada sobre a colonização portuguesa, e em especial sobre José Celestino da Silva, não faz esquecer as atitudes dos seus concidadãos, neste país que tem servido para os seus estudos, onde o assassínio e a pilhagem foram a forma de estar gaulesa.
Seria interessante, por exemplo, que pensasse em fazer uma investigação a essa monstruosa tripla invasão, ao saque ocorrido e aos assassínios infligidos às populações...

Manuel Maia

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4.  Comentário do nosso camarada António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74):

"Para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos".

René Pélissier, em entrevista a Lena Figueiredo, publicada no jornal Diário de Notícias, Artes de 02.04.07.

Aqui têm o grande historiador que manda um bitaites sobre quem nós fomos e somos, nunca foi à Guiné mas conhece-nos de gingeira. Eu acho que também conheço este tipo de sumidades, historiadores que não me merecem um mínimo de respeito. Também escreveu uma recensão sobre o meu Diário da Guiné há uns quatro anos atrás, (lembram-se?)e conseguiu a proeza de ler o que não escrevi e virar tudo ao invés. Porque ignorava a matéria sobre a qual escrevia, a Guiné 72/74. Eu respondi na altura. Pélissier tem os seus admiradores neste blogue, pessoas que acham que os seus "estudos parecem exactos e cientificamente bem fundamentados."

De facto, voltem a ler:

"Para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos".
René Pélissier dixit.

Abraço,
António Graça de Abreu

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5. Comentário do nosso leitor e camarada Carlos Nabeiro, ex-combatente no TO de Moçambique entre 1968 e 19770:

Tanto quanto os meus modestos conhecimentos me lembram, nas devidas proporções, os países ditos colonialistas que mais "guerras" tiveram em vários TO e durante mais tempo (depois da 2.ª guerra mundial) fomos nós e a França.
Muitos de vós conheceis e lesteis certamente Jean Lartéguy (Jean P.L.Os_ ty). Lartéguy os seus personagens, uns fictícios, outros com os nomes alterados e até mesmo os Franceses em geral, viram as suas guerras coloniais de forma diferente do povo português e olham os seus Veteranos com outros olhos. Nos livros de Larteguy, encontramos esses jovens nostálgicos (ele próprio) militares de carreira, voluntários, mercenários, etc. Muitos deles com elevada formação universitária. Não gostavam de guerra mas não sabiam fazer mais nada, nem se sentiam à vontade noutros ambientes. Gostavam de cometer (barbaridades) disparates, eram competentes e muito unidos. Percorreram o império colonial francês, na "procura" do túmulo de D. Quixote.

O sr. Pélissier, bastante mais novo que o sr. Osty, confesso que não sei se foi militar mas, certamente como francês e estudioso destes assuntos, conheceu de certeza e provavelmente de muito perto Lartérguy.

Pélissier julga os bizonhos soldados portugueses embutidos do mesmo "espirito" patriótico dos heróis de Larterguy ou dos portugueses que embarcaram nas Caravelas do Gama.

Ora valha-o Deus monsieur René, se o senhor soubesse ao longo (em especial) dos últimos trinta e oito anos os actos Actos de Contrição proferidos por muitos de nós (os tais Nostálgicos) que na volta exigem respeito e memória, o Xôr René, até corava, com o nosso romantismo.

Carlos Nabeiro - 67anos.
Militar desde Julho de 1967 no CISMI de Tavira, até 13 de Junho de 1970, dia da chegada ao RI 15 de Tomar, vindo de Moçambique.
Não me sinto culpado de nada, não peço desculpa, nem mendigo.

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6. Comentário do nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67):

NOSTALGIAS

"Luís Graça & Camaradas da Guiné é “um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude”
(R. Pélissier),

Nostalgia (dos dicionários): doce tristeza causada pelas saudades de alguma coisa, de alguma forma de existência que se deixou de ter, pelo desejo de voltar ao passado, a um lugar, a uma situação vivida.

