quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11034: Facebook...ando (22): José Guerreiro, natural de Portimão, em busca dos seus camaradas da CCAÇ 4541/72 (Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar, 1972/74)

Foto nº 1

Foto nº 2

Foto nº 3

Fotos do José Guerreiro, natural de Portimão, publicadas na nossa página do Facebook, Tabanca Grande. Legendas: "Homens forçados a ir à guerra" (Foto nº 1); " A saida de Cabochanque para Bissau, em LDG,  Maio de 1974" (Foto nº 2); "A nossa bandeira" (Foto nº 3).

Fotos (e legendas): © José Guerreiro (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas por L.G.).


1.  Mensagem de José Guerreiro [, foto à esquerda]:

"A minha companhia era CCAÇ  4541, de 1972/74. Estive em Caboxanque,  Cadique Jembarém e Cufar e depois fui para Bissau. Gostava de encontrar antigos camaradas. Um abraço a todos os combatentes"


2. Comentário de LG:

O José Guerreiro tem conta no Facebool, desde 31/3/2010. Tem ainda pouca informação sobre o seu tempo na Guiné(1972/74).  Perguntei-lhe se tinha mais fotos...

Fica aqui, desde já, apresentado  na outra "montra" da Tabanca Grande, o nosso blogue...  Já aqui publicámos, há uns meses atrás,  um poste sobre a CCAÇ 4541/72 (**). Através de um sobrinho, apareceu-nos o Duarte Barros, camarada desta companhia, a divulgar os seus contactos.

Entretanto, o nosso colaborador José Martins forneceu-nos os seguintes elementos sobre a companhia (de que muito pouco sabíamos):

Companhia de Caçadores 4541/72:
Mobilizada no RI 15 – Tomar
Embarque em 21SET72 (avião) regresso em 25Ago74
Comandantes: Cap Mil Inf António Pais Dias da Silva, Cap Cav Fernando Emanuel de Carvalho Bicho, e de novo o primeiro comandante.
Ver: aguerracontinua.blogspot.com/
Ver também: Jorge Santos - Sargento Mor – Coimbra: 968 225 050 e Guilermino 914 679 512.


Mando um abraço ao Zé Guerreiro. Ele que contacte estes seus camaradas. E que apareça, aqui,  para poder integrar de pleno direito a nossa Tabanca Grande. Queremos saber mais sobre ele e a sua companhia. Que nos mande um email.

Um abraço.
LG (**)
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Notas do editor:

(*) 26 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9949: Em busca de... (189): Contactos de pessoal da CCAÇ 4541/72 (Márcio Sousa/Duarte Barros)
(...) Olá, Luís Graça: O e-mail é do meu sobrinho, se responderes,  ele comunica-me. Tenho em casa uma lista dos meus camaradas da Companhia de Caçadores 4541, mas não tenho os contactos e moradas. Gostava muito de contactar alguns via CTT, ou por telefone. 


Como tu estás muito atento a estas coisas, se te for possível mandares-me alguns contactos agradecia, principalmente do alferes Xavier. Porque nunca mais tive novidades do pessoal.

Duarte Barros,
Arcos de Valdevez

(**) Último poste  da série > 28 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11020: Facebook...ando (21): Joaquim Ruivo, ex-1º cabo mec obus 8.8, BAC (Santa Luzia, Bissau, out 61/ fev 64): Tocando os "Olhos Negros", no seu bandolim...

Guiné 63/74 - P11033: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (4): Quem vem lá?

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de Janeiro de 1971 a Outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.
Foto: © Morais da Silva (2012). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72), com data de 26 de Janeiro de 2013:

Caros Luís Graça/Carlos Vinhal,
Envio a minha modesta contribuição para o gigantesco trabalho, que vocês magistralmente desenvolvem e administram.


FANTASMAS DO FUNDO BAÚ

4 - QUEM VEM LÁ???

Quando cheguei a Gadamael, para assumir o comando do 23° Pel Art, lá pelos meados de 1970, encontrei uma Companhia em fim de comissão (tinham acabado de evacuar Ganturé), logo em seguida veio uma Companhia de Infantaria, e se seguiram alguns agitados dias.
É desses tempos, tentando responder a perguntas de um Camarada Historiador, o que, diga-se de passagem, não consegui fazer a contento, que surgiram do "fundo do baú", alguns "causos", cuja "gravação" era um pouco mais nítida.

Foi num dia, o que na altura se entendeu como tentativa de invasão do quartel. Lembro que alguém informou que o IN estava no fim (começo) da pista, o Capitão duvidou, contudo, por segurança, mandou uma Panhard fazer um reconhecimento. É um facto conhecido, que o apontador foi morto e o condutor voltou "transtornado"; em seguida, desencadeou-se um dos piores ataques a Gadamael no período (aliás no P7142 e no P7186 tem foto da parede da messe com os estilhaços desse dia).

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Ex-edifício do comando, com vestígios de estilhaços
Foto e legenda: © Pepito / AD -Acção para o Desenvolvimento (2010). Todos os direitos reservados

A outra suposta tentativa de invasão, penso "in the best of my recollection" (lá vem o recurso ao famigerado anglicismo), que o Comando já era do então Capitão de Artilharia Morais Silva, lembro ainda, que lá estavam os Comandos Africanos sob o comando do então Alferes Zacharias Sayeg. Julgo, que foi nessa data que fizemos disparo direto com o obus (10,5) para o fim da pista, num total do dia de cerca de 200 disparos, o que foi um erro meu, pois, entrei na "reserva estratégica" (que me perdoem os Artilheiros se não é este o termo exato); soube mais tarde por Oficiais lotados no comando da Artilharia, que por esse erro, o "Paizinho" pensou em me punir, o que não se concretizou.

Nesse dia, após uma violenta flagelação, com aproximação até à pista de pouso, aconteceu algo inusitado, que quase acabou em tragédia. Alguém falou que o IN tinha entrado no quartel no fim do ataque, então, o Capitão, serenamente, mandou todos para as valas, e ordenou que eu fizesse a volta no sentido contrário ao dele, e o encontrasse no Posto de Comando, assim, em tese, não haveria dentro do perímetro do quartel, ninguém em pé além de nós dois.
Como eu não tinha hábito de usar arma, havia um soldado do PelArt, Meta Camará, que além de excelente Artilheiro era atirador de elite (morreu com um tiro de um franco atirador numa viagem a Cacine), que normalmente me acompanhava, quando eu achava necessário. Disse a ele, sem deixar margem a dúvidas, que à minha ordem de fogo, ou se eu me atirasse no chão, deveria disparar a G3 da melhor maneira possível.

Eis senão quando, a meio caminho entre os obuses e o comando, junto à divisão com a tabanca (o trajeto fica bem claro na foto de Gadamael de autoria do Coronel Morais Silva) surgem dois vultos. Numa fração de segundo, que eu nunca soube precisar, decidi perguntar "quem vem lá", ... eram dois graduados da Companhia de Comandos, que provavelmente estavam na tabanca, e não ouviram a ordem do Capitão!!!

Eh, depois de mais de quarenta anos, fica assim...

forte abraço
Vasco Pires
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10941: Fantasmas do fundo do baú (Vasco Pires) (3): A morte, em 24/1/1971, do cap inf op esp Fernando Assunção Silva, 1º comandante da CCAÇ 2796, e meu amigo

Guiné 63/74 - P11032: Humor de caserna (29): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (2): Ela queria um canhão

1. Em mensagem do dia 17 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos mais este pensamento...





O Cifra já sabe que, depois de verem o título, vão pensar outra vez, que vai sair coisa, que não tem nada a ver com emboscadas e guerra, com tiros, granadas, mortos e feridos, mas desta vez tem a ver com “Canhões”, que são muito mais fortes e mortais, que todas essas armas ligeiras, que os militares de acção, usavam no conflito triste e horroroso porque passámos, e talvez vão dizer como costume, os que viverem no mundo que fale inglês:
- It’s good that story has some sense.

No mundo que fale francês, dizem:
- Il est bon que l’histoire a un sens.

No mundo que fale germânico, friamente, dizem:
- Es ist gut, dass die Geschichte einen Sinn hat.

No mundo que fala espanhol, entre dois ou três “zzz”, dizem:
- Es bueno que la historia tiene un sentido!.

Os chineses, põem os pauzinhos de parte, se estiverem a comer, e depois dizem:


Perceberam?. Não. Deixem lá, pois o Cifra, também não percebeu.

E nós portugueses, depois de encolher os ombros, dizemos:
- É bom que a história tenha algum senso.

Pois é verdade, depois de pensar, e sempre com receio que os amigos antigos combatentes, o Luís Graça, o Carlos Vinhal e os restantes editores deste grande blogue, e todos aqueles que têm a pachorra para ainda lerem estes escritos, não fiquem a pensar coisas que não são, pois os sentimentos do Cifra são só única e simplesmente bons, e tenta escrever uma linguagem decente, embora com alguns erros que o Carlos Vinhal, com toda a dedicação, corrige, mas não pode resistir a contar esta história, um pouco comovente, pois estes pais deram tudo e sofreram para que a sua filha fosse feliz, e finalmente o acaso trouxe-lhes a felicidade da sua extremosa e educada filha.

A sua mãe, quando soube que a trazia no ventre, era a mulher mais feliz do mundo, sempre teve os cuidados que uma mãe moderna e informada tem, nasceu numa clínica, não daquelas do Estado, mas numa daquelas com um nome sonante, para que no futuro constasse no seu bilhete de identificação, teve o carinho da sua extremosa mãe, do seu dedicado pai, e demais membros da família, assim como algumas “Babás”, que era como chamavam às dedicadas mulheres que se alugavam ao dia para tomarem conta de bebés ricos. Frequentou a escola privada de crianças quase bebés, foi para uma escola primária particular, depois um colégio com nome, em seguida a universidade, onde o seu pai era professor-doutor, fez um estágio de pós-graduação numa universidade no estrangeiro, para lhe dar nome, e para que constasse no seu currículo, tudo isto tinha esta jovem, mas não se sentia feliz.

