quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10445: Em busca de... (205): Manuel Moreira de Castro encontrou o camarada Santos, do BENG 447, ao fim de 44 anos

1. Mensagem da nossa amiga Arminda Castro, filha do nosso camarada Manuel Moreira de Castro (ex-Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, Bula, BinarMansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69), com data de 25 de Setembro de 2012: 

Sr. Carlos Vinhal,
No passado dia 09 de Agosto fiz um apelo no blogue (P10244*) para tentar descobrir um camarada amigo do meu pai, o Santos, quero agora informá-lo que o desejo dele foi concretizado no dia 02 de Setembro, pois com muita determinação tudo se consegue!

Consegui convencê-lo a ir comigo ao Santuário de Sta. Alexandrina em Balazar, e ai perguntamos a uma lojista informações sobre esse senhor, que logo nos indicou uma pessoa com essas características e então resolvemos tentar ver se seria a mesma pessoa. E sim!! Era quem o meu pai procurava.

No início como seria de esperar o tal senhor estava muito reticente pois não se lembrava do meu pai, mas aos poucos foi-se recordando e ficou muito contente pelo agradecimento do meu pai. Trocaram vários acontecimentos daquela época e por fim um forte abraço que ficará para sempre na memória de cada um.

Foi muito gratificante para mim, ver o meu pai feliz, pois era um desejo que ele tinha já há muito tempo, de reencontrá-lo e poder agradecer aquele gesto demonstrado naquele dia.

Despeço-me, mas não sem antes agradecer ao Sr. Carlos Vinhal, pela sua prontificação em tentar ajudar-me a encontrar o amigo do meu pai, dando-me assim o contacto do seu amigo Lima Ferreira.
O meu sincero obrigado.

Cumprimentos,
Arminda Castro


2. Recordemos então pretensão desta nossa miga:

[...] Fevereiro de 1968, chega a Bula e nessa altura, como era habitual, os que já lá estavam por vezes faziam perguntas aos novatos ”periquitos” e num desses convívios houve um camarada que lhe perguntou de que localidade ele era, e ele respondeu que era de uma freguesia do concelho de Santo Tirso (Covelas), e esse camarada de apelido Santos, também disse que era de relativamente perto ou seja da freguesia de Balazar, concelho de Vila do Conde.
Num certo dia, estando o meu pai pronto para ir almoçar, esse senhor de apelido Santos antecipa-se e traz para o meu pai uma enorme posta de bacalhau com grão-de-bico e batatas cozidas e diz-lhe:
- Isto é para ti!



Meu pai (na foto à esquerda) ficou surpreendido, e que ainda hoje não sabe como ele conseguiu, mas desse dia ele nunca mais se esqueceu. Entretanto passados 15 dias o meu pai foi destacado para outro sítio, Binar, durante mais um mês, a seguir para Bissorã na companhia de intervenção mais 15 dias, depois Mansoa, Cutia e Mansabá, e ao fim de sensivelmente 14 meses regressou a Bissau com destino a Nova Lamego, perdendo assim o contacto com ele.

Este senhor do qual o meu pai apenas sabe o apelido, na altura andava com uma máquina da Engenharia, talvez andasse a trabalhar em alguma estrada ou construção de algo.


Ele gostaria muito de saber o paradeiro dele, sei que é muito difícil talvez até quase impossível mas eu quero tentar descobrir este senhor, para isso peço a sua ajuda. Será possível saber as companhias de Engenharia que estavam destacadas nessa altura? Ele já lá estava algum tempo (Bula)
.[...]
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10244: Em busca de... (198): O nosso camarada Manuel Castro Moreira, ex-Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, procura camaradas da CCAÇ 2316 e do BENG 447

Vd. último poste da série de 20 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10410: Em busca de... (204): Camaradas do 15.º Pel Art.ª (Guileje, 1972/73) (Luís Paiva)

Guiné 63/74 - P10444: Blogpoesia (303): Madrinha de guerra (Ricardo Almeida, o poeta da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)


1. Do nosso grã tabanqueiro e poeta Ricardo Almeida, [ ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]

Madrinha de guerra
 

Ao regressar de Lamel,
de mais uma noite por lá passada,
fui à tabanca e comprei mel

para fazer a limonada.

Depois para espairecer
lembrei-me em escrever
alguns aerogramas,
fazendo expresso pedido
aos carteiros dessas terras
para onde foram expedidos,

E penso fintar a Pide,
com este título expedito:

à primeira moça que encontrar
o desconhecido,
um coração triste no mato,
o desiludido.

Não sei quantos passariam
porque só um mereceu resposta,
duma moça de Tondela,
mui guapa e muito bela,
que me escreve regularmente
como madrinha de guerra.

E aquela prosa tão bela
foi comida e foi bebida
p'ra alimentar minha vida
que considerava perdida
daquela moça singela.

Os dias iam passando
e agora mais dolorosos,
entre o tempo que medeia
a chegada dos aerogramas.

E assim ia pensando
ter alguém por companhia
que mesmo na sua ausência
vislumbrava sua aparência.
De lindos e nobres sentimentos
que ela me incutia,
e nalguns ásperos momentos
recorria à sua leitura.

E, desafiando o destino,
eu voltei a ser menino
nos braços daquela moça,
dando-me o aconchego então perdido,
o seu amor e o seu carinho
que o meu coração ainda preserva!

Agora era uma luta tremenda
que travava em três frentes,
sem tiros nem emboscadas,
de outras noites passadas
à espera dos aerogramas.
E a sua presença constante
com aquele sorriso sincero
saindo para o corredor
para limpar lágrimas de dor
porque eu, vê-la chorar,
não quero.

Mas outra batalha me espera,
e penso que mais prolongada
que todas as outras que encerro,
é não saber distinguir
e não saber definir
o seu amor verdadeiro.

Ao dizer isto uma lágrima
vem afagar o meu rosto
por tanta saudade sentir
daquela madrinha de guerra.

Iniciado no HM241 em Bissau
e concluido no sanatório do Caramulo.
Como hoje me encontro vivo, exponho os meus sentimentos à época neles passados.

Com um grande abraço fraternal
Marques de Almeida

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10433: Blogpoesia (302): Viva Portugal: poema de Felismina Mealha (ou Costa); voz de Fernando Reis Costa

Guiné 63/74 - P10443: Tabanca Grande (362): Vasco Pires, ex-Alf Mil, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael, 1970/72)

Gadamael Porto nos finais do ano de 1971.  
Foto © do Cor Morais da Silva, com a devida vénia.

 
1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires* (ex-Alf Mil, CMDT do 23.º Pel Art.ª, Gadamael, 1970/72), com data de 21 de Setembro de 2012:

Caro Luís Graça,
Em primeiro lugar, saudo mais uma vez, você e toda sua equipe de editores, pelo modo sereno como moderam, (uso moderar, no sentido de "moderar um grupo"), matéria tão delicada cheia de emoções extremadas, como a do blog.

Como disse, fiquei mui honrado com os seus convites para integrar essa "Grande Tabanca", disse também em e-mail anterior, que atualmente estou no interior do Brasil, e os meus pertences estão em São Paulo, alguns deles empacotados; inclusive, já pedi a um parente para tentar localizar as minha fotos da Guiné, embora não saiba qual o estado de conservação se encontram atualmente, assim que tiver esses documentos solicitarei o meu ingresso formal.

Tendo feito já algumas intervenções, me acho na obrigação de mandar uma foto atual, usada para o documento mais recente que tirei, fica a seu critério publicá-la ou não.

Cordiais saudações
Vasco Pires


2. Vamos recordar o que nos disse o nosso camarada e tertuliano Vasco Pires, em Fevereiro deste ano no Poste 9461, respondendo ao convite de Luís Graça para fazer parte da Tabanca Grande:

Prezado Luís Graça: 
Fico muito grato pela cordial acolhida, bem como pelo convite. 
Sou um desses milhões da multicentenária diáspora Lusitana.  Em 1972 saí de Portugal, e por aí ando até esta data. 

Há talvez um ano, tive o primeiro contacto com o blog; quero te parabenizar como a toda a equipe pelo extraordinário trabalho, bem como pelo alto nível da edição do blog, em assuntos tão polémicos e carregados de emoção, com décadas de distância. 

Cordiais saudações 
Vasco Pires


3. Comentário de CV:

Caro camarada Vasco Pires
Bem-vindo à tertúlia, da qual já fazes, praticamente, parte desde o princípio deste ano.
Publicada que está a tua foto recente, podias dar mais pormenores da tua vida militar, a começar por Mafra, passando por Vendas Novas e acabando em Gadamael. Podes dar-nos as datas mais importantes do teu trajecto, e com vaga, falar das tuas memórias e experiências.
Matéria não falta, tenhas tu alguma disponibilidade para nos enviar os teus textos e fotos, se as recuperares, para que passem a constar do espólio do nosso Blogue. Julgo que sabes que não é possível a publicação de postes directamente pela tertúlia, pelo que tudo que tenha por destino o Blogue deverá ser enviado para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com, e para um dos co-editores, o Eduardo Magalhães ou eu (Carlos Vinhal), cujos endereços encontrarás no lado esquerdo da nossa página.

