segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10282: Meu pai, meu velho, meu camarada (30): Dispositivo militar metropolitano em Cabo Verde (Ilhas de São Vicente, Santo Antão e Sal) durante a II Grande Guerra (José Martins)

1. O nosso camarada, amigo e colaborador permanente José Martins mandou-nos, em 27 de julho passado, os seguintes quadros com a seguinte nota
 

Boa tarde: Aqui vai quadro da distribuição, pelos locais de destino, das forças enviadas para Cabo Verde [durante a II Guerra Mundial].


Ab. José Martins













a) Joé Martins, maio de 2012


2. Comentário de L.G.:  

Zé, sei que estás a passar por um momento difícil, tu e a tua família (a tua ainda recente passagem à reforma, o desemprego, inesperado e litigioso,  da tua esposa, a nossa querida amiga Manuela...), mas mesmo assim ainda consegues pensar no nosso blogue e arranjar tempo e pachorra para procurares,  no silêncio dos arquivos,  preciosos dados relativos ao nosso dispositivo militar em Cabo Verde, durante a II Grande Guerra.

Sabes do carinho que eu tenho por aquela terra, onde o meu pai (e os pais de outros amigos e camaradas nossos, como o Nelson Herbert, o Hélder Sousa, o Augusto S. Santos...) estiveram como expedicionários, integrando o RI 23...Lembremos aqui os seus nomes:  Luís Henriques, Ângelo Ferreira Sousa, Porfírio Dias e Armando Lopes... 

Ainda há dias descobri mais outro, o António Caxaria, de 94 anos, ex-furriel miliciano, muito amigo do meu pai, natural de (e residente em) o concelho da Lourinhã... Irei um dia destes visitá-lo na sua quinta, em São Bartolomeu dos Galegos, e relembrar histórias do seu tempo em Cabo Verde (1º Batalhão de Infantaria do RI 5, integrado no RI 23, Mindelo, Ilha de São Vicente, 1941/43). Está com uma ótima cabeça e tem algumas fotos desse tempo. 

Em face dos teus números, pode-se concluir que cerca de 52,9% dos nossos expedicionários (de um total superior a 6300) estavam concentrados numa só ilha, a Ilha de São Vicente, dado o seu interesse estratégico (porto atlântico ligando a Europa com a América Latina, a par dos cabos submarinos). O resto distribuía-se pela Ilha do Sal (35,3%) e pela Ilha de Santo Antão (11,8%).  Menos de 1% estava afeto ao serviço de transmissões.

O meu velhote, Luis Henriques (1920-2012), se fosse vivo, teria feito ontem 92 anos... Dedico-lhe, à sua memória e à memória do Ângelo e do Porfírio (que também já nos deixaram), e em homenagem ao Armando (felizmente ainda vivo,  vai completar 92 anos em 23 deste mês), este poste que tu preparaste com a competência e o carinho que pões em tudo o que se refere aos nossos antigos combatentes, alguns dos quais foram nossos pais... Um alfa bravo para ti, um xicoração para a Manela. LG



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 2006 > Ponta João Ribeiro > Restos da baterias de artilharia de costa, do tem,po da II Guerra Mundial...  Estas posições de bateria de artilharia de costa protegiam a baía do Mindelo. A Ponta João Ribeiro fica hoje a 3 km da cidade do Mindelo. Em frente, a uns escassos 600/800 metros, situa-se o ilhéu dos Pássaros.

Foto: © Lia Medina (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
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Nota do editor

Último poste da série > 8 de maio de 2012 >Guiné 63/74 - P9870: Meu pai, meu velho, meu camarada (29): Luís Henriques (1920-2012): Você deixou o nosso ranchinho abandonado... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P10281: Notas de leitura (394): Colectânea "Toda a Memória do Mundo", iniciativa da Câmara Municipal de Cascais, 2006 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 25 de Junho de 2012:

Queridos amigos,
Compra-se na Feira da Ladra e lê-se num só fôlego um livro que fala da memória, estudada por diversas ciências. E dá para discorrer sobre a reconstituição do puzzle das nossas memórias através do que publicamos, memórias individuais que convergem, por estranhíssimos trilhos, para aquilo que se convenciona chamar a memória coletiva em que assenta a coesão de qualquer povo.
Isto para dizer que sigo feliz na minha vida procurando ser útil com o registo e a interpretação de muitas memórias que vou conhecendo sob a forma de livros.

Um abraço do
Mário


Toda a memória das nossas guerras na Guiné

Beja Santos

Li com imensa satisfação e talvez com algum proveito a coletânea de intervenções do curso sobre a Memória que teve lugar no verão de 2006, iniciativa da Câmara Municipal de Cascais. Os intervenientes foram personalidades bem conhecidas, como é caso de Maria Filomena Mónica, João Lobo Antunes, Carlos Fabião e António Damásio. O organizador do curso foi José Manuel Tengarrinha, professor universitário jubilado. A estrutura do curso contemplou a experiência pessoal, autobiográfica (Maria Filomena Mónica e João Lobo Antunes), a memória no registo arqueológico (Carlos Fabião) a perda de memória e os mais modernos estudos para conhecer o funcionamento da memória e finalmente a conferência “Toda a Memória do Mundo”, com que António Damásio fechou o curso (“Toda a Memória do Mundo”, Esfera do Caos Editores, 2007).

Maria Filomena Mónica discorreu sobre as razões porque se lançara na autobiografia e explicou: “Escrever memórias não é uma decisão simples. Não apenas por causa das reações dos contemporâneos, mas por aquilo que, ao longo da redação, vamos descobrindo. Uma das relações mais dolorosas foi a de que o livre arbítrio é menor do que eu imaginara (…) Outro aspeto que me espantou, ao olhar o passado, foi a continuidade do ser humano. Antes do exercício, imaginava que a minha vida havia sido dominada por ruturas tão profundas que não podiam ter deixado de alterar a minha personalidade. Logo nas primeiras impressões, como o gosto de ser punida, era visível a minha impressão digital. Fui forçada a admitir que a vida é feita de escolhas, de acasos e de momentos únicos. Não sei, ninguém sabe, qual a ordem das prioridades” e termina assim: “O meu relato é verdadeiro apenas no sentido em que representa a minha verdade”.