Digo já, não me sinto um veterano nostálgico dos seus tempos de guerreiro à força. Nem de qualquer tempo da sua vida, tempo feliz ou infeliz. Recordo esses tempos, umas vezes com carinho outras vezes com revolta, mas nada de saudades nem de masoquismo adocicado pela distância dos factos. Quando recordo, em memória carinhosa, as agruras e doçuras da infância, da adolescência e da juventude não estou nostálgico mas posso ficar revoltado ou satisfeito pelas condições em que vivi esses tempos.

Quando me “vejo” menino nos dias de inverno, descalço a caminho da escola, pés arroxeados e mãos engadanhadas pelo frio, é isto nostalgia?
Quando me “vejo” menino, aos primeiros raios do dia após noite de vendaval e antes de partir para a escola, a apanhar do chão azeitona ou bolota até encher a cesta, sinto nostalgia?
Quando, nas tardes quentes de verão me “vejo” descalço, a subir aos pinheiros para derrubar pinhas, com os pés picados pelos tojos e o peito arranhado pelas carrascas do pinheiro, estou saudoso desses tempos?
Quando recordo o dia, já quase noite, em que abri o couro cabeludo numa cabeçada na oliveira que servia de poste de baliza de futebol e não havia meios de me levarem ao hospital onde demorei horas a chegar, sete quilómetros numa bicicleta a furar a noite por estrada de terra, sozinho com meu pai, encharcado de sangue, qual imagem do santo sudário que o padre mostrava no sermão da 5.ª feira Santa, pode ser isto nostalgia?

E será nostalgia recordar a aflição que senti quando, quase sem saber nadar, resolvi atravessar o rio Arunca e no meio do rio fiquei sem pé, valendo-me a corrente forte que me empurrou para uma margem?
E a carga de porrada que levei do meu pai “só” porque aprendi a escrever e resolvi mostrá-lo com a mais vibrante palavra que encontrei, “caral..o”, escrita a giz branco no bojo de um pulverizador agrícola?
Lembrar isto é nostalgia?

Quando me “vejo” a levar puxões de orelhas, reguadas e chapadas do professor primário por não satisfazer as suas exigências na aprendizagem ou mais tarde, já adolescente, a levar umas palmatoadas do director do colégio “só” porque alcei a perna e larguei um “pum” para saudar o senhor João, contínuo, é isto nostalgia?
Quando recordo, nas férias escolares, o trabalho duro no campo, de sol a sol (e até noturno) enquanto a maior parte dos meus colegas andavam a passear e a divertir-se, tenho saudades de tal?

E é para ter saudades da minha “primeira vez”, nas Caldas da Rainha, quando seis “manfiozitos” aproveitaram a viagem escolar para uma visita à “casa de p.”, fila indiana, a serem recebidos à vez por uma decrépita alma caridosa e carinhosa que, por 20$00, nos atendeu a todos?
É nostalgia recordar os dias de fome passados no colégio porque o dinheiro para o almoço era gasto em tabaco e nos jogos de cartas?
E… e… e na Guiné?

Já não falo dos momentos de combate, dos mortos e feridos, das desgraças físicas que nos atingiram. Este blogue é um extraordinário repositório das memórias desses momentos, a maior parte delas sem qualquer laivo de nostalgia, antes pelo contrário. Recordar os vómitos secos, a angústia daquela vivência dominada pelo “inesperado”, os mosquitos, as abelhas, as formigas, a sede violenta que nos obrigava a beber “merda” líquida, a “fome” de comida para gente, a suprema sensação de inutilidade daquela vida de combatente, a deliquescência daqueles dias e dias e dias em que nada acontecia mas “tudo” acontecendo naquele esforço de fazer passar o tempo e de tentar salvar o “couro”, pergunto, recordar tudo isto é sinal de nostalgia?

