segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10697: Convívios (482): Breve relato do último convívio da Magnífica Tabanca da Linha (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 16 de Novembro de 2012:

Olá Carlos, bom dia,
Para os fins habituais de incremento da camaradagem entre o pessoal da Tabanca, envio este breve relato, conciso, e que nem sempre respeita a verdade dos acontecimentos, mas serve para que o pessoal aquilate sobre a necessidade de uma regular alimentação, prevenindo, não só a fome, como o regular funcionamento do organismo.

Para ti, e para o Tabancal, vai aquele abraço
JD


A Magnífica Tabanca da Linha - Breve relato do último encontro 

O dia nasceu com o céu limpo, azul e brilhante.
Antevia um ambiente acarinhado pelo clima.

Pelas onze horas começou o céu a encortinar-se com nuvens densas, que passaram a ameaçar com evidente instabilidade. Mais uma hora, e chovia, por vezes com grande intensidade.
Pelas doze e trinta já uma boa parte do pessoal se encontrava no interior da Adega, e ninguém se preocupava com o tempo exterior, onde chovia a potes.

Apresentaram-se os "habitués" e o Marcelino da Mata, que passa a integrar este grupo de tabanqueiros. Também compareceram alguns amigos da Tabanca, o António Silva, o António Paiva, e o Hélder Valério de Sousa, reincidente, que ainda não exigiu a sua condição de atabancado na Linha. Houve duas faltas relevantes, a do casal Pessoa, em virtude de uma consulta médica há muito programada para o gigante aviador.

Outra falta que já vem sendo habitual, em virtude de mazelas várias, foi a do senhor 2.º Comandante Rogério Cardoso. Desta vez nem mandou recado, nem respondeu a diferentes pedidos de confirmação. Fazemos votos de que não lhe falte a saúde, e continuamos a contar com ele, e a guardar-lhe a posição hierárquica.

No entanto, está bem de entender, uma unidade com Comandante e sem substituto competente, não revela meios funcionais para as diversas circunstâncias, tanto de representação, como de substituição, como de desenvolvimento estratégico-tático. Disso me deu conta Sua Exa. o Senhor Comandante, quando numa recente conversa para a qual me convocou, e com recurso a saudosos ensinamentos pidescos, me questionou sobre o Senhor 2.º Comandante, se estaria com algum problema especial. Confessei-lhe que não sabia, e que tinha ficado sem o contacto telefónico desde que perdera o telemóvel. Sua Excelência, com um ar meio comprometido, ainda me questionou se a sua imagem de Comandante e líder não ficava algo afectada pela ausência constante de um adjunto completamente reconhecido. Na minha condição de simples amanuense, assentei com a cabeça, e perguntei-lhe por que raio não havia dois segundos-comandantes. Sempre fora assim! Sua Exa. levou a mão direita ao nariz, deixou-a descair com os dedos a acariciar-lhe a parte inferior do rosto, e siciou algo do género: eh pá, o Zé, eu dei-te muita porrada, mas parece que te fez bem. Já pensas! Cá o amanuense tomou o elogio como um louvor, e num gesto submisso agradeceu-lhe.

O Senhor Comandante, com o sentido da oportunidade e da exploração que o caracteriza, logo me encarregou de fazer a apresentação do novo 2.º Comandante, com a manutenção do anterior, antes da abertura das hostilidades do almoço. Que sim, mas quem deveria anunciar, pois ainda não conhecia o nome do elemento promovido. Eh pá, pois é! Estás a ver como este cargo me dá tanta chatice? Quem é que achas que devo nomear? Diz lá, mas não penses que ficas com algum estatuto especial, estás só a pensar comigo, no estrito cumprimento dos deveres de lealdade e colaboração.

 Foi como se sentisse uma facada, pois já alimentava a esperança de chegar tão precocemente a um lugar no Olimpo. Eu até já imaginava as caras de espanto de gente tão conceituada como o Marques, o Carioca, o Tirano, o Pires, o Resende, o Moreira, ou o intelectualóide cínico, os mais veteranos, que heroicamente, diga-se de passagem, têm contribuído com muito valor para o enriquecimento dos empresários da restauração. Fiquei sem pinga de sangue, e incapaz de me apontar para o desempenho do cargo. Anda um gajo a dar o litro, quando não é mais, e ninguém lhe reconhece a capacidade para ser 2.º Comandante, afinal, um lugar onde não se faz nada. Ainda imaginei a inveja desses gajos recentemente mobilizados para a luta, uns putos peneirentos, assim da laia do Manuel Joaquim, do Carlos Silva, do Humberto, do Horta, do Roger e do Palma, mas fiquei a recear que a indicação recaísse sobre um deles, o que seria tremendamente injusto. Pior seria, se ele, vesgo como está, deixasse a decisão sobre a nomeação para a última da hora, e desse com os olhos em arrivistas como o Paiva, ou o Hélder Sousa.

O Comandante está chéché, pensava eu, quando o gajo, com voz grave, perfurou-me a caixa dos pirolitos com nova pergunta: então? Então, meu Comandante? Então o quê? perguntei já a ver o fim do mundo em cuecas. Porra pá! então quem é que sugeres? O Fitas, meu Comandante. O Fitas? Olha, não está mal pensado. E foi desta maneira praticamente cientifica, que se nomeou o Fitas para prover ao lugar de 2.º Comandante graduado, um tipo que desde a primeira hora, se bateu com entusiasmo por esta organização abandalhada, onde toda a gente come e bebe num ambiente de xinfrin, num registo de indisciplina, que é muito bem feito, que em nada dignifica a imagem do Comandante. E peço eu ao santo protector deste país, que não tenha a má lembrança de o candidatar a Presidente, que isso então é que seriam gajos a trepar no poder, e eu feito escravo nesta vida de amanuense.

 Ao novo 2.º Comandante, manda Sua Exa. o Senhor Comandante, que passe à ordem, que a nomeação só se tornará definitiva no próximo encontro da tropa, e fica já obrigado a fazer discurso de reconhecimento, e a jurar que Comandante só há um, e que lhe será fiel em todas as circunstâncias. No final, já com o coração a bombar desordenadamente, ainda tive que pregar um pontapé no cu do Hélder de Sousa, que tem andado com implicâncias, e pode ter sido a razão para que Sua Exa. tivesse duvidado da minha competência para ascender ao lugar a que tanto aspiro, e mereço.

Algumas das fotos do acontecimento de autoria de Manuel Resende






Fotos de Manuel Resende
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10681: Convívios (481): 23.º Encontro e Almoço de Natal da Tabanca do Centro, dia 28 de Novembro de 2012, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P10696: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte III): Um operação com baixas de um lado e outro (2ª sequência): uma evacuação em helicóptero Alouette II


Foto nº 20


Foto nº 19


Foto nº 14


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 8



Foto nº 7



Foto nº 9



Foto nº 10


Foto nº 11



Foto nº 12

Foto nº 1


Foto nº 1  (do lote "Guerrilheiros mortos" )



Foto nº 2 (do lote "Guerrilheiros mortos" )


Guiné > Região de Tombali > Guileje > > CCAÇ 726 (out 64/jun 66) > s/d > Uma "operação militar"... Segunda (e última)  parte... 

Não se percebe, na ausência de legendas, se o burro ou mula é um despojo de guerra (foto nº 20). Sabemos que nessa época o PAIGC usava animais de carga para transporte de armas e munições, nomeadamente no norte da Guiné (região do Oio). A foto nº 20 sugere "partilha de despojos", depois de um bem sucedido assalto ao objetivo (*)... 

A foto nº 19, tudo indica que seja de um guerrilheiro morto nesta operação. Já as outras duas fotos (nº 1 e 2) do lote "Guerrilheiros mortos", não temos a certeza se dizem respeito a esta operação... É muito provável até que não. Por outro lado, não é nossa intenção chocar ou melindrar os nossos leitores mais sensíveis: é bom não esquecer que estávamos em guerra, e que há alguns fotográficos de camaradas nossos que documentam esse facto...