João Lobo Antunes começa por nos advertir: “De todas as funções cognitivas, de todas as armas do intelecto, aquela cuja perda ou simples declínio mais assusta a vítima é, sem dúvida, a memória”. E descreve o ponto de situação da investigação sobre a memória onde se impõe a distinção da “memória automática”, que permite a prática automática de tarefas complexas, da “memória semântica”, uma espécie de arquivo de conhecimentos factuais e conceitos de uma “memória episódica” que é um sistema que permite guardar e evocar experiências prévias. Falou das suas memórias de pessoas e lugares onde se formou como médico, procura explicar alguns episódios marcantes da sua existência e concluiu, com uma pitada de humor sobre o que há de esquivo na memória, aquela porção de intangível que o continua a obrigar a procurar como de facto a medicina dele fizera um médico: “Se algum dia o descobrir, talvez volte para contar”.

O arqueólogo Carlos Fabião espraiou-se sobre os processos de construção das memórias coletivas, as grandes classes de fontes fundamentais para o historiador (as fontes voluntárias, constituídas por testemunhos destinados a servir de prova, e as fontes involuntárias que são aquelas que foram deixadas sem uma intenção específica de demonstrar fosse o que fosse.

Saltando agora as dissertações dos cientistas que estudam a biologia da memória num tecido vivo e as que se referem aos estudos sobre a doença de Alzheimer, chegamos a Damásio que começa por nos alertar que a memória é um tema central da neurociência cognitiva e da neurologia clínica, dizendo a seguir: “O recordar consiste no despertar do sono e no retorno mais ou menos fiel àquilo que foi a perceção original. Recordar não é a mesma coisa que abrir um livro numa certa página e encontrar precisamente, na mesma impressão e nas mesmas linhas, as mesmas palavras com a mesma pontuação. Recordar é reconstruir pouco mais ou menos”. E depois lança-se no empolgante das suas investigações, como o cérebro arquiva, como se sequenciam as imagens graças a movimentos musculares ou movimentos do interior visceral, a memória não é uma enciclopédia, são espécies de arquivo onde se podem ir buscar pessoas, lugares, objetos, palavras e símbolos, é uma espécie que se centra em sequências e que procede a encadeamentos, referindo pois as diferenças entre aquilo que se aprende facilmente e aquilo que requer esforço, e qual a intervenção das neurociências.

O nosso blogue tem, entre outros, o prepósito de reconstituir puzzles da memória: de comissões militares que ocorreram num período preciso, em locais determinados, em confronto com um inimigo que dispunha de meios, apoios, influências e determinada motivação; nessas comissões a memória individual pode apoiar-se em escritos, fotografias, documentação de uma unidade militar; a memória que se rebusca é também de alguém que se integrou ou, pelo contrário, veio a amaldiçoar experiências, factos da guerra, o próprio relacionamento humano; acresce que a pessoa que evoca agora tem um quadro ideológico que entra em conflito com essa experiência, e então tal memória é sufocada ou dá-se um novo entendimento a uma ocorrência, que poderá ser contestada por outros que a viveram naquele local, naquele dia e àquela hora. O espaço de memória que é o nosso blogue é um pouco como o cérebro é visto por Damásio: dispõe de toda a memória possível, da memória de tudo o que o cérebro já conhece e tudo o que pode vir a conhecer – as coisas em si mesmas e as coisas no tempo; os elementos com que se podem construir as coisas; e as fórmulas com as quais se podem construir sequências de coisas, ideias, movimentos, no tempo e no espaço. Por isso é que organizam os depoimentos, se fazem fichas, dossiês temáticos, tudo à procura de uma ordem que ultrapasse a verdade de cada um. Ao que parece, a nossa memória depende do funcionamento do hipocampo, a região do lobo temporal que também agrega o hipocampo propriamente dito. Isto quanto à memória de identidades e símbolos. A memória das sequências depende dos córtices sensoriais e motores.

É assim que se constroem livros, e voltando a Damásio a memória cerebral de cada um de nós tudo pode adquirir e tudo pode recordar, é um arquivo pessoal, filtrado pela consciência e a personalidade de cada um. Uma outra coisa é a memória coletiva que esbarra com preconceitos de diferente ordem e até a manipulação dos dados históricos e precisa de os superar, porque a História não é um modo de uso para contentamento de uma dada porção da sociedade. Aquela nossa comissão, naquele preciso lugar, naquele tempo, com os dados que se juntaram e sobre os quais a memória se consola ou revolta, é um dado fulcral para a organização da memória coletiva. As ciências sociais não assentam em memórias dos indivíduos mas têm que as conhecer, estão nelas a imagem que o combatente teceu sobre a sua experiência de guerra, as populações com que coabitou, nessa imagem até pode constar o que então se pensava sobre a utilidade em ali combater e fazer confronto, à luz de memórias individuais sequenciadas ao longo da guerra, dos porquês da independência do então inimigo. Acresce este dado que todos nós podemos verificar: cada ano que passa, há mais memórias individuais disponíveis a trabalhar para a memória coletiva, ao envelhecer o combatente reconhece que pode ser muito mais sincero e, recorrendo a uma observação de Maria Filomena Mónica, esse relato é verdadeiro apenas no sentido em que representa a verdade de cada um ilumina a investigação histórica, a memória fulcral dos povos, porque a história é o que não ficou esquecido, é constituída por todos estes registos do homem no tempo. E nesse sentido o nosso blogue é um volumoso documentário e um precioso alfobre de memórias individuais ao alcance dos investigadores.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10276: Notas de leitura (393): Sobre a Guiné e Outras Ideias, Revista Vida Mundial de 16 de Julho de 1971 (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P10280: Parabéns a você (460): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf.º da CCAÇ 2615/BCAÇ 2895 (Guiné, 1969/71)

Para aceder aos postes do nosso camarada Manuel Amaro, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10277: Parabéns a você (456): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Guiné, 1963/65)

domingo, 19 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10279: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XV): Que a ânsia de números e o bater de recordes não maltrate as pessoas

1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, dirigida ao nosso Blogue:


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - XV

QUE A ÂNSIA DE NÚMEROS E O BATER DE “RECORDS” NÃO MALTRATE AS PESSOAS!