Os pais, definhavam-se, e perguntavam o que teriam que fazer mais para que a sua adorada filha se sentisse uma pessoa normal e tivesse alguma alegria em viver neste mundo, pois não sabiam o que tinham feito de mal na educação dela.

Um dia, fazem uma viagem ao estrangeiro, a um país exótico, onde num daqueles programas de intretenimento que os hotéis vendem para que as pessoas não passem todo o tempo bebendo “martinis” e outras bebidas, lá “encurralados”, vão dar um passeio de barco, num rio da selva, onde dado ao evoluir das mentalidades revolucionárias, rebenta, nesse preciso momento, uma revolução armada, e são feitos prisioneiros de guerra. O pai e a sua extremosa mãe choravam, e para surpresa de todos, ela assim que viu um canhão, daqueles compridos, agarra-se a ele, e mostrou no seu rosto ser a rapariga mais feliz do mundo.

O que ela precisava para ser feliz era um canhão dos compridos, daqueles que não param de disparar, por muitas horas seguidas, que quando apontam, são certeiros e firmes, ajudam a viver e protegem quem os possui, há muitas guerras que começam ou acabam por sorte de quem tem o canhão maior e mais potente, ela, estudada e sabedora desse pormenor, juntou-se à guerrilha, passou a ser uma combatente no verdadeiro sentido da palavra, deram-lhe um canhão, dos bons, grande e comprido, ficou feliz, em outras palavras, assim que se via agarrada ao canhão, era a criatura mais feliz do mundo, como podem observar na fotografia em cima.

Finalmente, os seus pais estavam felizes, a sua filha encontrou aquilo que procurava há muito, que era um canhão, dos compridos, como aquele que a fotografia mostra.

Dizem que Deus escreve direito por linhas tortas.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 17 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10952: Humor de caserna (28): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (1): Cansada de guerra

Guiné 63/74 - P11031: O Spínola que eu conheci (26): Talvez só um dos melhores generais dos exércitos europeus do seu tempo (António J. P. Costa / José Carlos Lopes)

Foto nº 41



Foto nº 42

Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 42: O gen Spínola possivelmente em março de 1969, por ocasião da Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969), em que o com-chefe se empenhou muitissimo, tendo estado inclusive com as NT no final, na Foz do Rio Corubal, na Ponta do Inglês (*) ...  Em, segundo plano, à esquerda o ten cor Manuel Pimentel Bastos (o Pimbas), até então comandante do BCAÇ 2852 (de óculos, careca, virado para o fotógrafo)... Será um das vítimas da ira de Spínola depois do ataque a Bambadicna, em 28 de maio de 1969...  Fotos do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil reabastecimentos (, aqui, junto ao helicanhão, foto nº 41). 

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)

1. Comentário do nosso camarada Tó Zé [António J. Pereira da Costa, cor art ref] ao poste P11024:

O Caco Baldé acaba por ser um nome carinhoso para materializar a popularidade o prestígio de um chefe. Sabemos bem que essa alcunha casa o monóculo (Caco) com um apelido frequente na Guiné (um espécie de Silva ou Oliveira) e nada mais.

Creio que realizou uma aprendizagem e aproximação lúcida à vida do seu tempo. O sue modo de pensar terá evoluído desde o 345 até à Guiné73 que só poderia desembocar no 25 de abril.  Tenho para mim que era um dos melhores generais dos exércitos europeus. Ele tinha mais de 30.000 homens sob o seu comando e mais de meio milhão de civis à sua responsabilidade.

Se tomarmos como referência os países da NATO não vejo nenhum que tivesse algo para lhe ensinar, na prática (bem entendido). Exceptuando os americanos que, riquíssimos em meios, perdiam a guerra do Viet-Nam e os franceses que também não ganharam a da Argélia, todos andavam a "brincar aos soldados" em cenários hipotéticos em que o "insidioso, ardiloso e mauzinho In" vinha de Leste a correr pela Europa fora com uma foice numa mão, um martelo na outra e uma estrelinha no alto da cabeça.

Enquanto que ele tinha operações todos os dias (de todos os tipos e formas); logística (má e insuficiente) todos os dias; gestão de pessoal (insuficiente) todos os dias e todo o resto... e era tudo par ter efeitos ontem, porque amanhã já era outro dia com novos problemas. Depois veio o período mais conturbado que nenhum dos estrangeiros atravessou, mesmo os que poderiam ter tido intervenção na condução da política dos seus países. Andou mal. Poderia ter andado melhor. Talvez, mas os homens que não fazem asneiras normalmente também não fazem mais nada.

Um Ab.

António J. P. Costa (**)
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Notas do editor

(*) Vd. I Série > 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(...) Publica-se a quarta e última do extenso relatório da Op Lança Afiada, que decorreu entre 8 e 18 de Março de 1969, na região compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal, até então considerada como um "santuário do IN".

A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...

Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano de Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime. (...)


Guiné 63/74 - P11030: O Spínola que eu conheci (25): "Na Guiné nada acontece por acaso", Com-chefe dixit... (Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479/CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Paúnca, 1969/70)

1. Mensagem, com data de hoje, de Abílio Duarte, ex-fur nil art da CART 2479 (mais tarde CART 11 e finalmente a CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paúnca”) (Contuboel, Nova Lamego e Paúnca, 1969/70):

Assunto: General António Spinola - Caco Baldé.

Olá,  Luis Graça,


Sobre a tertúlia do momento (*), quem era o Gen  Spinola, tenho que dar o meu testemunho.(**)

Nunca esperei, ao ir para o Ultramar, ter tantas vezes contactos e próximos com o Com-Chefe, que até parecia que estava em todo o lado. Talvez por essa proximidade, e sem qualquer preconceito, me despertou uma grande admiração pela pessoa, como militar e Comandante. É evidente, que ele não podia agradar a todos, mas quem andava no mato, sentia a sua liderança.

A primeira vez que o vi, ao vivo e a cores, foi nos adidos em Bissau, onde ele foi fazer a recepção aos militares, que tinham chegado, no Navio Timor, onde estava a minha CArt 2479 / CArt 11 / CCaç 11.

Estávamos nós alinhados, na Parada, e subindo ele a pé desde a Porta de Armas, com os seu Estado Maior, onde se destacava o Cap Almeida Bruno, o General parecia um manequim da Casa Butler. Onde raio foi ele arranjar aquele camuflado?. Foi logo o nosso comentário.

Foi nesse primeiro discurso, pois ouvi vários, que ele, ao falar aos militares, entre várias frases de alento e incentivo, para as  dificuldades que nos esperavam, teve aquela qu,  na nossa Companhia, foi sempre referida por todos, " Na Guiné nada acontece por acaso ", e assim foi. Nada acontecia por acaso.

Depois visitou a nossa CArt em Contuboel, onde estávamos a dar instrução aos militares de origem guineense, por três vezes, incluindo um dia que estavámos a fazer instrução de tiro algures no mato e o General apareceu lá,  sem mais nem menos, e aquilo, quer queiram ou não, impunha respeito.Vi-o depois em Bissau, aquando do Juramento de Bandeira dos militares que iriam  formar a CArt 11 e a CCaç 12. Outro discurso, de envolvimento, em que o pessoal reconhecia a sua capacidade de oratória.

A prenda que tivemos, nesse dia à noite, foi que em vez de nos prepararmos para regressar ao Leste (Contuboel), fomos de prevenção fazer a segurança próxima ao Hospital Militar, pois constava que estava lá um ferido importante, chegou a correr o boato que era o General, mas não, era o cubano Capitão Peralta, e por isso ficamos quase uma semana em Bissau, ao monte nos Adidos.

Atravessei-me com ele novamente em Bissau, no Hospital Militar, quando lá estive para me tratar de doença tropical. Aparecia sempre. Depois ainda o vi mais duas vezes, em Pirada e Nova Lamego.

Há uma coisa, que lhe reconheço, e ninguém pode negar, ele foi comandante Militar numa Guerra, mas também o principal protagonista para o fim da mesma, ao escrever o livro "Portugal e o Futuro", e a controvérsia  que esse livro criou, ajudou a acabar com a mortandade da juventude portuguesa, e não só. Por isto tudo, terá sempre a minha admiração e respeito.

Abílio Duarte
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11028: Facebook...ando (22): O Spínola que eu conheci... Opiniões e depoimentos de Francisco Palma, Torcato Mendonça, J. Pardete Ferreira, José Basílio Costa, Bernardino Cardoso, Armando Ferreira Martins, Armandino Oliveira, Manuel Reis, João Guerreiro, José Tavares, Francisco Gomes

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11029: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (3): Sargento da Guarda ao QG do CTIG

Messe de Oficiais do Quartel General em Sta. Luzia, hoje transformada em Hotel. Ainda dá para ver parte de uma mangueira das muitas que ladeavam os arruamentos.
Foto e legenda: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados


1. Em mensagem do dia 15 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), enviou a terceira peripécia para a sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé

(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)

3 – Sargento da Guarda ao QG do CTIG

Como é sabido, um militar quando se apresenta numa nova Unidade é, de imediato, integrado na escala de serviço da mesma pois, embora colocado na CSJD, pertencia à CCS/QG/CTIG e fazia diversos serviços dependentes desta, tais como: Sargento da Guarda, de Piquete, rondas nocturnas ao Cupilom (vulgo pilão), segurança nocturna à Pide/DGS, etc., etc., tudo serviços adequados a um bravo e experimentado Amanuense.