Também não temos a certeza se todas as fotos dizem respeito à "mesma" operação... As fotos nºs 5,6,7,8, 9, 10, 11 e 12 formam uma sequência lógica e cronológica: houve pelo menos um ferido (, africano, provavelmente milícia,) das NT, ferido esse que é levado em maca improvisada até a uma clareira na mata (fotos nºs 5 e 6), esperando a chegada de um heli; o local para o heli pousar em segurança  é devidamente sinalizado por granada de fumos e panos vermelhos (fotos nºs 7,8, 9 e 10); a seguir, um outro ferido (que parece ser um soldado metropolitano), é  levado às costas (foto nº 11), e colocado numa espécie de maca afixada na parte lateral esquerda do heli, um AL II, portanto do lado de  fora, e evacuado  para o HM 241 (Bissau) (foto nº 12).

 É-nos mais difícil perceber o que se passa na foto nº 14 (abertura de uma cova ?) e sobretudo na foto nº 1 (restos humanos ? material do IN escondido ?). (LG)

Fotos: © Alberto Pires (Teco) (2007) / AD - Acção para o Desenvolvimento. [Editadas por L.G.]. Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Alberto Pires, mais conhecido por Teco,  natural de Angola, ex-fur mil na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964)... A companhia esteve em Guileje entre Outubro de 1974 e Junho de 1966. Ocupou Mejo e mantinha lá um destacamento em 1965 (*).

As fotos que estamos a publicar pertencem a um lote que o Teco pôs à disposição do Núcleo Museológico Memória de Guiledje e do nosso blogue (são mais de 60 fotos). Não trazem legenda, mas estão agrupadas por temas: (i) CCAÇ 726 (Guileje); (ii) construção de abrigos (Guilje); (iii) destacamento de Mejo; (iv) operação militar; e (v) guerrilheiros mortos (neste caso, são apenas duas as fotos disponibilizadas)...


Estas fotos que publicamos hoje, têm a ver com uma "operação militar" (não se sabe onde nem quando, de qualquer modo só pode ter decorrido  entre 1964 e 1966,  durante a comissão da CCAÇ 726, numa  época em que ainda se usava o capacete de aço). São 20 imagens no total, numeradas de 1 a 20, e que foram todas editadas por nós, com vista à melhoria da sua resolução e qualidade. 

Não sabemos qual a ordem lógica e cronológica destas 20 fotos, pese embora a sua numeração. Presumimos que as NT partiram de Guileje, e progrediram até um objetivo IN (*). Houve contacto, mortos e feridos, helievacuações, destruição de uma tabanca (ou acampamento temporário: parece-nos mais verosímil ser uma tabanca, uma vez que há estruturas de adobe, paredes, cobertura de capim...).

Nesta segunda sequência mostra-se o resto das fotos, incluindo uma notável sequência de uma helievacuação: na época, 1964/66, ainda não havia o heli Alouette III, apenas o II (**)... Não sabemos se o contacto havido na altura com o IN, aconteceu  no assalto ao objetivo ou no regresso a Guileje. 

Peço tanto ao Teco (que esperamos venha a aceitar o nosso convite para integrar formalmente a nossa Tabanca Grande, e que tem um fabuloso álbum fotográfico sobre a Guiné, estimado em 500 fotos)  como ao Carlos Guedes (, nosso grã-tabanqueiro, e também camarada do Teco na CCAÇ 726), que nos ajudem a esclarecer esta e outras dúvidas.  

De qualquer modo, são imagens, muito sugestivas, que valem por si e que nos ajudam a recordar muitas das nossas operações efetuadas nas difíceis condições do teatro de guerra da Guiné.

_________________


Notas do editor:

(*) Último poste da série > 18 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10690: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte II): Um operação com baixas de um lado e outro (1ª sequência)

(**) Sobre o Alouette II vd os seguintes postes:





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, evacuado para o HM 241, em Bissau, por um helicóptero Alouette II (versão anterior do Alouette III, que nos era mais familiar, sobretudo para aqueles que chegaram à Guiné a partir de 1968).

Fotos: © Alberto Pires (Teco)./ AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007) / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.



7 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5420: FAP (38) : O helicóptero Alouette II ou uma arrepiante viagem na 'montanha russa' até ao HM 241 (Jorge Félix)


(...) Como o teu Blogue, já nosso, tem antes de mais, a qualidade de recordar para tratar, vou falar do Heli onde aprendi a pilotar os "zingarelhos" e está numa foto deste P5417. A foto do Alberto Pires [Teco] era a BW [preto e branco] e eu dei-lhe uma coloração para se perceber melhor.

O heli era o Alouette II (dois). O que está na foto [, acima,] já tem rodas, os que conhecia eram todos com Patins. Nesta altura, os feridos eram transportados no "caixão" que eu destaquei a amarelo. Podes imaginar como arrepiante seria vajar, amarrado e bem amarrado, naquele cubículo do lado de fora da carlinga...

Cada um de nós teve o pior da guerra, (eu felizmente tinha whisky servido de bandeja à chegada na placa), mas um ferido evacuado num Heli Al II, deve ter tido a pior experiência da sua vida.

Como é que de um Blogue tão extenso fui dar importância a este pequeno acontecimento? (...)


23 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8314: Tabanca Grande (286): Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos, ex-Ten Grad Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970

(...) "A partir daí a guerra na Guiné estava instalada e assim que foi possível fomos colocadas na Base de Bissalanca, para o início das evacuações aéreas com enfermeiras. Havia os aviões Auster e os helicópteros Alouette II; nestes não nos era possível acompanhar de perto os feridos, os quais eram transportados fora do helicóptero, numa espécie de caixas colocadas por cima dos patins do heli, uma de cada lado. Nos Auster a maca quase entrava pela cadeira ao lado do piloto e na cauda do avião. 

"Felizmente mais tarde chegaram os DO-27 e os Alouette III, onde passámos a fazer inúmeras evacuações, adaptando e modificando os meios sanitários e a nossa actuação, com a finalidade de uma mais eficaz prestação de cuidados aos feridos, os quais iam sendo cada vez em maior número. Infelizmente tivemos que chegar a fazer evacuações no Dakota, quando havia ao mesmo tempo muitos feridos e a pista era adequada para a sua aterragem." (...) 

Vd. também Wikipedia > Aérospatiale Alouette II (em português)

(... ) O Alouette II é um helicóptero ligeiro, produzido, sob diversas versões, pelo construtor aeronáutico francês, SNCASE, que em 1957deu origem à Sud Aviation, em 1970 à Aérospatiale, em 1992 à Eurocopter e que em 2000 passou a integrar a EADS (...)

Foi o primeiro helicóptero do mundo, motorizado com turbina a gás a ser certificado para voo.

As versões militares eram usadas essencialmente em, fotografia aérea, observação, salvamento marítimo. ligação e treino. Na parte civil era usado essencialmente na evacuação médica principalmente em grande altitude, tirando partido do seu motor de turbina. (...)

Guiné 63/74 - P10695: Álbum fotográfico de Leonel Olhero (4): Bula (Fernando Súcio / Leonel Olhero)



1. Quarto de uma série de 4 postes com fotografias enviadas pelo nosso camarada e tertuliano Fernando Súcio (foto à esquerda), ex-Soldado Condutor do Pel Mort 4275, Bula, 1972/74, fotos estas pertencentes ao seu conterrâneo, o outro nosso camarada Leonel Olhero (foto à direita), ex-Fur Mil Cav do Esq Rec 3432 (Panhard), Bula, 1971/73.



Bula > Festa no Esq Rec 3432 (Panhard)

Bula > Aspirante Daniel Salgueira

Coluna auto na estrada Mansabá/Cutia/Mansoa, na zona do chamado carreiro da morte





____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10680: Álbum fotográfico de Leonel Olhero (3): Bula (Fernando Súcio / Leonel Olhero)

Guiné 63/74 - P10694: Notas de leitura (430): "Crónica dos (Des)Feitos da Guiné", por Francisco Henriques da Silva (1) (Mário Beja Santos

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,
O livro do nosso confrade Francisco Henriques da Silva gira à volta do conflito político-militar que avassalou a Guiné-Bissau em 1998-1999 e deixou sequelas até ao presente.
É o relato de alguém que é pressionado a ter que agir celeremente enquanto Bissau está a ferro e fogo, há vidas a proteger, evacuações melindrosas, há que atuar à procura de uma paz. O embaixador não arreda pé, a própria embaixada é atingida, as instâncias do poder não lhe agradecem. Só em 22 de Julho, o presidente Jorge Sampaio lhe envia uma mensagem, exprimindo o seu maior apreço pela coragem e serenidade que desde há semanas ia dando provas, comportamento que dignificava a diplomacia e a Nação Portuguesa.
Este relato é de leitura compulsiva, sentimos todos uma ponta de orgulho pelo comportamento deste nosso confrade.