Havia prometido a mim mesmo nunca mais intervir neste Blogue, não por motivos de doença, que é desculpa que facilmente se invoca para o afastamento e no meu caso até é verdade, mas pelo desagrado de algumas intervenções e comentários que fogem dos parâmetros da sã convivência e da camaradagem que devem reinar nestes espaços. Depois, porque é minha norma de conduta não ofender ninguém, o que não me impede de expressar com inteira liberdade, que bebi do meu pai muito antes do 25 de Abril, a minha modesta opinião! Até o expressar de opinião sincera me causou dissabor pessoal ao ver que a máxima “se não és por mim és contra mim” também é propriedade de camaradas de alto gabarito intelectual que cortam da lista dos que se diziam muito amigos, os que não querem ser “meninos do coro“!

Mas por vezes o silêncio, que é o mais alto de todos os gritos, não é suficiente!

Tenho o maior respeito pela obra que o nosso Camarada Luís Graça foi capaz de saber fazer, pelo bem que o Blogue me fez, pelo que nele aprendi, pelos amigos que aqui conheci, pelo manancial de riqueza de informação que o Blogue proporciona, onde mestrandos e doutorandos vêm beber mas, e perdoa-me a franqueza, Luís Graça, sinto de há algum tempo a esta parte, que a quantidade passou a ser “demasiado” importante e então, quando os assuntos sobre a Guiné escasseiam, fotocopiem-se livros e revistas e publiquem-se…

A chama do Blogue está a apagar-se (?) então respigue-se o caso do Guileje, copie-se na íntegra para a Tabanca Grande um outro blogue nem que o mesmo tenha apenas e só um poste escrito há quase três anos, e vá de publicar isto por capítulos!

Não vou perder muito tempo com a análise do conteúdo de O Blogue Guileje 3325 - Vamos Falar verdade!!, pois nunca estive no aquartelamento do Guileje e, embora ignorante, não sou atrevido apesar de, e porque fui quase vizinho, ouvir no meu Cumbijã os embrulhanços a que os meus camaradas estavam a ser sujeitos! Para quem como eu pertenceu a uma Companhia que embrulhou tantas vezes, sofreu dois ataques ao arame, ainda vivíamos em barracas de lona, sofreu uma série de emboscadas, teve de assaltar Nhacobá, participou na construção da estrada até Nhacobá, prestou segurança na nova estrada de Buba, teve de levantar um aquartelamento de um deserto minado, tinha de fazer uma coluna diária a Aldeia Formosa para abastecimento, tem três mortos em combate bem como mais de duas dezenas de feridos, possuo, tal como a minha companhia, curriculum para emitir uma opinião vivida e verdadeira!

Não gostei por isso de ler o referido Blogue!

Apenas alguns exemplos:

1 - …tenho obrigatoriamente que corrigir os factos, e as afirmações de pessoas que, no desempenho das suas funções, e tendo abandonado (fugido) o nosso Aquartelamento, vieram mais tarde afirmar que tinham sido obrigados a fazê-lo por estarem a ser atacados por todos os lados. NÃO É VERDADE!

2 - A verdade é que os combatentes do PAIGC, como não vissem qualquer reacção às suas flagelações ao quartel começaram a aproximar-se lentamente.

3 - O aproveitamento pessoal de situações que o povo desconhece e a deturpação dos factos por vergonha da verdade. 

Etc, etc, etc,

Para quem já se encontrava na metrópole quando tudo isto aconteceu, é obra! Como é possível fazer estas e outras afirmações que mancham o bom nome de todos os meus Camaradas de Guileje?

Criticar-se o responsável pelo abandono? Porque não? Tomaria eu a mesma decisão no seu lugar? Porventura não! Tivesse existido outro apoio e seria a solução diferente? Porventura sim!

Serei, eventualmente de todos os camaradas que fazem parte deste Blogue, o que mais tempo lidou com a CCav 8350, já que a preparação da minha CCav 8351 aconteceu em Estremoz no mesmo horizonte temporal dos “Piratas de Guilege” e quis o destino que os meus Camaradas de Guileje se juntassem a nós no Cumbijã a 29 de Novembro de 1973.

Tendo a minha Companhia saído do aquartelamento em 25 e 26 de Junho com destino a Bissau, via Buba, os nossos camaradas da CCav 8350 lá se mantiveram, tendo pois convivido connosco durante cerca de sete meses!

Nestes sete meses nem foram melhores nem piores do que os meus soldados, foram apenas, e só, iguais! Todos eles, desde o Comandante ao básico!

Quarenta anos após estes acontecimentos, enquanto os Combatentes lá vão sobrevivendo com os seus achaques, maltratados pelos governos, esquecidos pela população, alguns expulsos do seio da sua própria família, muitos deles doentes e abandonados, pergunto para quê, neste espaço que eu cria e queria de são convívio, vir dar realce a um assunto tão estafado, que tantas mossas já provocou nesta Tabanca, ainda por cima com assinatura de um elemento não pertencente à Tabanca Grande!

Só se for para cumprir números!

Ao meu querido Amigo e Camarada da Guiné, Manuel Augusto Reis, homem bom, tolerante e solidário, que na sua honestidade intelectual dá sempre, ainda que sozinho, o peito às balas, dizer-lhe que é por ti que aqui estou a quebrar o meu silêncio, pese embora a nossa diferença de opinião sobre tão diversos assuntos! Vasco Augusto Rodrigues da Gama
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8068: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XIV): Nunca fui ao 10 de Junho, mas se um dia for, será no 10 de Junho de todos os combatentes

Guiné 63/74 - P10278: CCAÇ 3325, Cobras de Guileje (1971/73): Parte III: Atividade operacional, de 31 de janeiro a 29 de abril de 1971 (Orlando Silva)


 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Foto nº 12 > O nosso guia Abdulai Jaló, o Alferes Escalera Rodrigues /4º Gr Comb) e o Capitão Jorge Parracho.



 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Foto nºs. 15 > Porta de Armas e caminho de acesso para a pista.



 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Foto nº 16  >  Visita a Guileje... Da direita para a esquerda, o Alf Rodrigues, Alf. Tavares (CPC/BCP 12), o Cap Parracho no meio, o Alf Cristina (do 5º Pel Art) e eu à esquerda, com o pessoal da DO 27 (piloto e mecânico)





 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Fotos nºs 9 e 10 - Vista da nova rede de arame com postes novos e pintados, e da aeronave que ali se encontrava caída, e que reconstruímos com rolos de palmeira e lona.



 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Foto nº 11 > Eu, e ao fundo a porta de armas com o abrigo e os bidões e barris pintados, vendo-se o caminho das garrafas.