Recebe um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores, e os votos de que a tua vida pela América do Sul, mais propriamente no Brasil, corra pelo melhor.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de

8 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9461: Camaradas da diáspora (10): Vasco Pires, ex-comandante do 23º Pel Art (Gadamael, 1970/72): saiu de Portugal em 1972

10 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9469: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (51): Dois amigos, Paulo Santiago, aguedense, e Vasco Pires, anadiense​, reencontra​m-se, no blogue, ao fim de 50 anos!

29 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9829: Tabanca Grande: oito anos a blogar (16): Parabéns (Vasco Pires, no interior do Brasil; ex-cmdt do 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72)
e
17 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9918: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (53): Acácio Conde, ex-combatente em Angola, encontra no nosso Blogue os amigos Manuel Reis, Paulo Santiago e Vasco Pires

Vd. último poste da série de 17 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10396: Tabanca Grande (361): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

Guiné 63/74 - P10442: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (2): Funeral fula em Guileje (ou melhor, funeral muçulmano, segundo o nosso amigo Cherno Baldé)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) >  Sequência fotográfica de um "funeral fula em Guileje" (é a única legenda que possuímos) >  Foto nº 5 > s/legenda:  o cortejo funerário encaminha-se para a mata; á esquerda, é visível um troço de arame farpado do aquartelamento e tabanca; o fotógrafo acompanhou a cerimónia desde a saída da tabanca até ao local, na mata, onde se realizou o enterro; não parece haver qualquer escolta militar.


 Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 6 > s/ legenda: percebe-se pela foto que o morto, presumivelmente civil, do sexo masculino,, é transportado numa maca (possivelmente cedida pela NT), e vem coberto com um lençol ou um pano branco.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 7 > s/ legenda: os familiares e amigos, só homens, quer civis quer militares, descalços, fazem um círculo à volta da sepultura, e possivelmente rezam em voz alta  uma primeira oração.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 8 > s/ legenda: a inumação do cadáver, envolto em panos... e que parece ser depois encimado por uma esteira.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 9 > s/ legenda: os participantes assistem,  sentados, à descida do corpo à terra.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 10 > s/ legenda: a descida do corpo à terra.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 11 > s/ legenda: possivelmente a oração de despedida à volta da sepultura, vísível pelo montículo de terra. 

[Peço ao nosso amigo e irmãozinho Cherno Baldé, fula e muçulmano, para corrigir e/ou completar estas legendas que a visualização das fotos me foi sugerindo...No TO da Guiné, no tempo em que lá estuve (1969/71)  só fui, que me lembre, a um funeral numa aldeia fula, o de um dos nosso soldados, morto em 7 de setembro  de 1969. LG]

Fotos: © Armindo Batata / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados.


1. Explicação sobre o funeral de rito muçulmano na Guiné-Bissau, dada aqui em comentário a este poste pelo nosso amigo Cherno Baldé:


Caro Luís Graca,

As legendas estão corretíssimas, mas no intitulado, eu prefereria que fosse "funeral muçulmano" porque é disto que se trata, pois o ritual é o mesmo entre os muçulmanos de todas as origens e as pequenas diferenças que se podem notar resultam de condições concretas dos meios de cada comunidade.

O Armindo Batata dá-nos nestas imagens a impressão de um observador atento ao que se passa ao redor, no obstante, escapou-lhe a parte da oração fúnebre (conjunta) que é feita na morança, antes de partir para a sua última morada onde participam todos, homens e mulheres.

Torna-se quase impossível identificar o(a) morto(a) a partir das imagens (se é civil ou militar, homem ou mulher), mas a padiola [, maca,] é militar e deve pertencer aos serviços sanitários do quartel que, neste caso substitui a função tradicional da esteira fabricada com fibras de colmo que deveria servir para enrolar e transportar o defunto ao local do enterro.

A praxe muçulmana manda que o cemitério esteja situado fora da aldeia e a proteção da sepultura suficientemente sólida para evitar que as hienas e jagudis façam das suas.

O funeral muçulmano caracteriza-se pela sua simplicidade, rapidez e equidade, cada uma delas com o seu lote de vantagens e inconveniências, dependendo do ponto de vista de quem observa ou analisa. Todavia, uma coisa é certa, são cada vez mais as comunidades africanas que aderem, nomeadamente na Guiné-Bissau, provavelmente para diminuir o fardo dos custos (sociais e econoómicos) ligados aàs tumultuosas e repetitivas cerimónias de culto aos mortos em tempos de crise generalizada.

Aceitem esta contribuição de um leigo e muçulmano pela cultura.

Um grande abraço para ti e aos restantes editores,
Cherno Baldé

PS - Queria acrescentar que as três características ou princípios acima enunciados impedem que o morto seja enterrado dentro de uma urna, salvo casos excepcionais, o mais provável é ser retirado do caixão e enterrado na maior simplicidade possível.

Voltando a atualidade, é isto que explica o facto de os chamados fundamentalistas destruirem os mausoléus no norte de Mali (Tombouctu). São contradições de difícil solução dentro da própria religião que, ainda, não têm uma solução pacífica.

O cemitério do alto de S. João, [em Lisboa,]  está melhor urbanizado e apetrechado que muitas cidades
do terceiro mundo. Cherno


2. Recorde-se aqui, mais uma vez,  a lista das 11 unidades que passaram por Guileje, entre fevereiro de 1964 e maio de 1973 (Fonte: Carlos Schwarz/Nuno Rubim, 2006)

  1. CCAÇ 495 (Fev 1964 / jan 1965);
  2. CCAÇ 726 (Out 1964 / .jul 1966) (contactos: Teco e cor art ref Nuno Rubim);
  3. CAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966);
  4. CCAÇ 1477 (Dez 1966 / jul 1967) (contacto: Cap Rino);
  5. CART 1613 (Jun 1967 / mai 1968) (contacto: Cap José Neto, já falecido, em 2007);
  6. CCAÇ 2316 (Mai 1968 / jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos);
  7. CART 2410 (Jun 1969 / mar 1970) > Os Dráculas (contacto: Armindo Batata, ex-comandante do Pel Caç Nat 51, jan 1969  / jan 1970);
  8. CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio);
  9. CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: cor inf ref Jorge Parracho);
  10. CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (açorianos) (contacto: Amaro Munhoz Samúdio):
  11. CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho).
Observ. - Receio que o nosso camarada e amigo Nuno Rubim, talvez o maior estudioso do dossiê Guileje/Gadamael, se tenha enganado na designação da 1ª companhia que terá passado por Guileje, com início em fevereiro de 1964... Ele refere a CCAÇ 495, quando provavelmente se queria referir á CART 495 ...
Não tenho a certeza da existência da CCAÇ 495... A CART 495, mobilizada pelo RAL 1, partiu para o TO da Guiné em 17/7/1963 e regressou a 24/8/1965. Teve como comandante o cap art Ângelo Rafael Leiria Pires. Esteve em Aldeia Formosa e Nhraca, possivelmente com um pelotão destacado em Guileje. Da mesma época, era a CART 494, comandada pelo cap art Alexandre da Costa Coutinho e Lima, tendo estado em Ganjola, Gadamael e Bissau. Talvez o Coutinho e Lima nos possa tirar esta dúvida. Quanto ao Nuno Rubim, não tenho tido notícias dele há muitos, muitos meses!
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10435 Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (1): População de Guileje

Guiné 63/74 - P10441: Parabéns a você (474): Luís Borrega, ex-Fur Mil da CCAV 2749 (Guiné, 1970/72)

Para aceder aos postes do nosso camarada Luís Borrega, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10414: Parabéns a você (473): Maria Teresa Almeida (Liga dos Combatentes); Coutinho e Lima, Coronel Art.ª Ref (Guiné, 1963/65 - 1968/70 e 1972/74) e Raul Albino, ex-Alf Mil (Guiné, 1968/70)

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10440: Ser solidário (137): Benjamim Durães, presidente da direção do núcleo de Setúbal da Liga dos Combatentes, sugere a trasladação das ossadas do cor inf Costa Campos para o talhão dos combatentes de Sesimbra ou de Setúbal


1. Recorde-se aqui o apelo feito há dias pelo nosso camarada Carlos Jorge Pereira [,membro da nossa Tabanca Grande, de quem infelizmente ainda não temos nenhuma foto]

(...)  No passado mês de Agosto, fui mais uma vez visitar o nosso antigo Comandante, [do COP 3,] Sr. Coronel de Infantaria Carlos Alberto Wahon Costa Campos,  que se encontra sepultado em Sesimbra.


