terça-feira, 16 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11847: Bom ou mau tempo na bolanha (19): O 1.º Cabo Fialho da CCAÇ 616 (Tony Borié)

Décimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



Mais um companheiro combatente, incorporado no exército de Portugal, no ano de 1963, que andou por lá, nas bolanhas e savanas da Guiné, diz ele que aquilo, era só rios e pântanos!

Aquela cara não me era estranha, sempre que com ele me cruzava, via nele algo de combatente. Notava aqueles sintomas que não enganam, alguma alegria, sofrimento, um certo controle nas palavras e, quando por acaso lhe disse que havia passado pela Guiné, ele explica com um certo entusiasmo, todas aquelas coisas que nós combatentes dizemos quando recordamos a nossa passagem por lá, e o nosso envolvimento naquele horroroso conflito.

Depois de regressar da Guiné, esteve 7 anos em Inglaterra, trocou este país pelos USA, onde esteve nos estados da Califórnia, Nova Iorque, Nova Jersey e finalmente, fugindo à neve e ao frio, já aposentado, veio viver no sol da Florida.

O seu nome é Amílcar Vitorino Branco Fialho, diz que é o “1.º Cabo Fialho” da Companhia de Caçadores 616, e até gostava de saber se alguém que pertenceu à sua Companhia ainda se lembra dele, e se for vivo e ler este texto, que diga alô.
Nasceu em Rio Maior, onde cresceu, depois de incorporado no exército, tirou a recruta no RI 5 nas Caldas da Rainha, a especialidade no RI 1, na Amadora, e tal como todos nós, depois de mobilizado para defender Portugal, embarcou em Lisboa, no porão do navio “Quanza”, no Cais de Alcântara, e uma semana depois já pisava terra vermelha da Guiné.

Conta com um certo orgulho nas palavras, que esteve estacionado em Bissau por um período de três meses, fazendo patrulhas e segurança à “Jangada”, que circulava no rio Mansoa, levando material de guerra e militares, que entretanto se iam instalando no norte da província.

Passado este período de ambientação, viajou em lanchas LDM para a povoação de Empada, cujas instalações na altura já se encontravam completas, estando estrategicamente localizadas no meio da população, portanto com aldeias de casas cobertas de colmo, tanto de um lado como do outro. Aqui encontrou outra companhia de naturais, a que chamavam “milícias”, e que sempre operaram em colaboração, onde as patrulhas de reconhecimento eram o seu dia a dia, sofrendo emboscadas, com alguns feridos, que eram evacuados de helicóptero para o hospital de Bissau. Foram progredindo e conseguiram construir um “posto avançado”, a alguns quilómetros de distância, era na margem de um rio, não se recorda do nome, ficou lá um pelotão da sua companhia, juntamente com um pelotão de “milícias”, que eram abastecidos por uma coluna auto, que os visitava frequentemente, mas ficavam lá estacionados por um período de um mês, altura em que outro pelotão os ia substituir.



Lembra-se que do lado de lá do rio, eram as “casas mato” dos guerrilheiros, e que quando havia tiroteio, pelo menos à noite, era como se fosse “fogo de artifício”.

Diz também que a comida era do melhor, além das rolas, pombos verdes e galinhas, que caçava, havia muitas vacas abandonadas nas pastagens, pois os seus donos fugiam a refugiar-se, não sabiam onde, e eles nas patrulhas, traziam as que precisavam. Além de tudo isto, os naturais colaboravam e os militares compravam-lhes: peixe, carne, vegetais e alguma fruta.

Também esteve por um pequeno período de tempo na povoação de Catió, onde encontrou pessoal de Rio Maior, lembra-se do seu grande amigo, o Zé de Alfruzemel, pois juntos cozinhavam grandes “patuscadas” para todo o pessoal. Nunca mais lhe saíram do seu pensamento os chuveiros do aquartelamento em Empada, que traziam água quente a cheirar a enxofre, e “encarnada”!.

De uma vez andaram trinta quilómetros de noite, carregados, chegando pela manhã, em auxílio de um batalhão que estava em dificuldades. Os guerrilheiros quando souberam que estavam a chegar os militares da companhia de Empada, fugiram, pois os caçadores da Companhia 616, já eram famosos.

Se lhe dessem oportunidade, o “1.º cabo Fialho” nunca terminava de lembrar a Guiné. Disse que sofreu a valer com um ataque de abelhas que os “fdp”, dos guerrilheiros lhes prepararam uma vez numa emboscada, e de outra vez, aproximando-se de uma aldeia com “casas mato”, um guerrilheiro que estava de vigia em cima de uma árvore, vendo os militares da companhia de caçadores 616, a tal que era famosa, desceu da árvore e atrapalhado, mandou uma granada que bateu numa árvore, fez ricochete, matando-o assim como mais uns tantos.
E termina dizendo:
- Porra, que sorte!

Regressou a Portugal, à mãe Pátria, em Fevereiro de 1966.

Tony Borie,
Julho de 2013


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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11819: Bom ou mau tempo na bolanha (18): Aqueles olhos azuis! (Toni Borié)

Guimé 63/64 - P11846: Filhos do vento (16): Os filhos que os soldados portugueses deixaram para trás, em Fajonquito: Cadija Seidi, 39 anos, Kumba Seidi, 39 anos, Ivo da Silva Correia, 38 anos... Ainda com a esperança de um reencontro com os seus progenitores... Sonhos e desilusões (Cherno Baldé)




(1) Cadija Seidi, 39 anos, natural de Fajonquito, Sector de Contuboel, região de Bafatá.


Filha de Egue Seidi, conhecida no meio da tropa por Espanhola, nasceu em Fajonquito em 1974, o pai, soldado portugues da Companhia de Caçadores n.º 3549, “Deixos Poisar”,  comandada pelo Capitão Quadro especial de Oficiais José Eduardo Marques Patrocínio e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Manuel Mendes São Pedro, que esteve sediada em Fajonquito de Maio 1972 a Junho de 1974. 

Não tem informação certa, a mãe nunca lhes falou dos pais portugueses, mais tarde por volta dos anos 80 sentiu necessidade de saber a verdade e procurou informar-se junto de antigos soldados que tinham servido o exército portugues, falaram-lhe de dois nomes provaveis (D... ou P...).

(2) Kumba Seidi, 39 anos, natural de Fajonquito, Sector de Contuboel, região de Bafatá. 


Ela [, a Cadija,] é irmã mais nova de uma outra, Kumba, também ela, filha de um soldado português, da mesma companhia ou da anterior, a Companhia de Artilharia n.º 2742, comandada pelo Capitão de Artilharia Carlos Borges de Figueiredo, que esteve sediada em Fajonquito entre 1970-1972.

Recentemente (2010?),  dois homens brancos visitaram Fajonquito na companhia de um Guineense, sabe-se que eram portugueses, mas ninguem conseguiu saber de onde vinham nem o que queriam, no entanto visitaram o local onde antigamente se situava a morança da mãe, a bela e irreverente Egue, vulgo Espanhola. Seriam os pais ou o pai de uma delas?

Não estão desesperadas na vida, mas gostariam de conhecer os seus progenitores. 



 (3) Ivo da Silva Correia, 38 anos, natural de Fajonquito

Filho de Sona Baldé,  conhecida entre os soldados por Sonia,  filha de Sadjo Balde, antigo cozinheiro da tropa, nasceu em Fajonquito em 1975. O pai, de nome  C...,  não chegou a conhecer o filho, com o fim da comissão a Companhia de Caçadores n.º 3549, “Deixos Poisar”,  comandada pelo Capitão Quadro especial de Oficiais José Eduardo Marques Patrocínio e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Manuel Mendes São Pedro, deixou Fajonquito em Junho de 1974, o pai nunca mais deu sinais de vida.