Que belos tempos, não foram? Não, para mim não foram! Para mim simplesmente foram tempos da 1.ª terça parte da minha vida e que deixaram marcas neste “velho veículo” de quase 71 anos.
Sinto nostalgia quando recordo aquela Guiné que conheci em condições excecionais, sujeito a violências físicas, espirituais e até morais de uma guerra para mim sem sentido?
Não. Olho para trás e vejo simplesmente factos de uma história que posso contar, a da minha participação numa guerra. Valerá alguma coisa essa minha história? Pode ser que não mas, por precaução, ficará como matéria para memória futura, principalmente para os meus netos e seus descendentes poderem encontrar nela algo que fez parte das suas raízes, sejam elas boas ou más, estejam em bom estado ou não, sirvam para os alimentar ou não. Mas que sirvam, pelo menos, para tomarem consciência de que a sua história não começou com eles.

Não, não tenho nostalgia, não tenho saudades do passado. O passado que tive é isso mesmo, passou. Os lugares que frequentei já não existem, para mim já não são eles mas outros que terão o mesmo nome e a mesma localização. Em contrapartida tenho, sim e cada vez mais, é saudades do futuro! Falo por mim. Não sou um dos veteranos referenciados por R.Pélissier.
Admito que existam por aqui mas não em quantidade suficiente para se catalogar este blogue como refúgio de velhos combatentes nostálgicos. É verdade que tento esconjurar o tempo. Sonho por vezes, feliz com o que fui e com o que passei ou pesaroso com as asneiras que cometi e as agruras que padeci.

Como poderei ser nostálgico dos meus tempos de chumbo que ensombraram alguns anos da minha juventude, anos de revolta a respirar a atmosfera violenta duma guerra? Nestas andanças de recordações é frequente ouvir-se “se soubesse o que sei hoje!”. Pois tenho a dizer que, se soubesse o que sei hoje, não entregaria “os pontos” e teria fugido para França, a exemplo do que fizeram mais de 80% dos meus conterrâneos. Não tenho vergonha de o dizer, até porque a maior parte da vida económica do meu concelho deve o seu desenvolvimento a muitos desses emigrantes que fugiram à incorporação militar e, ainda hoje, as suas pensões de reforma são o sustentáculo de muita actividade económica. E são muito queridos e louvados, veja-se isto, pelos que ideologicamente condenaram a sua atitude, sendo mesmo o seu sustentáculo de poder, há muitos anos.

Aqui ando, não nostálgico, tentando não derrapar nas esquinas da vida, numas vezes revoltado, apaziguado noutras. Já sou como uma velha árvore com alguns ramos decepados, outros algo decrépitos, mas onde ainda há alguns ramos viçosos e lá vão rebentando algumas hastes que espero tenham força para se tornarem ramos.

Nostalgias? Como diz o poeta Manuel António Pina, no seu poema “Coisas que não há que há” (O pássaro da cabeça, ed. A Regra do Jogo):

… … … 
Há tantas coisas bonitas que não há: 
… … … 
Tantas lembranças de que não me lembro, 
sítios que não sei, invenções que não invento, 
… … … 
tudo o que eu nem posso imaginar 
porque se o imaginasse já existia 
embora num sítio onde eu só ia … 

Nostalgias?
Só se for do que não vivi e do que não viverei.

Manuel Joaquim

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7. Comentário do nosso tertuliano "Mais Velho" António Rosinha:

Ele escreve sobre nós e a nossa guerra porque é escritor, nós escrevemos no blog, porque somos nostálgicos.
Não conheço o homem, apenas as referências de Beja Santos e um ou outro jornalista.

Da guerra que eu vi, que nos fizeram e que tivemos que aguentar por serviço militar obrigatório, dessa guerra ninguém, seja o Pélissier ou o Furtado, ou quem foi para a Suíça ou Paris, tem mais direito de falar, relembrar do que nós. Mas todos tentam falar daquela guerra, mais alto que nós.

Esta referência da “nostalgia” é dos tais subterfúgios com que calaram muita malta que por lá andou. Não é só ele que até é estrangeiro. Até aparecer o Luís Graça a falar alto e até parece que ensurdece alguns. Ainda hoje tenho gente mais velha das minhas relações, que como eu são “retornados”, e dizem que escondem dos vizinhos que são retornados. (Medo? Vergonha? Ignorância? Complexo da discriminação?) Gosto muito de ouvir estrangeiros falar de nós. E também ouvir alguns portugueses que só foram para as “nossas áfricas” , a seguir ao 25 de Abril “ajudar aqueles desgraçados”.