Um abraço do
Mário


Crónica dos (Des)feitos da Guiné (1)

Beja Santos

Francisco Henriques da Silva foi alferes miliciano, pertenceu à CCAÇ 2402 (BCAÇ 2851) combateu em regiões como Có, Pelundo, Bissorã, Mansabá e Olossato (1968-1970). Em 1997 regressou, desta feita como embaixador de Portugal. E a roda da fortuna permitiu-lhe viver na primeira pessoa páginas de ouro da vida diplomática portuguesa. Assistirá e terá um desempenho relevante no conflito político-militar que eclodiu em 7 de Junho de 1998. Sobre o que observou e viveu resolveu passar a escrito com um título esclarecedor: “Crónica dos (Des)feitos da Guiné” (Edições Almedina, 2012). O mínimo que se pode dizer é o que o seu testemunho constitui um contributo incontornável para o estudo da Guiné-Bissau neste período tão conturbado em que os militares deram o sinal que estavam acima das instituições e já não dependiam do sistema político ou da ordem constitucional.

Entrou em funções em Outubro de 1997. Foi-se apercebendo das diferenças abissais na Guiné que conhecera cerca de 40 anos antes, e como se estivesse a escrever num diário foi anotando a degradação do Bissau Velho, a corrupção latente em toda a sociedade, as aproximações oportunistas, os equívocos da cooperação, um país com o Estado ausente. Aqui e acolá, vai pontuando as suas observações com pilhérias que deixam o leitor a conter a gargalhada com relatos assombrosos, como este, à volta de um jantar que deu na sua residência para receber o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de Portugal, José Lamego, e para o qual convidou dois ministros guineenses, o dos Estrangeiros e o da Justiça, para além de outros altos funcionários. Seriam dez da noite quando um empregado da residência lhe disse estar lá fora o Dr. Kumba Ialá. Segue o relato:
“Com o seu inconfundível barrete vermelho, a necessitar urgentemente de uma lavagem, suando e a tresandar a álcool, com um sorriso de orelha a orelha, irrompe pela sala Kumba Ialá. Olha ostensivamente para o relógio de pulso e num tom de voz estentórico diz:
– Meu caro embaixador, desculpa lá eu vir tarde, já passa das dez, mas não tenho fome. Ena, pá, tanta gente! Alguns eu conheço…
– Oh, dr. Kumba, isso não tem a menor importância – disse eu, sem me desmanchar, perante os olhares meio sorridentes dos dois Ministros presentes – Diga lá, o que é que que tomar?
– Um sun-sun (aguardente de caju) – retorquiu.
– Bom, isso não há, mas tenho algo de parecido. Lá pedi ao Augusto que lhe servisse um conhaque ou um brandy e deixei-me ficar por perto. Entretanto, José Lamego aproximou-se também.
– Ora, cá está o Secretário! Sabe quem é este gajo? – e aponta com um dedo esticado para Delfim da Silva, enquanto emborcava o conhaque – Este foi um dos que roubou os meus votos, por isso é que eu perdi as eleições. Sorriso amarelo por parte do visado e dos circunstantes que se entreolharam um tanto embaraçados.
– Mas este ainda é pior – e vira-se, então para o Ministro da Justiça, Daniel Ferreira – Este é que é um dos responsáveis pelos 20.000 votos que perdi nos Bijagós. Estes é agora Ministro da Justiça, secretário! Ouça o que eu lhe digo, esta gente do Governo não é séria! Mas vocês dão-lhe confiança”.

É um diplomata que envia regularmente para as Necessidades informações sobre a tensão crescente na Guiné-Bissau: o rumor do profundo descontentamento da Forças Armadas, onde já não se excluía a confrontação, e vivendo a bipolarização entre os antigos combatentes (os indefectíveis do PAIGC e maioritariamente apoiantes de presidente Nino Vieira) e os novos quadros, homens que frequentaram ou estagiaram em estabelecimentos de ensino militar no estrangeiro, gente na casa dos 40 anos, não só letrada mas com uma vivência concreta de outros países; um caos económico decorrente de uma adesão ao franco CFA que correu bastante mal na fase de arranque; a rebelião do Casamansa que levou ao tráfico de armas e à pressão internacional para impedir qualquer forma de apoio aos rebeldes dessa região; um 6º Congresso do PAIGC que revelou fissuras profundas mas também uma grande incapacidade para se inserir numa sociedade multipartidária um antigo partido único; enfim, a tríade presidente da República-militares-PAIGC, outrora um elemento constitutivo indispensável do país estava em franca desagregação. É neste quadro que Nino Vieira demite Ansumane Mané enquanto uma comissão da Assembleia Nacional Popular dá como provada a isenção do brigadeiro e responsabiliza altos quadros do PAIGC por envolvimento no tráfico de armas. Acresce que nessa mesma linha apareceu uma carta-panfleto dos Combatentes da Liberdade da Pátria, proferindo ataques pessoais ao presidente e acusando a alta hierarquia da Forças Armadas por prática de várias irregularidades e até ilícitos criminais. É neste contexto com grandes incógnitas para o aprofundamento da democracia na Guiné, e logo a seguir à exoneração de Ansumane Mané que estala o levantamento militar, logo a seguir Bissau vai tornar-se numa inacreditável carreira de tiro.

Aos primeiros rebentamentos, o embaixador desloca-se para a chancelaria e agarra-se ao telefone, na aparência as forças fiéis ao presidente da República controlavam a situação mas começaram a surgir notícias que na região de Brá-aeroporto as forças amotinadas estavam a receber apoio popular. Os combates prolongaram-se durante todo o dia, imediatamente se pôs a questão de como garantir a segurança dos portugueses que, aliás, começaram a bater à porta da embaixada. Como proteger os portugueses? Até que surge uma chamada telefónica providencial, o comandante do cargueiro “Ponta de Sagres” propõem-se deslocar-se para Bissau para recolher refugiados. Iniciam-se as negociações para uma possível evacuação, isto enquanto Nino Vieira já pedira a intervenção direta da Guiné Conacri e do Senegal, as forças rebeldes afinal não tinham sido controladas, o fogo de obus começava a atingir o centro de Bissau, mas também a área das embaixadas, as granadas caiam mesmo no porto do Pidjiquiti. Bissau era uma cidade sitiada, aqui moviam-se à vontade às forças leais ao presidente. Do perímetro militar de Brá, do aeroporto de Bissalanca e dos bairros periféricos de Bissau, a junta militar bombardeava as posições governamentais, enquanto as baterias de artilharia destas últimas, muitas vezes nas imediações de igrejas, hospitais, embaixadas estrangeiras e de outros edifícios civis, disparavam a eito sobre o dispositivo rebelde, escreve Henriques da Silva. A embaixada portuguesa é pequena para acolher tanto português. O embaixador escreve: “Comia-se onde calhava e o que calhava; faziam-se as necessidades em determinados lugares que rapidamente se tornavam insalubres e viveiros de todo o tipo de bactérias e doenças”. Felizmente que a embaixada tinha adquirido arroz para as comemorações do 10 de Junho. E durante 4 dias, até à evacuação pelo cargueiro “Ponta de Sagres” comeram “arroz com 10 de junho” ou “massa com 10 de junho”, servia-se em pratos de cartão com um ou dois croquetes, pastéis de bacalhau, rissóis de camarão ou uma fatia de fiambre. Felizmente para todos, chegou a hora da grande evacuação, em 11 de Junho.