Não está desesperado da vida, simplesmente gostaria de conhecer a cara do pai, pois dizem que são muito parecidos. A única referência que tinha do pai era uma fotografia que entretanto se deteriorou com o tempo.

Texto e fotos: © Cherno Baldé (2013). Todos os direitos reservados

1. Duas mensagens de hoje  de Cherno Baldé 

[, foto à esquerda, em Kichinev, Moldávia, ex-URSS, Dezembro de 1985, quando estudante]:


(i) Caro amigo Luis,

Concordo com a tua sugestão de dar nacionalidade a todos os «filhos de vento» ou «filhos de cabeças de vento« bem como os vossos antigos camaradas de armas [, guineenses,]  que assim o queiram.

Pode-se emendar a história, sim senhora, se houver carácter e boa vontade.

Junto envio  fotos de filhos de portugueses, meus irmãos que, na sequência da visita da jornalista, Catarina Gomes, solicitaram-me fazer publicar suas fotos e o desejo longamente acalentado de um dia conhecer os pais ou seus familiares.

Com o reconhecimento de sempre,

Um abraço amigo.

PS. Vi o poste sobre os "filhos de vento", podem fazer a leitura que entenderem da minha opinião, o problema é que nós,  africanos,  nunca fugimos nem nos escondemos dos nossos familiares. Para um africano a família é a melhor coisa que um ser humano pode ter na vida.

Os pais que estão a tentar proteger não protegeram nem sequer se preocuparam com as consequências dos seus actos. Não sabia que havia leis que protegiam aos infractores.

(ii) A Catarina [Gomes, jornalista do Publico,] pediu-me que enviasse para ela informações de pessoas que tenham dados concretos sobre os seus pais e que queiram encontrá-los. Acontece que são poucos os filhos que foram deixados com dados concretos e em muitos casos ou se deterioraram ou se extraviaram com o tempo. Infelizmente ainda nao tenho o seu email, para o fazer directamente, pelo que agradecia encaminhar a primeira mensagem com as fotos. 

Muito obrigado e um abraço,

Cherno Baldé
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P11845: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (9): Uma visita ao cais do Pidjiguiti e à baixa de Bissau da nossa tristeza, enquanto o Franscisco Silva operava na clínica de Bor uma menina que esperava este milagre há mais de um ano


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Cais do Pidjiguiti > "Um barco [canoa nhominca] que nos faz lembrar o venerando Cherno Rachid"... O barco maior é de transporte de mercadorias (o único existente na Guiné-Bissau, estava na sucata,  foi recuperado pelo estaleiros locais que, no tempo do colonialismo, eram considerados os melhores da África Ocidental, trabalhando inclusive para a Marinha de guerra portuguesa; este barco, oferta dos holandeses no pós.independência, agirarecuoerado, foi vedeta de uma recente reportagem da RTP, em um documentário, intitulado "A Campanha do Caju", do jornalista Paulo Costa, integralmente gravado na Guiné-Bissau).



Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Cais do Pidjiguiti >  Monumento aos "Mártires do 3 d Agosto de 19590. Homenagem do Povo da Guiné e Cabo Verde"... Ao abandono, uma dor de alma!


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Cais do Pidjiguiti > Assoreado, atulhado de lixo, fétido (1)...


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Cais do Pidjiguiti > Assoreado, atulhado de lixo, fétido (2)...


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Cais do Pidjiguiti > Assoreado, atulhado de lixo, fétido (3)...


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > O Palácio Presidencial  >  "Renascido das cinzas" (, graças à ajuda da cooperação chinesa, dizem...).


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Baixa de Bissau: a cidadezinha colonial, votada a incúria e ao abandono (1)


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Baixa de Bissau: a  cidadezinha colonial, votada a incúria e ao abandono (2)


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Baixa de Bissau: a  cidadezinha colonial, votada a incúria e ao abandono (3)


  Guiné-Bissau > Bissau > 7 de maio de 2013 > Baixa de Bissau:  cidadezinha colonial, votada a incúria e ao abandono (4)

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte IX

por José Teixeira

O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete; no dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira; na 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo; no dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)... É desse evento que trata a 8ª crónica: os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que, em jovem, era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole. A crónica nº 7  foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ] com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo da CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar oPel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,

A crónica de hoje, a nº 9, corresponde aos dias 6 e 7 de maio: os nossos viajantes foram até Farim e regressaram a Bissau. já que o Francisco Silva, mesmo de férias, teve de fazer uma intervenção cirúrgica, a uma criança que esperava um milagroso ortopedista há mais de um ano!


Parte IX >  A cidade de Bissau da nossa tristeza...

Para o dia 6 de Maio [, 2ª feira,]  tínhamos programado uma viagem até Jumbembem, passando por Mansoa, Mansabá e Farim, porém, atendendo a um apelo da irmã Irina da Maternidade do Hospital de Cumura, o Francisco acedeu a operar uma criança que estava há cerca de um ano com uma perna fraturada.

Médico Ortopedista na Guiné, só um milagre de Deus, desabafou a simpática irmã, o que de algum modo complicou os planos de viagem.

Nesta manhã, o Francisco Silva foi ao Hospital de Cumura ver a criança e estudar a forma de a operar. Seguidamente foi reunir com o médico Diretor da Clinica Pediátrica de Bor para pedir autorização para operar neste hospital a criancinha, pois que em Cumura não encontrou as condições mínimas por falta de equipamento. Na realidade se não há médicos ortopedistas para operar, não se justifica que haja equipamento. Felizmente em Bor há o mínimo indispensável e lá se programou para o dia seguinte a operação .

Este hospital [da Cumura] foi criado pelos Franciscanos para combater a lepra nos anos 50 do século passado. Posteriormente especializou-se em doenças infeciosas como a tuberculose e o HIV/SIDA. Não tendo condições para se proceder à operação,  apelou-se ao Hospital Pediátrico de Bor, que acolheu da melhor vontade a solicitação abrindo as portas da sala de operações para que o nosso médico de visita e em férias pudesse proceder à operação e recuperar o bem estar da criança.

Os restantes companheiros de aventura ficaram pelo Bairro de Quélélé a descansar um pouco aguardando o regresso do nosso médico para almoçarmos e seguir até Jumbembém, tabanca onde o Francisco passou parte do seu tempo de Comissão.

Acabamos por ir almoçar ao Arco-Íris e com a chegada do Francisco Silva fizemo-nos á estrada na esperança de conseguirmos chegar a Jumbembém. A estrada até Mansoa foi fácil de transpor, mas a partir desta cidade, todo se complicou com a estrada em construção.

O tempo gastado na estrada, numa viagem iniciada tardiamente, impediu que chegássemos a Jumbembém, por falta de garantia de chegarmos a tempo de apanhar a última lancha de passagem no Rio Cacheu,  em Farim.

Chegamos até Farim atravessando o rio Cacheu de canoa. Demos uma volta pela cidade numa daquelas tardes quentes em que só apetece estar sentado à sombra de um mangueiro e regressamos à estrada depois de nova travessia do rio na casca de noz. 

Como todas as cidades da Guiné-Bissau, a de Farim está uma lástima. Ruas esburacadas, prédios degradados e lixo por todo o lado. Resta-nos um povo, também aqui, alegre, comunicativo, onde o Português é recebido como povo irmão. 

Aqui ou ali há sempre um ex-combatente, não importa de que lado da contenda. A sua preocupação é saber por onde andamos na nossa passagem pela guerra, em busca de um ponto de referência que conduza a uma conversa, à recordação de emoções antigas que continuam bem presentes na memória, abafadas pelo tempo e talvez pelo medo.

No dia seguinte, pelo cedinho, lá seguiu o nosso médico para o Hospital Pediátrico de Bor, onde a criança já devia estar devidamente preparada para ser submetida à operação.

O tempo parece que voa. Ainda há dias chegamos e já estamos a sete de maio.