Já ouvi no Brasil, em Luanda, na Guiné-Bissau, e até turistas na Madeira falar depreciativamente de nós. E já ouvi brasileiros com pena de não terem sido colonizados por americanos em vez dos portugueses.
Já ouvi nos meus próprios ouvidos, suecos, na Guiné, julgarem-nos nazis, e transmitirem essa ideia aos guineenses. Mas uma coisa digo eu, nunca conseguem dizer tudo de nós porque lhe “custa dobrar a língua”.

Os franceses e os ingleses salvaram as fronteiras e o idioma dos seus “grandes impérios” à sua maneira, a nossa geração ajudou a salvar as frágeis fronteiras do seu “pequeno império”, dentro das nossas possibilidades, que era para tudo para desaparecer sem o mais pequeno respeito por aqueles riscos no papel daqueles mapas, algo indefinidos.

Os “PÉLISSIERES” da vida sabem isso muito bem, só não o dizem. E é principalmente por aquele período ser dos mais importantes e relevantes da vida e do futuro de Portugal, que sempre devemos lembrar aos “PELISSIERS”, e muitos nossos que não é apenas “Nostalgia”.

Devemos dizer as verdades para evitar que pedaços do império não venham ainda a desaparecer.
O que vai ser difícil evitar devido às nossas actuais fragilidades.

Cumprimentos
António Rosinha
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Nota de CV:

Vd. poste de 28 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10083: Sondagem: "Um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude ?" (Parte I) (A. Pinto / A. Silva / H. Cerqueira / J, Martins / M. Beja Santos / P. Raposo / R. Figueiredo)

Guiné 63/74 - P10109: Cartas do meu avô (11): Nona carta: uma família feliz, em Azurva, Aveiro (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)


A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria do nosso camarigo J. L. Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da , que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. [, Foto à direita, com os netos].


As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012.


B. NONA CARTA > Em Aveiro > I - Azurva


Externamente à Caixa [Geral de Depósitos], vivia-se numa incerteza política total. Os partidos disputavam, sob a tutela do MFA, o rumo que o país seguiria: se à esquerda comunista, ou à normalidade democrática. O verão de 1975 foi mesmo escaldante. Com focos de violência generalizada por todo país. Esteve-se muito perto duma guerra civil.


A vida em Lisboa atravessara crises de toda a ordem. Desde a segurança ao abastecimento de alimentos. Ficou claro que Lisboa é a cidade mais dependente do país. Vive à custa do resto. Cheguei a ver os balcões dos mercados, por exemplo, o da Ribeira, completamente vazios de géneros. Tínhamos dinheiro mas não havia onde comprar.


A falta de policiamento nas ruas era assustadora. Ninguém se aventurava a girar pelo rua, a partir do anoitecer. A vontade de fugir era muito forte. Só não se fugia, se não fosse possível. Cheguei a tentar emigrar para o Canadá. Já com três filhos. Tratamos de tudo na embaixada do Canadá. Aceitavam-nos de braços abertos. No final as autoridades portuguesas recusaram-nos a autorização.
- Porque éramos ambos quadros técnicos - disseram…


Por isso, aproveitar a descentralização de crédito era a única e oportuna saída. A classificação que tinha deu-me a liberdade de escolher a filial que eu quisesse. Estava muito difícil decidir. Por um lado, tínhamos comprado em 1970, o nosso apartamento em Almada com empréstimo da CGA. Este empréstimo era muito rigoroso e condicionado na sua alienação, antes de dez anos sobre o contrato de compra. Para além duma autorização especial, discricionária, os lucros derivados da venda reverteriam a favor da CGA.

Por outro, a saída para a província implicava a separação, minha, da minha mulher e dos filhos,  dos meus sogros. Já reformados e radicados em Lisboa. Eu, porque conhecia as duas realidades, tinha a certeza de que a vida numa cidade de província teria uma qualidade muito superior à de Lisboa ou Almada. Tudo mais barato. Tudo mais sossegado. A educação dos filhos seria mais fácil. Nasci e cresci na província.