 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Fotos nºs. 13 e 14 > O monumento aos mortos e feridos, que construímos junto à Pista. Ao fundo vemos a parede de barris e bidões pintados.  [Em primeiro plano o alf mil Orlando Silva, aveirense. O lema da CCAÇ 3325 era um provérbio popular português, "vencer sem perigo é triunfar sem glória". Na base do monumento pode ainda ler-se: "Homenagem da CCAÇ 3325 aos seus mortos e feridos e aos portugueses de todas as cores, raças e credos que tombaram em defesa da Pátria". A CCAÇ 3325 , depois de Guileje, foi para Nhacra. L.G.]

Fotos (e legendas): © Orlando Silva (2009). Todos os direitos reservados. (Editadas por L.G.)


1. Continuação da publicação da história da CCAÇ 3325, que esteve eem Guileje, de janeiro a dezembro de 1971, reproduzida aqui com a devida autorização do autor, José Orlando Almeida e Silva, ex-alf mil, residente em Aveiro (*).

ACTIVIDADE OPERACIONAL > Jan/abr 71


De 31 de Janeiro até 29 de Abril de 1971, a CCAÇ 3325, Cobras de Guileje,  realizou 44 patrulhas sem dia nem horas certas.

Como se tratava de uma ZICC (zona de intervenção do Comando-Chefe), trocávamos informações operacionais constantes com aquele Comando.

Foi descoberta entretanto mais uma Base de Fogos do IN,  em Paroldade. O moral das tropas estavam em alta, o que nos ajudava na nossa actividade operacional. Procurou-se,  dentro deste período, realizar algumas acções ao “Corredor de Guileje” e sem qualquer tropa especial, o que conseguimos, e isso teve efeitos altamente moralizantes sobre as nossas tropas.

Mas,  para isso, foi necessário obter a autorização do Comando-Chefe, o que exigiu a colocação de um helicanhão no Quartel, pois contrariamente ao que era hábito, o “Corredor de Guileje” era visto pelos Oficiais de Bissau (de gabinete), como local praticamente inacessível a tropas que não fossem especiais (Comandos e Paraquedistas).

A ocupação dos tempos livres consistia, na limpeza à volta do Quartel, na construção e pintura dos postes de electricidade e abrigos (logo que tivemos cimento, construímos postes para colocar à volta de todo o Quartel), na colocação de arame farpado novo, na construção e pintura de um muro de barris e bidões do lado da pista, na construção de um caminho de garrafas de cerveja em direcção à pista de aviação, na construção de uma porta de armas à entrada da pista, e na construção de um monumento aos mortos e feridos no mesmo local. (Fotos nºs  9, 10, 11, 13, 14)

Num Quartel daqueles, num sítio daqueles, sempre que chegava um avião com visitas (civis ou militares), era bonito ver os dois soldados (um europeu e outro africano) devidamente fardados, de lenço ao pescoço amarelo, fazer a devida continência! (Fotos nºs 15 e 16)

Como era possível,  num local daqueles, as tropas andarem dentro do Quartel, devidamente fardadas e lavadas, e disputarem rijos jogos de futebol no campo junto à pista e fora do arame? Mas era verdade. Havia tempo para tudo, sob o comando do nosso “Capitão Velhinho”, como os nossos soldados carinhosamente lhe chamavam. [Cap Inf Jorge Saraiva Parracho, natural de Mafra] (Foto nº 12).

Quanto mais depressa fossemos atacados, mais depressa saíamos para o mato. Não ficávamos a ver os comboios, e a coçar na barriga com medo.

(Continua)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan/Dez 1971) > Foto do álbum do cor inf ref Jorge Parracho >  Foto aérea de Guileje (tabanca, aquartelamento e pista de aviação). São visíveis os espaldões das pelas de artilharia 11.4, apontadas para a fronteira com a Guiné-Conacri, a sudeste.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan/Dez 1971) > Foto do álbum do cor Jorge Parracho >  As três peças de artilharia 11,4 cm ali existentes, no tempo em que a unidade de quadrícula era a CCAÇ 3325, comandada pelo Cap Jorge Parracho, hoje coronel na reforma.  




Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan/Dez 1971) > Foto do álbum do cor Jorge Parracho > Pessoal do 5º Pel Art que guarnecia as peças 11,4 cm ali existentes, no tempo em que a unidade de quadrícula era a CCAÇ 3325, comandada pelo Cap Jorge Parracho, hoje coronel na reforma.  O 5º Pel Art era comandando pelo Alf Mil Art Cristina. A CCAÇ 3325 foi substituída pela CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972), Os Gringos de Guileje, a que se seguiu a CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973). 

Onze companhias passaram por Guileje, desde Fevereiro de 1964 a 22 de maio de 1973: as CCAÇ 495, 726, 1424, 1477, a CART 1613, a CCAÇ 2316, a CART 2410, as CCAÇ 2617, 3325, 3477, e, por fim, a CCAV 8350.  Esta última foi a unidade, a seguir à CCAÇ 1477, que esteve menos tempo em Guideje: 6 meses e 1 dias (de 21/11/72 a 22/5/73) (segundo informação recolhida pelo nosso grã-tabanqueiro Cor Art Ref Nuno Rubim) (LG).


Fotos: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10269: CCAÇ 3325, Cobras de Guileje (1971/73): Parte II (Orlando Silva)

Guiné 63/74 - P10277: Parabéns a você (459): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Guiné, 1963/65)

Para aceder aos postes do nosso camarada Mário Fitas, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10272: Parabéns a você (455): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)

sábado, 18 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10276: Notas de leitura (393): Sobre a Guiné e Outras Ideias, Revista Vida Mundial de 16 de Julho de 1971 (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 15 de Agosto de 2012:

Caríssimo Carlos,
Na senda da última mensagem que enviei, e transcrevia uma reportagem sobre a revisão constitucional e a questão ultramarina, editada pela Vida Mundial, em 16/VII/71, encaminho hoje uma caixa da mesma edição subordinada ao título "Sobre a Guiné e Outras Ideias", que, curiosamente, parece revelar importantes desenvolvimentos sobre a política portuguesa na época: por um lado, o general Spínola que usava com mestria os meios de informação, e era praticamente visita diária dos lares portugueses onde pontificava o aparelho de televisão, não só explanava novos conceitos sobre as relações do ultramar com a metrópole, como já tinha em marcha uma base de apoio para voos mais altos na estrutura da república, um e outros a adequarem-se rapidamente à filosofia dos "novos ventos" que varriam a África, particularmente em relação aos territórios sob administração portuguesa, nalguns casos com inflexões bastante acentuadas; por outro lado, esses conceitos representavam um corte abissal relativamente à apatia política de Salazar no que toca ao ultramar, e que morrera em 27 de Julho de 1970, depois de quase dois anos de enfermidade, do que resultava um cisma na maneira de pensar a política ultramarina.
As resoluções, no entanto, nunca foram claras e rápidas, pelo que não se chegou a formatar um novo projecto de relações de Portugal com as colónias, salvo no que respeita à desejada Zona do Escudo, e ao Projecto de Sines, que, afinal, poderiam constituir mais um estertor da autonomia administrativa e financeira das então designadas Províncias Ultramarinas.
Mas a política em Portugal tem sido cheia de incongruências.