O resto do grupo procurou aproveitar bem este dia. Foi até à Baixa de Bissau apreciar a azáfama da vida do povo guineense na sua cidade Capital. Depois de uma visita a Catedral de Bissau,  descemos até ao Cais do Pjiguiti, onde decorria uma feira ou é um mercado diário, não sei bem. Peixe, legumes, fruta e bugigangas, tudo a monte com lixo que baste à mistura. 

O cheiro das águas fétidas das margens do Rio Geba, onde se despeja todo o tipo de detritos ao qual se junta os que a mar arrasta nas marés, a ainda o estado de degradação das ruas e das casas ao estilo colonial, transforma todo aquele espaço e redondezas num lugar do qual apetece fugir. 

A avenida principal e o cais são,  para nós e todos os que visitam a Guiné-Bissau, o centro da idcade, pela história que incarnam, pela arte e cultura que transmitem o espelho da cidade e até de um povo. Mereciam, por essas razões e muitas mais, serem tratados com outro carinho e mais cuidados por parte das autoridades e do próprio povo, sobretudo no campo da limpeza e ordenamento.

Que saudades do tempo em que se vinha até ao Pjiguiti, na esperança de encontrar ou avistar ao longe o barco que nos iria transportar de volta à nossa terra. Ou, sentados no Pelicano a saborear umas cervejas sempre acompanhadas de um pratinho de marisco.

Internamo-nos pelo interior de Bissau para apreciar a arte na construção tipo colonial. Habitações lindas, ruas bem ordenadas, mas tudo tão degradado que mete dó. Não há tinta ou dinheiro para a comprar e pintar as paredes, ou incúria por parte de quem lá mora, porque talvez não sinta o espaço como seu. Muito pó e montes de lixo pelos cantos, fonte de mosquitos, melgas e doenças num povo já em si de saúde frágil devido às circunstâncias da vida.

Ao princípio da tarde chegou o nosso doutor, depois de uma manhã de trabalho em Bor que decorreu a contento, apesar da falta de equipamento. Vinha feliz e confiante que a criança ia recuperar bem. Vinha feliz por ter feito equipa com um médico guineense dedicado, conhecedor e prático, num hospital moderno, bem apetrechado e bem dirigido por uma comunidade franciscana de origem italiana.

Após o almoço, partimos de novo a caminho do norte, tendo como Varela, o nosso destino.

José Teixeira

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11805: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (8): Um casamento fula no Xitole... Ou a tradição que já não é o que era no nosso tempo...

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Guiné 63/74 – P11844: Filhos do vento (15): Na sequência da reportagem de Catarina Gomes no jornal Público (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.


Na sequência da reportagem de Catarina Gomes no jornal  Público


Nós, antigos tugas

Num ofuscante regresso a uma comissão militar que desembocou na Guiné, tive, tal como já antes anunciei, a felicidade de viver efusivamente o 25 de abril, Revolução dos Cravos, que proporcionou o nosso regresso à pátria mãe antecipado, deixando para trás a Guiné, uma nação que então se afirmava como país independente.

Nos muitos comentários que tenho colocado no blogue, dois mexeram, de facto, com a minha perspicaz sensibilidade, dado que o conteúdo narrado focavam temáticas sensíveis que mexem, no fundo, com a nossa presença em território guineense.

Uma guerra que deixou marcas no tempo, sendo o subtítulo “Filhos do Vento” e Sexo em tempo de guerra – Tabu? – terão sido duas opiniões, na primeira pessoa, que fizeram correr muita tinta e originado as mais diversas conversas entre camaradas que partilharam situações parecidas ou idênticas.

A perplexidade do ambiente de guerra ditava aventuras, talvez inimagináveis, mas propícias a situações, algumas ardentes, onde o calor da idade se sobrepunha a eventuais momentos de delírio sexual, recusando, perentoriamente, o fazedor das potenciais adversidades as consequências seguintes.

Recusei, e recuso, debruçar-me sobre as inquestionáveis realidades de militares entregues à solidão que, a espaços, praticavam relações sexuais não meditando de pronto em pressupostas conclusões futuras. Tudo, aparentemente, se afigurava como normal. Ninguém, em meu entender, fazia projetos futuros com a jovem bajuda que entretanto havia saciado os nossos desejos meramente carnais.

E foi partindo desse tremendo desafio que lancei o tema para o nosso blogue, admitindo, porém, que a temática exposta obedece, obviamente, a uma conversação séria e sobretudo extensiva aos camaradas que tenha uma opinião formada sobre a questão de “os filhos que os militares portugueses deixaram para trás”, como refere agora, 14 de julho, o jornal Público.

Catarina Gomes, jornalista, pegou no tema “filhos do vento”, um desígnio da minha responsabilidade, e tentou percorrer o trilho desses outrora jovens, hoje gentes na casa dos 40 anos, trazendo até nós opiniões reais de crianças que cresceram desmesuradamente num tempo sem tempo, procurando sempre desmistificar a sua verdadeira identidade.

A mãe, senhora de bem, guardava no seu íntimo um segredo que se protelou em épocas sucessivas, “engasgando-se” quando confrontada com a perspicaz pergunta da criança que, ansiosamente, suplicava uma resposta incisiva sobre a originalidade do seu verdadeiro pai.

No clã familiar existiram, e existem, desavenças sobre crianças tuteladas como “brancas ou brancos”, existindo logo uma separação de poderes naquilo que se entende como divisão de mandatos no seio familiar. Sobreviveram, é certo, mas na sua alma permanecerá a incerteza de encontrar um pai que ao longo das suas vidas lhes foi escondido.

A reportagem, na minha ótica, merece rasgados elogios e os meus sinceros parabéns à jornalista Catarina Gomes pela frontalidade como aceitou mexer num tema inseguro e que toca a nós, antigos tucas.

Nota de rodapé da respetiva reportagem: “Na sequência desta reportagem, o PÚBLICO criou uma página especial na Internet – publico.pt/filhos-do-vento – que reúne dados individuais de guineenses que andam à procura do pai português. O debate sobre este tema continua online. Informações relevantes podem ser enviadas para filhosdovento@publico.pt."

Um abraço, camaradas
José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

15 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11840: Filhos do vento (14): Nha fidju i fidju de soldado. I lebal pa Lisboa. I na cuida del. I na manda dinheru um bokadu…(Paulo Salgado) 

Guiné 63/74 - P11843: Os nossos médicos (65): Fui uma vez ao HM 241, em Bissau, por problemas com os dentes, mas a experiência foi negativa, o dentista era bom para arrancar dentes a elefantes... (Alcides Silva, CCS / BART 1913, Catió, 1967/69)

1. Resposta de Alcides Silva  (ex-1.º Cabo Estofador, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69), ao questionário sobre os nossos médicos (*)

a) Quantos médicos seguiram com o teu batalhão, no barco ?

 R- No nosso  Batalhão, o BART 1913 (Catió, 1967/69) seguiram  2 médicos.

(b) Quantos médicos é que o teu batalhão teve e por quanto tempo ? 

 R- Um ficou na sede do Batalhão, em Catió,  o outro creio que andou pelas companhias operacionais que estavam em outras zonas

(c) Lembras-te  dos nomes de alguns ? E lembras-te se já eram especialistas na vida civil ? Lembras-te da idade ? 

R- Quanto à idade, creio que teriam já cerca de 40 anos se a memória não me atraiçoa. Um deles chamava-se Montenegro, creio que trabalhava no Hospital de Santo António no Porto, cheguei a cruzar-me  algumas vezes com ele na rua.

(d) Precisaste alguma vez de alguma consulta médica ? 

R- Sim precisei algumas vezes (poucas).

(e) Estiveste  alguma vez internados na enfermaria do aquartelamento (se é que existia) ? 

R- Não

(f) Foste  a alguma consuta de especialidade no HM 241 ? 