Para a minha mulher foi um caso sério. Seria a primeira vez que saíria de Lisboa onde cresceu. Longe dos pais.  O que facilitou um pouco foi o facto de, tempos atrás, ambos termos concordado na nossa emigração para o Canadá. Por causa da precariedade e insegurança reais, sentidas em Lisboa, nos tempos de crise política.

Havia pouco tempo para resolver. O prazo de escolha da respectiva filial estava marcado. Longas horas de conversa e discussão se seguiram. A A.T. trabalhava no Instituto de Biologia Marítima, em Algés. Tínhamos de escolher um sítio que possibilitasse a sua continuação ao serviço e manutenção do emprego. Algarve, Aveiro ou Porto eram as únicas que se coadunavam. Porque tinham dependências locais daquele organismo.

Algarve e Porto não eram nada do nosso agrado. Aveiro era praticamente desconhecida de ambos. Mas reunia certas vantagens. Mais perto de Lisboa e uma zona bastante rica, economicamente. Com muitos recursos. Era preciso que a direcção do Instituto permitisse a sua transferência.

Em Aveiro, havia apenas um posto de recolha de amostras de pescado, instalado na capitania de Aveiro. De comum acordo, assentamos em que, se fosse autorizada, então, seria por lá que deveria passar a nossa vida, custasse o que custasse… Se não, ficaríamos em Almada.


Foi assim que entendemos. As sortes estavam lançadas. Quis o destino que fosse aprovada a transferência. Ficavam por resolver a consecução de casa em Aveiro e a venda, em tempo, do apartamento de Almada.

Tudo correu bem. A CGA permitiu a venda e manutenção do empréstimo, com sujeição da nova casa ao mesmo regime. Seria uma substituição da casa conservando o empréstimo, como estava.

Em princípios de Setembro de 1977, estávamos a viver em Aveiro. Em Azurva, nos arredores. À mistura com inúmeras peripécias. A primeira foi ver toda a nossa mobília ser encaixada num cam
ião da Galamas para seguir na madrugada para Aveiro. Enquanto nós seguiríamos todos os cinco, no nosso Sunbeam, encarnado, a estrear [, um modelo talvez parecido com o da foto acima: Chrysler Europe - Talbot Sunbeam, 1977-1981]

Chegados a Aveiro, a empresa construtora e vendedora, vinculada por um simples contrato-promessa, não tinha o apartamento habitável, como se comprometera.  Quando chegou o camião, todos os móveis foram encastelados e metidos pela janela, na sala comum, a divisão maior.

Tivemos de arranjar alojamento por uns dias. Onde? Informaram-nos que as” Zitas” talvez nos pudessem alojar. A superiora, quando viu a nossa situação, foi exemplar. Benditas sejam as “Zitas” para sempre. Lá ficamos muito bem, até ao culminar do apartamento. Enquanto esperávamos com os miúdos a brincar no baldio de mato e feno que havia frente à casa nova, o meu filho mais velho, com oito anos, era um ignorante sobre as coisas da vida rural. Quando viu um bando de galinhas debicando à solta pelo monte, exclamou entusiasticamente:
- Hei tantas vacas a pastar!...

Num instante ficava ali demonstrada a vantagem e acerto da nossa decisão…

A casa era um rés do chão elevado, com dois quartos,uma sala e uma garagem. O prédio tinha dois andares e duas habitações por piso. Azurva estava a começar como zona de habitação periférica para quem trabalhava em Aveiro. Tudo ali estava no começo. A centralização em Lisboa e Porto eram asfixiantes do resto do país. Por culpa central mas também por interesses de gente particular. Dali.