Fez este ano, em 8 de Agosto, seis anos que o mesmo faleceu e a sua sepultura abandonada desde essa data.Dentro de um ano os seus restos mortais irão ser levantados e, caso não sejam reclamados pelos familiares, serão transferidos para uma vala comum.

Por essa razão, apelo a um ou dois antigos colaboradores e amigos do nosso Comandante e amigo que se juntem a mim, para falarmos com a família e, caso não mostrem interesse, sermos nós a tratar e a pagar uma sepultura condigna e perpétua. Para o efeito devem contactar-me para delinearmos a estratégia.

Carlos Jorge Pereira
Ex- Fur Mil IOI
Bigene- Guidaje 72-74
carlosjmpereira@hotmail.com (...)



2. O nosso camarada Mário Fitas, por sua vez, escreveu o seguinte, em comentário ao poste P10408 [, Recorde-se que o ex-fur mil o esp Mário Fitas pertenceu à CCAÇ 763, Cufar, 1965/67, onde teve como comandante o cap inf Costa Campos, o célebre "leão de Cufar"):

Caro Carlos Pereira,

Um abraço,  camarada. Como tu também eu me sinto envergonhado pela situação em que se encontra sepultado o Coronel Costa Campos, comandante da CCAÇ 763 em Cufar, anos de 1965/66.

A situação é muito complicada e estou mais ou menos dentro de toda a situação. O Coronel Costa Campos não foi sepultado no talhão da Liga dos Combatentes de Sesimbra porque,  sendo sócio da Liga, pagava as suas quotas em Lisboa pelo que não teria direito à utilização do respectivo talhão.

Carlos Pereira, entrarei em contacto contigo e falaremos melhor sobre o assunto, dado ser melindroso.

Não tenho dúvidas sobre o empenhamento de todos os componentes da CCAÇ 763 se disponibilizarão para resolução deste problema, aos quais irei de imediato dar conhecimento.

Um abraço, Mário Fitas


3. O nosso camarada e amigo Benjamim Durães, ex-fur mil op esp, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e que é o presidente da direção do núcleo de Setúbal da Liga dos Comnbatente, telefefonou-me há dias com uma proposta de solução para o problema das ossadas do cor inf Costa Campos. No dia 24 do corrente, mandei-lhe o seguinte email, com conhecimento ao Carlos Pereira (e que reencaminho também para o Mário Fitas): 

(...) Benjamim: Entra aqui em contacto com o Carlos Pereira (ou viceversa... Não tenho o telefone do Carlos. Pelo que percebi, na nossa conversa ao telefone, tens uma solução para as ossadas do cor Costa Campos, que poderiam ser trasladadas para o talhão dos combatentes em Sesimbra ou em Setúbal,. Fica aqui o teu telemóvel para o Carlos te contactar: 939 393 315. (..:)

4. Nesse mesmo dia, o Carlos Pereira contactou-nos, também por email, a mim e ao Benjamim:

Caros Amigos: Vou possivelmente na 5ª feira a Sesimbra tentar falar com a esposa do Nosso Amigo Cor Costa Campos para saber quais as suas intenções. Caso me autorize aser eu a tratar do assunto, contactarei todos os interessados para delinearmos a estratégia.

Um abraço, C Jorge Pereira


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Guiné 63/74 - P10439: Agenda cultural (217): RTP1, 28 de setembro, 6ª feira, 22h45 > Programa Portugueses pelo Mundo ... Episódio 8/25: Bissau... Uma oportunidade para redescobrir a cidade e rever amigos como a Isabel Levy Ribeiro, nossa grã-tabanqueira, formadora da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, mulher grande da Tabanca de São Martinho do Porto...

 1.  Através do Luís Sousa fomos alertados para a emissão de depois de amanhã, dia 28, às 22h45, na RTP1, do episódio nº 8 (de um total de 25) do popular Programa Portugueses pelo Mundo... Este episódio é filmado em Bissau e outras partes da Guiné-Bissau, como São Domingos, Varela, Cussilinta, Bafatá... 

E mais: descobrimos, pela leitura da sinopse do programa, que o primeiro português que vai servir de guia à (re)descoberta da atual cidade de Bissau é, nem mais nem menos, que a nossa querida amiga Isabel Levy Ribeiro, casada com o nosso querido amigo Pepito, dois dos nossos grã-tabanqueiros (que vivem na Guiné-Bissau, desde 1975; ou melhor, a Isabel, portuguesa,  em 1975 foi viver e trabalhar na terra do marido,  guineense).
Aqui vai informação mais detalhada sobre o programa [, Foto à direita: um postal ilustrado da marginal de Bissau, na época colonial, da coleção de Agostinho Gaspar].

Sinopse do programa (RTP1 > Programação do dia 28/9/2012 > Portugueses pelo Mundo > Bissau > Episódio 8 de 25)


Viajamos até Bissau, capital da Guiné-Bissau. Uma cidade que nos invade os sentidos com as suas cores fortes e cheiros de iguarias que são, ao mesmo tempo, tão conhecidas e tão exóticas. Passeamos nos bairros que, mesmo pobres, estão sempre cheios de risos e música e relaxamos em praias paradisíacas. É assim Bissau, uma cidade simples e simultaneamente tão cheia de vida.



"Bem-vindos a Bissau!"

(i) Isabel Levy, 60 Anos, formadora ONG [AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede no bairro do Quelelé, Bissau], natural de Luanda.   


[, Isabel Levy Ribeiro: foto à esquerda, com a Maria Alice Carneiro, em Bissau, 29 de fevereiro de 2008; uma magnífica anfitriã; foto de L.G.]

Isabel apresenta-se durante um passeio pelo bairro de Quelelé. No mercado central, situado num local provisório depois de um incêndio que destruiu o anterior, ficamos a perceber que a nossa convidada é uma pessoa querida dos locais que a conhecem e tratam pelo nome.

Vamos com a Isabel até São Domingos, a uma escola onde está a ser desenvolvido um projeto de educação ambiental ao qual Isabel dá apoio e visitamos ainda um local de extração de sal solar, um processo que facilitou muito a tarefa das mulheres que lá trabalham. O dia termina num restaurante típico, onde Isabel vai jantar em família e nos conta os projetos futuros.


(ii) Afonso Bértolo, 28 Anos, técnico de cooperação, natural de Lisboa.

É na associação em que trabalha que conhecemos o Afonso e ficamos a saber a aventura que o levou até à Guiné-Bissau. Uma das componentes do trabalho de Afonso passa pela rádio e aproveitamos o facto de ser um dos convidados especiais de um programa para espreitar o funcionamento da rádio comunitária de Quelelé [, apoiada pela AD - Acção para o Desenvolviomento]...

Acabado o trabalho, seguimos para Cusselinta, um local lindo com piscinas naturais onde é possível relaxar e refrescar [, foto de Cusselinta acima, à direita, em 3 de março de 2008; foto de L.G.]. 

A noite acaba num bar da moda entre colegas e, como não podia deixar de ser, muita música.

(iii) Ana Melo, 27 anos, coordenadora OIM Guiné-Bissau, natural de Coimbra.

É na Praça da Independência que encontramos a Ana pela primeira vez e aproveitamos o local para ficar a saber um pouco das características do povo guineense muito relacionadas com a sua história.

Seguimos para o mercado do Bandim, o mercado mais movimentado e labiríntico da cidade, onde Ana vai comprar uns panos e partimos depois para Bafatá que foi a segunda cidade na época colonial mas que parece agora uma cidade fantasma.

 [, À esquerda:  foto do Rio Geba, em Bafatá, 15 de dezembro de 2009; foto de João Graça].

De volta a Bissau, despedimo-nos da Ana no bairro do Bandim a ver uma agrupamento chamado "Netos do Bandim" que mistura musica, dança e teatro e que já tem reconhecimento internacional.

(iv)  Miguel Pinto, 34 Anos, empresário de restauração, natural de Lisboa.

No cais do Pigiguiti encontramos o Miguel a fazer algumas compras para o restaurante que explora em família. As ostras aí compradas vão fazer parte de um almoço entre amigos, onde Miguel se delicia com muitas outras iguarias típicas. 


O fim da tarde é passado em Varela, uma praia paradisíaca onde Miguel recarrega energias para regressar ao trabalho, o que vai acontecer ao jantar, no restaurante de família, onde a fusão entre a cultura guineense e portuguesa é perfeita.

Portugueses Pelo Mundo
2.  Informação adicional sobre o programa (Fonte: RTP)

"Portugueses pelo Mundo é um programa que faz um cruzamento entre o documentário e o programa de viagens turístico.Cada programa corresponde a uma cidade no Mundo e cada uma dessas cidades é “apresentada” pelas histórias de portugueses residentes. Assim, consoante as personalidades, estilos de vida, hábitos, carreiras profissionais e até estratos sociais de cada entrevistado, a cidade é apresentada de uma forma mais humana, intensa e diversificada. Desta forma, sem perder de vista o entretenimento, fomentamos a integração entre culturas e indivíduos, mostrando as diferenças culturais, sempre numa óptica de curiosidade e tolerância pelas diversidades de cada um dos povos e suas culturas".