Carlos, para ti e para o Tabancal, vai...
Aquele abraço
JD


SOBRE A GUINÉ E OUTRAS IDEIAS

Vida Mundial, em 16/VII/71

No debate dos problemas ultramarinos não deixou de se citar a acção que o general Spínola tem desenvolvido na Guiné. O deputado Maximiliano Fernandes considerou de realistas e clarividentes as directrizes traçadas por aquele governador, dizendo que elas teriam uma grande oportunidade, se aplicadas com fins semelhantes em Moçambique. E exaltou o empenho do governador António de Spínola em "acelerar a formação de "élites", por forma a permitir aos guinéus um acesso cada vez maior, não só às estruturas privadas do desenvolvimento económico, como até aos quadros superiores da administração provincial, aos seus orgãos legislativos e aos seus serviços, caminhando assim para uma Guiné administrada fundamentalmente por guinéus". Tais afirmações mereceram o inteiro aplauso de grande sector da Câmara, evidenciando-se as atitudes assumidas na sequência da intervenção do referido deputado, pelo dr. Barreto de Lara e pelo prof. Pinto Machado, declarando este: "Já que se refere ao sr. governador da Guiné, e porque tenho procurado estar a par, objectivamente, da sua acção, eu queria declarar aqui a minha profunda admiração pela extraordinária obra de autêntica unidade nacional - essa é que é obra de autêntica unidade nacional - que ele está a realizar nessa província e que, oxalá, efectivamente se realize nas restantes e até aqui nesta província lusitana".

O voto do deputado Pinto Machado foi apoiado por muitos pares, sendo de assinalar as considerações que lhe juntou o dr. Barreto Lara, que, na discussão constitucional relativa às alterações respeitantes ao Ultramar, teve papel muito destacado, em virtude do qual manteve apaixonante diálogo com alguns deputados. O dr Ulisses Cortês, que nesse debate defendeu uma posição de harmonia com os princípios que tem seguido, concordou, em princípio, com a exaltação do governo do general António de Spínola, embora vincasse que não podia deixar de tornar "extensiva a homenagem a todos os governadores do Ultramar".

Enquanto decorria o debate da Assembleia Nacional, o dr. José Pequito Rebelo, que foi destacado dirigente integralista, publicava no semanário monárquico "O Debate" uma série de artigos sobre a Constituição, a propósito da reforma, defendendo neles uma política integracionista e o total povoamento do Ultramar. Num desses artigos ("A verdadeira constituinte", saído no dia 26 de Junho), o articulista escrevia, ao justificar os pontos de vista que tem desenvolvido: "Enfraquecida a unidade nacional (referia-se às alterações dedicadas ao Ultramar), tenderia a descentralização administrativa a transformar-se em independência política, que, aliás, no seu limite, seria uma pseudo-independência, depressa caída na órbita dos imperialismos neocolonialistas".

Por outro lado, na véspera de partir para Angola e Moçambique, numa viagem que enquadraria também uma visita oficial ao Malawi, o actual Ministro do Ultramar, prof. Silva Cunha, respondia a muitas afirmações relativas à política ultramarina, produzidas na Assembleia Nacional e fora dela. Assim, depois de uma interpretação sobre os dados históricos da presença portuguesa em África, acentuava que "no momento presente tem de dar-se mais um passo para o desenvolvimento (o das províncias ultramarinas), aliás, na linha das reformas promulgadas há cerca de oito anos, pois é necessário adaptar o sistema vigente às novas situações, criadas pelo acelerar da evolução registada neste período". E proclamava: "É esta uma verdade tão evidente que nem sei como possa contestar-se quando sem preconceitos nem erros de observação, motivados pela ignorância das realidades ou pelo preconceito, pela paixão ou pela ambição políticas, se analisa a situação das províncias ultramarinas. Por isso, é difícil compreender certas atitudes de alguns poucos que atacam o Governo, esgrimindo com falsos argumentos colhidos numa especiosa e errada interpretação da História, invocando supostas ameaças à unidade nacional e facilitando assim a acção dos verdadeiros inimigos da Pátria na sua integral dimensão (...). Vivemos uma hora em que não se admitem hesitações nem dúvidas, em que não se pode contemporizar com comodismos ou interesses comodistas, nem com manobras ou doutrinas que diminuam a autoridade do Estado (...)".
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10241: Notas de leitura (389): O Ultramar e a revisão constitucional de 1971, Revista Vida Mundial de 16 de Julho de 1971 (José Manuel Matos Dinis)

Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10274: Notas de leitura (392): "África, Frente e Verso", por Urbano Bettencourt (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10275: Blogoterapia (213): Amizades encontradas nas bolanhas e matas do nosso Blogue (José da Câmara)

Santuário de Fátima
Foto de Carlos Vinhal


1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), contando-nos o seu encontro com o outro nosso camarada Juvenal Amado, aquando da sua estada no Continente para participar no convívio da sua Companhia:

 

Amizades encontradas nas bolanhas e matas do nosso blogue

A noite silenciosa, estrelada, dera lugar a uma manhã sorridente, de temperatura amena, no todo esplendoroso, convidativa para as visitas que importava fazer.

Estávamos ali para isso!

Eu e aminha esposa, o José Pinto e os casais Cruz e Picanço, deixámos a Residencial D. Amélia, dirigida por um ex-combatente na Guerra do Ultramar, em direção ao Santuário de Fátima.

Ali, naquele majestoso recinto, o silêncio que se sentia no meio daquele mar de gentes que se movimenta em constantes vagas, foi quebrado por uma voz que soou divina, celestial, milagrosa. Alguém chamava pelo meu nome.