R- Fui ao Hospital em Bissau por problemas com os dentes, mas a experiência foi negativa,  o dentista era bom para arrancar dentes a elefantes, de forma que pedi para não mexer mais nos meus dentes, Receitou uns medicamentos e ficou por aí.

(g) Foste (ou tiveste algum conhecido teu) evacuado para a metrópole, para o HMP ? 

R- Houve um colega da minha companhia que foi evacuado, talvez com o medo dos ataques constantes que sofríamos ao quartel, ele passou-se dos carretos e tornou-se perigoso.

(h) Tiveste alguma problema de saúde que o vosso médico ou o enfermeiro conseguiu resolver sem evacuação ? 

R- Sim, pequenas coisas

(i) O vosso posto sanitário também atendia a população local (se sim, como é mais do que provável,  há alguma estimativa da população que recorria aos serviços de saúde da tropa ?)...

R- Atendiam bastantes residentes, tanto em consultas como no posto, que parecia mais um galinheiro. Não gosto muito de recordar certas situações desse tempo, prefiro recordar as mais favoráveis.

 Um abraço, Alcides Silva

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 10 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11824: Os nossos médicos (64): A propósito do nosso anedotário médico militar... (Rui Silva)

Guiné 63/74 - P11842: Blogoterapia (232): A guerra uniu-nos de uma forma única, pois a causa que nos une é só uma: é um misto de recordações, de complexidade de quem viveu os acontecimentos da guerra na primeira pessoa (Joaquim Carlos Peixoto)

Monte Real, 8 de Junho de 2013 > Joaquim Carlos Peixoto e sua esposa Margarida, no VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande


1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Carlos Peixoto (ex-Fur Mil Inf MA, CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73) com data de 14 de Julho de 2013:


AGRADECIMENTO

Ainda as doze badaladas entoavam nos céus anunciando que o dia 8 estava a terminar e começava o dia 9 de Julho, já o meu computador começava a receber mensagens de parabéns pelo meu aniversário através do facebook e do blogue.

Foram imensas as pessoas que se recordaram de mim e neste dia quiseram mostrar-me a sua amizade e companheirismo. A todos quero agradecer com um grande e sentido abraço de amizade.

Não querendo menosprezar os que não estiveram na Guiné, quero agradecer, em especial, aos camaradas da Guerra o carinho e amizade que tiveram em se recordarem de mim.

A guerra uniu-nos de uma forma única, pois a causa que nos une é só uma: é um místo de recordações, de complexidade de quem viveu os acontecimentos da guerra na primeira pessoa.

São todos estes ingredientes que fazem parte deste mundo vivo da amizade que nos une.

A todos, com um abraço de gratidão, o meu muito obrigado.
Joaquim Peixoto
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11790: Blogoterapia (231): Boas férias, em segurança (José Belo)

Guiné 63/74 - P11841: Notas de leitura (500): "As Ilhas Afortunadas, um estudo sobre a África em transformação", de Basil Davidson (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Março de 2013:

Queridos amigos,
Basil Davidson foi alguém no jornalismo internacional, nunca escondeu a sua rasgada admiração por Amílcar Cabral que ele qualifica como o mais importante dos líderes revolucionários africanos.
O que ele descreve neste livro é uma história de Cabo Verde, nalguns pontos polémica, e o trabalho clandestino que foi desenvolvido pelos jovens cabo-verdianos que se entusiasmaram com o PAIGC.
Sempre crítico, Davidson revela-se omisso quanto às teses da unidade Guiné-Cabo Verde, aparecem como uma necessidade vital, um indesvendável tabu. E dá aos leitores a possibilidade de verificarem o que esses jovens cabo-verdianos fizeram durante a luta armada, tanto na Guiné como em Cabo Verde.

Um abraço do
Mário


As ilhas afortunadas: O PAIGC, Amílcar Cabral e Cabo Verde

Beja Santos

Em 1960, Amílcar Cabral chega a Londres disfarçado de Abel Djassi. Vem para entabular relações com partidos políticos britânicos, expor os pontos de vista do PAIGC sobre a descolonização na Guiné e em Cabo Verde. Elabora um documento onde analisa os factos dessa colonização e onde revela a fragilidade do processo civilizacional português. Quem traduz esse documento do francês para o inglês é Basil Davidson, nasceu aí uma amizade que não terminou com o assassinato de Amílcar Cabral. “As Ilhas Afortunadas, um estudo sobre a África em transformação” de Basil Davidson, Editorial Caminho, 1988, é sobretudo um livro que reflete sobre a história de Cabo Verde, o pensamento de Cabral e que culmina com a análise das transformações operadas no arquipélago sob a liderança do PAICV.

Davidson começa a sua viagem a partir do povoamento do arquipélago, descreve as misturas de sangue graças às injeções maciças de nativos da extensa área da Senegâmbia; um povoamento de brancos, mestiços e pretos onde se desenhou uma cultura própria que se exprime pelo crioulo, pela música, pela literatura e pela gastronomia; um povo permanentemente em diáspora devido às fomes e à aridez dos solos; e com momentos em que a região é uma verdadeira encruzilhada, como foi exemplo o início do século XIX em que os cabo-verdianos eram muito úteis aos baleiros norte-americanos, tempo em que firmas da Escócia e da Inglaterra, ligadas ao negócio do carvão, enviaram representantes de Cardiff e Newcastle para assegurar que no porto de Mindelo houvesse carvão armazenado para alimentar as caldeiras da navegação a vapor. No passado, há o registo do comércio negreiro praticado por várias potências, bem como a presença de donatários que se lançaram na plantação de açúcar, milhos e outros cereais. Cultos, empreendedores e resistentes às secas, os cabo-verdianos lançaram-se desde cedo no comércio e na administração. O problema racial em Cabo Verde é distinto do que veio a acontecer no continente africano. São variadas as diferentes colorações de pele, o que não obstou a permanência de uma divisão em função da cor, mas sentindo-se portugueses, era assim que se exprimia a sua cultura onde abundavam os crioulos mestiços, com orgulho na sua sociedade homogénea, uma sociedade cujos membros não eram europeus nem totalmente africanos, mas sentindo-se como civilizados úteis a mandar nos trópicos. Davidson descreve a emigração e modo como os cabo-verdianos alfabetizados deram diligentes funcionários, por vezes administradores coloniais; e depois passa em revista as velhas aspirações do tipo nacionalista, referindo um dado histórico raramente invocado, a propósito da II Guerra Mundial, e que tem a ver com o plano aprovado por Churchill da ocupação de Cabo Verde caso a Alemanha se tivesse aliado a Espanha, com a consequente perda de Gibraltar.

Amílcar Cabral entra em cena, adolescente, estudante e poeta, partindo para Lisboa onde se licenciou no Instituto Superior de Agronomia. Trata-se de uma narrativa para a qual já existe muita prosa consolidada. O que importa é a teia de relações que se estabeleceram nessa juventude e depois em Bissau, são referidos nomes como Abílio Duarte, Fernando Fortes, Inácio Soares, Honório Chantre, entre outros. E a narrativa passa para os jovens estudantes cabo-verdianos que irão aderir ao PAIGC, destinados a ter papéis importantes em toda a guerra de libertação. Davidson vai colhendo depoimentos como o de Silvino da Luz que se mostram coincidentes quanto à motivação dos seus ideais: era importante uma vitória colonial para se alcançarem outras independências, a Guiné era o ponto de partida. E demora-se sobre a conceção estratégica de Cabral: empurrar os portugueses para aquartelamentos, retirando-lhes a mobilidade, intimidando-os com flagelações e itinerários minados; a par disso, criar em território sob controlo experiências de poder popular e de democracia de base; vender na cena internacional a ideia de que a unidade Guiné-Cabo Verde era um dos motores da luta.

