quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11950: Manuscrito(s) Infeliz o cego, surdo e mudo, porque dele não será o reino de Neptuno (Luís Graça)







ourinhã > Praia de Vale de Frades > Rocha com vestígios de árvores fossilizadas.
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados

Infeliz o cego, surdo e mudo, 

porque dele não será o Reino de Neptuno

Estou surdo
E não poderei ouvir-te
Em Agosto.
Nem ouvir o que mais gosto em Agosto,
O mar,
A décima sinfonia do mar 

Tocada pelos golfinhos e pelos surfistas.
Ou só poderei captar
Meio som
Com meio ouvido.

Estou surdo
E por mais absurdo
Que isso te pareça,
Só poderei entender
As palavras sibilinas,

As semifusas,
Que me escreveste no teu último mail.

Aqui estou, especado,
Na areia,
Emparedado
Entre o Beethoven a fazer o pino
E o desejo e a ameaça de Sibila.
Enquanto espero o otorrino
À porta do consultório
E o sol que tarda
Nesta tarde do mês de Agosto.

Infelizes os surdos
E os curdos
(que não têm mar nem pátria)
E os duros de ouvido,
Porque deles não será o Reino de Neptuno!

Sinto-me infeliz
No pico do verão,
Meio surdo,
Meio huno,
Meio curdo,
À espera do sol
E do seu espectáculo de strip-tease.

Aqui especado,
Parado,
Enterrado na areia,
À espera de qualquer coisa,
Da iminência de acontecer qualquer coisa,
À espera da queda dos últimos restos
Do sacro império romano,

À espera que me caia, na cabeça,
Uma prancha de surf,
Um tubarão assassino,
Um ultraleve publicitário,

À espera que haja uma notícia,
Um título de caixa alta 
Para ler com o café do pequeno almoço,
Qualquer coisa que me agrave ainda mais a minha surdez,
Um ataque de pânico,
Um falso alarme de tsunami,
crash na Bolsa de Nova Iorque,
O suicídio colectivo de um povo

Um magnicídio,
À espera que dê à costa na maré cheia
Um pedaço da arrábida fóssil,
Um duro osso de roer de dinossauro,
Uma boa chuva de meteoritos 

made in China

À espera dos bárbaros,
À espera dos hunos,
À espera do otorrino,
À espera de ti,
À espera do sol
Que teima em tardar,

À espera do FMI ou do FIM
Sem esperança  nos curdos,
Sem piedade para com os surdos.
À espera, enfim, da recuperação dos meus cinco sentidos.

À espera do fim da nossa crise existencial.
À espera do som e da fúria
Da próxima praia-mar,
Em noite de lua cheia
Prenha de augúrios, fantasmas e medos.

Só não conquistaram o sol,
Os romanos,
Nem os oceanos.
O Atlântico.
O sol que tarda em Agosto.
Nem havia nesse tempo
O direito a férias pagas,
Subsídio de invalidez por surdez profissional,
Nem muito menos o prémio por nascimento
E funeral.

Estou surdo, cego e mudo,
Ou se não estou surdo, cego e mudo  foi por um triz,
Estou surdo
E a fazer o luto
Pela morte do Estado-Providência
Que me pagava o otorrino
E as gotas para o nariz.

Aqui é o meu futuro,
Diz o novo huno,
O imigra que agora vende Bolas de Berlim
Em praias rigorosamente concessionadas
E vigiadas pela ASAE.
Viva o fascismo sanitário,
Proclama o outdoor
Da nova polícia das retretes e dos croquetes.

Sem dó
Nem piedade.

Estou surdo.
Falta-me ficar cego e depois mudo.
Para ser cego, surdo e mudo,

Como a figura da deusa Justiça.

2011

Guiné 63/74 - P11938: Blogpoesia (352): Três poemas recentes de J. L. Mendes Gomes: A minha bicicleta; O meu netinho Tomás; Contemplação da noite...

Mais 3 poemas, recentes,  do nosso amigo e camarada J.L. Mendes Gomes


[ex-alf mil, CCAÇ 728,
Cachil, Catió e Bissau,
1964/66]






A minha bicicleta...