(...).Segundo informação do respetivo sítio,  este programa também é emitido pela RTP Internacional e pela RTP África.  Não sabemos, no entanto, em que data é que será emitido o episódio nº 8 (Bissau) na RTPi e na RTP África.
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10437: Agenda cultural (216): Apresentação do livro "Crónicas dos (Des)Feitos da Guiné", de Francisco Henriques da Silva, dia 3 de Outubro de 2012, pelas 18 horas na Sociedade Histórica da Independência de Portugal

Guiné 63/74 - P10438: Do Ninho D'Águia até África (12): O Madragoa (Tony Borié)

1. Continuação da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (12)

O Madragoa

O Madragoa era um militar com quem todos simpatizavam. Nasceu na capital de Portugal, no bairro da Madragoa, e falava com um sotaque que todos tentavam imitar. Ao falar, quase que cantava, e mexia os lábios duma maneira que o tornava único. Sabia boxe, e ao caminhar, com um jeito gingão, balançando o corpo, cigarro “três vintes” na boca, sempre tinha uma maneira diferente de saudar os militares por quem passava. E os militares que por ele passavam, já diziam, tentando imitá-lo:
- Tásss booom, hó pááá.

Ele ria-se, e dizia, debaixo dum sorriso matreiro:
- Touuu porreiroooo, embora aqui não haja “garinas”, tááá.

“Garinas”, creio que era garotas. Bem, mas vamos à história.

Para os lados do norte, na região do Oio, para lá do rio Cacheu, depois de intensa floresta e de um pequeno rio afluente, que não era mais do que a continuação de alguns pântanos, havia uma aldeia considerada ponto estratégico, devido à sua localização. Ao norte da aldeia, por alguma extensão, não havia rios ou pântanos, era perto da fronteira com outro país africano, era uma área com um excelente potencial, para um futuro corredor de abastecimento das bases dos guerrilheiros, que entretanto se instalavam, com alguma agressividade, construindo “casas mato”, que era como disignavam as suas pequenas bases, na região do Oio.

O comando a que o Cifra pertencia, depois de trocar mensagem atrás de mensagem, durante bastante tempo, com o comando do território na capital da província, informando de que havia notícias de infiltração e passagem de guerrilheiros, assim como material de guerra, na área, ao fim de algum tempo recebe autorização para dessa aldeia fazer um posto avançado. E o Cifra, pensava:
- Quem serão os desgraçados dos militares que para lá vão ser mandados?

O comando, passado mais ou menos uma semana depois de receber autorização, destacou para essa área, primeiro, parte de uma companhia de infantaria que tinha chegado há pouco à província, portanto com pouca experiência no conflito, mas reforçada com uma secção de alguns militares de um pelotão de morteiros, já com alguma experiência em combate.

Para ajudar na instalação destes militares, colaborou a Armada com duas lanchas de patrulha dos rios e pântanos, que os transportou, assim como algum equipamento militar.

Depois de os militares se instalarem um pouco distantes da referida aldeia, num local onde o terreno era seco, que ficava um pouco ao norte mas quase encostados ao tal afluente de rio, que não era mais do que um pântano, que já aqui falámos, que quando a maré subia aumentava o volume do seu caudal, formando uma extenção de água que se estendia para sul, por bastante distância, e onde entenderam que era o lugar ideal, construiram um pequeno acampamento com paredes feitas com sacos de terra e cobertas com alguns troncos de palmeiras e folhas de zinco, onde por sua vez, também colocavam sacos de terra, para mais protecção; alguns abrigos, abertos no chão onde o terreno era mais seco, também cobertos com troncos de palmeiras, folhas de zinco e sacos de terra. Enfim, de pouco a pouco, construiram uma pequena fortaleza, onde se instalaram.

O único meio de transporte que tinham para se deslocar, e ter contacto, com qualquer unidade militar avançada na zona, era uma pequena lancha com motor fora de bordo, com capacidade para no máximo cinco pessoas, atravessarem o rio e pântanos, e virem de encontro a essa mesma unidade, que previamente avisada pelo serviço de transmissões, os esperavam em terra firme.

Era assim que eram abastecidos, semanalmente de alguns víveres e géneros de primeira necessidade, assim como o correio. Estavam praticamente isolados. A maior parte dos militares, para passarem o tempo, aprendiam algumas habilidades. Por exemplo, com uma simples bola de futebol, davam umas centenas de toques, sem deixarem a bola tocar no chão. Outros, depois de algum treino, bebiam líquidos com a boca aberta. Corriam, dando saltos mortais, como nos jogos olímpicos. Com a G3 davam tiros, com a arma no ombro, para trás, acertando no alvo com a ajuda de um espelho. Quase todos deixavam crescer a barba e grandes bigodes, competiam entre si, a ver qual apresentava o maior bigode.

Passado uns meses, alguns militares começaram a adoecer. A principal causa era uma espécie de paludismo. Febre, tonturas, vomitar, cor amarelada da pele do corpo, e logo lhe diziam:
- “Estás apanhado”.

Eles queriam água limpa, pura, para beber, mas não havia. Era a dos bidons que se tirava do rio, turva, e depois assentava no fundo, ao fim de umas horas, que se fervia alguma, outra não. Nessa altura, começou a funcionar o meio de transporte de emergência, que era o helicóptero, e começou a evacuá-los. Vinham dois e três de cada vez. Iam para o hospital da capital da província.

Como até aquela data não fora detectada qualquer presença, vestígios ou possível movimento de guerrilheiros na área, pelo menos não havia reportes nesse sentido, pelas forças militares que lá se encontravam, pois se os guerrilheiros se movimentassem na zona, não era durante o dia, mas sim de noite, e de noite, não havia patrulhas, e também não iam atacar a pequena fortaleza, pois com essa atitude iam denunciar a sua movimentação na referida zona, e com toda a certeza que depois disso acontecer, os militares iriam ser reforçados, iriam dificultar toda a sua movimentação, mas continuando com a narração, o comando, decide fazer regressar quase todos os militares.

No seu lugar, deslocou para lá, duas secções de combate, uma duma companhia de infantaria e outra dum pelotão de morteiros, de mais ou menos sete ou oito homens, cada uma, que seriam rendidos todas as semanas.

Aqui, começou a trabalhar o tráfico de influências.

Das secções de combate nomeadas, uns não queriam ir, davam baixa de doentes, outros queriam ir, porque era pura liberdade nessa semana. Levavam vinho, comida, ninguém lhes dava ordens, dormiam quando queriam, não tinham que sair, quase todos os dias, a bater as zonas nas matas próximas do aquartelamento. Enfim, o costume, nestas situações. Havia os que davam dez maços de cigarros, para não irem, e os que davam quinze, para irem no lugar de outros.

Já lá vão quase dois meses, não houve situação de perigo, a zona, afinal era sossegada, a semana passa rápido, já iam com muito mais prevenção, e não adoeciam como os primeiros. A população local, era mais ou menos conhecida, já havia alguns que iam duas vezes por mês, e tinham lá namorada, como era o caso do Madragoa.

(A história de acção, que se segue, o Cifra teve conhecimento pelos relatórios que lhe passavam pelas mãos, de informadores que os militares tinham em diversas zonas da província, pois muitas vezes era por essas informações que os militares movimentavam tropas no terreno)

Por volta das duas horas da manhã, uma coluna a pé, possivelmente vinda da fronteira com outro país, segue em fila indiana. Esta coluna é composta por guerrilheiros e transportadores de material de guerra. Na frente vão nove guerrilheiros, fardados, de metralhadora pronta a disparar e catana à cinta. O primeiro vai distanciado do segundo, aproximadamente vinte metros, o segundo do terceiro, mais ou menos dez metros, os restantes sete, mais ou menos dois metros uns dos outros. Seguem-se vinte e sete mulheres guerrilheiras, com a mesma distância, de aproximadamente os mesmos dois metros, umas das outras, transportando à cabeça, alguns pesados fardos, outras cestos e caixas de material de guerra, seguidas por outros nove guerrilheiros, fardados, de metralhadora pronta a disparar, e de catana à cinta, com a mesma distância de dois metros um do outro, excepto os dois últimos, que mantinham a coreografia do primeiro e do segundo.

O Madragoa, que já dormia com a namorada na palhota da aldeia, que ficava um pouco retirada do acampamento, ouvindo um pequeno barulho que lhe parecia passos constantes, vem cá fora espreitar.

Escuta, avança uns passos com curiosidade. Não viu mais nada. Foi golpeado, no lado esquerdo, pelo golpe de forte catanada que lhe atingiu o coração. Levou mais uns tantos golpes, mas deverá de ter morrido ao primeiro golpe.