Como é evidente, Cabral distinguia os dois processos de independência. Diferenciava na sociedade cabo-verdiana a cidade das zonas rurais, era nestas últimas que havia um número reduzido de grandes proprietários; a propaganda devia chegar aos pequenos proprietários, em muitos casos não tinham mais de três hectares, em meio rural os assalariados agrícolas não constituíam uma força significativa; analisando a sociedade urbana, Cabral apontava para os empregados mal remunerados, uma espécie de pequena burguesia envergonhada. Tudo se revelou na prática de mobilização muito difícil. Os cabo-verdianos foram treinados em Cuba mas nunca foi possível criar condições quer para o desembarque quer para a subversão continuada, de tempos a tempos os elementos subversivos eram denunciados ou descobertos pela polícia política. Cabral será seriamente confrontado pela impaciência destes jovens cabo-verdianos, haverá mesmo polémica entre ele e Abílio Duarte. Todo o trabalho político preparatório era extremamente áspero, chegar-se-á ao 25 de Abril com muito trabalho clandestino mas com uma minoria de população apoiante às teses do PAIGC, Davidson descreve a formação de novos partidos e como estes tiveram curta duração. O PAIGC durante muito tempo será a força política monopolista até aos processos eleitorais pluralistas. Convém não esquecer que os principais militantes do PAIGC, aquando do 25 de Abril ou estavam presos ou em cargos no PAIGC. Voltando um pouco atrás, a 1973 e ao II Congresso do PAIGC, Davidson refere uma proposta apresentada por Abílio Duarte e secundada por Aristides Pereira, ela previa a criação de uma Comissão Nacional de Cabo Verde. Abílio Duarte dirá a Davidson: “A existência de uma Comissão Nacional obrigou todo o PAIGC a continuar a luta pela independência das ilhas. Reforçou a proposta, feita um ano mais tarde, no sentido de obter o acordo dos portugueses para o reconhecimento do nosso direito à independência”. E Davidson conclui: “Em 1973, esta Comissão Nacional era apenas um nome e um compromisso. Alguns dos seus membros encontravam-se em missões diplomáticas ou militares, como Abílio Duarte e Silvino da Luz. Outros, como Júlio de Carvalho e Osvaldo da Silva, destruíram os aquartelamentos de Spínola. Mas em Abril de 1974, depois de derrubada a ditadura portuguesa, começaram a acontecer coisas extraordinárias. Com a trégua na Guiné-Bissau, depois de Junho de 1974, e evacuadas as tropas portuguesas, os membros da Comissão Nacional puderam ser enviados para as ilhas”. Eram novos desafios de militância, Davidson pormenoriza todas estas diligências até à independência de facto. O último capítulo da obra intitula-se “Continuar Cabral”, é a história desses primeiros anos tão difíceis em que a ajuda externa, a cooperação internacional e a ajuda humanitária foram determinantes. E a partir de 1980, Cabo Verde foi confrontada com a secessão da Guiné-Bissau, o país interiorizou a sua identidade.

É de lamentar que por vezes Davidson não consiga controlar os seus pontos de vista fundamentalistas a ponto de maltratar figuras de oposição como Leitão da Graça, que ele seguramente não sabe quem foi.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11832: Notas de leitura (499): A "Guiné" na literatura portuguesa de viagens (séc. XV-XVII), por Julião Soares Sousa (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11840: Filhos do vento (14): Nha fidju i fidju de soldado. I lebal pa Lisboa. I na cuida del. I na manda dinheru um bokadu…(Paulo Salgado)


Guiné > Região do Oio >  Olossato > 1970 > O alf mil cav Paulo Salgado, dando uma mãozinha ao pessoal dos serviços de saúde da CCAV 2721(, comandada pelo então cap cav Tomé, Olossato e Nhacra, 1970/72)..

Este professor primário, transmontano de Moncorvop, haveria mais tarde de  fazer o curso de especialização em administração hospitalar, na Escola Nacional de Saúde Pública, e seguir uma carreira nesta área, com trabalho feito em Portugal, na Guiné-Bissau e em Angola, que é para ele um motivo de orgulho e para nós, seus amigos, um exemplo. Recorde-se que, para além de antigo alf mil cav, m o curso de operações especiais, o Paulo era então (à data em que escreveu este poste) um cooperante activo, solidário e empenhado, na Guiné-Bissau, estando à frente do Hospital Nacional Simão Mendes.

Espero  poder abraçá-lo na próxima 4ª feira, dia 17, na Ilha de Luanda, e trabalhar com ele esta semana. É um camarada e a um amigo, de valor e de valores (Recorde-se que é nosso tabanqueiro da primeira hora, ele, a esposa, Conceição, economista, e a filha, Paula, aluna do ensino secundário em Bissau, doutorada e investigadora em biologia na Grã-Bretanha; para estas nossas amigas, vai um afetuoso kandando, abraço, em angolês).

Foto: © Paulo Salgado (2005). Todos os direitos reservados.

1. Reprodução de uma história que o Paulo Salgado já aqui nos contou, há 7 anos atrás, na I Série do nosso blogue (que já ninguém consulta e que muitos dos nossos camaradas mais recentes não conhecem) (*)

Camaradas e Amigos:

Quero contar-vos uma estória. Em 1991, corria um Fiat Uno vermelho na picada, então muito boa, de Varela para S. Domingos [na região do Cacheu]. Lá dentro um casal. Seriam quatro da tarde. O sol ainda aquecia e o carrinho não tinha ar condicionado, apenas o ventinho quente aligeirava a modorra dentro da viatura, entrecortada pelos monossílabos que o casal ia trocando.

De repente, após uma curva, sob o peso de um jigo de verga de palmeira bem carregado de nadas (suponho), uma mulher gritava:
─ Bolea, bolea!

O condutor parou adiante, ajudou a colocar o cesto na bagageira, a arrumar a mulher no banco de trás. A mulher do condutor:
─  Boa tarde, boa tarde; tome estas bolachas... para onde vai?
─ Pa São Domingos... ─  respondeu a convidada. O condutor:
─ Manga de calor!  ─ E ela:
─ Calor, tchiu!─ O condutor:
─ A nôs,  portuguesis... ─E ela:
Ah, nha fidju i fidju de soldado. I lebal pa Lisboa. I na cuida del. I na manda dinheru um bokadu… [O meu filho é filho de um soldado. Ele levou-o para Lisboa. E toma conta dele. E manda-me algum dinheiro].

O condutor e a mulher ficaram estarrecidos. Aquele soldado... Lá de Portugal... grande exemplo de grandeza!... 

Verdadeira, esta história. Comovente. Rememoro-a, a propósito do que ultimamente se tem falado no nosso blogue.

E queria acrescentar algo, se me permitis, camaradas. Um aquartelamento. Arame farpado à volta. Saídas para emboscadas, patrulhamentos, golpes de mão; ou sofrer ataques, alguns bem perto, direi mesmo ao arame, ou de longe com mísseis…E, pelo menos 150 tipos entre os 20 e 25 anos (no caso de uma companhia sediada em tabanca). O quê de isolamento, o quê solidão, o quê de sexo...  como aguentar tal sofrimento, tal ansiedade?!

Já reparastes como é sofrida uma guerra neste particular aspecto? Tanta coisa aconteceu, camaradas. Algumas estórias não nos dignificam, camaradas. Ainda que nada seja tabu, demos ter algum recato quando falamos de terceiros, de outras pessoas que estão vivas, que deverão ser respeitadas. E a dignidade passa por nós próprios. Nada é tabu. Mas tudo deve ser (re)contado com muita dignidade.(**)

Paulo Salgado
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Notas do editor:

(*) I Série > poste de 18 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLX: Nha fidju i fidju de soldado (Paulo Salgado)

(**) Último poste da série > 14 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11838: Os filhos do vento (13): Em busca do pai tuga: um reportagem, 3 vídeos, 19 histórias, 19 rostos, 19 nomes à procura do apelido paterno... Hoje no "Público", domingo, dia 14. A não perder.

domingo, 14 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11839: Memória dos lugares (237): Bafatá, o seu velho cinema, a sua história, as suas gentes, os seus fantasmas... Bafatá Filme Clube, documentário (78') de Silas Tiny, produção da Real Ficção, brevemente em DVD (Fernando Gouveia)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de Dezembro de 2009 > 18h06 > "O velho cinema de Bafatá, encerrado há muitos anos.. Dizem que há um homem que toma conta do velho cinema, abandonado"... Um habitante local, surdo-mudo, fotografado com o João e o Antero, motorista da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento"... Sabemos agora que essa tutelar da velha sala de espetáculos (que alguns de n´so conheceram no tempo da guerra colonial) se chama Canjajá Mané e entra no filme do Silas Tiny, " Bafatá Filme Clube"...