Assim, sou escalado para Sargento da Guarda ao QG do CTIG logo no segundo dia após a minha “hospedagem no Biafra” e logo após uma noite mal dormida à custa das ”bazucadas”.

No QG da RML já tinha feito alguns “Sargentos de dia”, mas Sargento da Guarda ao QG nunca tinha feito, de maneira que, atempadamente, verifiquei o estado do camuflado, botas, etc. e deixei tudo prontinho, com o camuflado pendurado aos pés da cama para que na manhã seguinte pudesse partir para a “guerra” sem grandes sobressaltos e fazer uma Guarda de Honra condigna ao homem (Brig. Banazol).

Na manhã do dia seguinte levantei-me a tempo de tratar da minha higiene pessoal, barbinha feita, uma última olhadela às “botifarras” e, toca a ataviar como deve ser que o acto é solene!

Vesti as calças e nada de anormal, calço as botas e idem aspas. Quando visto o blusão, começa um batalhão de baratas, composto por algumas 10 companhias a bater em retirada em todas as direcções, tiro o blusão apressadamente, atiro-o para o chão enojado e…, que faço agora? Outro banho, não dá tempo, o outro camuflado deve estar na “Lavandaria”…, bom, pego no blusão, sacudo-o violentamente várias vezes e lá vou eu receber o homem. E se me sai uma baratona daquelas pela braguilha quando o homem se perfilar em frente à guarda?! Vai ser giro vai!

Lá se efectuou o render da Guarda com a pompa e circunstância que é costume e sem nenhum percalço a salientar e, quando entro na casa da Guarda tenho lá uma nota do 2º Comandante – Cor. Tir. Galvão de Figueiredo - a informar que, nas férias do Comandante ele, 2º Comandante, dispensava os “salamaleques”. O homem está de férias! Desta já me safei! A 2ª vez que estive de Sargento da Guarda, o homem ainda estava de férias e a “coisa” também correu de feição. À 3ª, o homem já regressara e, então, a “coisa” correu mesmo à moda de “um desgraçado de um Amanuense periquito, magricelas e que nunca na vida tinha feito os salamaleques a que um oficial-general tem direito quando chega à sua Tabanca”.

Resumindo: após o render da Guarda e hastear da bandeira, fiquei ali pelo portão aguardando que o homem chegasse para que nada corresse mal.

Passaram as 9h00, as 9h30, as 10h00, eu de camuflado, botifarras, 40º à sombra, humidade à volta dos 90% (um homem não é de ferro, carago!), decido entrar na casa da guarda e pôr-me debaixo da ventoinha. Mas os pés também estavam a cozer! Desaperto os atacadores e alguns botões do blusão, sento-me na cama e deixo-me cair para trás. Já estão a ver o filme, né? Foi tiro e queda!

Estava eu muito entretidinho a sonhar com …. (Já não me recordo, esqueçam), quando sou abruptamente acordado por uns abanões e uma voz aflita que bradava:
- “esfuriel, esfuriel, comandanti!”

Saio disparado sem sequer me lembrar dos atacadores nem dos botões do camuflado.

O PM que estava ao portão avisa-me que o mercedes do homem estava parado lá ao fundo, à sombra de um mangueiro, há já algum tempo.

Ao lado do portão de entrada ficava a guarita da sentinela. Em frente à guarita havia um pequeno jardim em forma de semi-círculo.

Eu e o Cabo da Guarda (também europeu) atravessamos apressadamente o pequeno jardim e fomos formar à esquerda da sentinela e, aí chegados, vejo o resto do pessoal (todos africanos), em fila indiana e em passo de corrida cadenciado, contornar o jardim.

Meio aparvalhado, pergunto-me:
- “Onde é que estes gajos vão, carago!”.

Terminado o circuito, os “contornadores” formam à nossa esquerda.

Pensei: “Bom, já fiz merda!” - Lá se fizeram os “salamaleques” da ordem e, terminada a “sessão solene” lá regressamos a quartéis onde o Oficial de dia – um Capitão Miliciano - me pergunta:
- Então Furriel, o que aconteceu?
- Adormeci e dei barraca.

E ele:
- Também eu adormeci e o homem deitou a mão ao bolso da minha camisa que estava desabotoada e perguntou:
- O que é isto?!

E continuou:
- Olhe, ele disse para você lá ir ao gabinete.

Nessa altura, juro que me apetecia responder:
- “Que venha ele cá abaixo porque eu estou de Sargento da Guarda e não posso abandonar o posto!”

Claro que não o fiz porque iria criar mau ambiente na Unidade já que, muito provavelmente o homem iria responder:
- “Não, que venha cá ele que ainda agora acabei de subir e ele tem estado todo o dia ali alapado!”.

E o empurra para cá, empurra para, lá iria durar uma eternidade e, como não gosto de entrar nessas birras, acabei por ir. Contrariado, mas fui.

- Há quanto tempo está na CCS?
- Há cerca de dois meses meu Co…(fui logo interrompido!)
- Pois, vocês chegam aqui, pensam que isto é a bandalheira do mato, não perguntam nada, se perguntassem sabiam que eu às quintas tenho reunião e que chego sempre mais tarde, - rebéu béu, pardais ao ninho, etc. e tal,…blá blá blá blá !

Eu só abanava a cabeça em sinal de concordância tipo: “ya meu, ya meu, ya meu”.

Passados uns dias, quando volto a entrar de Sargento da Guarda, ao fim da tarde vem o Oficial de dia ter comigo e diz-me:
- Querem a sua presença no gabinete do 2º Comandante.
- “Porra, que foi que eu fiz agora?!” - Berrei eu com os meus botões e confesso que, nessa altura, pensei seriamente em pedir a demissão.

Quando entrei estavam lá o Cor. Galvão de Figueiredo, o Major Leal de Almeida (ex-Coordenador do Batalhão de Comandos Africanos e que, inicialmente, se recusou a participar na operação Mar Verde, acabando por ir a Conakry), um Alf. Milº de Op. Esp. em fim de comissão e que aguardava transporte para regressar à metrópole, um outro Fur. Milº de Transportes e um Cabo Escriturário.

Após uma pequena prelecção, o Cor. Galvão de Figueiredo informa-nos que na manhã seguinte teríamos de embarcar para o Sul. O Major e o Alf. Milº iriam de helicóptero e os outros embarcariam num pequeno cargueiro (vulgo barco turra).

No Sul havia “festa da brava” em Gadamael e eu dei comigo a magicar no que um desgraçado de um Amanuense ainda “pira” iria fazer para a “festa” na companhia de um Major Comando, um Alferes OE e um Cabo escriturário?!
Associei a “gentileza” à minha prestação na 1ª Guarda de Honra que fiz ao homem.

AM

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(Próximo capítulo – (4) Curtas férias em Cacine – CCAÇ 3520
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de > 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10989: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (2): Colocado na CSJD/QG/CTIG

Guiné 63/74 - P11028: Facebook...ando (22): O Spínola que eu conheci... Opiniões e depoimentos de Francisco Palma, Torcato Mendonça, J. Pardete Ferreira, José Basílio Costa, Bernardino Cardoso, Armando Ferreira Martins, Armandino Oliveira, Manuel Reis, João Guerreiro, José Tavares, Francisco Gomes




Guiné > Zona leste > Canquelifá > CCAV 2748 > 3 de fevereiro de 1971 > O General Antonio de Spínola, o “Caco Baldé” em Canquelifá, com a malta da CCAV 2748,  a seguir uma noite de flagelação dura , seguida de remessa de 4 Foguetões 122 ás 4 da manhã. Aquilo era "festa" até ás tantas.

Foto (e legenda): : © Francisco Palma (2013). Todos os direitos reservados



1. Comentários, na nossa página no Facebook, Tabanca Grande, ao poste,  29 do corrente,  Guiné 63/74 - P11024: O Spínola que eu conheci (24): Alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epiteto... "Caco Baldé"... Qual a origem ? (Cristina Allen / Luís Graça / Jorge Cabral / Carlos Fabião / Cherno Baldé) 


Torcato Mendonça > Foi meu Comandante Chefe. Sabia comandar tropas e era respeitado. (29/1/20013)

José A. Pardete Ferreira > Foi um bom líder! Não era por acaso que,  quase diariamente, ao regressar do mato, passava pelo Hospital para se inteirar do estado dos feridos e dar umas palavrinhas a alguns. No entanto, a primeira vez que o vi,  foi empoleirado numa Daimler que lhe servia de Taxi, da pista do hélio até ao aquartelamento em Cacheu. Do discurso aos soldados nem vos falo... (29/1/2013)

José Basílio Costa >  Foi também o meu Comandante-Chefe e Governador -Geral da Guiné durante a minha comissão de serviço entre Janeiro de 1971 e Janeiro de1973. Embora polémico,  por ser muito militarista e disciplinado, era todavia um líder nato, respeitado pelos soldados pelos quais se preocupava em relação às suas condições de vida nos aquartelamentos, que visitava de helicóptero, por vezes mais do que um quartel por dia, e muito temido pelos oficiais responsáveis por esses aquartelamentos no mato, aos quais exigia responsabilidades quando notava que eles negligenciavam as suas funções no teatro de operações.

Com a sua Campanha de Acção Psicológia do Programa "Guiné para Todos", o Gen Spínola conseguiu atrair a simpatia e o apoio de muitas populações e vários chefes tribais, provocando muitos dissabores ao PAIGC.

Quando viu que a guerra tinha chegado a um impasse, a partir do momento em que a Força Aérea se recusou a sair em missões ao mato, depois de terem sido abatidos alguns aviões de combate pelos famosos mísseis russos Strela, e percebendo a gravidade da situação foi a Lisboa fazer o ponto da situação ao Chefe do Governo Marcelo Caetano, dizendo-lhe que a única solução era negociar com o PAIGC uma retirada honrosa para Portugal.