(Continua)
____________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10679: Notas de leitura (429): "Da Guiné à Angola O Fim do Império", pelo Coronel Piçarra Mourão (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10693: Parabéns a você (498): Mário Miguéis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1972/74)

____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10678: Parabéns a você (497): José António Viegas, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54 (Guiné, 1966/68)

domingo, 18 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10692: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (30): Colégio de Oliveira de Azeméis (3): Parte II (2)

1. Em mensagem do dia 13 de Novembro de 2012, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos a segunda parte das suas aventuras no Colégio de Oliveira de Azeméis de que se publica hoje o segundo poste:

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (30) 

Colégio de Oliveira de Azeméis C.O.A.

Parte II (2)

Visita “permitida” ao internato feminino 

Era um domingo, ao fim da manhã! Eu frequentava o 7º ano; estávamos num período, sempre complicado, entre as escritas e as orais. Depois da missa e de seguida a uma breve passagem pelo jardim, os alunos internos estavam agarrados aos livros, no salão de estudo. Solicitei ao Sr. Correia que me autorizasse estudar no recreio – pretensão logo autorizada! Ele sancionava tudo o que eu, respeitosamente, lhe pedia!

Eu sabia que os diretores não estavam no colégio. A srª Dª Maria Adília tinha ido a Aveiro acompanhar uma aluna, filha de um juiz que vivera do outro lado da avenida; ela ia juntar-se ao pai que, entretanto fora colocado em Lisboa. Soube há dias que aquela aluna veio a casar com um tal Basílio Horta, que todos, certamente, conhecem.

A hora era propícia! Atravessei o quintal e fiz uma visita ao recreio das alunas. Encontrei a perfeita, menina Rosa; dois dedos de conversa… e as portas do internato foram-me franqueadas. Autêntica anedota! De seguida, fui autorizado a subir às camaratas. As “pequenas” nem acreditavam no que viam. Conversámos a esmo, descontraidamente, durante algum tempo! Só generalidades e… culatras! Apercebi-me que no quintal do vizinho (creio que pertencia à família Guedes, donos da ourivesaria) havia uma pereira cujas peras atraentes chamavam por mim; saltei o muro e trouxe boa quantidade de suculentos frutos e saboreámo-los irmãmente.

Ninguém viu! Quem acreditaria que as educadas meninas do COA ousassem saltar o muro para roubar fruta? Que disparate! Eis que, na porta de entrada do internato feminino, ouvimos alguém chamar, altos brados, pela menina Rosa! Era a voz da Srª Dª Adília que entretanto regressara de Aveiro. A perfeita loira aconselhou que me escondesse e desceu logo ao encontro da Diretora. Esconder-me? Nem pensar! Passei para a varanda (a mesma onde tempos antes as meninas se refugiaram aquando do “assalto” ao internato) pendurei-me nas grades e saltei para o quintal; corri em direção do muro que o separava do nosso recreio, passei por cima e disse para comigo: desta já e safaste! Mas cuidado! O teu anjo da guarda, um dia, pode cochilar!


A “fuga” do 5º ano 

Em época de exames, entre as escritas e a saída das notas, os alunos andavam, regra geral, muito nervosos… em pulgas. Eu estava no 7º ano! Saturado de estar no salão de estudo, sem saber bem o que fazer, pedi ao Sr. Correia autorização para dar, mais uma vez, uma volta pela vila; era essencial mudar de ares e ver pessoas diferentes, acima de tudo, sem livros na mão. Ele passou-me logo a chave do portão do jardim que separava o internato masculino da avenida. Única recomendação já minha velha conhecida:
- Cautela para que o Senhor Almeida não te apanhe!
- Eu sei onde ele está! Na pior das hipóteses eu saltei o muro!

Quando cheguei ao jardim da vila apercebi-me que muitos alunos do 5º ano corriam, em puro desnorte, sem saber bem para onde nem porquê. Nenhum sabia aproveitar convenientemente, aqueles momentos de liberdade! Tinham saltado os muros do colégio mais pelo prazer efémero de infringir as regras, do que por qualquer outro motivo; chegados à rua, não sabiam como aproveitar o tempo. Ao ver aquele triste “espetáculo”, pensei logo nas funestas consequências que poderiam advir daquela atitude coletiva e desconexa.

Voltei ao Colégio e fiquei a estudar no terraço do ginásio. Apareceu o Sr. Almeida! Procurava os alunos do 5º ano para ministrar mais uma aula de Matemática. Perguntou-me se eu sabia por onde andava aquela rapaziada. - Há cerca de meia hora - respondi – uns tantos alunos estavam no salão de estudo! Outros andavam por aí! Mas nenhum aluno do 5º ano se encontrava intramuros! O diretor chamou o perfeito e, sem delongas, sentenciou, decidido e furioso:
- Se algum aluno do 5º ano entrar no Colégio sem ser acompanhado pelo pai ou pelo encarregado de educação, o senhor pegue logo nas suas malas e saia!

Costumava dizer-se: “o Sr. Almeida não brinca em serviço”. Decisão curta e grossa! Alguém levou aquela nova severa e preocupante aos “fugitivos”. Logo, os alunos em pequenos grupos, começaram a abeirar-se dos muros; o Sr. Correia, qual cão de fila, vigiava atentamente tudo e a todos ia transmitindo a ordem irrevogável da direção:
- Só podem entrar acompanhados pelos pais ou encarregados de educação!

Esperaram pela hora do jantar… mas a ordem fatídica não foi alterada. Pensaram que às 22 horas, hora de recolher às camaratas, seriam autorizados a entrar, mesmo que levando alguns açoites. Mas as contas saíram furadas, mais uma vez; o Sr. Almeida continuou implacável. O Karl Eberl, natural de Angola, como atrás foi referido, foi o único autorizado a reentrar no colégio… porque o Sr. Almeida era seu encarregado de educação. Constou que alguns dos desertores dormiram nos bancos do jardim; outros pediram agasalho aos colegas que viviam na vila.

No dia seguinte, pela manhã, os alunos começaram a entrar no Colégio… acompanhados pelos pais que ali se deslocaram para esse fim. Constou na época que apenas o pai do Álvaro Oliveira, natural de Cesar, barafustou (discutiu) seriamente com o Diretor, lamentando e repudiando aquela decisão tão drástica. Tudo acabou bem… sem complicações maiores, principalmente em relação aos exames.


A equipa de “Económicas” – futebol 

No ano letivo de 1959/60 (ou terá sido no ano seguinte?) organizou-se um célebre campeonato interno de futebol entre os alunos do 5º, 6º e 7º ano. Havia três equipas do 5º ano, duas do 6º ano e três do 7º ano. Uma das equipas do 7º ano incluía apenas alunos de Direito, Germânicas e Economia; era sobejamente conhecida como a equipe de “Económicas”. Na verdade éramos económicos (parcos) em qualidade e habilidade mas nós não “economizávamos” os pontapés e pisadelas nos adversários; o lema dos nossos defesas (principalmente) era: “só pode passar um: o jogador ou a bola”; os dois nunca!

No nosso grupo apenas dois “sabiam jogar” à bola: o Ameixieira, bom guarda-redes (o melhor do campeonato), ex-seminarista, mais velho que os outros (já tinha cumprido o serviço militar) e o J.M. Frias Mendes, ex-júnior da Académica e também já tinha cumprido o serviço militar; os restantes elementos da equipa (Armando Figueiredo, Castanheira, Belmiro e havia outro que não recordo o nome) eram apenas os “sarrafeiros, autênticos toscos, rebenta canelas”!

A equipe do 5ºA, a mais temida, era constituída por jovens muito habilidosos, especialmente o Poças que era um malabarista da bola, um “brinca na areia” e dono de um pontapé fortíssimo e normalmente bem colocado. Jogava-se ali uma espécie de futebol de onze (as mesmas regras) mas apenas com cinco ou seis jogadores; o “campo” era a cobertura do ginásio que não comportava mais jogadores. O último jogo daquele campeonato disputadíssimo, ia ser discutido entre o 5º A e “Económicas” e decidia-se ali o vencedor do certame – os campeões colegiais. À equipa de Económicas bastava o empate – tínhamos mais um ponto que eles – mas o 5ºA era um “osso duro de roer”, tremendamente duro; mas nós os rijos, valentes, ousados, corajosos, aguerridos – podem inventar outros atributos dentro desta linha de pensamento – jogávamos com um amor imenso pela nossa camisola e isso fazia diferença.