Nesse momento, mais dois militares dormiam nas palhotas da aldeia, que regressaram ao acampamento, pela madrugada, com sempre faziam, sem suspeitarem de nada.

Ninguém sabe se foi a curiosidade do Madragoa que o matou, o que é certo é que pela manhã, a namorada tinha desaparecido da aldeia.

O Comando, quando recebeu o reporte da morte do Madragoa, mencionava que ele ia dormir com a sua namorada sem o comandante da secção ter conhecimento, pois ia para a aldeia, pela calada da noite, e regressava ao acampamento pela madrugada, pelo menos era esta a versão do reporte oficial. Nunca foi mencionado nada a respeito dos outros dois, que deviam ter aprendido a lição com o exemplo do companheiro morto à catanada. E era natural que o comandante da secção não soubesse, ou se sabia, colaborava, pois era natural entre companheiros facilitar a vida uns aos outros.

Mais tarde, pela rádio de uma emissora, que todos diziam, funcionava num país vizinho, que, com o seu programa patriótico, insentivava os naturais à luta e desmoralizava as tropas de Portugal, descreveu toda a história, dizendo entre outras coisas que: Mais uma mulher patriótica e corajosa, que depois de matar o invasor militar que a raptou, libertou-se, e com a ajuda dos nossos corajosos combatentes, que não dormem, para abastecer as nossas bases, e que estão sempre vigilantes nesta luta de libertação..., esta mulher patriótica, juntou-se, vindo reforçar o nosso movimento, blá, blá, blá.

Propaganda. Só Deus sabia.

O Cifra, ao ter conhecimento da morte do Madragoa, com quem confraternizava, e com quem algumas vezes treinava boxe, e sempre lhe dizia:
- Olha-me nos olhos. Os olhos é que comandam os meus movimentos.

Sim os seus olhos ficaram gravados para sempre na sua memória. O Cifra sofria, chorava sem lágrimas, perante todo este cenário, de morte e de guerra, em que estava envolvido, sem ter dado um passo, para que ela existisse.

E nas suas meditações, algumas vezes falava alto, dizendo: Por que razão me tiraram do meu vale do Ninho d’Aguia, onde ouvia todas as manhãs o meu comboio das seis e meia, o berrar das minhas ovelhas pedindo mais erva, da minha família, da minha represa no lameiro, do meu rio e da companhia das minhas amigas, que pelo menos mostravam que gostavam de mim.

E continuava, virando a cara para o céu: Se é que existe alguma divindade aí em cima, a que nós terrestres chamamos Deus, por favor liberta-me e tira-me deste sofrimento.
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Nota de CV:

Vd último poste da série de 22 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10419: Do Ninho D'Águia até África (11): Zarco, o combatente (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10437: Agenda cultural (216): Apresentação do livro "Crónicas dos (Des)Feitos da Guiné", de Francisco Henriques da Silva, dia 3 de Outubro de 2012, pelas 18 horas na Sociedade Histórica da Independência de Portugal

APRESENTAÇÃO DO LIVRO "CRÓNICAS DOS (DES)FEITOS DA GUINÉ"
SOCIEDADE HISTÓRICA DA INDEPENDÊNCIA DE PORTUGAL 
LARGO DE SÃO DOMINGOS, N.º 11 - LISBOA 
3 DE OUTUBRO, 4.ª FEIRA, PELAS 18H00


A Edições Almedina e o autor convidam V. Exa. para a apresentação do livro “Crónicas dos (Des)Feitos da Guiné”, de Francisco Henriques da Silva.

O evento contará com a presença do autor Francisco Henriques da Silva e o livro será apresentado pelo Professor Doutor Armando Marques Guedes e pelo Dr. Mário Beja Santos.

O autor combateu na Guiné (1968-1970), onde foi depois embaixador (1997-1999) num momento de extrema convulsão, durante a guerra civil. O país conheceu a ocupação de forças estrangeiras, populações em fuga e Bissau transformada em carreira de tiro, sujeita ao fogo cruzado das forças leais ao presidente e respectivos aliados que se confrontavam com a Junta Militar do brigadeiro Mané, seu antigo companheiro de armas, que encabeçava um vasto movimento insurrecional. Tratou-se de um conflito truculento e dramático que cavou divisões que continuam a fraturar a sociedade local.
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Notas de CV:

Francisco Henriques da Silva foi Alf Mil na CCAÇ 2402/BCAÇ 2851 que esteve em , Mansabá e Olossato, nos anos de 1968 a 1970, e embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999.

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10434: Agenda cultural (215): 8.º Ciclo "Fim do Império: Olhares Sobre a Guiné" (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 63/74 - P10436: Notas de leitura (411): "Rumo a Fulacunda", de Rui Alexandrino Ferreira (Belarmino Sardinha)

1. Mensagem do nosso camarada Belarmino Sardinha (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), com data de 21 de Setembro de 2012:

Luís e Carlos,

Junto envio a minha opinião sobre o que li e achei que devia partilhar com o blogue, do livro Rumo a Fulacunda do Rui Alexandrino Ferreira.
Se entenderem que devem publicar, força.

Um abraço,
BS

Começo por dizer que não conheço pessoalmente o Rui Ferreira*, melhor dito, ainda não o conheço, espero em breve poder ultrapassar essa situação e poder dar-lhe um abraço, agradecer-lhe e trocar com ele algumas palavras, até porque a minha curiosidade, depois de ter lido este livro, leva-me a procurar saber a verdadeira razão que o levou a enveredar pela carreira militar, mesmo dizendo ele não se ter adaptado à vida civil.

Há muito que procurava encontrar este livro e confesso, nem no círculo de amigos o consegui. Contrariado, por dar a entender o que não era, vi-me forçado, perdi a vergonha e escrevi-lhe dando-lhe conhecimento do meu interesse e dos intentos frustrados na aquisição do livro. O Rui Ferreira, assim quer que o trate, de pronto respondeu e disse-me estar o livro esgotado, ter apenas alguns exemplares, mas mostrou-se logo disponível para o enviar gratuitamente por correio e assim fez.

Passemos então ao livro.

Começa a narrativa contando como foi parar ao serviço militar na Metrópole (na altura), diga-se já que o Rui é nascido em Angola, Sá da Bandeira, como cadete e depois aspirante a oficial miliciano que se vai remetendo a dar instrução a novos recrutas até ao dia em que a sorte lhe reserva o prémio de ser eleito a ocupar um lugar numa das frentes da batalha de então, a Guiné.

Mas não se pense que o autor descura pormenores. Conta-nos como são distribuídas as condecorações e os louvores e como eram atribuídas as antigas colónias aos militares, como a política se fazia e ainda hoje se faz sentir. Cuidado e minucioso, não deixa para mão alheia e lembra o passado e o presente, quer dizer, o antes e o após 25 de Abril de 1974.

Sem rodeios ou “papas na língua” não omite e critica severamente a incompetência e o comportamento de responsáveis e decisores da vida ou morte dos seus subordinados, sem se esquecer de enaltecer aqueles que para ele o merecem.

É neste contexto que nos relata a sua mobilização para a Guiné, a ele, nascido e criado em Angola, onde esperava poder regressar e dar o seu contributo como militar, pois tendo-se oferecido nunca foi aceite o seu pedido.

Após o desembarque, descreve-nos como vê ou era o movimento da cidade de Bissau, dependente dos militares e por força destes o Hospital Militar, o seu pessoal, dedicando-lhe palavras de apreço e reconhecimento, o seu verdadeiro e essencial papel nas vida de todo o militar que teve a infelicidade de ter que por lá passar (infelicidade termo da minha responsabilidade, por entender que, por muito bem tratado, o necessitar-se foi uma infelicidade).

Na continuação da sua viagem por terras da Guiné, conta-nos como foi parar a Fulacunda e o que diziam. Descreve-nos o que se via antes e depois de aterrar. Fala-nos da sua aceitação num grupo desfalcado pela perda do seu comandante e os laços que envolviam e fortaleciam as ligações do grupo e o quanto eram/são importantes e necessárias.

Uma vez mais não se escusa a confrontos e emite a sua opinião sobre aqueles com quem conviveu e partilhou missões e decisões ou a falta destas.

Sem fazer a sua defesa ou estimular esse tipo de procedimentos, descreve de forma soberba sentimentos e formas de sentir, estar e até proceder, perfeitamente desumanas, só possíveis em determinadas alturas e perante situações vividas (chegadas ao conhecimento de quem não as viveu, ou que, sem escrúpulos ou por outros interesses utilizam a exceção para denegrirem tudo o que lá se fez ou aconteceu ao longo de treze anos de guerrilha. Nota da minha responsabilidade), após a morte de um furriel que tentava desativar e levantar uma mina.

Aproveitando as narrativas sobre o desenrolar da sua atividade operacional, não esquece e individualmente dedica uma palavra de apreço, gratidão ou de simples amizade a todos que fizeram parte do seu grupo de combate.