Como Marcelo não aceitou o abandono da ex-colónia e perante a recusa do Gen Spínola em continuar a fazer uma guerra perdida, demitiu-o do cargo de Governador da Guiné, nomeando em seu lugar o Gen Bettencourt Rodrigues! Passados uns meses publicou o livro "Portugal e o Futuro" que deu muita polémica e que dava como hipótese para o ex-Ultramar uma solução federalista, que na altura já não resultaria, dadas as pretensões das ex-colónias em serem independentes e com fortes apoios internacionais, em especial dos países do Bloco de Leste, a URSS e a China. Finalmente a partir do 25 de Abril, tornaram-se irreversíveis as independências há tanto tempo reclamadas das nossas antigas colónias. (29/1/2013)




 Página, no Facebook, da nossa Tabanca Grande... Já tem mais de 1 milhar de amigos.


Bernardino Cardoso >  Pois. Em Bula foi da pista do Héli, mais que uma vez e n vezes… Foi de Panhard. E havia umas seis.  A pista era fora do quartel, no topo da pista de aviação. Uma das primeiras coisas que se sentiram com a sua chegada foi o preço do Whisky velho que passou de 120 pesos para 90. 25% duma assentada. Acabou com o "tacho" dum jeitoso que se abotoava com este dinheirinho. (29/1/2013)

Armando Ferreira Martins > Bati-lhe uma grande palada, à porta da Capela da BA12. (29/1/2013)

Armandino Oliveira > Eu o conheci em Mansabá, creio que em 1968, em visita de posse, fiquei impressionado, pela sua postura: monóculo, bastão, luvas pretas, mangas da camisa camuflada arregaçadas acima do cotovelo. Confesso, me ví perante um general do exército alemão, na época das SS. (29/1/2013)

 Manuel Augusto Reis  > Sofri um bom bocado pela teimosia dele, mas não deixo de o apreciar como um grande militar. Vi-o visitar Gadamael debaixo de fogo, onde só por milagre não foi atingido. Vi-o ser tolerante nas visitas ao mato, onde não exigia um atavio militar rigoroso. Vi-o ser idolatrado pelas populações onde se deslocava. Vi os profissionais amedrontados sempre que ele lhes aparecia pela frente; aqui havia exagero, mas ficava o alerta dos deveres dos militares profissionais. Como político a que aspirava ser, foi um fracasso. (29/1/2013)

Armandino Oliveira > Como militar eu o considerava génio e afoito, a ponto de, embora na posição hierárquica que tinha, não se escusar de situações de risco. Todos os comandos tinham "pavor" dele. Soube que ele teria tido treinamento militar, na época hitelariana, talvez por isso a sua postura. O major Porto, do BCAV 1897, com quem estive em Mansoa e Mansabà ( 1966-1968 ), também tinha uma postura semelhante, mas era um doce de ser humano. (29/1/2013)

João Guerreiro > Com todo o respeito pelo Ser. General,,militar com muita presença, só lamento ter um  castigo na caderneta, na sua passagem por CContuboel,  70/72-Guiné. (29/1/2013).

José Tavares > Sou de  69-71. Vi-o várias vezes. Pessoalmente gostei da frontalidade com que ele falava com os soldados em primeiro lugar EREC FOX 2640 (29/1/2013)

Bernardino Cardoso  > 1968-69, Bula, Panhards Pel Rec 2024. Não falei desse aspecto do Spínola porque está tudo dito a seu respeito. Era um militar de grande craveira e que cativava o respeito e admiração de todos. Foi a Bula várias vezes. Só referi aquela história do whisky para apontar a forma determinada como entrou na Guiné e começou a arrumar a casa. Não foi só o whisky. Foram muitíssimas outras coisas. (29/1/2013)

Francisco Gomes >  Buba 68/69. O gen Spínola fez uma visita ao aquartelamento. A primeira atitude que teve foi dirigir-se aos soldados para saberem as condições em que estávamos em ordem a alimentação, reabastecimentos, etc.. Só depois se dirigiu aos oficiais e sargentos,  o que demonstrou que tinha apreço e humanidade pela tropa fandanga, tantas vezes humilhada por oficiais superiores. Grande Homem, Grande Militar, com os cojones no sítio. Participou numa coluna militar de Buba a Aldeia Formosa, com o seu habitual camuflado, luvas, bengalim, monóculo e as respectivas divisas vermelhas de oficial general... (30/1/2013)

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11020: Facebook...ando (21): Joaquim Ruivo, ex-1º cabo mec obus 8.8, BAC (Santa Luzia, Bissau, out 61/ fev 64): Tocando os "Olhos Negros", no seu bandolim...

Guiné 63/74 - P11027: Blogoterapia (222): Agradecendo os vossos mimos, as guloseimas (para a alma), em dia de aniversário com capicua... (Luís Graça)



Vídeo (2' 14'') > Lisboa > Mouraria > Quarta edição do Festival TODOS – Caminhada de Culturas 2012 > Terraço da Casa dos Amigos do Minho, R do Benformoso, nº 244 > 14 de setembro de 2012, 20h00 - 22h00 > Festa de abertura com a atuação dos Guents Dy Rincon (*). 

Vídeo: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados.


Reproduz-se aqui, com a devida vénia (a todos os participantes, a começar pelos músicos), um momento, muito bonito, deste convívio musical intercultural, numa das "aldeias" da Lisboa desconhecida para muitos lisboetas, habitantes, forasteiros, passantes, transeuntes, caminhantes,  enfim,  turistas apressados, que é a Rua do Benformoso e a lendária Casa dos Amigos do Minho...  Nesta rua vivem, trabalham, respiram, transpiram, passam, muitas centenas de pessoas das cerca de 30 etnias que residem na zona do Martim Moniz / Intendente / Mouraria, e onde decorre todos os anos, desde 2009,  o Festival Todos - Caminhada de Culturas, de que sou fã...

Este vídeo (em que se ouve e se dança um funaná para todas as idades, pesos e medidas!) é uma forma, singela, modestíssima, de retribuir os mimos, as guloseimas (para a alma), que me deram, ontem,  em dia de aniversário, os meus muitos amigos e camaradas com que me orgulho de contar aqui, e que convivem comigo à sombra do mágico e fraterno poilão da nossa Tabanca Grande. Em dia de aniversário, ainda para mais com capicua (, ou seja, número que se lê igualmente da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita e ao qual se atribui boa sorte)...

Das mensagens que me mandaram, através do nosso correio interno bem como dos comentários publicados  no poste P11021,  fui (re)pescar nomes e pequenos excertos que quero partilhar com todos os nossos leitores.

Os parabéns que me foram dirigidos vejo-os sobretudo como felicitações, em prosa ou em verso,  pela nossa obra comum, por este blogue e por tudo o que ele significa, para muitos de nós, portugueses, guineenses e outros que o fazem, que o editam, que o leem, que o comentam, que o divulgam... E também como um reforço adicional da nossa motivação (individual e coletiva) para prosseguir este projeto que é, primordialmente,  partilha de memórias (e de afetos) à volta da experiência de uma guerra e de uma terra, Guiné-Bissau, antiga colónia portuguesa. A todos/as fico muito grato.

(i) Recebe um abraço e os votos de muita saúde e boa disposição para levares em frente, e por muitos anos, esta tua tarefa de reunires ex-combatentes em teu redor (Carlos Vinhal);

(ii) Espero que tenhas muitos mais, e tenho a certeza que vais ter, porque tu mereces, pelo que tens feito pelos ex-combatentes da Guiné. Um até breve em Monte Real (José Manuel Cancela);

(iii) Que os futuros anos te continuem a proporcionar toda a saúde física e intelectual que desejares (Jorge Narciso);

(iv) Que tenhas saúde e muitos anos para comandar este Batalhão de Tabanqueiros (Agostinho Gaspar);

(v) Quero enviar-te um abraço, / Sincero, crê que o é,/ E agradecer-te teu espaço, / Onde se vive a Guiné (Manuel Maia);

(vi) Força para continuares a caminhada, para continuares a dar vida a esta grande casa da amizade e das lembranças (Felismina Mealha);

(vii) Comandante amigo, é um prazer para mim ter-te entre as pessoas que admiro e estimo (Zé Teixeira);

(viii) Manga de Ronco hoje, o chefe de tabanca faz anos.Muitos parabéns Luís, espero que tenhas saúde para continuares com estes atabancados (César Dias);

(ix) Que tenhas força, para continuar a nobilíssima missão em que te empenhaste (Vasco Pires);

(x) Que a alegria e o prazer, que proporcionas aos antigos combatentes e não só, quando repartes o teu blogue, te seja recompensada, um milhão de vezes mais! (Tony Borié):

(xi) O blogue agradece e eu também (Raul Albino);

(xii) Ao meu indefetível camarada e grande amigo Luís Graça, aqui, em Santa Maria da Feira, bato a pala e na posição de sentido, não num ritual militar mas sim num respeito e elevada consideração pelo homem que soube juntar os ex-Combatentes da Guiné numa grande e afetiva família (Rui Silva);

(xiii) Para o jovem Henriques e o velho Graça, a mesma Amizade! (Jorge Cabral);

(xiv) Um timoneiro jamais perde o rumo da sua navegação. Segue sempre na linha da frente. Força e um até breve (Zé Saúde);

(xv) Muita coragem (e paciência) para continuares a dar vida e a impulsionares este espaço que te ultrapassou, tenho a certeza (...). Produto de um esforço enorme. Pessoal (teu e dos incansáveis colaboradores directos) e também colectivo, já que o Blogue é a 'montra' dos trabalhos de tantos e tantos que colaboram com a sua participação. (Hélder Sousa);