Mas camisola não havia! Jogávamos de camisa, calças e… botas! No dia aprazado, o nosso goleiro não compareceu – e que falta que ele nos fazia! – e só havia um suplente se jogássemos cinco contra cinco. Decidiu-se que o lateral direito (eu) ocuparia o lugar do Ameixieira. Embora nos bastasse o empate para erguermos a “taça”, a nossa tarefa era enorme, não só pela falta do guardião titular (era o único) mas também porque o adversário merecia todo o nosso respeito – mas não subserviência. Mesmo desfalcados fomos aguentando o jogo sem golos.

A tática escolhida visava economia de esforços: atacavam todos… sem descurar a defesa! Esta tática veio a ser explanada e aplicada no Boavista, pelo Jaime Pacheco: todos ao ataque… cá atrás. Quando já aguardávamos ansiosamente o toque salvador da sineta que marcava o início das aulas (neste caso também o fim do jogo) eis que árbitro (um ladrão desavergonhado, um filho da… mãe dele, subornado, bandido e outros atributos que não cito aqui para não abandalhar, ainda mais, o ambiente) assinalou uma grande penalidade contra a equipa de Económicas… sem respeito algum pela economia (tal como aconteceu por cá em tempos recentes).

Tratava-se, apenas, de um ligeiro toque de “mão na bola” inofensivo, involuntário, sem consequências (a não ser a famigerada grande penalidade)… mas a decisão do árbitro não se alterou. Cumpre informar os hipotéticos leitores, aqui e agora, que nos nossos jogos não havia árbitro – os próprios jogadores, a bem ou a mal, decidiam se era falta ou não; por vezes pedia-se a opinião da assistência. Portanto não houve qualquer insulto ao árbitro… porque não havia! Informo, também que não havia nem grande nem pequena área – decidia-se a olho; o centro do terreno ficava na junta de dilatação do terraço. As balizas não tinham travessão; a altura da baliza variava segundo a altura do goleiro.

Chegou a hora fatídica da marcação do penalti contra a “Economia”; um simples golo naquele momento dava o título ao 5º A. O Poças, o melhor dos adversários, já tinha jogado nos juvenis do Porto, mas foi “emprestado” ao 5º A, ia ser o carrasco. Apavorado, eu estava desamparado naquela baliza que ficava na vedação do lado do quintal do Arq. Gaspar. O Poças chutou a meia altura, com força mas quase à figura. Eu meti o pé direito à bola (o esquerdo servia apenas para caminhar e “pisar” o adversário); para jogar era totalmente cego e inábil) com tal gana e coragem que a bola sobrevoou o “estádio” anichando-se na baliza contrária. Feito inédito!

Na defesa de uma grande penalidade, marcar na baliza do adversário é coisa do outro mundo! Muito se discutiu se o golo era válido; este caso não estava previsto nos alfarrábios da bola… mas à equipa de “Económicas” pouco interessava, se era golo a sério ou não. O empate já era suficiente e, acabado o jogo, já ninguém nos tirava o título de campeões – só o título! Depois de alargada discussão inútil entre os nossos “sábios da bola” concluiu-se que aquele golo, quase fantasmagórico, nunca antes visto, era mesmo válido… porque o “guardião não tocou na bola com a mão”. Foi um acontecimento inédito, invulgar! Mas fomos campeões! Algum de vós já marcou um golo assim? Duvido! (olha a modéstia!) só um predestinado da bola – como eu, claro – podia ser o autor de tal façanha! Lamenta-se que não haja sequer uma fotografia! E a televisão chegou tarde de mais!


A Dr.ª Celina

A professora de inglês e alemão, a Dr.ª Celina era natural da Covilhã, filha de um industrial de lanifícios, era jovem, simpática, boa mestra, acessível e divertida. Naquele ano os finalistas organizaram um sarau; o programa era variado, longo e interessante; preparámos sátiras a alguns professores e não só como convinha. A Dr.ª Celina não escapou, mas ela até colaborou emprestando o seu casaco comprido, muito característico em tons de vermelho e branco (mais aquele do que este) que ela usava durante grande parte do ano. O Castro Lopes (José Manuel) que agora vive no Canadá, muito bem casado com a colega Maria do Céu (Micéu), era o irmão mais velho e de uma série de oito irmãos que frequentaram o Colégio, foi encarregado deste escárnio. Vestiu o casaco emprestado pela professora visada, sentou-se muito à vontade na cadeira atrás da secretária (uma mesa vulgar sem proteção na frente baixa) e voltado para o público iniciou o seu monólogo em inglês “macarrónico”:
- Oh Covilha city! Covilha city! (O Zé espreguiçava-se e bocejava assiduamente) -There is no other city like Covilha!

Aconteceu que o Zé com toda a exuberância dramática e naturalidade esqueceu-se que naquele momento não usava calças e que a secretária permitia que lhe vissem longamente as pernas; estava tão entusiasmado que até mostrou as cuecas. Creio bem que esta amostragem não foi intencional… mas aconteceu! Não fazia parte do programa. A drª Celina, um tanto incrédula, assistia àquela cena com o noivo a seu lado. Constou que ele não teria gostado daquela brincadeira – falta de sensibilidade ou sensibilidade em demasia; os extremos tocam-se! Mas o namoro continuou e cerca de cinco anos mais tarde o então já marido da drª Celina trabalhava em Sever do Vouga numa chamada Experiência Agrícola patrocinada pela Shell. Ela além de continuar a lecionar no COA, creio que dava aulas também no colégio de Sever do Vouga.

Um dia, já em 1966, após a minha chegada da Guiné, encontrei aquela mestra na vila; estava sentada no carro, de porta aberta e os pés assentes no asfalto. Fui logo ao seu encontro e cumprimentei-a com muito respeito, como ela merecia; conversávamos havia uns minutos quando ela admirada, comentou:
- Mas você caminha normalmente!
- E então… não deveria caminhar com normalidade?
- Então… não lhe amputaram uma perna?! Isso foi voz corrente em Oliveira! E não só!

Eu puxei as calças um pouco para cima, exibindo as tíbias e esclareci:
-Como vê, são iguais, são ambas de origem e são minhas há 26 anos.

Ela acrescentou que no COA correra a notícia – agora boato - que me havia sido amputada uma perna devido a ferimentos, em combate, na Guiné. Soube que na mesma época constou – só boato, Graças a Deus – que eu tinha sido morto em combate. Esta inventiva foi da autoria involuntária de uma aluna do COA, natural de Sever do Vouga (irmã da Dirce e da Manuela Bastos). Em Dezembro de 1965 foi amplamente noticiado na rádio e na TV – então canal único – que eu havia sido galardoado com o Prémio Governador da Guiné, por feitos em combate, e em consequência viria passar o Natal a casa com a família. Ela ouviu a notícia, só a parte final, apercebeu-se do meu nome e Guiné; depreendeu logo que, tratando-se daquele “palco” só poderia ser por morte ou – que bom! – No mínimo uma amputação.

No Verão desse ano, encontrei o Arlindo (Escariz) em Espinho. Ao vê-lo gritei pelo seu nome, e caminhei na sua direção. Ele, assustado, começou a recuar e gaguejando, exclamou:
- És tu, pá? Mas… tu não morreste na guerra?!

Assim se desfez mais um boato.


Curto-circuito no internato 

Tirar o corpo da cama às 6h30 da “madrugada” em noites de breu, frio e chuva era um sacrifício enorme. O Sr. Correia entrava esbaforido em cada uma das três camaratas (naquela altura ainda não havia sido construído o ultimo piso de camaratas), acendia as luzes, batia as palmas, acordando todos os alunos.