Relembra-nos com era o sol e o calor, a humidade e as baixas temperaturas noturnas, os mosquitos, a transpiração, o mato e o seu emaranhado de árvores e vegetação, as trombas de água e os seus relâmpagos, dignos de filmagem para qualquer espetáculo, enfim, descreve tudo por que muitos foram obrigados a passar e viver durante 24 meses, meses que pareciam não ter fim.

Sendo estas notas escritas de acordo com a narrativa do Rui no decorrer do livro, tomo a liberdade de aqui com ele concordar inteiramente sobre o que diz acerca dos militares em convalescença e lembrar que já nessa época, da sua primeira comissão, era arrepiante o depósito de indisponíveis, de feridos e estropiados que passavam ou eram deixados na Rua Artilharia 1, em Lisboa, e que devia fazer envergonhar qualquer ser humano, mas assim continuou mesmo depois de 25 de Abril de 1974 até há poucos anos…

Aquando das suas férias, faz-nos uma descrição minuciosa da sua terra, Angola, mais propriamente de Sá da Bandeira, onde nasceu e viveu até à vida militar, uma vez que não conseguiu ali fazer a sua comissão como oficial miliciano cujo destino foi a Guiné.

Já para o final conta-nos umas histórias que servem para nos distraírem e aliviarem a pressão com que estas obras nos carregam, na procura de uma melhor disposição para de novo regressarmos à Guiné a sabermos como foi o final da sua comissão.

Com a mesma frontalidade com que nos brinda ao longo das páginas do seu livro, dá-nos a sua opinião sobre o 25 de Abril de 1974 e sobre alguns dos envolvidos, bem como o que achou da forma como foi feita a descolonização e as pessoas que ocuparam os lugares de responsabilidade na condução dos povos tornados independentes.

Assim conclui a leitura de Rumo a Fulacunda. Entendo-o como uma autobiografia da sua primeira comissão na Guiné, com algumas variantes sobre a sua origem e recordações, mas onde nunca ficam esquecidos o coletivo e menos ainda a amizade estabelecida por força das circunstâncias, laços de amizade que são, segundo o autor, mantidos até hoje.

Em condições tão adversas como a guerra, onde impera a necessidade de unir esforços, acontecia, por vezes, com alguns, lembrarem-se disso apenas e só enquanto metidos no mesmo inferno, imediatamente a separação de classes se fazia serenados os ânimos. Parece não ser o que se passou com o Rui, agraciado pelos militares do seu próprio grupo, distinção a que ele dá o máximo valor, muito embora tenha recebido muitas medalhas e louvores ao longo da sua carreira que, não menos importantes e até mais sonantes, relega para segundo plano.

Resta-me agradecer ao Rui Ferreira ter-me proporcionado a leitura do seu livro e dar-me a oportunidade de dizer-me seu amigo, depois de o conhecer um pouco melhor através da sua escrita.

Um abraço,
BS
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Notas de CV:

(*) Rui Alexandrino Ferreira foi Alf Mil Inf.ª na CCAÇ 1420, Fulacunda, nos anos de 1965 a 1967 e Cap Mil Inf.ª na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, nos anos de 1970 a 1972. 

"Rumo a Fulacunda" de Rui Alexandrino Ferreira, foi editado por Palimage Editores

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10431: Notas de leitura (410): "A Viagem de Tangomau", de Mário Beja Santos, ou um livro de afectos e de plena reconciliação (Armor Pires Mota)

Guiné 63/74 - P10435 Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (1): População de Guileje














Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 / CART 2410 (1969/70) >  População. Fotos de do álbum do Armindo Batata (que esteve em Guileje como Alf Mil do Pel Caç Nat 51, entre janeiro de 1969 e janeiro de 1970, coincidindo parcialmente com o tempo da CART 2410, jun 1969/mar 1970).

De cima para baixo: fotos nº 38a (e 38), 39, 40, 41, 42 e 43a (e 43). São fotos reveladoras da grande sensibilidade que este nosso camarada revelava em relação à vida quotidiana e à cultura da população (neste caso, de etnia fula) que vivia no perímetro de Guileje.

Dezenas de fotos, a preto e branco, foram cedidas pelo Armindo Batata ao nosso amigo Pepito, integrando hoje o Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Temos cópia desse arquivo há mais  de cinco anos.  Fomos revisitá-lo e ficámos surpreendidos com a qualidade da fotografia e com o seu interesse documental.

O Armindo Batata é também um dos nossos grã-tabanqueiros mais antigos, do tempo da I Série do nosso blogue (*). Infelizmente não temos tido notícias dele,  mais recentes. Esperando que ele nos esteja a seguir e a ler, daqui vai um abraço longo para ele.

A título de curiosidade, refira-se que  a origem do Pel Caç Nat 51  remonta a setembro de 1966, tendo-se mantido ao serviço até abril de 1974, pelo menos. Da mesma época, e portanto, também os mais antigos são os Pel Caç Nat 52, 53, 54, 55 e 56.  Eram pelotões  de recrutamento local. Desconhecemos a composição étnica do Pel Caç Nat 51. Já agora, acrescente-se que o mais novo dos Pel Caç Nat era o 70, formado já em Novembro de 1973. 

Fotos: © Armindo Batata / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados.  

[ As fotos aqui publicadas foram objeto de edição,  como é prática de resto habitual no nosso blogue: melhoria da resolução, do brilho, do contraste, do enquadranento,  etc.].
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Nota do editor:

(*) Vd. poste da I Série > 28 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCX: Ex- Alferes Miliciano Batata (Guileje e Cufar, 1969/70): Pel Caç Nat 51, presente!

(...) Texto do Armindo Batata (ex- Alf Mil, Pel Caç Nat 51, Guileje e Cufar, 1969/70)

De início foi um grande esforço para esquecer o mais rapidamente possível. Agora é a sensação das memórias que se vão esbatendo.

Fui Alferes Miliciano Atirador de Artilharia. Estive em Guileje (de Janeiro de 1969 a Janeiro de 1970) e em Cufar (de Janeiro de 1970 a Dezembro de 1970), comandando o Pel Caç Nat 51.

Pretendo integrar a Tertúlia de ex-combatentes da Guiné (1963/74) mas não encontrei local para inscrever os dados. Estou também vivamente interessado em participar no Projecto Guileje. Umas dicas sobre como o fazer seriam benvindas.

Abraço. Armindo Batata. (...)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10434: Agenda cultural (215): 8.º Ciclo "Fim do Império: Olhares Sobre a Guiné" (Manuel Barão da Cunha)

1. Mensagem de Manuel Barão da Cunha*, encaminhada pelo nosso camarada Virgínio Briote ao nosso Blogue:

Caríssimos camaradas e amigos,
Espero que estejais tendo merecidas férias com saúde.
Anexo convites para próximas actividades das tertúlias «Fim do Império», em Oeiras, Lisboa e Estremoz, bem como capa de próximo livro que integra 30 autores dos 3 Ramos das Forças Armadas e civis, incluindo quatro ex-alferes milicianos e dois ex-furriéis milicianos.
Em Estremoz a colecção será apresentada por general Barrento.
As tertúlias de Oeiras e Lisboa serão sobre a Guiné e incluirão livros de ex-alferes milicianos.
Talvez possam ir, serão bem-vindos, e também agradecemos que ajudem a divulgar este trabalho de voluntários.

Abraços de
Manuel Barão da Cunha



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Nota de CV:

(*) Manuel Júlio Matias Barão da Cunha foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705 que esteve na Guiné entre os anos de 1964 e 1966

Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10415: Agenda cultural (214): O festival Todos'12: Este fim de semana, no eixo Poço dos Negros: Os sabores, os cheiros, as cores, as gentes, a música da Guiné-Bissau, Cabo Verde e outros países lusófonos

Guiné 63/74 - P10433: Blogpoesia (302): Viva Portugal: poema de Felismina Mealha (ou Costa); voz de Fernando Reis Costa


Poema de Felismina Mealha (FM), voz de Fernando Reis Costa (FRC) (*). Ficheiro.mp3 original de FM e FRC. Vídeo de Luis Graça (2012).  Imagem de fundo: o poema de Alberto Caeiro/Fernando Pessoa, "O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia" (poema XX, do Guardador de Rebanhos) (**), grafado na ciclovia Cais do Sodré-Belém, na margem norte do Tejo, em Lisboa.  Foto de Luís Graça (25 de abril de 2010).

Vídeo (2' 26''): Alojado em You Tube > Nhabijoes

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Notas do editor:

(*) ÚLtimo poste da série > 24 de setembro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10425: Blogpoesia (301): Parassuicídio(s)... (Luís Graça)


(**)  Alberto Caeiro > O Guardador de Rebanhos > 

XX

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia 
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que veem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Fonte: Alberto Caeiro: Poesia.  Edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith. Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, pp. 53-54.