- É o José Câmara?

Na minha frente, um jovem sorridente, irradiando simpatia, aguardava pela minha resposta. Apanhado pela surpresa daquela voz, desconhecida para mim, mas reconhecendo o meu anfitrião por foto do blogue, respondi:
- Sim, sou! E você é o Amado Juvenal.

O José Câmara com o Juvenal Amado
(Foto de Juvenal Amado)

Só então me apercebi que havia trocado o nome dele, mas isso não era importante. As palavras até estavam a mais. Lá no alto, o Sol sorridente testemunhava aquele abraço prolongado, porventura um daqueles milagres que guardarei como uma das belas relíquias desta minha visita ao Santuário.

Não tivemos tempo para grandes conversas. Mas foi possível falar um pouco dos encantos e desencantos das nossas vidas, da tese escolar que ele me ofereceu, a qual me encantou pela nobreza de sentimentos e sacrifícios de vida ali estampados e, naturalmente, do nosso blogue.

No abraço de despedida, o Juvenal, magistralmente, resumia a nossa conversa com uma grande verdade:
- José, se eu não puder falar com os amigos com quem poderei falar?

Compreendi a nobreza daquela frase. Por isso e não só, ao abandonar aquele recinto, levava a certeza que um dia gostaria de voltar a encontrar o Juvenal.

José Câmara
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10137: Blogoterapia (212): Veterano, nostágico ?... Sim, ai quem me dera ter outra vez vinte anos... mas saber o que sei hoje (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

Guiné 63/74 - P10274: Notas de leitura (392): "África, Frente e Verso", por Urbano Bettencourt (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 22 de Junho de 2012:

Queridos amigos,
Já tínhamos José Martins Garcia, Álamo Oliveira e Cristóvão Aguiar, como contributos açorianos de primeira água para a literatura da guerra colonial.
Faz todo o sentido realçar esta “antologia” organizada de recordações que vão dos tempos de guerra à quase atualidade, Urbano Bettencourt será muito bem vindo ao nosso blogue, sente-se neste livro que ainda há muita coisa para contar, em poesia ou narrativa ou até mesmo notas avulsas, há que saudar mais esta achega açoriana, tão singular.

Um abraço do
Mário


África, frente e verso, por Urbano Bettencourt

Beja Santos

Autor de cerca de dúzia e meia de títulos relacionados com poesia, narrativa e ensaio, muito centrado no estudo das literaturas insulares, Urbano Bettencourt esteve na Guiné nos últimos anos da guerra, uma Guiné que ele foi polvilhando de referências em diferentes publicações, de 1972 à quase atualidade, e que agora decidiu agregar sob o título “África, frente e verso” (Publiçor, 2012). E, na verdade, sai um retrato acabado, atravessado por uma espessa melancolia, uma saudade por vezes descontrolada e muitos apontamentos sobre a dor e a morte. E há também o júbilo quando a guerra termina e ele assiste a esse termo no próprio teatro de operações. Como regista no poema intitulado “Situação”: “aqui nasceram os desastres/ os remotos e côncavos desastres/ do tempo fronteira violada/ aqui em maio se escreveu partida/ pátria aventura/ uma rosa vermelha em cada boca/ aqui também em maio se escreveu/ morte mágoa vértice de saudade”.

Dirá igualmente no poema intitulado “13 de junho de 1974”: “quebrado o espanto/ o medo o ódio a mágoa-mor/ as espingardas floriram cravos/ na madrugada dum tempo a vir”. Porque não houve logo a paz depois do 25 de Abril, como ele relatará no texto “(im)próprio de Maio”: “No 1º de Maio de 1974, a época seca aproximava-se angustiadamente do fim na Guiné-Bissau. As buganvílias floresciam sob uma intensa camada de poeira alaranjada. E não havia cravos. À noite, o PAIGC lançou um ataque maciço de artilharia contra Bissorã, cobrando-nos com juros altos o facto de ter sido através da sua rádio oficial que, durante o dia 25 de Abril, fôramos sabendo notícias da revolução em Lisboa. O nosso 25 de Abril só chegaria, aliás a 13 de Junho. Nesse dia, uma unidade de combate do PAIGC apresentou-se na pista de aviação, sob um rigoroso aparato militar que daria lugar ao convívio com a população e com a tropa portuguesa e a africana que combatia do lado português. Era o reencontro de um povo consigo mesmo. E descobríamos, enfim, que o inimigo, esse outro de cada um de nós, tinha um rosto e um corpo tangível, era possível fitarmo-nos diretamente, sem o filtro do ódio e da raiva, sem a mira interposta das Kalashes e das G3. Nesse dia 13, Cabá Santiago (comandante de uma companhia de milícia pró-portuguesas) deixou-se fotografar ao lado do seu homólogo do PAIGC e de alguns combatentes. Deveria haver nesta foto mais alguns sorrisos, para lá de um ou outro esboço que parece morto à nascença e em contraste com as fotos em que militares, combatentes e população se misturam em convivência? Talvez, mas este é o ponto de vista (o meu) de quem, naquele momento, via a história a partir de um terceiro ângulo, apesar de tudo já em distanciação, afinal, esta pose que não disfarça algum constrangimento era já um prenúncio do que estava para acontecer. O Cabá seria assassinado após a independência, um dos muitos e muitos guineenses que tiveram o mesmo destino”.