Um dia, alguém desapertou as lâmpadas de uma camarata; além disso prendeu um cordel entre duas camas. Vendo que não havia luz, apenas naquela camarata, o perfeito entrou decidido no corredor entre as duas fiadas de camas para apertar as lâmpadas; tropeçou no barbante (a armadilha funcionou devidamente), reapertou as lâmpadas e… fez-se luz! Pouco depois, enquanto se barbeava, o sr. Correia comentava furioso:
- Eu magoei-me! Mas se me aleijava…, alguém já teria engolido os dentes da frente!

Se à hora da “alvorada” não havia luz podíamos dormir descansadamente sem que o perfeito nos incomodasse até que fosse possível ler com luz natural. Tornava-se, pois, imperioso provocar a falta de eletricidade, de vez em quando, para que não fossemos obrigados a levantar tão cedo. Um aluno (adivinhem quem!) retirou uma lâmpada incandescente do respetivo suporte, colocou uma moeda de 20 centavos (semelhante à atual 2 cêntimos) sobre a dita lâmpada, enroscou-a cuidadosamente provocando de imediato um curto-circuito (contacto entre os dois polos); o internato ficou às escuras e dormimos até mais tarde.

No internato só havia um quadro elétrico no rés-do-chão, portanto incessível ao perfeito. Isto foi acontecendo com certa frequência e o aventureiro (amigo dos alunos internos) nunca foi “apanhado”.


O tremoço… é uma arma! 

Como atrás se afirmou, no COA, naquele tempo, havia apenas uma turma por cada ano; no meu 5º ano, creio que pela primeira vez, fomos divididos em duas turmas mas, se bem me recordo, tal não aconteceu em todas as disciplinas. A Drª Maria José Mourão (irmã de um aluno) era professora de inglês de uma das turmas, a minha. Ao sábado, segundo o horário, tínhamos inglês às 9:00 horas. Ela combinou com a sua turma que ao sábado (quase todos) teríamos prova escrita das 8:00 horas às 9:50 horas.

Para os alunos internos não havia complicação; os externos teriam de fazer de tudo para chegar mais cedo ao Colégio, nesse dia. Ninguém arranjou desculpas incoerentes (esfarrapadas) até porque a professora, excelente docente, ótima educadora, não cobrava essa hora nem aos alunos nem ao Colégio. Imagina isto nos tempos que correm! Impossível! Às 8 horas, os internos comunicavam ao perfeito – o velho Correia – que tínhamos ponto de inglês e seguiam para a aula.

De vez em quando, havia um sábado em que não havia prova escrita, mas os internos por força do hábito, procediam do mesmo modo. Como o portão estava aberto até às 9 horas, nesses dias, os alunos aproveitavam para mudar de ares – lavar os lhos – foram dar uma volta pela vila. Alguns houveram por bem dar uma volta pelo mercado (praça) que, tal como hoje, ficava no topo norte do jardim central da povoação, ou praça José da Costa (creio que esse nome é recente). Um desses alunos comprou 50 centavos de tremoços – uma quantidade maluca!... um saco de tremoços e entretanto regressou ao Colégio.

No último tempo da manhã desse sábado, o 5º ano – turma única – tínhamos aula de Português, disciplina ministrada pelo Dr. Maurício; era o 1º ano que lecionava no COA. No dia da apresentação a esta turma, o Dr. Maurício entre outras coisas correntes (generalidades e culatras), informou, mais ou menos nestes termos:
- “Tenham cautela comigo, porque eu sou mau! O meu próprio nome diz que eu sou mau!”

Refastelado na sua carteira, ao lado do Escariz, na última fila, junto à janela com vista para o quintal, um aluno comentou divertidamente: - o “gajo” (desculpem o calão) chama-se Maurício? Não pode ser outro o seu nome? E não é que acertei? Retomemos o fio da meada!

Nesta altura do ano, o Dr. Maurício ensinava-nos a interpretar “Os Lusíadas”; nós entendíamos que ele inventava uns tantos complementos circunstanciais. Nós até “ajudávamos” nesta ideia, publicitando que ele teria dito que, na expressão: “a terra é lavrada pela charrua”, este utensílio era o “complemento circunstancial de ferramenta” – brincadeira nossa – que foi utilizada no sarau como sendo da sua autoria – em verdade não aconteceu! Reconheço, apesar de tudo, que se ainda sei interpretar cabalmente aquela obra-prima da nossa Literatura, e se adoro lê-la, porque amo o que é genuinamente português, ao Dr. Maurício o devo!

Quando parti para a Guiné, para uma comissão de dois anos, levei comigo apenas dois dicionários de alemão – porque me correspondia com uma garota alemã – e Os Lusíadas . durante anos, esta obra insigne foi o meu livro de cabeceira.

De pé, ao lado da secretária, o Dr. Maurício, ensinava-nos a interpretar Os Lusíadas. Foi quando um dos alunos, o tal que comprou os tremoços, começou a bombardear as alunas, disparando (comprimindo) aqueles projéteis. Depois de vários disparos… houve azar! Um dos tremoços atingiu o professor na cabeça (má… ou boa pontaria?). O tremoço de seguida caiu para o livro que o professor segurava na mão, rolou, depois sobre a secretária até cair desamparado no estrado – tremoço endiabrado!

O Dr. Maurício apenas terá comentado: “no fim da lição conversamos!”

O prevaricador esperou que todos os alunos saíssem para, a sós, se desculpar perante o mestre. Aproximou-se cabisbaixo, pesaroso (pelo menos na aparência) e apresentou as suas desculpas “sinceras” pelo sucedido. Alegou que não era sua intenção agredi-lo; apenas pretendia alvejar, com respeito, as alunas e sem qualquer indício de maldade. O professor respondeu secamente: “ é algo que não posso desculpar! Tenho de participar a ocorrência ao Sr. Almeida”. - “Se não pode desculpar” – respondeu o aluno – “nada mais tenho a alegar em minha defesa; já cumpri a minha obrigação”.

Na verdade, ele cumpriu com a promessa, informado o diretor. O Sr. Almeida, encontrando o faltoso no corredor de acesso à secretaria, perguntou-lhe pelo sucedido. - Eu já expliquei ao Dr. Maurício como tudo aconteceu e apresentei as minhas desculpas sinceras – respondeu o aluno. Decisão imediata do sr. António Almeida:
-Isso não é suficiente; amanhã, domingo, não sais do Colégio!

Acontece que o aluno já estava autorizado a ir passar o fim-de-semana à “santa terrinha”, não sofrendo assim, qualquer punição. Claro que o Sr. Almeida não se deve ter apercebido daquela situação; caso contrário teria agido de outro modo. Quem saberá como?!

O Dr. Maurício… chegou, viu e venceu! Mal chegou a Oliveira, encontrou uma “jovem” mais ou menos da sua idade (talvez fossem ambos quarentões ou perto disso) e à primeira vista… apaixonaram-se mutuamente, e juntaram o útil ao agradável. Ela era filha do Dr. Tomás. Chamava-se (chama-se ainda Graças a Deus e ao bom tratamento que o marido lhe dá) Mariazinha. Era giro vê-los no “picadeiro”; ela, creio que mais alta, colocava o braço esquerdo sobre os ombros do Dr. Maurício, ele poisava, acintosamente, a sua mão sobre o traseiro bastante saliente da namorada; assim andavam às voltas no jardim para gáudio da juventude académica. As idades não aconselhavam muitas demoras e, a breve trecho, casaram; da união nasceram duas “Mariazinhas”. Ainda vivem, felizes e contentes, na cidade de Oliveira de Azeméis.

O Dr. Maurício era também professor de filosofia no 6º e 7º anos. Em meu modesto entender as aulas do 6º ano (daquela disciplina) eram uma autêntica seca. Eu nunca consegui entender absolutamente nada daquela matéria; a culpa seria por certo muito mais minha do que do mestre – até porque os outros alunos aprenderam aquela matéria que para mim era impenetrável… aquela psicologia para mim… era o fim da picada.

Naquele ano eu entrei no colégio quase no fim de Outubro; os colegas já estavam enfronhados na matéria. Eu bem quero alijar o meu fardo mas não consigo. O Dr. Gandra, porém, entre a escrita e a oral, durante uns noventa minutos explicou-me um capítulo da matéria do 6º ano e eu compreendi e assimilei perfeitamente aquela parte da matéria. Com isso safei-me na oral como narrarei mais à frente. Entrei bem na matéria do 7º ano e aprendi aquilo quase na perfeição.