Minha bicicleta branca,

De mudanças de cubo,
Era uma flecha lestra
Que me pegava
E levava ao vento.
De Varziela à Longra,
Sem uma pedalada.
Com uma só condição,
De a trazer para casa,
Antes do sol posto.
Tinha medo da noite
E das estrelas
Que brilhavam no céu.
Quando via a lua,
Era cá uma festa...
De fazer chorar.
Punha-se a dormir,
Encostada à porta.
E sorridente,
Ao nascer do sol,
Queria voltar comigo,
Queria ir à vila
Ver suas amigas
Que lhe queriam bem...

As que ficaram na vitrina,
À espera dum dono...
Estavam prisioneiras,
Que as fizesse livres.
Sem culpa formada,
Pagando pelos crimes,
Que nunca cometeram...
Havia tanta injustiça...
Eram só os ricos
Que as levavam por bem.
Na carteira dos pobres,
Não havia vintém...
Só usavam socas
E eram de pau...
O menino jesus as dava
A quem se portasse bem...
Mafra, 27 de Junho de 2013
Joaquim Luís Mendes Gomes

O meu netinho Tomás

Partiu com dois anitos...
Chamado por Deus.
Moeda de troca.
Ele canta no céu...
E eu choro na terra,
Rezando estes versos
Que me fazem sangrar.

Sorriso de luz,

Olhinhos brilhantes,
Bracitos de amor
Chamando pelos meus.
Brincava às escondidas,
Sem se cansar.


Corria descalço,
Passarinho a fugir.
Se rojava no chão,

Cavalinho de corda.
Até ficar a dormir.


Te guardo em mim,
Meu pedacinho de avô.
Meu anjo da guarda
Que esperas no céu
Para continuares a brincar.

Te lembro meu velho,
Tamanha saudade,
Te peço beijinhos,
Para continuar a viver...

Berlim, 11 de Julho de 2013
22h22m
Joaquim Luís Mendes Gomes


Contemplação da noite...



Em cima desta pedra ronda,
pela madrugada,
contemplo ao alto,
uma imensidão estrelada.
Tantos pontinhos brancos,
a brilhar de luz...
uma parcela apenas
do universo total.
Que será a terra,
onde vamos nós,
vista de lá?
Minúsculo pontinho,
onde não cabe nada...
uma faúlha azul
que Alguém acendeu...
Um baú doirado,
só o sabemos nós,
onde vais tu e eu...
Nenhum telescópio celeste
nos consegue ver...
Só nós temos alma e olhos
para os poder contar,
sem saber porquê!...
Berlim, 31 de Julho de 2013
Joaquim Luís Mendes Gomes

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11882: Blogpoesia (351): "Conversas sem pressas", por Maria de Lourdes dos Anjos (Francisco Batista)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11937: Estórias avulsas (65): Manga di ronco... Uma "rapidinha" a Bafatá, para uma "patuscada"! (José Ribeiro)

 1. O nosso Camarada José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões na CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72, enviou-nos o seu segundo texto e fotos:

Manga di ronco... Uma "rapidinha" a Bafatá, para uma "patuscada"!

- ... no dia anterior tinha chegado um "vale-correio" com "patacão, vindo da Metrópole.
Manga de patacão... 4.000$00, que na Guiné valia muito mais, pois que cada 100$00 valiam mais 20$00.

Claro, que nessa manhã tinha de ir, a
 Bafatá, receber o guito (que era para vir de férias, à Metrópole, pela 2ª. vez). Toca a voluntariar-me para ir na "coluna do correio". Enverguei o "camuflado", cartucheiras, G-3 e fui falar ao Alferes que comandava a respectiva coluna, para me deixar ir. Anuiu. Lá vamos nós, para fazer os cerca de 40 Km., entre Galomaro e Bafatá, numa picada sem "picagem".
Passada cerca de uma hora, lá chegamos a Bafatá. Enquanto a maior parte da "malta" ia ao Esquadrão buscar o correio a tratar doutros assuntos, eu e mais alguns que se tinham voluntariado... fomos tomar o: - Pequeno almoço; aperitivo; almoço; lanche e jantar! 