Guiné 63/74 - P10432: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (12): A minha primeira noite no Jol

1. Mensagem do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), com data de 20 de Setembro de 2012:

Olá Camarada e Amigo Carlos Vinhal
Antes de mais, espero que tudo esteja bem contigo e família.
Esta coisa de todos os dias fazermos pelo menos uma visita ao blogue, dá nisto. Uma lembrança de um camarada sobre determinado acontecimento, leva-nos sempre a recordar algo semelhante que igualmente nos aconteceu. É este o caso, e cai vai mais uma estória relacionada com a minha passagem pela Guiné, mais propriamente por Jolmete.
Junto também mais algumas fotos do meu álbum. Quando entenderes haver espaço e oportunidade, agradeço a sua publicação. Como sempre, estás à vontade para fazer as alterações que considerares oportunas.

Um Grande e Forte Abraço
Augusto Silva Santos


ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (12)

A minha primeira noite no Jol

Foi em meados de Janeiro de 1971 que cheguei à sede do BCAÇ 3833 no Pelundo, com uma breve passagem por Có, sendo o meu destino final a CCAÇ 3306 em Jolmete. Estando o meu irmão colocado na CCAÇ 3307 no Pelundo, não foi difícil encontrar uma óptima recepção por parte de todo o pessoal, sentindo-me nesse aspecto praticamente em “casa”, como se costuma dizer.

Tirando esta parte boa, não foi porém fácil o primeiro dia, pois nunca consegui perceber até hoje o porquê de alguém chegar de “fresco” a uma unidade, e porem-no de imediato de serviço à mesma, sem estar minimamente identificado com ela e muito menos preparado para os possíveis perigos a enfrentar. Naquela altura eu era um “pira” sem qualquer preparação, pois tinha ali chegado em rendição individual, e à noite já estava escalado para fazer serviço. Numa situação de ataque, desconhecia por completo os meios de defesa e mecanismos a accionar e os seus posicionamentos. Eram assim que as coisas estupidamente funcionavam (o tal facilitismo), não sendo de admirar que, por vezes, se dessem acidentes, que depois se lamentavam. Era o velho esquema a funcionar do “periquito” chegou, amochou.

A minha chegada a Jolmete não foi infelizmente muito diferente do atrás referido, pois mal ali cheguei puseram-me também logo a alinhar, embora me tivessem dado pelo menos um dia (uma noite) de folga, e foi a propósito da estória do nosso camarada Juvenal Amado sobre o seu amigo Silva e do seu “periquito” (P10305), que me lembrei dessa minha primeira noite de chegada ao quartel de Jol(mete).

Lembro-me perfeitamente que, mal cheguei à unidade, toda a gente parecia que já me conhecia há muito tempo, e todos já sabiam (inclusive alguns elementos nativos, o que me surpreendeu bastante), que eu era irmão do “Chefe”, como era conhecido o meu irmão Arménio Silva Santos, Furriel Mec. Auto colocado no Pelundo, conforme referi anteriormente.

Só me interrogava como é que, com a diferença de apenas um dia e uma distância de cerca de 18 kms, toda aquela gente já sabia quem eu era? No que respeita ao pessoal militar, não era de admirar mas, em relação ao pessoal da tabanca, era de ficar preocupado (pensava eu na altura).

Mas felizmente era apenas e só a minha preocupação de “pira” a funcionar, pois nada de anormal se passou, só que, ao contrário do que aconteceu com o “pira” do Juvenal, no meu caso era ver quem mais “álcool” me conseguia fazer beber e, obviamente, pagar.

Tanto quanto foi possível lá me fui aguentando, normalmente tentando disfarçar as grandes quantidades de whisky com coca-cola à mistura. Como sabia e “escorregava” bem, consegui manter-me durante um bom par de horas a ouvir alguns dos acontecimentos mais significativos dos últimos 12 meses (a eterna tentativa de “acagaçar” os recém chegados), e sinceramente não dei conta que já me encontrava muito perto dos limites.

Enquanto estive sentado, a coisa correu bem, o pior foi mesmo quando fiz mais do que uma tentativa para me levantar, e as pernas não me obedeciam. A minha intenção de evitar apanhar uma primeira bebedeira em terras da Guiné, definitivamente não tinha resultado. Estava mesmo embriagado e, só com alguma ajuda, lá me consegui pôr a caminho do meu abrigo. Pelo meio fui “apanhado” pelo Cabo da ronda que, “simpaticamente” me perguntou se precisava de ajuda, depois de me ver de joelhos e a vomitar. Bonito exemplo logo no primeiro dia, pensei eu…

Mas a “praxe” tinha sido cumprida e, no outro dia, era como se nada se tivesse passado. Nunca mais ninguém falou nisso, eu é que durante largos meses, nunca mais pude ver à minha frente aquela “maldita combinação” de whisky com coca-cola. Foi mesmo de arrasar…


Jolmete, Maio de 1972 > Traseiras do meu abrigo

Jolmete, Junho de 1972 > Trilhos do Pioce

Pelundo, Julho de 1972 > Junto ao Memorial do BCAÇ 2884

Jolmete, Agosto de 1972 > Emboscada em Gel

Jolmete, Agosto de 1972 > Trilhos de Gel - Caláque

Jolmete, Outubro de 1972 > O final estava próximo...

Cumeré, Dezembro de 1972 > A despedida ao BCAÇ 3833

Cumeré, Dezembro de 1972 > Primeira foto à civil
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10385: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (11): Futebol, coraminas, e não só...

Guiné 63/74 - P10431: Notas de leitura (410): "A Viagem de Tangomau", de Mário Beja Santos, ou um livro de afectos e de plena reconciliação (Armor Pires Mota)

1. Mensagem de Armor Pires Mota enviada a Mário Beja Santos, a propósito de "A Viagem do Tangomau", livro de autoria deste nosso camarada:

Meu caro Tangomau, perdão, Mário Beja Santos:
Acabei de ler o seu monumental livro cuja temperatura foi subindo à medida que caminhava para a visita aos lugares míticos e neles entrava com lágrimas suas e de toda a gente. Gostei imenso. É uma memória muito completa e minuciosa. Nada lhe escapou. Felizmente. O que penso do livro vai no texto abaixo, que se divide em duas partes e assim elaborado para que, se quiser dele dispor, publicando-o no Luis Graça, já esteja pronto, embora possa ser corrigido, aqui e ali, se alguma coisa não estiver correcta. Tem toda a liberdade.
Apresento-lhe os parabéns e rejubilo pela obra.

Um abraço
Armor


“A Viagem do Tangomau – Memórias da guerra colonial que não se apagam”
Ou um livro de afectos e de plena reconciliação

Este livro é uma viagem ao passado guerreiro de Mário Beja Santos, na pele de Tangomau, difíceis e atribulados dias, que lhe continuam presentes no coração e na carne das palavras. Uma guerra que se trave deixa sempre uma ferida, sempre dói. É o remate feliz dos anteriores testemunhos, inscritos em dois Diários de Guerra - “Na Terra dos Soncó” (1968-1969) e “O Tigre Vadio” (1969-1970), na medida em que faz o pleno: é o livro da reconciliação sem reticências, total, entre homens que, há quarenta anos, se guerrearam e bateram na mata, cada qual com os seus objectivos e armas.

Pode dizer-se mesmo que é, sobretudo, um livro de afectos – e mais do que isso, é a sua confissão plena e exultante – de um alferes miliciano para com os seus subordinados, valorosos soldados nativos, exemplos de audácia, e para com as populações para quem quis e fez sempre o melhor, dentro dos condicionalismos reinantes. E vice-versa. Mas não só. Reflecte uma serena e descomplexada paixão por aquelas terras, com as suas paisagens deslumbrantes, manhãs de púrpura quente e muito luminosa e ocasos fantásticos, com o sol transformado em bola de fogo, tombando “lesto-lesto” no horizonte, é a mostra de uma ternura especial e universal por aquelas gentes, nutridas de uma enorme afabilidade. Neste patamar, os afectos, com laços fortes, marcados a fogo, no lume daquele tempo, chegam a atingir a sublimação, quando considera irmãos de coração alguns deles. Por sua vez, os seus soldados, com o beneplácito contente das populações, consideravam o combatente e destemido operacional Mário Beja Santos não apenas “o branco de Missirá”, mas N´Baké”, o que significa a maior prova de amizade e consideração para com outro… O mar verde e temível da mata de galeria e as ondas contínuas das dificuldades geraram relações indestrutíveis entre todos.

Pode dizer-se, sem sofismas, que se trata igualmente de um libelo contra a má preparação das tropas, (a lembrar um pouco António de Cértima, na sua Epopeia Maldita, a propósito das forças portuguesas em Moçambique, durante a I Grande Guerra) o seu quase total desconhecimento sobre a Guiné no tocante a história, usos e costumes, lealdades e insurreições, terrenos e actuação do IN. Um libelo contra o vergonhoso abandono de milhares de milícias locais que combateram ao lado das tropas portuguesas. Um libelo contra certos pormenores da descolonização. Apressada da parte dos negociadores portugueses quando “os negociadores guineenses pediram às autoridades portuguesas para ficarem transitoriamente na Guiné, podiam estar deslumbrados pela independência, mas não tinham ilusões de que não dispunham de estruturas administrativas capazes” (p.510).