Fazia parte do programa – do 7º ano – um capítulo que tratava do objeto, conceito e método de algumas ciências, entre as quais História. O Dr. Gandra, enquanto mestre de História, ensinou-nos esse tema com tal minúcia e precisão que nós aprendemos muito para além do que era exigido no programa; e nós, alunos de História sabíamos aquele tema na ponta da língua. Um dia, o Dr. Maurício fez-me umas perguntas para o meu lugar (sem abandonar a minha carteira); à 2ª pergunta ele ordenou-me que falasse sobre: objeto, conceito e método da História. Àquela data, eu ainda não dominava aquele tema, na perfeição, como o Dr. Gandra nos ensinou; mas tinha os apontamentos em cima da carteira. Pouco falei do que constava no compêndio; segui o que tinha no rascunho. O Dr. Maurício deve ter-se apercebido (com certeza, mas não se manifestou), que eu olhava para o livro, mas o que eu ia transmitindo não vinha no compêndio. De soslaio eu ia lendo os tópicos no meu manuscrito e tudo saiu pelo melhor. Tocou a sineta, impondo o fim da aula; o Dr. Maurício comentou:
 - Se todos os alunos estudassem como o Belmiro, teríamos aqui uma turma excelente! Gostei!

Mal ele sabia que eu ia lendo os meus apontamentos! Chegou a hora do exame! Na escrita, não acertei uma única resposta sobre a matéria do 6º ano; só respondi a uma, lançando ao ar duas bolinhas de papel. Errei! Daquela vez, a sorte não protegeu o ignorante. Passei na escrita com nove – uma boa nota, tendo em conta que só respondi à matéria do 7º ano. Na oral safei-me com o 10 da ordem, porque já sabia um capítulo do 6º ano (apenas um), o tal que o Dr. Gandra me ensinou; foi precisamente esse tema que o Dr. José Bento escolheu para me metralhar. Na matéria do 7º ano eu estava à vontade!

Desta vez a sorte protegeu-me! Mais um problema resolvido!


A Guerra das Laranjas 
(Não confundir com a guerra luso-espanhola – invasão do Alentejo que culminou com a perda de Olivença). 

No quintal da Direção havia uma laranjeira que produzia umas laranjas excelentes (querias que fossem peras!?) que, quando surripiadas, eram ainda mais deliciosas. No ano em que o internato masculino foi aumentado – construção de mais um piso – os alunos internos passaram a dormir, temporariamente no ginásio; assim encontrávamo-nos mais perto do quintal. Alguns alunos, isoladamente ou em grupo, babavam-se ao ver tantas laranjas, ali tão perto a enfeitar a laranjeira que fora plantada no interior do galinheiro (ou este foi construído em redor da árvore).

De vez em quando, pela calada da noite, alguém aliviava aquela árvore que, na parte voltada para o quintal da Dª Dores, tinha imensa fruta a pedir carinhosamente para ser saboreada. O Sr. Almeida apercebendo-se que a quantidade de laranjas diminuía a olhos vistos, decidiu agir em defesa da fruta. Entrou no refeitório, à hora do almoço, e informou-nos que alguém andava a abarbatar-se com as suas apetitosas laranjas, e acrescentou:
- “Parto do princípio que não são os alunos a cometer tal asneira. Por isso, se eu me aperceber que alguém anda nas minhas laranjas, eu disparo sobre os larápios, sem dó nem piedade; se ouvirem alguém gemer ou gritar já sabem do que se trata!”

Numa das noites seguintes, o Leonel Castro Nunes e eu tomámos a decisão corajosa de enfrentar a ameaça irada do diretor. Partimos do princípio (credível) que ele sabia perfeitamente que os assaltantes eram mesmo os alunos e não ousaria disparar sobre nós; por outro lado, ele sabia que os chumbos danificariam não só as laranjas mas também a própria árvore.

Já tarde, saímos do ginásio, subimos o muro que separava os dois quintais… a lua iluminava tudo! E as laranjas estavam ao alcance das nossas mãos gulosas. Estávamos cuidadosamente a encher a sacola, quando ouvimos abrir uma janela, de guilhotina, nas instalações habitadas pela Direção. Nós pendurámo-nos nos ferros da latada da Dª Dores e encostámo-nos ao muro – uma boa proteção contra os chumbos. Nisto o Sr. Almeida perguntou, de forma bem audível:
-“Quem anda aí?”

O Sr. Almeida fez fogo – apenas um disparo – para o ar (não ouvimos o ruído do chumbo a bater no muro ou na árvore), fechou a janela e foi dormir. Não acreditávamos que ele se tivesse apercebido que alguém lhe surripiava laranjas, pois nós agimos no mais profundo silêncio; naquele momento, ele teria chegado do café (ele frequentava a chamada “Leitaria”, mais ou menos em frente ao café Guarani, hoje Hotel Dighton em memória da lápide com o mesmo nome), e lembrou-se de cumprir o aviso anunciado aos alunos.

Lestos, acabámos de encher o alforge e seguimos velozmente para a camarata. Tivemos fruta (não confundir com a fruta do PC) para vários dias. Laranjas deliciosas, divinais!
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10688: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (29): Colégio de Oliveira de Azeméis (Belmiro Tavares)

Guiné 63/74 - P10691: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (12): 13.º episódio: Como 5 dias de licença em Bissau se transformaram em 30 na Metrópole

1. Em mensagem do dia 14 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio da sua campanha no K3, dias que fazem parte dos melhores 40 meses da sua vida. E nós acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

13º episódio - Como 5 dias de licença em Bissau se transformaram em 30 na Metrópole

Entrementes em inícios de Maio, é-me concedida uma licença de 5 dias a fim de "tirar a carta de condução" em Bissau.

Consegui uma boleia numa coluna que nos havia reabastecido e mesmo sentado cá fora na Daimler, uma auto-metralhadora, também conhecida por "Piolho", que seguia sempre à frente disparando tiros de reconhecimento para os locais de habituais barafundas, cheguei inteiro, pois nada se passou, nem minas nem emboscadas aconteceram.

Chegado que fui às duas da tarde, almocei na Pensão onde me hospedei ali perto do Liceu e fui dormir qual sono dos justos fosse.

Jantado um bruto bife com molhança picante e bem acompanhado por um tinto de garrafa rotulada (vejam bem o luxo...) mais sobremesa, whisky 3 socos 12 anos, e ainda outro a seguir... enfim tudo o que os "pesos" podiam pagar, fui dar um passeio pela cidade para esmoer.

Ali no largo onde se situava o Palácio do Governador e numa esquina da rua que vai para o Hospital e segue para Brá e por aí fora, parei no Café Portugal para novo mata-bicho e dou de caras com um amigo do meu "povo", piloto das FAP. Abraços para cá e para lá, conversámos sobre isto e mais aquilo, e dispôs-se a levar notícias e saudades minhas, à família, o que agradeci. Só que às tantas diz:
- Oh pá porque não vens connosco que t'arranjo um lugar no Skymaster? Partimos depois de amanhã.
- Ai qu'este gajo está tonto... pensei, mas a ideia começou a toldar-me o espírito... a fervilhar-me no bestunto... cada vez mais e mais... eu já ria alarvamente... eu sei lá... eu estava a ficar meio possesso... e disse:
-Porque não? Que terei de fazer? Como resolver isto? Será que? OU SERÁ QUE?

Por sorte e por pesquisas encetadas por nós dois, soubémos que o meu Comandante de Batalhão, chegara de Catió e estava por acaso e felicidade minha no QG, que nem longe dali era. E fomos lá e consegui contactá-lo e prometeu assinar tudo a autorizar se "o teu Comandante de Companhia nada tiver contra". Contacta-o ele que me ligue e amanhã à tarde, passa por cá.