Fomos direitinhos ao Restaurante "Mira-Geba", que existia na rua principal e mandamos vir o pequeno almoço: Pão (de farinha de arroz) com presunto e leite achocolatado fresquinho… a seguir veio, para aperitivo, camarão do rio com cerveja (bazuca) e Martini.  
Para o almoço, logo a seguir, veio bife com batata frita e aquele molho de piri-piri com limão tudo regadinho com vinho tinto Metropolitano. Viemos dar uma volta e voltamos para o lanche. 

Repetimos o camarão de rio acompanhado de "bazucas" e mandamos preparar, para o jantar (logo a seguir), frango assado com batata frita, não esquecendo o molho de piri-piri com limão e o vinho tinto. Rematamos com café. 

Como deveis compreender, não era só comida que existia nos nossos estómagos, o que havia mais era liquidos/álcool, hehehehehe. Já "finos" e com uma "felicidade e coragem que nem vos conto", fomos até às "Libanesas" esperar pela malta que tinha ido tratar do correio, ao Esquadrão, e na espera "emburcamos" mais uns tantos whiskyes. Lá viemos embora, 4 de nós com uma "carripana" de caixão-à-cova. 

No meio do percurso, sensivelmente, já a começar a escurecer, paramos para urinar. Alguns fizeram a segurança e eu (cheio de vapores elíticos) olhei para as árvores e vi vários "macacos-cão". Sem pensar em segurança nem em nada, peguei na G-3, em rajada, comecei a disparar para os "bichos". 

Despejei os 4 carregadores, a arma até queimava, não acertei em nenhum... e puz em risco a minha vida e a dos meus companheiros. Viemos para o aquartelamento e fui logo para o "beliche". Felizmente, ao outro dia, quando fui ter com o Oficial que comandou a coluna (e à espera de correctivo ou castigo)... ele só me disse: .... andaste aos tiros aos macacos, não ouvi nada... Que sorte. 

Mas ainda hoje me pergunto, como foi possível tamanha inconsciência. Coisas da "minha Guiné", que recordo com saudade!... 

Galomaro-Cossé > 1970
Galomaro > Grande patuscada
Ponte que ligava Bafatá a Galomaro e Bambadinca

Bafatá > Igreja, na rua principal 

Um abraço para todos,
José Fernando dos Santos Ribeiro
1º Cabo Trms da CCS do BCAÇ 2912

Fotos: José Fernando dos Santos Ribeiro (2013). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11800: Estórias avulsas (64): A bananeira armadilhada e o frango desvitaminado (João Rebola)


Guiné 63/74 - P11936: Bom ou mau tempo na bolanha (26): Os amigos regressados do Vietname (Tony Borié)

Vigésimo sexto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



Seguindo o rumo de alguns textos anteriores, o Cifra, entendeu que os leitores, deviam ter conhecimento, desta história, que aconteceu, já o Cifra era emigrado, já não se chamava Cifra, mas única e simplesmente Tony, exercia a sua profissão, numa multinacional no estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos, e tem algo a ver com todos nós os antigos combatentes, portanto cá vai.

Eram jovens, que regressaram da guerra do Vietname. A sua maior parte, eram pessoas, com muito pouca instrução escolar, alguns, eram oriundos dos estados do centro norte, e alistavam-se querendo ir à aventura, pois pertenciam a famílias em que os pais e avós, nunca tiveram oportunidade de ver o mar. Outros eram emigrantes oriundos da América do sul, e com poucas oportunidades de emprego, devido a viverem em zonas rurais, junto à fronteira sul dos Estados Unidos, e viam no alistamento uma oportunidade, com algum futuro. Alguns, nunca tiveram um emprego, antes do alistamento, pois viviam em subúrbios de grandes zonas metropolitanas, sobrevivendo de alguns biscates, e com alguma conexão a grupos criminosos, e viram na ida para a guerra, a maneira de cumprirem penas de prisão, a que estavam sujeitos, e ao regressarem serem cidadãos livres. Esses jovens, alguns eram pessoas revoltadas, pelo modo de vida que levaram antes do alistamento, e traumatizadas, pelo período que passaram no Vietname.