A produção do documentário é a Real Ficção, a mesma que produziu filmes já aqui falados como "Kolá San Jon, é Festa di Kau Berdi", de Rui Simões,  e "Cartas de Angola", de Dulce Fernandes, que estuveram presentes, em maio passado, na IV Bienal de Culturas Lusófonas, juntamente com o filme do Silas Tiny.

Foto: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: L:G.]

1. Mensagem do nosso camarada e amigo Fernando Gouveia :[ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; foto à esquerda, na LDG que o levou, desde o Xime até a Bissau, de regresso a casa,  no final da comissão]

Data: 12 de Julho de 2013 às 23:19

Assunto: Filme sobre Bafatá

Luís:

Lembras-te que em tempos encaminhaste para mim um jovem cineasta, Silas Tiny, que pretendia informações sobre o Cinema de Bafata? 

Pois bem, ele realizou-o e que acaba por ser um belo filme sobre toda a Bafatá. Tendo-lhe perguntado sobre a sua divulgação, disse-me que ainda não havia ordem da produção para isso mas que se podia ter acesso a um resumo no link do Google:

http://www.realficcao.com/php/producao_2011.php
Pessoalmente o Silas mandou-me um DVD e acho o filme muito bom.

Um abraço. Fernando Gouveia

2. Bafatá Filme Clube

documentário | 78' [Estará em breve em DVD]
Silas Tiny 

Técnica Técnica

realização | Silas Tiny
direcção de fotografia | marta pessoa
som | Paulo Abelho
montagem | Márcia Costa
marketing | Fátima Santos Filipe
direcção de produção | Jacinta Barros
produtores | Rui Simões (portugal) e Carlos Vaz (Guiné Bissau)
produção | Real Ficção

Sinopse > Em Bafatá na Guiné-Bissau, Canjajá Mané antigo operador de cinema e guarda do clube da cidade, repete os mesmos gestos há cinquenta anos. Mas actualmente o cinema está fechado e não existem espectadores. Dos seus tempos como trabalhador do clube até aos nossos dias, restam apenas recordações. Na cidade, somente as pedras, árvores e o rio resistiram à erosão do tempo. E com eles, algumas pessoas, que ficaram para perpetuar na memória do mundo e dos homens, que ali já viveu gente. São essas pessoas por quem Canjajá procura e espera pacientemente até hoje. (Fonte: Real Ficção).

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de junho de 2013 >  Guiné 63/74 - P11751: Memória dos lugares (236): Gadamael, 1970-1971 (Vasco Pires)

Guiné 63/74 - P11838: Os filhos do vento (13): Em busca do pai tuga: um reportagem, 3 vídeos, 19 histórias, 19 rostos, 19 nomes à procura do apelido paterno... Hoje no "Público", domingo, dia 14. A não perder.


Capa da página do Público 'on lin', de hoje  > "Filhos do vento: guerra colonial; as histórias dos filhos que os portugueses deixaram para trás". Vale a pena compar a  edição a papel (1€60), ler, comentar e guardar a resportagem "Em busca do pai tuga" (Revista 2, pp. 10-19)  e depois ver os três vídeos disponíveis. (Motivo adicional para comprar a edição em papel: o nosso Jorge Cabral queixa-se de que é vítima de "idadismo"... Vd. Revista 2 > "Velhos ? Não. Somos todos contemporâneos", reportagem de Catarina Fernandes Martins, pp.26-27. De facto, este país já não é para velhos) (LG)


1. Como já fora  anunciado (*), saiu no jornal "Público", de hoje, domingo dia 14, na Revista 2, a reportagem dos enviados especiais à Guiné Bissau Catarina Gomes, Manuel Roberto e Ricardo Rezende sobre os "filhos do vento"... 19 histórias, 19 nomes, 19 dramas...de "restos de tugas"...

 "No tempo da guerra colonial havia quem lhes chamasse 'portugueses suaves', agora, há entre os ex-combatentes quem prefira 'filhos do vento'. A maioria dos filhos de ex-militares portugueses com mulheres guineenses guarda pedaços de história incompletos, com a ambição de que um dia esses poucos dados os venham a reunir aos pais.  A expressão que dá título a esta página foi usada pela primeira vez, para se referir aos filhos de ex-militares portugueses com mulheres guineenses, pelo ex-furriel José Saúde, no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Três vídeos (cada um com cerca de 10 minutos casa) contam estas histórias dos "filhos de vento"...

Restos de tugas (11' 52'')


TESTEMUNHOS ( a recolher pelo Público)

"Este é um espaço de debate. Qualquer testemunho que inclua dados pessoais não será publicado. A identidade dos pais não é divulgada por motivos de reserva da vida privada. O envio de informações que julgue relevantes para a busca destes filhos de ex-militares portugueses deverá ser feito para o email filhosdovento@publico.pt"

sábado, 13 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11837: Op Mabecos Bravios (1-8 de fevereiro de 1969): a retirada de Madina do Boé, com o trágico desastre no Cheche, na travessia do Rio Corubal, foi há 44 anos (1): Relato do cmdt da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 (Galomaro e Dulombi, 1968/70)



Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > A travessia, em jangada, do Cheche (que ficava do outro lado, na margem direita).


Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > Uma coluna logística: Madina do Boé-Cheche-Canjadude-Nova Lamego (1)


Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > Uma coluna logística: Madina do Boé-Cheche-Canjadude-Nova Lamego (2)


Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > Finalmente a rendição !



Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). >  O interior do aquartelamento e da tabanca



Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). >  Um cemitério de vitaturas



Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). >  Discreta mas orgulhosa, a bandeira nacional.




Guiné > Zona leste > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). >  A mascote da conpanhia.


Seleção de algumas fotos, notáveis, do álbum do Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil trms,  CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68).


Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar]


1. A Op Mabecos Bravios, destinada a cobrir a retirada das forças estacionadas em Madina do Boé, que teve  um desfecho trágico para 46 camaradas nossos, da CCAÇ 2405 (Galomaro) e da CCAÇ 1790 (Madina do Boé), mais um civil guineense.

Aconteceu há 44 anos, quase meio século. A efeméride passou quase despercebida, em 6 de fevereiro de 2013.

 Na história do BCAÇ 2852 (Bambadinca,19768/70) há uma versão parcial do relatório dessa  operação de triste memória, relativa á participação da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70) que formava o Destacamento F. Vale a pena reproduzir esse documento (Cap II, pp. 36-38).

 Em Fevereiro de 1969, a CCAÇ 2405 estava sediada em Galomaro, com um pelotão em Samba Juli, outro em Dulombi e um terceiro em Samba Cumbera. Voltamos a transcrever o post de 2 de Agosto de 2005, com o relatório da Op Mabecos Bravios, o que se justifica pela efeméride (o 44º  aniversário desse dia trágico de 6 de Fevereiro de 1969).

É também um pretexto para a nossa Tabanca Grande  prestar a sua sentida homenagem aos camaradas desaparecidos para sempre nas águas do temível Rio Corubal, quer os da CCAÇ 2405, comandada pe.lo cap mil inf Novais Jerónimo, quer os da unidade de quadrícula de Madina do Boé, a CCAÇ 1790, comamdada pelo cap inf José Aparício (que conheci pessoalmente há uns tempos, em Lisboa,  juntatmente com o cap mil António Vaz).