Aqui meto outro amigo ao barulho, fuzileiro medalhado já d'Angola e o que sei é que através dele a ligação através dos rádios militares foi conseguida e na tarde seguinte, lá estava eu de novo, cheio de continências e esperanças... e lá recebi os papéis... passaportes... vacinas e mais ainda, com os votos de Boa Viagem e "goza rapaz" mas volta daqui a 30 dias e fica sabendo "estás bem visto pelo teu Capitão".

INCRÍVEL mas verdadeiro e no outro dia, ao nascer daquele bonito sol, levantámos voo e em boa verdade só me convenci que não sonhava quando parámos nas Canárias, devido a avaria num dos motores do avião o que e como soube só 30 anos depois, era hábito acontecer.

Foram 4 dias magníficos que ali passei, comprei uma Canom, um gravador e um rádio portátil da Sonny e hospedado estive como convidado e à borla nas instalações militares espanholas do aeroporto, até que e reparada a coisa, nos fizemos rumo a Portugal e era já noite quando chegámos, tendo apenas como único transporte para sair dali, rumo à santa terrinha um tal de combóio correio que demorou 8 horas a chegar em vez das duas e meia habituais.

Entontecido ainda pelas aventuras estranhas que me estavam a acontecer, deu para pensar e ainda hoje o faço, nesta frase maravilhosa que alguém escreveu quando me conheceu: "TODOS OS MALANDROS TÊM SORTE"

 (continua)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10668: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (11): 12.º episódio: Uma experiência como Vagomestre

Guiné 63/74 - P10690: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte II): Um operação com baixas de um lado e outro (1ª sequência)


Foto nº 16





Foto nº 15


Foto nº 13



Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 17


Foto nº 18


Guiné > Região de Tombali > Guileje >  > CCAÇ 726 (out 64/jun 66) > s/d >  Uma "operação militar"...  Primeira parte...


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Alberto Pires, mais conhecido por Teco, O Teco, natural de Angola, ex-fur mil na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964)...A companhia esteve em Guileje entre de Outubro de 1974 e Junho de 1966. Ocupou Mejo e mantinha lá um destacamento em 1965 (*).

As fotos que estamos a publicar pertencem a um lote de fotos que o Teco pôs à disposição do Núcleo Museológico Memória de Guiledje e do nosso blogue (são mais de 60 fotos). Não trazem legenda, mas estão agrupadas por temas: (i) CCAÇ 726 (Guileje); (ii) construção de abrigos (Guileje); (iii) destacamento de Mejo; (iv) operação militar; e (v) guerrilheiros mortos...

Estas que publicamos hoje, têm a ver uma "operação militar" (não se sabe onde nem quando, de qualquer modo foi entre 1964 e 1966, na época ainda se usava o capacete de aço). São  20 imagens no total, numeradas de 1 a 20, e que foram todas editadas por nós, com vista à melhoria da sua resolução e qualidade. Não sabemos qual a sua ordem lógica e cronológica.  Presumimos que as NT partiram de Guileje, e progrediram até um objetivo IN.  Houve contacto, mortos e feridos, helievacuações, destruição de uma tabanca (ou acampamento)...

Nesta primeira parte mostra-se aquilo que presumimos que seja a progressão, penosa, difícil,  das NT até ao objetivo e depois a destruição dos meios de vida (moranças, etc.). No próximo poste mostraremos o resto das fotos, incluindo uma notável sequência de uma helievacuação (na época, 1964/66, ainda não havia o heli Alouette III, apenas o II)... Não sabemos se o contacto havido na na altura com o IN, foi no assalto ao objetivo ou no regresso a Guileje. Talvez o Carlos Guedes nos possa ajudar a esclarecer esta e outras dúvidas. De qualquer modo, são imagens,  muito sugestivas, que valem por si e que nos ajudam a recordar muitas das nossas operações nas difíceis condições do terreno, do clima e do teatro de guerra da Guiné.

Fotos: © Alberto Pires (Teco) (2007) / AD - Acção para o Desenvolvimento. [Editadas por L.G.]. Todos os direitos reservados
________________

Nota do editor:

Último poste da série > 26 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10576: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte I): Tabanca e destacamento de Mejo, 1965

Guiné 63/74 - P10689: Em busca de ... (208): Vasco Pires, ex-comandante do 23º Pel Art pede a Manuel da Silva Fernandes, ex-1º cabo cripto da CCAÇ 2796, contactos dos seus antigos furrieis, que estiveram com ele em Gadamael (1970/72)


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de Janeiro de 1971 a Outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.

Foto: © Morais da Silva (2012) [Editada por L.G., com a devida vénia]. Todos os direitos reservados.


1. Comentário de Manuel da Silva Fernandes ao poste P9994, de 4/6/2012:

Caro Vasco Pires:

Tenho acompanhado a dinâmica do Blogue e, naturalmente, estou ao corrente da vida de tanta gente que pisou as terras de Gadamael-Porto. Evitei até agora qualquer participação na Tabanca Grande para fugir à tentação de comentar alguns disparates que foram ditos nas dissertações entre o senhor "Coronel" Morais da Silva e o "Alferes" Amaral Bernardo.

Aparentemente está tudo sanado, para sossego das nossas consciências: CCaç Ind 2796, "Os Gaviões de Gadamael", Pelotão Art 23.º e  Pelotão de Reconhecimento Fox 2260.
.
Sobre a vida de Gadamael-Porto e Quinhamel (onde este assunto também é tratado), apresentarei em Dezembro, em Ponte de Lima, o livro "Os Caminhos de Gadamael-Porto", em memória dos meus camaradas que caíram na frente da guerra e dos que já partiram depois da aurora de Abril. 

Para além da solidariedade e respeito para com todos aqueles que de forma desinteressada têm permitido dar voz aos mais humildes, expresso aqui a minha enorme admiração por quem abraçou tão grande projecto. 

Ao Vasco,  o meu abraço por sabermos que ainda vai andando por aí; já houve uma ou duas oportunidades em que os homens da CCaç 2796 partilharam essas emoções com as tropas de artilharia e Fox.

Ex -1.º Cabo Operador Cripto Silva Fernandes da CCaç Ind 2796

2.  Comentário do Vasco Pires, ao mesmo poste:

Caro Manuel Fernandes,

Cordiais saudações. Desculpa o atraso, pois só agora vi o teu comentário. Fez-me viajar no tempo, e lembrar a tua boa vontade, apesar da responsabilidade do teu trabalho, e também, algumas mensagens tensas que troquei com o Comando da Artilharia.

Ficaria muito grato se me desses um contacto com os meus Furriéis.

Boa sorte para o lançamento do livro, gostaria de ter mais notícias sobre ele, por fazer pega o meu e-mail com o Luis Graça.
forte abraço
Vasco Pires

Sábado, Novembro 17, 2012 6:27:00 p.m.

3. Comentário de L.G.:

Camarada Manuel Fernandes: não temos o teu email, uma vez que (ainda) não és membro, por opção tua,  da nossa Tabanca Grande. Para entrares em contacto com o teu camarada Vasco Pires, que vive no Brasil, manda-nos um email, para o nosso endereço: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Pondera, por outro lado, a hipótese de, finalmente, fazeres parte desta grande família, onde há de resto muita malta que passou pela região de Tombali, em geral, e por Gadamael, em particular. Como sabes, o  nosso blogue é um traço de união entre todos camaradas da Guiné, uma verdadeira rede, aberta, multilateral, onde se comunica em todos os sentidos, e não segundo a lógica do comando-controlo vertical, hierárquico,  que aprendemos a respeitar e a seguir na tropa em que o  soldado, para chegar ao general, tinha (tem) de passar pelo sargento e aí por aí por cima...

Gostaríamos, por outro lado, de noticiar e acompanhar o lançamento do teu livro. Tens aqui uma boa montra que chega a muitos lados, da  Austrália aos Estados Unidos da América, de Ponte de Lima (, magnífica cidade!) até Ponta Delgada.

Um Alfa Bravo.  O editor Luís Graça.
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 12 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10657: Em busca de... (207): António de Jesus Vieira de Matos da CCS/BART 2920, ex-impedido da messe de oficiais de Bafatá, entre 1970 e 1972, procura camaradas