(xvi) Parabéns para o Luís / Que faz versos a rigor. /Não sou só eu quem o diz: / Fá-los com Graça e amor! (Tó Zé Pereira);

(xvii) De Penafiel vai a palavra mágica que faz todo o sentido "Parabéns", neste dia (Joaquim Peixoto e Margarida);

(xviii) Gostaria também de albergar, nestes votos, a importante criação deste blogue e todo o conjunto daqueles que nele participam com rigor e paixão. (Mário A. Vasconcelos);

(xix) Parabéns ao menino Luis (Virgínio Briote);

(xx) Feliz Aniversário. Parabéns. Manga di Saúde para Bó. Longa Vida. Mantenhas. Alfa Bravo (Luís Borrega);

(xxi) Um grande abraço- igual ao que trocamos no dia 12 de julho de 2009 no palácio de cristal no Porto (A.Dias);

(xxii) Ainda com o meu navio cheio de água com o rombo, muito grande, que levou, aqui me apresento a dar-te um abraço de parabéns e desejar-te que continues com a tua obra que consegue juntar tanta malta ao teu redor na tua, nossa, Tabanca Grande. (Vasco A. R. da Gama);

(xxiii) Forte abraço para ti extensivo a todos que te acompanham, da Terra dos Bacalhaus Vivínhos do Aquário (Jorge Picado);

(xxiv) A avaliar pela quantidade (e qualidade) dos comentários que precedem este, é evidente que estás nomeado para cumprires muitas mais missões (José Câmara);

(xxv) Um dia em cheio, com muitos pecados, e que o champagne apresente muitas bolinhas em ascenção. E ainda te desejo muitas reincidências por muitos e felizes anos. [JD (Zé Manuel Dinis)]

(xxvi) Desejar parabéns depois do dia de aniversário não é chegar atrasado, é dar nas vistas e... desejar no princípio de um novo ano que continues por cá [jteix (Jorge Teixeira)];

(xxvi) E ainda muitos abraços, beijinhos e xicorações de parabéns de mais todos estes amigos e camaradas da Guiné, que se lembraram de mim (e não tinham nenhuma obrigação de se lembrar!), no dia dos meus 66 anos....

Abel Santos, Adriano Moreira, Amaral Bernardo, António Marques, António Melo, Berlarmino Sardinha, Carlos A. J.Pinto, Carvalho de Mampatá, Eduardo campos, Fernando Chapouto, Fernando Costa, Filomena, Henrique Cerqueira e Dulcineia (Ni), Henrique Matos, Hugo Guerra e Ema, J. Armando Almeida, JERO, João Manuel Félix Dias, Joaquim Mexia Alves, Joaquim Pinho, José Martins e Manuela, Juvenal Amado, Manuel Amaro, Manuel Carvalho, Manuel Marinho, Manuel Reis, Manuel Resende, Manuel Serôdio, Mário Miguéis, Miguel Pessoa e Giselda, Paulo Santiago, Rogério Cardoso, Torcato Mendonça, Valentim Oliveira, Vasco Ferreira, Veríssimo Ferreira. (**)

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Notas do editor:

(*) Sítio oficial MySpace > Guents dy Rincon > (... E porque tudo o que é lusofonia, divulgar é preciso!)

Autobio(grafia):

(i) A banda Guents dy Rincon define-se como um exército de pescadores multiculturais, pacíficos e pacifistas, sem armas mas com muita alma que zelam paulatinamente através das Belas Artes para um novo mundo emergente sem barreiras nem fronteiras;

(ii) Guents dy Rincon é um projecto world music que explora os diversos ritmos cabo-verdianos (Funana, Batuque, Coladeira, Finaçon, Morna, Mazurka, Samba, etc…), além das influências dos ritmos Afro-Latinos;

(iii) A Banda surgiu no inicio de 2007 através de Santos Cabral, cantor e compositor, originário da Ilha de Santiago Cabo Verde, que no inicio contou com o apoio de alguns amigos para levar adiante o seu projecto.;

(iv) Entre esses amigos do inicio estavam Eduardo Casal, percussionista Argentino, Marco Papain, acordeonista Francês e Maurício Lobão,  percussionista Brasileiro;

(v) A razão da escolha deste nome, Guents dy Rincon em crioulo cabo-verdiano, é pelo facto de Santos Cabral que é originário do concelho de Santa Catarina cujo centro é a cidade da Assomada da qual Rincon é uma freguesia com bastante influência cultural, decisiva na identidade do povo da ilha de Santiago, ao qual o projecto musical Guents dy Rincon pretende ser fiel;

(vi)  Actualmente Guents dy Rincon é formada por um quinteto de músicos experientes com currículos internacionais: Santos Cabral, Cabo Verde (Voz e Guitarra), Mauricio Lobão, Brasil/ Holanda (Percussão e voz), Luzia, Espanha (Guitarra e Bass), Zé Brás, Cabo Verde  (Guitarra e Cavaquinho), Zé Mário, Cabo Verde  (Percussão, Voz);

(vii) Todas as composições e estruturas musicais são originais da Banda;

(viii)  Guents dy Rincon já actuou em diversas salas conceituadas como: Goethe-Institut Portugal; Instituto Franco-Português; Onda Jazz; Chapitô; Braço de Prata; Festa do Avante 2009, entre outras… 

(ix) Guents dy Rincon é actualmente também um movimento cívico que zela pela convergência das belas artes a nível intercultural e internacional, participando intelectuais de várias vertentes entre esses: pensadores, líderes associativos, historiadores, antropólogos e artistas de diversas áreas;

(x) Esse movimento surge da necessidade do desenvolvimento de uma nova forma das relações humanas no espaço da CPLP no séc XXI com novos ideais necessários às novas mentalidades na renovação dos actuais moldes de orientação e desenvolvimento das relações humanas;

(xi) Uma nova visão justa e coerente na reflexão, no âmbito das culturas dos povos como meio de dispor novas verdades inerentes à evolução de uma nova corrente do espírito humano;

(xii)  Contatos: Santos Cabral 351-967859152 / Zé Mário (Direcção Musical) 351-963377248 / 
Mauricio Lobao (Holanda) 0031631967090  / www.mauriciolobao.com  / mauricio.unlimited@gmail.com

Guiné 63/74 - P11026: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (4): Um mal-entendido (?)

1. Em mensagem do dia 23 de Janeiro de 2013, o nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, BissauBissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a quarta "Carta de Amor e Guerra" para dar continuidade à sua série.


CARTAS DE AMOR E GUERRA

4. Um mal-entendido (?)

Logo na segunda carta de Bissau disse à namorada que a minha vida se modificaria em muita coisa se, quando eu voltasse da Guiné, não encontrasse a minha Mãe viva. E rematava dizendo: “estou convencido que até tu me perderias”.

Ora, ao ler tal coisa, imaginou-me logo numa atividade política perigosa (lembre-se a época!), convencida que era o amor pela minha mãe que me tinha andado a impedir tal atividade. Até não andou longe do que eu indiciava no texto e que não era mais que uma previsão bastante radical e até, naquela altura, sem suficiente sustentabilidade ideológica. O eu dizer que a namorada me perderia era porque a via sem condições e sem bases ideológicas para me “acompanhar” em qualquer movimentação mais ativa, de cariz político.

Incompatibilizado com a situação de guerra no Ultramar aconteceu ter-lhe dito, pouco tempo antes de embarcar, que se não fosse a minha mãe eu não compareceria ao embarque pois tinha gente que me colocaria em França sem grandes problemas. Tinha a certeza que minha mãe não compreenderia tal atitude, vá-se lá saber porquê. Não seria pela fuga em si, meu pai estava em Paris, já lá tinha o filho mais novo e quase todos os mancebos da zona tinham feito o mesmo caminho. Talvez porque fugir equivaleria a perder-me de vista, logo eu, “figura prestigiada na aldeia e arredores” devido à minha profissão, professor do ensino primário, profissão que já exercia há dois anos e da qual os meus pais se orgulhavam. E tinham razão para isso, eu também me orgulhava de exercer tal função, apesar do vencimento ser escasso, para não dizer que mal dava para comer e vestir.

Cabe aqui dizer que entre todos os mais de 30 mancebos da minha freguesia e do meu ano, apurados para o serviço militar, só dois tinham estudos para além da 4ª classe e eu era um deles. Percebo o orgulho de meus pais com o resultado dos seus sacrifícios para pagarem os meus estudos. É que o único ensino público mais próximo, para além do da escola primária, era prestado em Leiria, Figueira da Foz e Coimbra (a distâncias de 35 a 50 Kms). Assim, quem quisesse estudar mais, tinha de pagar hospedagem numa daquelas cidades ou então pagava o colégio particular em Pombal. Não era de admirar tal situação pois o povo não precisava de saber mais do que “ler, escrever e contar”, frase justificativa do governo do Estado Novo para o recrutamento de “regentes escolares” em vez de professores diplomados, ao mesmo tempo que criava postos escolares em vez de escolas. E depois há para aí gente espantada com a falta de desenvolvimento económico e social deste país! A “coisa vem bem de trás” e não é de um momento para o outro que se resolve um atraso de séculos na sua política educativa.