Quando regressavam de uma comissão, na guerra do Vietname, tinham praticamente duas hipóteses, ou iam cumprir outra comissão na guerra, sobreviviam e seguiam a carreira militar, ou desmoralizados pela experiência da guerra, abandonavam o serviço militar e iam trabalhar em estações de serviço, enchendo tanques de gasolina, ou qualquer outro trabalho menor, que não envolvesse muita responsabilidade. Quase sempre andavam sobre influência, não aceitavam que lhe falassem, mais do que três ou quatro palavras seguidas, era quase impossível dar-lhes treino e colocarem-nos a operarem uma máquina. Como o Tony, os compreendia!

A multinacional, como vendia algum do seu produto a agências do governo, não podia negar trabalho a esses jovens, sempre que eram necessários novos empregados, esses jovens eram os preferidos.

Três desses jovens, vieram trabalhar na multinacional. Ao fim de umas horas, a pessoa que estava responsável de os colocar no trabalho de adaptação, dirigiu-se ao departamento de pessoal, dizendo que era impossível comunicar-se com eles, o melhor seria mandá-los já embora, antes que criassem mais problemas. O Tony, que também era representante do sindicato, pediu autorização para ver as fichas que eles tinham preenchido e depois de analisar as respectivas fichas, pediu uns dias de adaptação e que os ia levar para o departamento dos mecânicos, onde era preciso uma limpeza e pintura das paredes, a gerência concordou. A linguagem que eles falavam e os sentimentos que tinham eram parecidos aos do Tony, quando regressou a Portugal, vindo da guerra de África.

Em meia dúzia de palavras, explicou-lhes o trabalho. Deu- lhes liberdade e responsabilidade.

No primeiro dia, quase não fizeram nada, além de fumarem constantemente, tabaco que não se vendia em tabacarias públicas, e quase sempre sentados, esperavam pela hora do intervalo, para virem tomar café negro, sem açúcar. No segundo dia, um chegou bastante tarde, os outros dois chegaram a horas, mas só apareceram no trabalho quando o outro chegou. Não fizeram praticamente nada, a limpeza e a pintura, mal tinha começado. No terceiro dia vieram todos a horas, mas só apareceram no local de trabalho passado quase uma hora. Nesse terceiro dia, ao final da tarde estavam sentados ao sol, fumando, junto da linha de caminho de ferro que existia dentro da multinacional.

O Tony, começou a ser pressionado pela gerência da multinacional, que não queria maus exemplos. Deste modo, o Tony dirigiu-se ao grupo quando se encontravam ao sol, fumando, e perguntou:
- Podem ouvir-me por um minuto?

Não obtendo resposta, explicou, mais ou menos isto:
- Coloquei a minha palavra por vocês, estou a ser motivo de enxovalho em toda a companhia, e se querem continuar a encher tanques de gasolina, numa estação de serviço, e quase sempre sobre influência, pelo resto da vossa vida, pois são livres de o fazer, mas pensem só um pouco, que estão neste momento a ter uma oportunidade, quase única, de serem de novo admitidos pela sociedade que voz despreza, mas em que infelizmente vivemos e onde estamos todos inseridos.

Todas estas palavras foram ditas com algum carinho, e terminou dizendo:
- Também sou veterano de uma guerra, também tive o mesmo problema com a sociedade, que não me admitia e me discriminava, só que no meu País, não havia trabalho, nem oportunidades para todas as pessoas, especialmente os pobres, pois existia um sistema de protecção para as pessoas com mais recursos, e oxalá que vocês nunca passem por essa situação, por favor agarrem esta oportunidade.