A evocação desse dia negro na história da guerra colonial da Guiné e a homenagem aos nossos mortos já aqui foram feitas, ainda na I Série do nosso blogue, por camaradas como o  José Martins (ex-furriel miliciano de transmissões da CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70): vd., por exemplo,  poste de 4 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins), bem pelo Rui Felício, um dos três alf mil da CCAÇ 2405 que participaram na Op Mabecos Bravios (poste de 12 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405).

E ainda recentemente puiblicámos fotos, tiradas opelo Xico Allen, na sua viagem de 1998, mostrando restos do cemitério de viaturas em que se transformou a picaca Canjadude - Cheche - Madina do Boé - Beli (*). Mas sobre esta operação ea  trágica travessia do Rio Corubal, em Cheche, no regresso a Nova Lamego,  ainda nem tudo estará dito e escrito. Nomeadamente, há falta de documentação fotográfica. Paer os membros da Tabanca Grande mais recentes, julga.se oportuno voltar a mexer neste doloroso dossiê das nossas memórias.


2. Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Classificação: Reservado. Cap. II. 36-38.
.

Iniciada a Op Mabecos Bravios, em 1 [de Fevereiro de 1969], com a duração de 8 dias, para retirar as nossas tropas de Madina do Boé. Entre vários destacamentos, tomou parte no Destacamento F a CCAÇ 2405 [ .Comandante: Cap. Mil. José Miguel Novais Jerónimo; 1º Grupo de Combate – Alf Mil Jorge Lopes Maia Rijo; 3º Grupo de Combate – Alf Mil Rui Manuel da Silva Felício; 4º Grupo de Combate – Alf Mil Paulo Enes Lage Raposo].

Desenrolar da acção:

O Dest F com o efectivo de 112 homens (4 oficiais, 10 sargentos e 98 praças - estão incluídos 1 secção de sapadores e 8 condutores auto), saiu de Galomaro em 1 de Fevereiro de 1969, pelas 9.30h, e chegou a Nova Lamego por volta das 13.00h do mesmo dia, sem qualquer novidade.

Aqui fizeram-se os preparativos finais da organização da coluna que partiu às 5.30h do dia 2 [D]. 

Abro [o autor do relatório] um parêntesis para discordar do pormenor da organização da coluna:

Os meus condutores e mecânicos tiveram que conduzir e dar assistência técnica a viaturas que não lhe pertenciam e das quais desconheciam as mazelas. Daqui resultaram perdas de tempo inúteis e uma tremenda confusão resultante do facto de os atiradores terem guardado parte dos seus haveres e utensílios militares em viaturas que supunham pertencer às unidades e que, sem que se saiba porquê, foram trabalhar para unidades diferentes.

A coluna saiu de Nova Lamego para Canjadude com o pessoal totalmente embarcado e atingiu-se esta povoação por volta das 9.00h sem qualquer problema. A partir de Canjadude a coluna progrediu com guardas de flancos tendo o Dest F colaborado na guarda da rectaguarda da coluna fazendo uma progressão apeada que não estava prevista.

Atingiu-se o Cheche [entre Canjadude e Madina do Boé] por volta das 17.00h (sempre com uma cobertura aérea excelente).

 Imediatamente os Dest D e F fizeram a transposição do [Rio] Corubal e foram ocupar as posições estratégicas previstas. Já escurecia e o Dest D levava 1 minuto de avanço sobre o Dest F. Subitamente o 1º Pel[otão] revelou achar estranho algo que se passava à nossa direita, parecendo-lhes ter visto elementos estranhos. Por outro lado o guia assegurou tratar-se de turras pelo que a Companhia tomou posições de combate, lançando-se ao solo e imobilizando-se. Seguiram-se dois disparos rápidos de morteiro (os clarões foram facilmente visíveis quando as granadas saíram à boca da arma). Foram tiros curtos na direcção sudoeste, e os rebentamentos deram-se próximo do local que o Dest F iria ocupar daí a momentos.

O IN não voltou a manifestar-se mas obrigou-nos a uma vigilância nocturna permanente e a uma mudança de posição por volta das 23.00h.  Às 20.00h ouviram-se na direcção oeste dois tiros que me pareceram de arma nossa, fazendo fogo de reconhecimento.

 Pelas 5.30h [do dia 3, D + 1] mandou-se um Pelotão a Cheche buscar um Pelotão do Dest E que fazia guarda imediata às viaturas e que eu devia levar até Madina.

Pelas 6.30h dirigi-me à zona do Dest E onde se organizou a coluna com o Dest F à frente e uma guarda de flanco avançada e o Dest D atrás igualmente com guarda de flanco. Iniciei o movimento guiado com carta e bússola porque a marcha foi feita a cerca de 200 metros (mínimo) da estrada. O meu objectivo era surpreender o IN pela rectaguarda tanto mais que os aviões me anunciaram haver possibilidade de sermos emboscados.

Cerca [ das 10.00h ] o Dest F sofreu um violento ataque de abelhas e teve que recuar cerca de um quilómetro para se reorganizar de novo. Um soldado, em consequência, ficou imediatamente fora de acção. Foi pedida a respectiva evacuação bem como a de outro soldado que apresentava sintomas de insolação.

As evacuações fizeram-se para Nova Lamego dos 1ºs cabos Carlos G. Machado, Agostinho R. Sousa, e dos soldados José A. M. S. Ferreira, Manuel N. Parracho,  Benjamim D. Lopes,  Fernando A. Tavares,  Cândido F. S. Abreu,  António S. Moreira e, para Bissau, O 1º Cabo Adérito S. Loureiro. [Omitem-se os nºos mecanográficos. L.G.]

 O héli desceu mais tarde para reabastecer o pessoal de água.

 Reiniciada a marcha, sofremos segundo ataque de abelhas que inutilizaram mais uma praça para quem teve de ser pedida mova evacuação. Entretanto, eram 14.30h, e mais 2 soldados, esgotada a sua provisão de água, apresentavam sintomas de insolação. Foram evacuados conjuntamente com 2 praças do Dest D que apresentavam sintomas semelhantes (vómitos, intensa palidez, olhos dilatados, respiração frenética).

O Dest D passou para a frente e reinicou-se a marcha, sempre fora da estrada até à recta que leva a Madina. Nada mais se passou além do sofrimento intenso das tropas por via do calor. O Det D foi reabastecido de água. Atingimos Madina  [do Boé] por volta das 19.00h  [do dia 3] desligados do Dest D que prosseguiu a sua marcha quando F teve que parar para reajustar o dispositivo e tratar os mais debilitados (4 praças e 1 furriel).

Houve descanso em Madina e tomou-se uma refeição quente. 

No dia 4 (D + 2) o Dest F dirigiu-se para [ Felo Quemberá,  ilegível] ocupando a posição 3 que se  atingiu sem dificuldade por volta das 11.00h. Alternadamente ocupou-se as posições 3 e 4 de acordo com o plano.

Em D + 3 [5 de Fevereiro de 1969] por volta das 7.30h recebemos ordens do PCV [Posto de Comando Volante] para a abandonar a nossa posição e seguir ao encontro da coluna. Uma hora depois atingimos o campo de aviação de Madina onde fomos reabastecidos de água e r/c [rações de combate].

Pelas 9.00h a coluna pôs-se em movimento e meia hora depois 4 carros da rectaguarda tiveram um acidente. Não obstante, a coluna prosseguiu e o pessoal do Dest F mais os mecânicos resolveram a dificuldade.