Em 1967, pouco depois da chegada da Guiné: Com meus pais, José e Belmira. 
©Manuel Joaquim

Lisboa, 24/8/1965
(…) não deve passar-se nada com a tua mãe a não ser preguiça de teu pai para escrever. (…). (…) a tua mãe, oito dias depois do teu embarque, já andava bem-disposta, pelo menos conformada, e fisicamente também se sentia melhor embora ainda não tivesse ido ao médico. (…). Encontrá-la-ás com certeza quando voltares. Não penses que vai acontecer o contrário, (…). Mas se isso acontecesse? … Que farias?
Não preciso perguntar-to. Sei-o. Conheço-te bastante bem para descobrir o que pensaste ao falares-me em tal assunto. Agora que vejo que só o amor pela tua mãe (…) é capaz de te fazer renunciar ao que desejas acima de tudo, estou certa de que por nenhum outro amor serás capaz de sacrificar-te.
Falares abertamente contra isto e aquilo, expores as tuas ideias, fazeres valer os teus direitos e os de todos os que, contigo, estão subjugados seria a tua satisfação, a tua vitória. Mas seria o teu desaire, o teu aniquilamento completo, do mesmo modo.
Eu sei que não pensaste que me irias magoar com as tuas palavras, meu amor. Foste mesmo duro, (…). Em que contribuo eu para que a tua mãe viva ou não viva? Em nada. E no entanto tu sacrificar-me-ias. Estás ou não seguro dos sentimentos que nos unem? Creio que sim.
Disposta a dar tudo por ti, a lutar, a trabalhar como até agora porque a batalha nunca está ganha, serei vítima ou heroína, tu o decidirás já que me entreguei à tua disposição. De ti depende muito do que sou ou virei a ser. 
 (… … … )

Bissau, 1965/67: Entrada de Santa Luzia com duas bandeiras hasteadas. 
Foto e legenda de Henrique Cabral, CCaç 1420. © Rumo a Fulacunda, blogue de H. Cabral 

Bissau, Agosto 31/65
(… … …)
Minha querida, (…) sobre o que te provocou uma irritaçãozinha na última carta (…). É que tu viste a frase seca, brutal, com um significado único. (…). Foi assim que pensaste, não foi? E então vá de vociferares, de te lamentares, se calhar até de chorares. 
(…). 
A minha mãe criou-me com muitas dificuldades. (…). É razoável, humano, tremendamente humano que ela procure tirar, de todo o seu sacrifício passado, a satisfação (…) de me ver avançar na vida incluído num outro ambiente (…). Para quem viveu com tanto sacrifício, (…), sujeita a todas as vicissitudes da vida rural, colocar um filho fora daquele círculo vicioso é uma coroa de glória.
Embora me não sinta nada “grande”, não posso contrariar essa opinião que as pessoas simples do campo fazem da vida dos que se livram de cavar terra ou de a ela estarem sujeitos. (…)
Ora dizia eu na outra carta que, se voltasse aí e não encontrasse a minha Mãe, a minha vida modificar-se-ia completamente. (…) E então, esqueci-me de ti? Não.
[Se morresse] …a minha Mãe perderia tudo, nunca chegaria a olhar com orgulho a progressão do seu filho, (…), a sua vida teria sido um contínuo lutar sem resultados à vista. (…). Tudo aconteceria como se tivesse semeado uma seara com todo o carinho e sacrifício e, na hora da colheita, faltassem as forças (…) para colher os frutos do seu trabalho. (…). É mais que razoável esta comparação. 
 (… … …).
Aquilo (…) [em que pensava] ao dizer que a minha vida se modificaria era a (…) que a minha Mãe nunca conseguiria compreender mas sei que tu compreenderias e, ouso afirmar, até me ajudarias.
(…) nada temas. Eu velo por ti. (…) Talvez como tu nunca imaginaste nem imaginas. (…). Eu amo-te assim como és mas, (…), insisto que te cultives, que progridas ainda mais. (…).Tem calma e não te apoquentes.
(…). Sou um fala-barato? Não. Vejo os acontecimentos. Talvez por já ter passado por eles e te conhecer bem para poder afirmar-te isto. 
(… … …)


Bissau, Setembro-7/65
Sem dúvida que gostei muito da tua última carta. Não posso deixar de o dizer. Esta alegria de ver-te abrir os olhos, de corpo afeito ao mundo a arrostar com o que der e vier, sincera contigo e com o próprio mundo das coisas que te rodeiam, não podia deixar de me impressionar agradavelmente. 
O mundo, tu sabes, é tão complexo! O que é preciso é (…) decifrar os seus mistérios. Não, de maneira nenhuma se deve é declarar que estes são insolúveis e, temerosamente, deificá-los.(…).(… … …). 
(… … …)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10991: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (3): Em Bissau

Guiné 63/74 - P11025: Agenda cultural (253): Mesa redonda: reflexões sobre o devir guineense. Auditório CIUL, Picoas Plaza, 17h45, Lisboa, 30 de Janeiro de 2013

Ciclo de conferências sobre a Guiné-Bissau > "Guiné-Bissau: da multidimensional encruzilhada ao bem comum guineense"

Mesa redonda: reflexões sobre o devir guineense.
 

Auditório CIUL, Picoas Plaza, 17h45, 
Lisboa, 30 de Janeiro de 2013


Exmos./as Senhores e Senhoras,

Apresentando os nossos melhores cumprimentos temos o prazer de convidar para a 3ª conferência do Ciclo de Conferências intitulado "Guiné-Bissau: da multidimensional encruzilhada ao bem comum guineense".

A conferência, sob a insígnia Mesa redonda: reflexões sobre o devir guineense terá lugar no próximo dia 30 de Janeiro, com início agendado para as 17h45, no Auditório CIUL, Picoas Plaza.

Mais informamos que a conferência contará com a participação de:

(i) Mamadú Saibana Baldé (Projecto Tchintchor), 
(ii) Ednilson dos Santos (Presidente da Associação de  Estudantes da Guiné Bissau), 
(iii) Diana Lopes (Projecto Musqueba – Agricultura para Mulheres), 
(iv) Dr. Anaxore Casimiro;
(v) e  Professor Doutor Julião Soares.

A sessão será presidida e moderada pelo Professor Doutor Leopoldo Amado.
Contamos com a presença de V. Exa.
Com os nossos melhores cumprimentos,

Organização do Ciclo de Conferências

Contactos para informações adicionais:

Luís Vicente Barbosa: 968 469 223 / Eduardo Jaló: 965 744 737

"Guiné-Bissau: da multidimensional encruzilhada ao bem comum guineense"

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11017: Agenda cultural (252): Apresentação do livro "Guineidade & Africanidade: Estudos, Crónicas, Ensaios e Outros Textos", dia 3 de Fevereiro de 21013, em Lisboa

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11024: O Spínola que eu conheci (24): Alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epiteto... "Caco Baldé"... Qual a origem ? (Cristina Allen / Luís Graça / Jorge Cabral / Carlos Fabião / Cherno Baldé)


Alcunha  (do árabe al-kunia, sobrenome) s. f. > Epíteto, geralmente fundado nalguma particularidade física ou moral do indivíduo ao qual ele se atribui.
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O Velho, o Bispo, o Homem Grande de Bissau, o Aponta Bruno, o Caco, o Caco Baldé...

De todas estas alcunhas  já ouvimos falar, a propósito do homem que foi o comandante chefe de muitos nós, e em relação ao qual há (ou havia) uma estranha relação de amor-ódio: António de Spínola, ou Spínola, simplesmente. [, foto à esquerda]

Admirado por uns, idolatrado por outros, temido por muitos, odiado por outros tantos, caricaturado por alguns... Morreu como marechal do exército português, pertence agora à história, e como tal merece-nos o respeito de todos aqueles que da lei da morte se foram libertando.

Não sei como o PAIGC o tratava, em Conacri, na Rádio Libertação, por que alcunha (se é que a tinha, como devia ter,  já que todos na guerra têm alcunha, e por mais razão ele, objeto de especial ódio de estimação por parte do IN).  De qualquer modo, estamos ainda em  tempo de averiguar (ou simplesmente especular) sobre a origem da alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epíteto por que era mais conhecido, Caco Baldé,  não só entre os tugas como entre os fulas e outros grupos da população guineense que Spínola (re)conquistou com a sua política Por uma Guiné Melhor...

Fomos desencantar postes dos muitos que a ele se referem (são já cerca de 150)  como figura incontornável (quer se goste ou não) do cenário de guerra na Guiné, e nomeadamente durante o seu consulado (1968/73). Aqui vão alguns excertos. A amostra é de conveniência, não aleatória, logo não representativa...

Caco Baldé (ou simplesmente Caco)  era a a alcunha por que era mais conhecido o General Spínola entre os seus soldados. O Velho, era como ele era tratado entre o seu estado maior.  O Bispo era nome de código, e era assim  que o tratavam os nossos camaradas da FAP.

Caco Baldé... Caco queria referir-se ao vidrinho ou monóculo que ele usava... Baldé era um dos apelidos mais vulgares entre os fulas, aliados de Spínola... Esta é explicação commumente aceite por todos nós...Mas há outras teorias, como a do Cherno Baldé... 

2. Cristina Allen [, a ex-esposa de Mário Beja Santos, foto à direita, c. 1970]

(...) Dançando o tango com o Caco Baldé (...)

(...) Apressava-me, na saída, não fosse encontrar Spínola, que, diariamente, visitava os seus doentes. Atrasei-me três vezes e três vezes me aconteceu encontrá-lo à porta de armas (chamava-se assim?) do hospital. Andávamos, ao que parecia, cronometrados…

Havia um toque (A recolher? Por causa dele? Nunca perguntei). Mas via aquele homem passar para a mão esquerda o pingalim, encostá-lo firmemente à perna, pôr-se em sentido, crescer, enchendo o peito de ar, o ventre liso, o braço direito, o cotovelo, a mão, na mais perfeita continência que jamais vi. Ficava desmesuradamente imenso, desmesuradamente rígido, só o monóculo coruscava.