Não esperou por qualquer resposta, não sabe se ouviram ou não, as suas palavras. Nos próximos quatro dias, aos poucos foram movimentando-se, algumas vezes zangados uns com os outros, mas foram limpando e pintando todo o departamento dos mecânicos. Andavam numa azáfama, a subir e descer escadas, alguns, com o cigarro na boca, todos pintados na cara e nos braços, mas sempre barafustando uns com os outros. Terminaram o trabalho, não sendo preciso ninguém mais lhes dirigir a palavra. Desses três jovens, um, o Dallas, ficou a trabalhar como mecânico, assistindo a classes na escola à noite, juntamente com o Tony. O outro, o Montana, quando houve uma vaga nos quadros superiores, aplicou e foi admitido, portanto foi para encarregado de um departamento. E o terceiro, o Colorado, trabalhava, como operador de um forno de fundição de alumínio, estudava de noite, aplicou e submeteu-se a um concurso, sendo admitido como operador de locomotivas numa companhia dos caminhos de ferro de Nova Jersey, pois o comboio passava pela multinacional, e ele passava quase todo o tempo apreciando o maquinista em manobras, com a colocação dos vagões no plataforma de desembarque.

O Tony, recorda com saudade, quando por eles passava e lhe diziam:
- Tony, vai um “cigarrito especial”?

Ao que o Tony, respondia:
 - Não. 

E eles, logo lhe chamavam:
- “Chicken!..., Quá, Quá, Quá”! - Imitando uma galinha.

Tony Borie,
Maio de 2013

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11924: Bom ou mau tempo na bolanha (25): O silêncio do Marafado (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P11935: Manuscrito(s) (Luís Graça) (7): Praia do Porto Dinheiro, Ribamar, Lourinhã... À memória dos meus avoengos Maçaricos... Ao Horácio Fernandes, capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69)...

(...) Desde 1974, os portugueses tentaram regressar ao mar duas vezes.  Há 40 anos que fugimos do mar. Mas vem aí a reabertura do canal do Panamá e a extensão da plataforma continental. Mesmo sem estratégia, a economia do mar vale 10 mil milhões de euros (.,.,.)

O que (não) fizemos para voltar ao mar. 


Por Lurdes Ferreira e Bárbara Reis. Público, 27/9/2012.



Praia do Porto Dinheiro
por Luís Graça

À memória dos meus antepassados Maçaricos
marinheiros, mareantes, navegantes, 
pescadores, mercadores, construtores navais... desde Quinhentos

Ao António Fernandes (Patas), 
contrutor naval que morreu na Califórnia
E ao seu neto, e meu primo e camarada, Horácio Fernandes,
capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69).


Finisterra, pórtico do tempo, 
És gare, és algar,
Porto dos portos das Atlântidas perdidas!
Foste estaleiro de vasos de guerra,
Galeões, naus e caravelas
Por haver ou nunca havidas,
Diz o livro do almoxarife.
Hoje não se constroem mais catedrais
Nas tuas fossas submarinas
Nem moinhos de vento 
No teu recife de corais,
Nem traineiras de grosso cavername
Nas rampas das tuas arribas fósseis.
Dóceis são as ondas com que afagas
A pele e apagas
A púbis das raparigas.

Porto Dinheiro: o
 irresistível apelo das algas
Que são as hormonas do mar,
Espigas, chicotes, valquírias, ninfas, najas, canibais,
Que vêm do fundo dos tempos imemoriais
Para seduzir os filhos dos homens,
Inebriar as suas almas, enlear os seus corpos.
Há olhos que perscrutam a linha do horizonte
E rasgam a colina de neblina, por detrás das Berlengas.
É de lá que vêm corsários, 
Monstros e mostrengas, 
Dinossauros, loucos menestréis, 
Contadores de lendas,
Mouras encantadas, 
Mercadores, invasores, conquistadores,
Vikings e outros predadores... 
E os bretões com os seus barcos a vapor, 
Que vinham aqui pescar lagostas entre as duas guerras.
Mais o Bateau ivre, do  Rimbaud.

É de lá,do mar profundo,  que vêm os portadores da peste…
Mercator ergo pestiferus,
De que Deus nos livre!

Deste nomes de fêmeas aos teus barcos
Que são machos,
Máquinas fálicas de lavrar e violar
O vento, a água, o ar,
Jessica, Mafalda, Sofia,
Inês, Patrícia, Maria.