Entretanto, o final da coluna pôs-se em movimento acelerado para apanhar as viaturas da frente e deixaram a guarda da rectaguarda isolada no mato, num momento particularmente difícil em que precisávamos evacuar 2 soldados vencidos pelo esgotamento físico e nervoso (2 noites seguidas sem dormir, ataque de abelhas em D +1, intenso calor).

O Comandante da coluna ordenou que se fizesse a evacuação e o reabastecimento de água. Feitos estes, iniciou-se a marcha e a breve trecho tomámos contacto com a coluna e tudo correu normalmente até ao Cheche. A cobertura aérea pareceu-me impecável.

Próximo de Cheche recebi ordens para ocupar a posição que ocupara que tivera em D / D+1 porque o Exmo. Comandante da Operação [, cor inf Hélio Felgas,] entendeu dever poupar alguns quilómetros ao Dest F e D, bastante atingidos pela dureza dos respectivos percursos. Essa foi a razão porque não transpus o [Rio] Corubal em D + 3 [ 5 de Fevereiro] só o vindo a fazer em D + 4 [6 de Fevereiro] por volta das 9.00h.

O IN continua sem se manifestar (ou sem se poder manifestar). Durante a transposição do Corubal a jangada em que seguiam 4 Gr Comb [da CCAÇ 2405 e da CCAÇ 1790], respectivos comandos e tripulação afundou-se espectacularmente acerca de um terço da largura do rio, provocando o desaparecimento de 17 militares do Dest F e grandes quantidades de material perdido.

 Por voltas das 10.00h de D+ 4 [6 de Fevereiro] saímos de Cheche para Canjadude que atingimos por volta das 16.30h com o pessoal deste Dest embarcado.

Descansou-se e em D + 5 [7 de Fevereiro] às primeiras horas a coluna pôs-se em movimento para Nova Lamego que foi atingida por volta das 11.00h. Às 12.00h as tropas ouviram uma mensagem do Exmo. Comandante-Chefe [, brig António Spínola,]  que se deslocou propositadamente para a fazer.

Permaneci em Nova Lamego para organizar a coluna do dia seguinte. Às primeiras horas de D + 6 [8 de Fevereiro] iniciei o movimento para Galomaro onde cheguei cerca das 10.30h.
[Revisão de texto: L.G.l

Nota de L.G. - Sabemos que a 10 de fevereiro de 1969, o 2º cmdt do BCAÇ 2852 (1968/70), o maj inf Manuel Domingues Duarte Bispo, deslocou-se de Bambadinca a Galomaro "onde assistiu a missa celebrada pelo capelão do BCAÇ 2856, por intenção dos desaparecidos na Op Mabecos Bravios" (HU, Cap II, p. 46). O nº (e a identificação) dos mortos (17) da CCAÇ 2405 não constam do relatório da Op Mabecos Bravios que acima se transcreve. Falta-nos o(s) relatório(s) de outras forças que participaram, na Op Mabecos Bravios, nomeadamente da CCAÇ 1790 (que sofreu 29 mortos). Na realidade, na época esse tipo de baixas era contabilizada sob a categoria do "desaparecido".

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 10d e julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11822: Álbum fotográfico do Xico Allen: região do Boé, 1998: trágicos vestígios 'arqueológicos' da guerra colonial, entretanto já destruídos ou desaparecidos...

Guiné 63/74 - P11836: Humor de caserna (37): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (10): Morangos azuis

1. Em mensagem do dia 1 de Julho de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos mais este pensamento voador... 





Seguindo o ditado que diz:
- Vale mais uma boa foto, do que mil palavras, o Cifra hoje vai dirigir-se, não só aos amigos antigos combatentes, mas também à juventude, alegre, que gosta de convívios, festas, namorar e sobretudo de morangos com açúcar, e porque não, também aos que gostam de boa mesa.
E como se explicou no princípio, vale mais uma boa foto do que mil palavras, portanto vamos primeiro “falar a tal mentira”, que é todo aquele blá, blá, blá, onde diz que, para os que vivem no mundo onde se fala inglês, vão dizer, com toda a certeza:
- There can be such a thing possible!

No mundo onde se fala francês, dizem:
- Il peut y avoir une telle chose possible!

Onde se fala germânico, friamente dizem:
- Es kann so etwas möglich sein!

No mundo que se fala espanhol, entre dois ou três “zzz”, dizem:
- No puede haber tal cosa es posible!

Os chineses, põem os pauzinhos de parte, se estiverem a comer, e depois dizem:


Perceberam? Não?
Deixem lá, pois o Cifra, também não percebeu, pois tem alguma dificuldade em pronunciar, os pontos e as vírgulas.

E nós portugueses, dizemos:
- Não pode ser possível uma coisa dessas!


Sim é verdade, o Cifra também não acredita, mas depois de ver a foto que está em cima já não pode dizer mais nada, só talvez acrescentar que estes morangos azuis com açúcar, para sobremesa, depois de um bom bife azul, acompanhado de batatas fritas azuis, já agora com um bom copo de vinho azul, e porque não para final um bom café azul, e uma boa aguardente também azul.

Sem qualquer ofensa, e com a maior humildade, a avó do Cifra dizia um velho ditado, que era mais ou menos assim:  "Aquela pessoa tem um nome comprido, com muitas palavras, os pais eram os donos, e ele foi o herdeiro de toda aquela aldeia, deve ser de sangue azul."

O Cifra nunca acreditou, mas afinal era verdade, naquele tempo havia mesmo sangue azul.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11778: Humor de caserna (36): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (9): Aquecimento Global

Guiné 63/74 - P11835: Tabanca Grande (404): Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf.ª da CCAÇ 3476 - "Os Bebés de Canjambari" - Guiné, 1971/73 (Tertuliano n.º 623)

1. Vamos receber hoje na nossa Tabanca um camarada que não é de todo desconhecido pois participou nos últimos quatro Encontros anuais da tertúlia (2010 a 2013), sempre acompanhado de sua esposa Maria de Fátima, também ela já uma veterana entre as senhoras que normalmente acompanham os maridos.

Manuel Lima Santos, tertuliano n.º 623, foi Fur Mil Inf.ª na açoriana CCAÇ 3476 - "Os Bebés de Canjambari", Canjambari e Dugal, 1971/73.

Reside na bonita cidade de Viseu e é licenciado em Engenharia Civil pelo ISEC.
Foi professor no Ensino Secundário e está já na situação de aposentado.

Nesta foto referente ao VII Encontro Nacional da Tertúlia de 2012, em Monte Real, Manuel Lima Santos, que tem à sua esquerda a esposa Maria de Fátima, conversa com José Manuel Cunté, afilhado do nosso camarada Manuel Joaquim.
Foto do CMDT Manuel Lema Santos (2012)

Talvez a minha qualidade de "relações públicas" do blogue tenha proporcionado ficar a conhecer relativamente bem o nosso novo tertuliano Manuel Santos, pois, em todos os Convívios em que ele participou, tivemos oportunidade para conversar um pouco, principalmente sobre a Guiné, como não podia deixar de ser.
No seguimento dessas conversas, há muito que o tinha desafiado a enfileirar o nosso Blogue, tanto mais que ele faz questão de uma vez por ano fazer parte da tertúlia.
Este ano acabou por aceitar o meu convite e entregou-me um CD com algumas fotos de Canjambari, a publicar brevemente, assim como alguns dos seus dados pessoais para o conhecermos minimamente.

Canjambari > Homenagem da açoriana CCAÇ 3476 às Unidades que a antecederam

E porque o camarada Manuel Lima Santos conhece o nosso Blogue, os nossos objectivos e a forma de colaborar, resta-me deixar-lhe um abraço de boas-vindas e o desejo de que a sua actividade na tertúlia seja profícua, já que estamos a necessitar de gente nova a escrever.

Ficamos por aqui ao seu dispor.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11806: Tabanca Grande (403): Fernando de Pinho Valente Magro, ex-Cap Mil Art do BENG 447 (Guiné, 1970/72), tertuliano n.º 622