Estarrecida, não sabia que fazer dos pés, das mãos, da mala, da mini-saia, parava, cruzava as mãos, endireitava-me (postura por postura, não baixaria a cabeça, olhava-o nos olhos, ou, melhor dizendo, no olho e no monóculo). Acudiam-me ideias bizarras – que o meu avô materno fora lanceiro e, certamente, teria sabido fazer aquilo mesmo; que ele, Spínola, escorregara em Missirá, numas cascas de batata e fora ao chão, pose, pingalim, monóculo e tudo, soltando palavrões… que aquele homem era o… “Caco Baldé”! Apertava os lábios para não me rir: este é o Caco, Caco Baldé…

Mas este era apenas o primeiro acto desta farsa. O segundo, começava com a questão “Passas tu ou passo eu?”. No terceiro, resolvia eu recuar, só então ele passava e, perfeito cavalheiro, punha-se de lado e cumprimentava: “Muito boas tardes, minha senhora”. E eu respondia-lhe: “Muito boas tardes, Senhor Governador”. Afinal de contas, era fácil dançar o tango com Spínola. Dobrado contra singelo, diria que, em seus tempos, o teria dançado na perfeição, sem pisar os pés do par…

Deixemos, por ora, o Mário na sua cama, entre dois outros perturbados, que, continuamente, discutiam…

Quando, escassos anos volvidos, leria atentamente Portugal e o Futuro, fecharia o livro, e, olhos cerrados, para mim mesma o interpelava: “Então, meu Caco, só agora?!”

Para todas as coisas há o seu tempo. Nos anos de brasa que decorreriam, e, mais ainda, nos outros que vieram, ele seria, talvez, uma das mais contraditórias e inquietantes personagens.

Recordo, hoje, os quatro majores que, num gravíssimo erro de cálculo – ou num quase infantil erro de cálculo – ele enviou para o martírio e penso em tantos jovens anónimos que perderam suas desgraçadas vidas. Nos estropiados, nos cegos, nos perturbados, nas nossas lágrimas.

E, todavia, ele, feito Marechal António de Spínola, será sempre, para mim, a mais trágica figura do braseiro que outros atearam, sem ele, com ele, ou em seu nome.

Que Deus e a História sejam clementes para com este homem. (...)
cionário Priberam de Língua Portuguesa


3.  Luís Graça [, foto à esquerda, Bambadinca, 1970]

(...)  Excertos do Diário de um Tuga (L.G.)

Ponte do Rio Udunduma, 3 de Fevereiro de 1971

De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime, esteve aqui de passagem, com uma matilha de cães grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande, o Caco Baldé). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivente da Wermacht nazi.

Mas o que é que faz correr este velho soldado, como ele próprio gosta de se chamar ? É difícil adivinhar-lhe a sua paixão secreta, o seu móbil, sob a sua impassibilidade de samurai (ou de figura de cera?): a mitomania, o culto da personalidade ou, hélàs!, a presidência da república ?

Há qualquer coisa de sinistro na sua voz de ventríloquo, no seu olhar vidrado ou no seu sorriso sardónico: talvez seja a superioridade olímpica do guerreiro.

Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba…

A visita-surpresa do Deus-Todo-Poderoso foi o meu único monumento de glória em toda esta guerra… Ao fim de vinte meses!... Só quero regressar, são e salvo, a casa, daqui a um mês e, se possível, levar comigo a barba que deixei crescer… na Guiné, longe do Vietname. (...)

4.  Jorge Cabral [, foto à direita, Xime, c. 1971]

(...) Quando Sexa o Caco, em Missirá, ia perdendo o dito...

Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.
-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados.

(Estou tramado, o quartel está uma merda. Que visto? Apresento-me em estado de nudez? Não há tempo a perder. O pássaro já poisou e o General avança. Enfio uns calções antigamente verdes, umas chinelas, e claro uma boina, para poder fazer a devida continência).

Eis-me assim, garboso Comandante, apresentando a tropa, e os milícias, todos eles mal fardados, como era habitual. Sua Excelência, pede um intérprete, pois vai botar discurso. E começa:
- Debaixo desta bandeira… - e aponta o braço na direcção onde pensava que a mesma existia. Fica-lhe o braço no ar, mas continua:
- ... A Pátria… - , e notando a atrapalhação do tradutor, pergunta-lhe:
- Sabes o que é a Pátria?
- Não - responde aquele.

(Lixei-me! Vou ser despromovido, talvez preso. Dentro de mim um turbilhão de maus presságios começa a fervilhar. Mentalmente preparo réplicas. Não é necessária bandeira, pois a Pátria está dentro de nós, e por isso, meu General, é indefinível, responderei).

Mas o Caco nada me pergunta. Vem acompanhado de três majores e um capitão. Querem ver tudo. Primeiro a Escola. Onde funciona?

(Escola? Qual Escola? Pensa rápido, Jorge! Inventa!)

- Sabe, meu Major, estas crianças também frequentam o ensino corânico, que decorre ao ar livre. Por isso considerei que a nossa escola não devia ser enclausurada, pois tal podia traumatizá-las.
- Ainda assim…- começou o Major, impedido de continuar por um olhar do Com-Chefe.
- E o Heliporto? - indagou um outro Major - Parece muito atrasado.
- É que, meu Major, faltam os materiais e também operários especializados.
- Operários especializados? Então e os seus soldados?!
- Todos homens de Fé, meu Major. Tirando a actividade operacional, dedicam-se à reflexão.

Nem respondeu este Major. Logo outro se adiantou, interrogando o Amaral, sobre as povoações mais próximas. Em sentido, sério, calmo, respondeu o Amaral:
- Mato a Norte, mato a sul, mato a leste, mato a oeste, meu Major.

(Ah! Grande Amaral, vais fazer-me companhia na porrada!)
Mas o pior estava para vir! Sua Excelência queria testar o plano de defesa:
- Qual o sinal, nosso Alferes?
- Uma granada - improvisei eu.

Tendo-me dirigido à arrecadação não encontrei nenhuma granada ofensiva. Peguei então numa defensiva, e zás, lancei-a. Tudo tremeu! Manteve-se de pé o General, mas o caco caiu. Entretanto os meus soldados, querendo mostrar heroicidade, encostaram-se ao arame, de peito descoberto, alguns mesmo sem arma.

(Agora sim, está tudo perdido! Que vergonha! E logo eu, neto de um herói de Chaimite).

Recomposto o Caco, olhou-me uma última vez e disse:
-Já vi tudo!.

Ao encaminhar-se para o helicóptero, ainda lhe ouvi comentar para a comitiva:
-Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!

Deve porém ter ficado impressionado, pois três dias depois voltou. Eu não estava. Tinha ido a Fá, buscar uma garrafa dewhisky, prenda mensal do Capitão João Bacar Djaló (3). Contou-me o Branquinho (4) que quando o informaram da minha ausência, Sua Excelência exclamou:
- Ainda bem! (...)


5. Manuel Lucena / Carlos Fabião [, foto à esquerda, c. 1971/73, quando era comandante do Comando Geral de Milícias, na sua 3ª comissão no TO da Guiné]

(...) Manuel de Lucena: O general Bettencourt Rodrigues disse-me uma vez que tinha as mais vastas dúvidas sobre isso da popularidade do general Spínola na Guiné e estava a falar das populações. Um grande
chefe, mas …

Coronel Fabião: O Caco Baldé! [, Alusão irónica ao monóculo (caco …) do general e ao apelido mais comum na Guiné (Baldé), como se fosse «Silva»]. (...)



6. Cherno Baldé [, foto atual, à direita]

(...) “Caco Baldé” tem origens no meio e língua fulas, é uma alcunha bem conseguida e duplamente interessante. Caco,khaco ou haco, originalmente, quer dizer cor castanha (a cor das folhas secas), na língua fula, e servia inicialmente para designar a cor da farda das autoridades administrativas e/ou da tropa colonial.

Mais tarde, para simplificar, este termo seria simplesmente utilizado para designar, de forma disfarçada e caricatural, as autoridades coloniais ou seus representantes.

O apelido Baldé seria lindamente encaixado em acréscimo, certamente, seguindo a lógica da brincadeira muito habitual entre grupos que se consideram primos por afinidade (sanguínea ou territorial) - “Sanencuia”.

Por exemplo, os Djaló são primos dos Baldé por afinidade sanguínea, da mesma forma que o grupo fula, na sua generalidade, é primo do grupo etnolinguístico mandinga que abrange Saracolés, Soninqués, Bambaras etc., por afinidade territorial.

Também é bastante lógico se tivermos em conta que a maior parte dos chefes tradicionais fulas (régulos) e colaboradores das autoridades coloniais, no chão fula, ou pertenciam a esta linhagem ou tinham este apelido, de modo que é uma homenagem e, ao mesmo tempo, uma caricatura dirigida a linhagem dos Baldé, na minha opinião bem conseguida, por um primo, resultante da brincadeira entre grupos de afinidade, usando a figura da maior autoridade portuguesa, de então, no território da Guiné.

Não tenho a certeza e trata-se de uma conjectura da minha parte como pista para uma pesquisa mais aprofundada. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série 30 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7697: O Spínola que eu conheci (23): No serviço de estomatologia, no HM 241, e eu a segurar-lhe o monóculo (Mário Bravo)

(...) Aproveito para contar um episódio ocorrido com o Marechal Spínola [, na altura general]. Como todos sabemos, o Marechal usava de modo constante um monóculo que era a sua imagem de marca. Um dia teve necessidade de consulta de Estomatologia e lá foi ao Hospital Militar. Era sempre um momento de alguma confusão e eu lá estava a tentar aprender a tirar dentes.

É evidente que quem o tratou foi o Chefe, mas havia necessidade que alguém tomasse conta do monóculo e logo me tocou a mim. É engraçado que senti aquele receio de ser o fiel depositário de tão solene objecto. Mas consegui não o deixar cair !!!