Formidáveis muralhas de palavras e moluscos
Emparedam-me vivo
Na canícula desta tarde de verão
Em que espero em vão 
Os mercadores fenícios,
As legiões romanas, 
Devidamente equipadas e alinhadas nas suas galeras,
Ou as hordas bárbaras, teutónicas, a cavalo blindado,
Ou o simples mensageiro da paz,
O carteiro que me há-de trazer a carta a Garcia,
Com a solução alquímica da vida
Ou o algoritmo da felicidade
Ou a password do sítio 
A gruta de Alibabá e os 40 ladrões.


Estou sentado na esplanada da tasca da Ti Augusta,
Depois de saborear uma sopa de navalheiras,
E comer uma posta de arraia frita,
Recuando ao tempo dos meus avoengos Maçaricos…
E aqui penso em como a vida às vezes é tão simples,
Se descartada da econometria, da sociometria e da psicometria…
Dizem que aqui reinou o rei Midas,
O mesmo que transformava lagostas e algas em barras de ouro.


Porto Dinheiro,
Dos casais por detrás das tuas colinas,
Até ao mar imenso,
Por aqui andaram os meus antepassados.
Um dia há de desaparecer nas Américas
O teu último carpinteiro de naus, caravelas e traineiras.
Não sobreviveu à industrialização da construção naval.
Nem à crise dos anos 30.
Morreu longe, na Califórnia, na diáspora.


Maldita pátria amada e odiada
Que tantos filhos pariste e rejeitaste!

Luís Graça




Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Vista da tasca da Ti Augusta 


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Embarcações de pesca artesanal


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > A tasca da Ti Augusta,  hoje explorada por um filho, sargento da marinha reformado.


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Tasca da Ti Augusta > A famosa sopa de navalheiras.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (6): No Chá de Caxinde, em Luanda, a lusofonia para além da nossa circunstância: recente homenagem ao poeta angolano Viriato da Cruz (1928-1973)

Guiné 63/74 - P11934: Filhos do vento (19): Sánu Mané que conheci em Empada, será a mãe de Fátima Cruz? (Arménio Estorninho)

1. Mensagem de Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, IngoréAldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 11 de Agosto de 2013: 

Caro Carlos Vinhal, Camaradas e Amigos,

Reportando-me ao Poste 11867 - Filhos do Vento (17), em que Luís Graça faz a reprodução de 19 histórias, vou intrometer-me mas de forma que não hajam equívocos sobre um tema muito pertinente.

Assim, no que concerne às histórias (5) Fátima Cruz e (12) José Carlos Martins e como os nados destes amigos “portugas” não cabem no espaço temporal da presença em Empada da CCAÇ 2381 - 1969/70, por isso ficará fora de quaisquer suspeitas.

Na história (5) Fátima Cruz, onde é feita referência à sua mãe Sánu Mané, de Empada, poderá ser aquela que conheci e da qual junto foto onde está acompanhada pela sua amiga Sálu, as quais eram das mais belas bajudas de Empada. À data, Sánu Mané foi a lavadeira do Soldado Corneteiro “O Charlot,” já falecido.


Foto 1 - Empada, Região de Quinara – 1969 - Sánu Mané (à esquerda) e a sua amiga Sálu, em momento de juventude, simplicidade e alegria.

Como ao tempo foi do conhecimento que esta Sánu Mané, em meados do ano de 1970, deslocou-se para Bissau e enquanto lá permanecia também constou que já era oponente deliberada à mutilação genital feminina, “fanado.”

Relativamente à história (12) José Carlos Martins, junto fotos com meninos “djubis” de Empada que tinham a sua idade, porventura ele lembrar-se-à dos mesmos, e sendo a foto (2) tirada no dia em que ofertei uma vestimenta nova ao meu protegido (nome?) que era “surdo mudo,” também para levar para a tabanca ofertava-lhe comida, gasóleo e algum dinheiro para comprar mandioca e amendoins para o meu esquilo.