Ler “África, frente e verso” obriga a uma saudável ginástica de saltar entre a vivência contada praticamente em direto (são os poemas e textos escritos durante a guerra) onde se fala da raiva, da mágoa e do cansaço, do nosso querido amor que não veio até à guerra, da noite de natal passada lá num ermo (o natal escorre de saudade pelos olhos do soldado/ agarrado à breda remuniciada), o tempo pasmado, do rebentar das bombas, o registo dos mortos, por exemplo; muito mais tarde, reconstrói-se esta ou aquela cena do quotidiano da guerra, por exemplo, um patrulhamento, a distribuição das rações, a revista do armamento e então um grupo parte dentro da noite fechada a chapinhar na lama, como o autor recorda: “E eis-te de novo na lama, arrastas-te agora através da bolanha com cheiro a água estagnada e enfrentas a única imbatível força aérea dos mosquitos, o lodo sobe até aos joelhos, suga-te as botas com os seus braços e ventosas de polvo, quando o sol se empinar há de secar a lama e caminharás dentro de umas calças de adobe, mas isso virá mais tarde”; e há a permanente memória dilacerada, que tem cheiros, sons, o amargor das perdas irreparáveis e quanto mais irreparáveis são encaradas as perdas dilaceram mais fundo, neste caso o autor lembra o Jaime Sousa que era amigo do Marques, o Marques andava inquieto, o Sousa procurava contemporizar e subitamente uma flagelação alterou tudo, um amigo partiu na devastação: “De súbito há um estrondo violento e demasiado próximo, os estilhaços e o cascalho provocam um ruído de chuva na superfície dos bidões, uma nuvem áspera passa pela pele, sem dar tempo de proteger os olhos e os ouvidos, vozes dispersas ecoam no interior do brusco nevoeiro morno. Ao aproximar-se, o Sousa sentiu o cheiro forte a terra fresca e a pólvora. E quando conseguiu romper o círculo humano que se formara, pôde ver a imensa cratera aberta pela granada. A lanterna do enfermeiro projeta um clarão trémulo sobre formas irreais. Um pouco à frente, o Marques, estendido no chão, pernas desfeitas, o ventre rasgado e a exposto ao pasmo dos vivos. Tudo acabava ali, sem glória nem dignidade, mesmo a de um espaço de recato onde cada um pudesse acompanhar o Marques nessa velada antes da última viagem. Eles têm 20 anos e continuam imóveis, suspensos de uma palavra que os arranque a essa zona de névoas movediças em que flutuam. A madrugada vai longa. Os restos do Marques estão embrulhados num pedaço de lona, à espera que ao primeiro clarão do dia o piquete venha buscá-los e os leve para a companhia. Aqui e ali, ainda o sussurro de conversas arrastadas”.

O escritor assume que há recordações esvaídas, corpos difusos, esqueceram-se os sobrevivos. Mas o tempo africano, dentre deste grande espaço de esquecimento, mantém-se firme nos sentidos, como ele recorda o bafo que o envolveu quando chegou a Bissalanca, com águas paradas, humidade, terra encharcada, lama salobra, é este o íntimo cheiro de África que se irá guardar para lá de tudo, “mesmo quando a memória dos lugares, dos corpos e do sangue se for diluindo na espessura dos dias”. Não terá sido por acaso que ele escreveu “remuniciar o tempo”, são palpitações, estados de alma muito pouco serenos, nunca mais se esqueceram aquelas chuvas e tornados, os caminhos lodosos, há uma vincada lembrança de quem eles eram, irreverentes e até lúbricos, como ele regista: “Tinham 20 anos e alguns séculos,/ conheciam as artes do fogo/ um léxico elementar aliterante sem cotação/ nas bancas onde se contabilizam passados/ e memórias: / coronha, culatra, cunhete,/ cabaço, catota, e outras que teriam aqui voz e praça,/ não fora o decoro que o poema adota”.

Tem aqui sido escrito vezes sem conta que estes sexagenários estão a sair do silêncio e a desatar as línguas. Algumas das melhores peças literárias têm conhecido publicação desde a viragem do século. Isto para augurar que há muito a esperar ainda de escritores como Urbano Bettencourt, eles poderão ainda vir a surpreender-nos com outras memórias de África, outros contributos valiosos que ajudem a triunfar esta lusofonia sem barreiras que se herdou de uma guerra colonial onde já não é necessário mentir, como mentíamos nos nossos aerogramas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10258: Notas de leitura (391): A Identidade Cultural do Povo Balanta, de Padre Salvatori Cammilleri (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10273: O Nosso Livro de Visitas (144): Nasce Biblioteca Pública em Bissau, graças ao trabalho da ONGD 'Afectos com Letras' (António Bernardo, CCS/BART 2920, Bafatá, 1970/72)



Cartaz da campanha "Vamos Fazer uma Biblioteca na Guiné-Bissau".  Fonte: ONGD Afectos com Letras, sediada em Pombal


1. Mensagem do nosso leitor (e camarada)  António Bernardo:

De: António Bernardo [antoniobernardo.faro@gmail.com]

Data: 14 de Agosto de 2012 18:26
Assunto: Biblioteca Pública em Bissau

Caros Luís Graça e Carlos Vinhal,

Sou leitor do blogue que administram, embora não registado. Caso seja do vosso desconhecimento, informo da chegada a Bissau, no passado dia 13, de voluntários da ONG 'Afectos com Letras', com o objectivo de ajudar a criar uma biblioteca pública em Bissau.

Aguardo 'luz verde' do ministro da educação da República da Guiné-Bissau para que em Bafatá seja também criada uma biblioteca ou sala de leitura.

Para confirmação da informação que vos presto, queiram consultar o Diário de Notícias (2012-08-10) "Biblioteca nasce com 13 mil livros levados de Portugal" ou Bissau Digital, clicar em últimas notícias e ler em "7. Guiné-Bissau: ONGD portuguesa cria biblioteca pública em Bissau"

Com os melhores cumprimentos,
António Bernardo
CCS/BART 2920 [Bafatá, 1970/72]

2. Comentário de LG:

Sê bem vindo, camarada. Não sei se estás ligado à ONGD "Afectos com Letras", de qualquer modo aqui fica registado o teu interesse em criar também, em Bafatá, uma biblioteca ou sala de leitura. Como tu, temos muitos camaradas, grã-tabanqueiros, que passaram, por Bafatá,  alguns dos quais provavelmente poderão querer associar-se à tua iniciativa, apoiá-la ou no mínimo acompanhar o seu desenvolvimento. Dá-nos mais informações sobre esse projeto.

Ficas, por outro lado, e desde já, convidado a integrar a nossa Tabanca Grande, e a falar-nos do teu tempo  como militar da CCS/BART 2920 (1970772). Trata-se, de resto, de uma unidade de que temos muito pouca ou nenhuma informação. Cordiais saudações. LG

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10176: O Nosso Livro de Visitas (143): Gama Carvalho, ex-fur mil cav, 2ª C/BCAV 8323 (Piche, Buruntuma e Piche, 1973/74), aceita o nosso convite para se tornar grã-tabanqueiro...