O Hospital Militar de Bissau, era na época um exemplo fantástico de modernidade e eficácia. (...)


Guiné 63/74 - P11023: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (34): Exame do 5.º ano, problema de matemática

1. Em mensagem do dia 22 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (34)

Exame do 5º ano 
Problema de Matemática

Na prova escrita de Matemática do meu 5º ano, na Álgebra, havia um problema – a questão mais valorizada do exame – com o seguinte enunciado resumido: largado num plano inclinado, que velocidade atinge um carro ao fim do tempo tal e com a aceleração tal?

Determinado examinando, entendeu que aquela questão, devido, provavelmente, a descontrolo do “fazedor” da prova, estaria no local errado… àquela hora. Entendeu que se tratava muito simplesmente de um problema de Física, que, por lapso, aterrara na prova de Matemática.

O aluno, em absoluto, não se lembrou das “sucessões numéricas”. Assim sendo aplicou a fórmula que havia aprendido nas aulas de física: ; creio que a fórmula era mesmo esta; o resultado foi, fisicamente, correto – 1800m/m.

Acabada a prova, os alunos iam saindo para o corredor; como habitualmente o Sr. Almeida, mestre daquela disciplina, encontrava-se no local e a cada um dos seus alunos que aparecia, ia perguntando qual era o resultado do problema.

Chegada a sua vez, o tal aluno respondeu convicto: - 1800 metros por minuto.

- Está certo! Comentou o Sr. Almeida.

O mestre não imaginava qual havida sido a fórmula utilizada – erradamente – para atingir aquela conclusão cujos números eram corretos; de acordo com o velho rifão: atingiu o resultado certo… por linhas tortas.

O sr. Almeida, ao proferir o seu comentário, não imaginou – nem podia – qual havia sido a fórmula usada (erradamente naquele caso) para chegar a uma conclusão que até estava certa. Temos de concluir que a Física também é uma ciência de precisão.

O mestre nunca recebeu, mesmo a posteriori, tal informação; ele poderia reagir – reagiria mesmo – imprevisivelmente.

Mais vale prevenir… nunca se sabe o que podia acontecer em tal situação.

Janeiro 2013
BT

P.S a quem não se apercebeu, informo que o tal examinando... é o autor do texto
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10994: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (33): A pior turma em cada ano lectivo

Guiné 63/74 - P11022: Do Ninho D'Águia até África (48): Guiné... Minho e... Algarve (Tony Borié)

1. Quadragésimo oitavo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 26 de Janeiro de 2013:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (48)


No Arizona, Novo México, Colorado e em outros estados dos Estados Unidos, houve aldeias de naturais, foto recente do Tony, em baixo, a que chamavam “Indios”, e nas histórias dos livros de quadradinhos, que o Cifra lia, quando criança e nessa altura se chamava To d’Agar, e que o Carlos, filho do Santos dos correios, que tinha vindo dos lados de Leiria, lhe trazia, e aí, até “Peles Vermelhas” lhe chamavam, eram os “Cheyennes”, “Apaches”, “Comanches”, “Navajos”, “Seminoles” e outras tribos, que viviam de produtos que a natureza lhes oferecia.


Todos eram guerreiros, embora uns fossem caçadores, outros pescadores, outros agricultores, outros feiticeiros, e alguns até eram única e simplesmente chefes, com uma grande coroa de penas na cabeça, e um grande pau na mão representando a cabeça de uma águia, ou qualquer outro animal, com que indicavam o norte ou o sul, onde iriam caçar os búfalos, com um arco e uma flecha, e com uma pontaria que fazia inveja a qualquer campeão olímpico de tiro.

Quando o Cifra esteve na nossa então província da Guiné Portuguesa, também havia exactamente o mesmo, embora em menos área de terreno, e com muito mais etnias, ou seja, havia “Papeis”, “Balantas”, “Fulas”, “Bijagós”, “Mandingas”, “Felupes”, “Manjacos”, “Biafadas” “Nalus”, diziam na altura que havia quase vinte e quatro diferente etnias. Embora houvesse mais percentagem de uma etnia do que outra em algumas áreas, se verificarmos bem era quase uma etnia por vila ou aldeia, desculpem o exagero. Todas tinham, ou o Cifra pensava que tinham, o seu chefe, a sua língua, para se expressarem, e se deviam reger pelas suas leis, pelo menos era o que o Cifra pensava.


Onde o Cifra esteve estacionado por dois anos, foto em baixo, havia os “Balantas”, que eram guerreiros, caçadores, pescadores, pastores e agricultores, e normalmente viviam em agregado familiar. Tinham uma cultura muito própria, só deles, que o Cifra tentou aprender, e seguir com todo o respeito, a princípio foi difícil aceitarem-no, mas com o tempo, foram vendo as suas intenções e começaram a acreditar, e como eram um povo que vivia com muito pouco contacto com europeus, e como o Cifra já explicou de outras vezes, era preciso primeiro, cheirar o corpo, sentir o sabor da pele e então sim, se acreditassem, dedicavam-se, e consideravam essa pessoa como família, o Cifra, sempre admirou este povo e esta cultura, mas era muito diferente daquela a que estava acostumado, a ver no seu Portugal, que era um país europeu.


Um homem tinha três, quatro e cinco mulheres, que viviam todas em comunidade, debaixo do mesmo tecto, tratavam dos filhos umas das outras, ajudando-se, o homem exercia uma espécie de “escravatura”, nas suas mulheres, pois elas é que trabalhavam nos serviços mais duros na cultura do arroz, muitas com os filhos pendurados nas costas, e baixadas na bolanha, tratando da planta do arroz, por vezes enterradas até aos joelhos, creio que todas essas bolanhas eram propriedade do homem, que o Cifra nunca soube se era o seu marido, ou simplesmente “dono”, pois por mais perguntas que fizesse, a resposta não tinha tradução, ou ele não compreendia, que consoante a sua riqueza, mais mulheres podia adquirir, iam apanhar lenha na floresta, cozinhavam, algumas até subiam às palmeiras, para irem apanhar o fruto e fazer aguardente, que os homens bebiam, enfim eram uma espécie de “escravas”, desses mesmos homens, que a maior parte do tempo, ficavam deitados na rede, mascando cola, e com uma espécie de bengalim nas mãos, com que afugentavam algumas moscas do seu corpo, por vezes batiam nas nádegas, dessas mesmas mulheres, para que se movimentassem um pouco com mais rapidez.

Pelo que o Cifra observava, a mulher, só depois de uma certa idade, quando já o marido não a usava mais, passe o termo, é que teria uma vida mais pacata, pois normalmente, iria viver numa morança com outras da sua idade, sempre próximo da morança do seu marido, ou “dono”, pois o Cifra nunca soube qual era o estatuto dessa mulher, e aí tomava conta dos filhos das suas companheiras mais novas, cozinhava a panela do arroz, fumava o seu tabaco, bebia o seu trago de aguardente de palma, que fazia, e que normalmente estava a curtir num balaio, coberto com umas folhas de bananeira, em qualquer lugar da morança, mas à sombra, sem apanhar sol, e descansava, berrando e dando conselhos às suas companheiras mais novas, que nessa altura eram as eleitas, e estavam na companhia do seu antigo marido.


O Cifra sempre acreditou, pelo que via, que os filhos e as filhas, foto em cima, eram propriedade do marido, que normalmente, “vendia”, passe o termo, ou única e simplesmente cedia, as filhas, ao amigo “homem grande”, ou talvez a quem melhores garantias lhe desse. Quando uma rapariga atingia a idade de catorze, quinze, pois desasseis anos já era um pouco tarde, tinha que arranjar marido, ou talvez “dono”, pois se não o fizesse, já não era bem vista, e perguntavam, o que é que estava de mal com ela, que ainda não tinha parido. Isto foi o que o Cifra observou na região onde esteve estacionado por dois anos.

Em Portugal, e na província da Beira Litoral, portanto na Europa, de onde o Cifra era oriundo, isto não era possível, mas sim, na então província da Guiné, que estava situada na África, que tinha os seus usos e costumes não europeus, mas que o Cifra sempre respeitou, e afinal não era, como ele tinha aprendido na escola primária da vila, a que a sua aldeia do vale do Ninho D’Aguia pertencia, onde lhe diziam que a província da Guiné tinha as mesmas leis, tal como a província do Minho, do Alentejo, ou do Algarve, pois tudo eram províncias de uma só nação, que era Portugal.


O Cifra, depois de frequentar outras escolas no estrangeiro, verificou que tanto ele, como a maior parte da sua geração, na escola primária que frequentou em Portugal, de proveito para o seu futuro, única e simplesmente retirou de bom, alguma disciplina forçada, saber ler e escrever em português com algum rigor, fazer algumas operações com algarismos, mas num estilo complicado, como por exemplo contas de somar, diminuir, multiplicar e dividir, conhecer o mapa de Portugal, onde havia algumas cidades e vilas, alguns rios, estradas e caminhos de ferro, e o orgulho por ter nascido nesse cantinho da Península Ibérica, que é Portugal, com um povo sofredor, sol brilhante, à beira mar plantado, tudo o resto que o professor Silvério lhe explicava por horas, e exigia que a sua mente jovem absorvesse, porque de outro modo lhe batia com uma régua de madeira nas mãos, e com uma cana fina e seca nas orelhas, eram assuntos sem qualquer interesse para o seu futuro, alguns até nem eram verdadeiros, que induziam a sua mente jovem, num tremendo erro, que o futuro veio mostrar, alguns anos depois.

O Cifra, só agora verificou que já está a ir longe de mais, perdoem lá.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 26 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11007: Do Ninho D'Águia até África (47): Iafane, o barqueiro (Tony Borié)