"Vila Africana", Ílhavo, sita na Estrada Nacional 109, nº 135... Quando a viajem de Lisboa ao Porto, levava um dia... Hoje a EN nº 109 tem motivos de interesse para o turista sem pressa e com sensiblidade estética e cuttural: tem vários exemplares de casas de "arte nova"... Como, por exemplo, esta casa tradicionalmente conhecida como a "Vila Africana"... Segundo o portal de Aveiro, "o seu interesse reside na fachada profusamente decorada com azulejos. O tratamento da fachada revela um equilíbrio entre os diversos planos e a sua decoração, como salienta Amaro Neves que destaca ainda os gradeados de ferro pela sua delicadeza"...

A distância de Aveiro ao Porto, só de comboio. Por estrada, gastava-se um dia para se ir e vir...pela sinuosa e encharcada estrada 109. A rede de auto-estradas nacional era uma miragem. O interior era mesmo interior. Tudo era longe. Para se ir a Viseu, pelo vale do Vouga, era uma aventura. Uma linda viagem, por entre escarpas e arvoredo frondoso.

Tive de me deslocar lá várias vezes em serviço. Tinha de sair de madrugada, para chegar a tempo. A alternativa seria ir na véspera e pernoitar. Este era o pobre quadro geral no intercâmbio económico do país. Por isso, proliferavam os representantes das empresas, ambulantes e as escolas públicas, superiores ou não estavam circunscritas a um curto raio de influência.

Na Caixa, quem punha e dispunha era a administração de Lisboa. Os gerentes das suas agências e filiais eram os seus representantes. Omnipotentes, melhor, prepotentes, sobre os seus empregados. Uns dóceis cordeirinhos para qualquer instrução que viesse de Lisboa. Nem que fosse dum contínuo. Era Lisboa...

Por isso, a entrada dum técnico superior, imposta por Lisboa, foi um duro golpe no reino dos gerentes. Habituados a pôr e dispôr, à sua vontade. Apenas havia que acautelar muito cuidadosamente, as vindas das brigadas de inspectores. Podiam aparecer, em qualquer dia. De preferência ao acabar do dia. Aí, tremiam as pernas dos gerentes, desfeitos em sorrisos. Mal viravam as costas, tudo voltava ao mesmo.

Quando entrei a primeira vez na filial, fui apresentar-me ao Sr. L... Já me tinha informado sobre ele. Sabia que ele era um dos tais. Um expoente de subserviência para cima e despotismo para baixo. Recebeu-me, disfarçadamente, fora do gabinete. Começou à procura duma secretária onde me colocar. Calhou num canto, atrás duns armários. Como que a esconder-me, o mais possível.
- O senhor vai ficar aqui. Vai preparar este e aquele para o serviço que vem fazer.

De material, - meteu a mão no bolso da camisa, e tirou de lá um lápis viarco, que já ia a meio...e uma esferográfica. E desapareceu.

Era o primeiro embate. Estava declarada a guerra. Ele fizera toda a sua carreira na Caixa desde grumete, aos dezassete anos em Lisboa. Tornou-se amigo do administrador- geral, naquele tempo, era quase um cargo vitalício, tudo gente da confiança do Salazar ou dos seus amigos.

Os saneamentos operados no período do vinte e cinco de abril vibraram duros goles nesse statu quo. O Sr. L... esteve mesmo para ser saneado pelos trabalhadores da filial. Valeu-lhe o facto de ali, em Aveiro, as células comunistas estarem muito rarefeitas. O resto do pessoal era cordato,  avesso a vinganças.

Escapou. Dois anos depois, quando entrei para lá, ele tinha revestido a capa do poder. Só que eu tinha ja os meus conhecimentos em Lisboa. Dum modo geral gozava dum certo respeito. Fora dos primeiros trabalhadores a guindar-me a um curso superior. A maioria se começava, desistia. Trocava tudo pela boémia de Lisboa.

A direcção das filiais e agências de quem dependia o gerente eram-me totalmente favoráveis. No primeiro encontro que tive com a direção ficaram a saber como fui recebido e tratado pelo Sr. L... Só contei a verdade.