Livro escrito com paixão, lágrimas, sangue e saudade, não podia deixar de ser um livro comovente em muitas das suas páginas, nos diálogos travados, nos gestos naturais, sem encenações, e pungente noutras situações. Quem andou pela Guiné lê-o com prazer e encanto. Em cada página perpassam cores em delírio, em todos os tons, os incontornáveis odores, as falas calorosas e os mistérios infindáveis das matas, cujos rumores fixa em belas imagens e plasma numa linguagem perfeita, adequada, assumindo, aqui e ali, o tom poético. Nas suas páginas nada há de romanesco, é tudo de conhecimento próprio. O autor dá-se ao trabalho de voltar a Mafra, às casernas e corredores húmidos, aos locais de instrução, às marchas forçadas e esforçadas. Volta à difícil recruta. Mas não só, vai também aos Arrifes, Açores, onde dera duas recrutas antes da mobilização. E regressa, em 2010, carregado de memórias no baú da saudade, mais uma vez à Guiné, onde estivera, em 1990 e 1991. Este chão ficou-lhe na alma. Para sempre, como de resto reconhece. Não será o único caso, mas é aquele que, apesar de tudo, faz uma declaração, em voz alta, de amizade, amor e reconciliação.

Mário Beja Santos queria visitar especialmente os lugares onde combatera entre 1968-1970 (Missirá, Finete, Mato de Cão e Canturé). Tendo transmitido esse desejo a alguns dos seus audazes soldados em Lisboa, logo estes o desencorajaram, dizendo que não fosse. Temiam o choque pela destruição e pela pobreza que iria encontrar. Não desistiu. Precisava de ir para um último adeus, visitar gentes e amigos do Cuor, um território que o fascinou desde sempre. É um amor “pessoal e intransmissível”, confessa (p.470). Houve um tempo de guerra; cristão, chegara o tempo da definitiva reconciliação, a descoberta e contacto com os que um dia lhe montaram emboscadas. Pretendia fazer a memória destes lugares. E em nenhum deles houve azedume algum, “era só um dever de memória”, escreve Beja Santos (p. 4678). Os antigos guerrilheiros “guardavam a serenidade das contas feitas, nada de fantasmas nem de rancores” (p.469).

Visita lugares míticos, encontra-se com o antigo comandante de Madina, Mamadu Jaquité, hoje coronel, que deixava bilhetinhos em Canturé, provocando-o e ameaçando-o de morte, mas de quem na visita recebeu só provas de afabilidade. O que também sucedia em muitas tabancas onde eram organizadas grandes recepções, como se de familiar se tratasse. Braços estendiam-se francos e sucediam-se abraços fortes e sentidos. Umas vezes, brotavam lágrimas de fogo, outras, conseguia retê-las. Havia mensagens de boas-vindas, discursos de congratulação e louvor, que o deixavam ainda mais fraternal e comovido. Os terreiros enchiam-se para ver e cumprimentar “o branco de Missirá”. Vai recebendo também notícias da morte de alguns subordinados. São murros no estômago do comandante de Missirá e Finete. Em algumas aldeias vai com o povo â mesquita agradecer a Deus os dias da peregrinação, orar pelos mortos e pelo melhor futuro de todos. É inegável que é um livro cheio de humanidade e ternura. Depois, enchem-lhe as mãos das maiores diversas solicitações: dinheiro, vistos para Portugal, emprego, bolsas de estudo, livros, tantas coisas, as mais inverosímeis, como se fosse um príncipe rico e tivesse poder em Lisboa. E isso fazia-o sofrer porque, sabedor da sua impossibilidade, não tinha a varinha do condão nem o poder de multiplicar os indispensáveis benefícios. Os ex-milícias chegam a pedir-lhe pensões de guerra...

Sofre choques brutais. Quando percorre Bambadinca, cujo quartel encontra destruído, bebe o maior “cálice de fel”. A bela rampa de acesso ao antigo quartel sobe-a e desce-a várias vezes. O coração parece querer rebentar-lhe contra o muro do peito. Vê outros destroços da antiga Bambadinca que se lhe apresenta agónica, “tudo lhe parece uma povoação fantasma”. Nem o porto escapou ao abandono. E chora mais uma vez. Tangomau “não compreende esta fúria destruidora”. De visita ao quartel, na companhia do comandante, tenente-coronel, Seco Mané, alcançam o sítio da messe e é aqui que “apanha um grande safanão”, “ali se quebrou o ânimo, o Tangomau soluça alto e bom som, desabam-se emoções nem ele próprio supusera tal transformação (p.452). O anfitrião pede-lhe para não chorar, nos olhos dos seus soldados há comiseração, “percorre os espaços com o olhar enlouquecido, ocorrem-lhe imagens, sente cheiros, pressente vultos, vai resfolegando e só acalma à saída”. E recupera, quando, a caminho do mercado, teve uma surpresa: “Sadjo avança para ele em majestade, os olhos estampados de alegria”, abraçam-se, Sadjo mostra-lhe os ferimentos que sofreu na operação “Tigre Vadio”. E Beja Santos, reportando-se a este momento e a outros de idêntico calor humano e de boa lembrança, declara que já valera a pena ter regressado ao chão do Cuor, ao chão guinéu. Teve, ao longo da viagem, horas inesquecíveis que apagaram desilusões, dificuldades (deslocou-se nos transportes habituais, toca-toca, candonga e motoreta, cada qual o pior, vive peripécias, é tocado pelo cansaço e come banana-maçã com bolacha pelas tabernas e aí dormita), mas o que viveu de positivo no campo da amizade e dos afectos bastou para encher-lhe o coração de uma indescritível satisfação.

Esta peregrinação (capítulos “Lesto Lesto” e “Gandaressa”) a locais concretos está plasmada de emoções que pingam forte sobre o avivar da memória e acontecimentos que ocorreram, nos dois anos que permaneceu na zona, e que ele revive, na serenidade dos dias, no grande capítulo Xaianga. Onde fala dos dias difíceis, do sangue derramado, das operações conseguidas e das operações falhadas; do dia a dia na construção de Missirá e das embocadas montadas e sofridas. Mas também do amor, quando recorda o seu casamento na catedral de Bissau, com a presença inesperada e discreta da mãe e de uma das irmãs de Amílcar Cabral, que, muito solícitas, ajudaram a noiva a aconchegar um ramo de orquídeas no altar de Nossa Senhora. Por Bissau, cidade que já achou descaracterizada em 1990 e 1991 e cuja degradação se acentua, deambula, aproveitando as viagens ao QG, descrevendo paisagens, gentes, sonhos, cores, cheiros, locais, movimento, que também é o lúdico e lúcido recheio deste livro que, no seu todo, mostra na pequenez da sua quadrícula, a dimensão perigosa e mortífera da guerra nesta ex-colónia. Constitui-se assim um inegável contributo e muita valia para a sua cabal história.

Só uma mágoa lhe restou desta notável e arrojada viagem-peregrinação aos locais da guerra, (matas e bolanhas) onde nem sequer falta o registo de aspectos de cariz etnográfico: o tempo não chegou para visitar todos os lugares que gostaria de rever e os amigos recusam-se a acreditar que seja o derradeiro adeus, que Beja Santos fez querer que fosse. A despedida, trocando as voltas ao autor, uma partida dos ex-milícias, foi em local mítico, Mato de Cão, para onde corriam constantemente, de modo a permitirem a navegação no rio Geba…Houve rios de comoções e emoções, quentes lágrimas e fortes abraços.

Um livro que se lê de fio a pavio, de alma em ânsias, um testemunho que comove e empolga, páginas que desnudam também a alma lusitana, na universalidade das emoções e do esquecimento de factos que lhe foram adversos, um apelo muito profundo a todos quantos, um dia, andaram de armas na mão, para uma reconciliação consigo próprios e com os outros que lutaram em trincheiras opostas. Afinal, uma grande e ousada prova de amor que a história jamais esquecerá.
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Notas de CV:

(*)  Armor Pires Mota foi Alf Mil na CCAV 488, Mansabá, ilha do Como, Bissorã e Jumbembem, nos anos de 1963 a 1965, autor de inúmeros livros entre os quais: Guiné, Sol e Sangue, Tarrafo, Bagabaga, Cabo Donato Pastor de Raparigas, A Cubana que Dançava Flamenco, Estranha Noiva de Guerra.

Vd. último poste da série de 24 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10428: Notas de leitura (409): "Comandante Hussi", de Jorge Araújo (Mário Beja Santos)