Guiné 63/74 - P10272: Parabéns a você (458): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)

Para aceder aos postes do nosso camarada José Manuel Cancela, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10245: Parabéns a você (454): Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto da CCAÇ 84 (Guiné, 1961/63) e Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Cond Auto da CCAÇ 4745 (Guiné, 1973/74)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10271: Convívios (465): Almoço mensal do pessoal da Tabanca dos Melros, dia 11 de Agosto de 2012 (Carlos Vinhal / Jorge Teixeira - Portojo)

1. No passado Sábado, dia 11 de Agosto de 2012, apesar de estarmos em pleno Agosto, mês de eleição para gozo de férias, aconteceu mais um convívio mensal da Tabanca dos Melros.

O local foi o habitual, a Quinta dos Choupos, e o Restaurante, o Choupal dos Melros do nosso camarada Gil Moutinho, Fur Mil Pilav, que sobrevoou os céus da Guiné aos comandos dos T6 da FAP.

Segue-se, com a devida vénia, a reportagem fotográfica de Jorge Teixeira (Portojo) com selecção de fotos da responsabilidade do editor deste Blogue, a partir do poste publicado pelo nosso camarada  no Blogue da Tabanca dos Melros.


Momento em que o camarada Carlos Silva apresenta a nova bandeira da Tabanca dos Melros, ao que me apercebi feita por uma menina de Gondomar.

Nesta foto, da esquerda para a direita: Sucio (filho), Fernando Súcio do Pel Mort 4275, Silva da Cart 1689 e Vinhal da CART 2732.

O Paulo às voltas com as carnes, enfrentado o calor das brasas, apesar da "brasa" que se fazia sentir

A mesa já com as Entradas

O pessoal ao ataque antes que se acabassem as munições.

De quem será este prato que chamou a atenção do Jorge?

Que bem se estava à sombra daquela ramada, já com as uvas bem pintadas como se pode ver  na foto.

Pormenor da mesa, sector norte, onde não se discutia a guerra, antes as virtualidades do Benfica e as (des)virtualidades do FCP. Para variar, diz o editor.

Já na digestão, em amena cavaqueira: Carlos Silva, Antero Santos (que não almoçou), Gil Moutinho (o nosso anfitrião) e Carlos Vinhal

Fotos de Jorge Teixeira (Portojo)
Legendas de Carlos Vinhal

Nesta foto o camarada José Ferreira da Silva e o seu editor Carlos Vinhal

Um recanto da Quinta dos Choupos onde não falta espaço para desfrutar a natureza e apreciar maquinaria antiga utilizada na agricultura. Neste momento, por decisão do nosso camarada Gil Moutinho, o Restaurante Choupal dos Melros apenas abre ao público e serve à lista ao domingo ao almoço, dedicando-se mais à organização de eventos e convívios.

Fotos e legendas de Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10261: Convívios (464): Tabanca de São Martinho do Porto, sábado, 11 de agosto de 2012 (Parte III)

Guiné 63/74 - P10270: Recortes de imprensa (56): Notícias do Centro, 14 de agosto de 2012: 'Afectos com Letras' instala biblioteca pública na Guiné com 13 mil livros


1. Recorte de imprensa enviado pelo nosso camarada Carlos Pinheiro, sempre atento ao que se passa na Guiné-Bissau

 De: Carlos Pinheiro [ carlosrpinheiro@gmail.com ]

Data: 14 de Agosto de 2012 14:11

Assunto: "Afectos com Letras" instala biblioteca pública na Guiné com 13 mil livros




 14 de agosto de 2012:

 "Afectos com Letras" instala biblioteca pública na Guiné com 13 mil livros



Um grupo de voluntários da organização não governamental "Afectos com Letras" estão em Bissau para instalar a Biblioteca Pública local, levando na bagagem 13 mil livros.

Segundo Joana Benzinho, presidente daquela associação, com sede em Pombal, nas próximas três semanas os voluntários irão "instalar estantes e organizar livros recolhidos em Portugal desde finais de Março". "Nas últimas duas semanas de Julho, funcionários da Rede de Bibliotecas de Pombal ajudaram na catalogação do fundo documental que foi entretanto enviado para a capital guineense", acrescenta.

Aquela Biblioteca será acolhida nas instalações do Instituto Politécnico Benhoblô, no qual será ainda criado um espaço multimédia, com computadores doados pela empresa portuguesa, com sede em Matosinhos, JP Sá Couto, com o objectivo de proporcionar aos leitores o acesso a um maior número de livros e publicações disponíveis nas diversas bibliotecas online.

Segundo Joana Benzinho, a "Afectos com Letras" espera alargar a iniciativa a outras regiões da Guiné-Bissau, nomeadamente às Ilhas dos Bijagós, democratizando "o mais possível" o acesso à leitura e à cultura naquele País.

Criada em Setembro de 2009, a Afectos com Letras – Associação para o Desenvolvimento pela Formação, Saúde e Educação tem como missão a melhoria das condições de vida das crianças da Guiné-Bissau.

Desde a sua constituição que tem desenvolvido um conjunto vasto de projectos como o co-financiamento da construção da Escola de Djoló que abriu em Outubro de 2010 com 120 alunos, o projecto Baobá que consiste no apadrinhamento individual de crianças ou de turmas daquela escola, a construção de um furo com painéis solares que fornece água e luz à escola, assim como o pagamento do salário de três professores.

A dinamização de campanhas como "Um livro para a Guiné Bissau", que levou centenas de livros até várias escolas guineenses, "Um brinquedo para a Guiné Bissau", bem como a elaboração e edição de uma brochura sobre nutrição infantil, são outras das iniciativas levadas a efeito.

A Afectos com Letras co-financiou, ainda, uma creche em Varela, destinada a 70 crianças, assumindo, também, o pagamento das duas professoras e três auxiliares.

Por outro lado, tem organizado diversas missões solidárias que levam até à Guiné profissionais de distintas áreas como dentistas, médicos, psicólogos, professores ou nutricionistas entre outros, com o objectivo de ajudar as populações, dar consultas, formação, entre outras.

Em Maio último, a associação promoveu uma outra missão solidária, focalizada no Hospital Simão Mendes, também naquele país guineense, ao qual entregou diverso material médico-cirúrgico e outros bens, como produtos alimentares para a confecção das refeições aos doentes internados.

Orlando Cardoso | Diário de Leiria | Diário de Coimbra
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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de agosto de 2012 >  Guiné 63/74 - P10232: Recortes de imprensa (55): Os 50 anos da guerra colonial, a saúde publica e a lusofonia (Editorial, Revista Portugal de Saúde Pública, 2011; 29(1): 1-2) (Luís Graça)