A ria de Aveiro e os seus moliceiros - Aveiro > 25 de Agosto de 2008 > Um tradicional barco moliceiro, hoje transformado em meio de transporte de turistas... Tradicionalmente, os moliceiro têm (ou tinham...) dois paineis de proa e dois de popa, de pintura naïve... Cada painel consta de um desenho policromado, com uma cena mais ou menos pícara, relacionada com o quotidiano dos pescadores ou dos camponeses da ria, enquadrada por cercaduras de flores ou figuras geométricas. Há sempre, na base, uma legenda-comentário, escrita às vezes em mau português, e com um segundo sentido (como no caso da imagem acima: "Mete as batatas no rego"...). [, Foto de Luís Graça, 2008].

Regressado à filial, foi fácil perceber que tudo mudara. Não que ele se corrigisse, mas deixou de me fazer guerra. Pura e simplesmente ignorava. Fiquei a trabalhar livremente. Apenas dava conta à direcção e ao chefe do contencioso.

Foram uma meia dúzia de anos. Ele trabalhou até ao último dia. à quele em que fez setenta anos. A reforma levou-o para sempre.E agora? Quem virá substitui-lo? Era o problema.

Um dia, em visita à direcção de filiais e agências, fui directamente abordado por um dos sub-directores, o senhor B... Se eu estava interessado em passar para o quadro de gerentes e tomar conta da filial. Nunca tinha pensado nessa hipótese. Mas foi-me fácil responder. Eu não sentia a mais pequena necessidade e pendor para ser gerente. Era uma função que não queria. Agradeci e declinei.
- Então, de todos os gerentes das agências de Aveiro que conhece, qual escolheria?
- Aí, não tive dúvidas.
- O de Espinho. O dr. L...C....

Não que eu tivesse muita confiança com ele. Mas parecia-me a pessoa indicada. Tinha-se licenciado em Económicas, no Porto, há pouco tempo. A indicação estava dada.

Quando regressei a Aveiro, desloquei-me a Espinho, para falar com o gerente, depois de lhe ter ligado. Encontramo-nos na sua casa. Contei-lhe o que se tinha passado. Ele ficou muito surpreendido. Com a minha lembrança e com a grata hipótese que se poderia pôr, a curto prazo. E assim foi. Passados poucos dias, o Dr. C... dava entrada com gerente da filial.

E, não me enganei na pessoa dele como ele da minha. Sempre nos respeitamos um ao outro. Cada um na sua função. A partir daí, passei a sentir-me um príncipe quase perfeito...Foram cerca de vinte anos de serviço em Aveiro.

Tenho a consciência de que pude fazer muito bem a muitas pessoas do distrito. Aquelas que, obtidos os empréstimos, se viam em dificuldades para recuperar os atrasos de pagamento. Por força das frequentes subidas das taxas dos empréstimos motivadas pela instabilidade política em que se vivia. Vi correr muita lágrima no rosto de homens e mulheres no meu gabinete, à frente da minha secretária. A quantos dramas pude acudir...porque podia fazê-lo.

E os meus filhos? Esses, em Aveiro, sentiam-se nas sete quintas. Eram três, muito bem entregues ao centro social de bem-estar de São Bernardo. Uma obra pioneira na região e arredores. Óptimas condições, materiais e humanas. De excelência, à volta da pessoa dum insígne e exemplar sacerdote - o Sr. Padre Félix. [Imagem à direita, cortesia da Fundação Padre Félix].

Desde a creche ao primeiro ciclo, ali cresceram e se desenvolveram alegremente. Hoje, muito do que são, devem-no aos tempos ali vividos. São todos licenciados. Um, o Paulo Alexandre, é sacerdote jesuíta, o mais velho. Outra, a Leonor, tradutora Intérprete de Inglês e Alemão, outra, a Sandra, Engenheira Química e o quarto, que estava para nascer, o Luís Daniel, foi tirar o doutoramento de Engenharia Aero-Espacial, em Manchester.

Todos são unânimes em afirmar e testemunhar o acerto na decisão que um dia tomamos. O de vir viver em Aveiro. Nunca mais voltaram a confundir as galinhas com as vacas...

Reichelt, 30 de Março de 2012- sexta-feira

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10069: Cartas do meu avô (10): Oitava carta: finalmente, jurista da CGD (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)