~
Foto 2 - Empada, Região de Quinara – 1969 - Em dia de grande contentamento por o djubi “surdo mudo” estrear a farda o qual fez questão em tirar a fotografia comigo e com os seus amigos.


Foto 3 - Bolanha da Ualada-Empada, Região de Quinara – 1969 - O ex-1º Cabo Enf.º Jorge Catarino e dois djubis que antes estiveram a ajudar as suas mães na apanha de arroz.


Foto 4 - Empada, Região de Quinara – 1969 - Largo fronteiro à Porta de Armas do Quartel e da Escola Primária - Manifestação popular de ronco com batuque e dança.

Dado que o José Carlos Martins provavelmente é de Empada e está no Registo Civil de Bissau, poderá reconhecer os seus amigos e dar algumas referências sobre este miúdo “surdo mudo” que a encontrar-se entre os vivos terá cerca de 52 anos de idade.

Com cordiais saudações guinéuas
Arménio Estorninho
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11883: Filhos do vento (18): Em Portugal, temos os "filhos da borda", era assim que eram conhecidos, na minha aldeia e na minha infância, os filhos de mães solteiras (José Teixeira)

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11933: Notas de leitura (510): Djarama PAIGC, uma reportagem fotográfica de Koen Wessing (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
Vale a pena folhear a brochura com as fotografias de Koen Wessing, captadas nos tempos da luta armada.
Está ali um estilo vida que desapareceu no momento em que o PAIGC se instalou em Bissau. A participação e a solidariedade das populações com os seus militares é hoje uma saudade para aqueles combatentes. O CIDAC, naqueles anos que se seguiram ao 25 de Abril , promoveram a sensibilização dos portugueses para os movimentos de libertação. De um modo geral, o texto que acompanhava as imagens era preciso e plausível.
Noutros casos, como agora se diz, não havia necessidade. É uma pequena infâmia dizer-se nesta brochura que “Portugal descuidou sempre totalmente a assistência médica na Guiné-Bissau.
O PAIGC teve de montar os serviços médicos a partir da base. Para além da infâmia, o redator revela profunda ignorância. Os serviços de saúde portugueses, em plena guerra, recebiam e tratavam doentes que atravessavam as fronteiras do Senegal e da Guiné Conacri.
Quanto ao facto do PAIGC ter de montar os serviços médicos a partir da base, não sei que tipo de ajuda humanitária era esperada, se competia às Forças Armadas portuguesas apetrechar os hospitais do mato ou não…

Um abraço do
Mário


A vida do PAIGC na reportagem do grande fotógrafo Koen Wessing

Beja Santos

Para se saber mais sobre as notabilidades artísticas de Koen Wessing (1942-2011) basta ir ao Google e ver o impacto que algumas das suas reportagens causou à volta do mundo, e como a sua arte era apreciada.

Em Setembro de 1974, o CIDAC publicava em edição bilingue (neerlandês-português) uma brochura com cerca de 60 imagens que registaram momentos da vida de guerrilha, escolheram-se algumas das imagens em que o artista revelou a sua perícia e argúcia a mostrar a conjugação entre a vida incerta e uma convicção no futuro da Guiné independente.

No seu todo, está aqui um estilo de vida, que, paradoxalmente, foi esquecido pela independência: a camaradagem, a ligação entre o guerrilheiro e as populações onde operava, uma certa normalidade a despeito da vida precária e a evidência da destruição, a vida participativa, o funcionamento das escolas e dos hospitais, o trabalho cooperativo de alfaiates, carpinteiros e ferreiros, a bonomia dos encontros e as alegrias da vida familiar.

Imagens do passado, profundamente chocantes hoje, certo e seguro que aquelas mulheres e aqueles homens fotografados por Koen Wessing não deploram as suas convicções mas perguntam amargamente porque é que os seus sonhos foram todos deitados por terra.



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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11920: Notas de leitura (509): "Fuzileiros, Força de Elite", por Ilídio Neves, José Manuel Parreira e Mário Henriques Manso (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11932: Convívios (524): 5.º Encontro dos Ex-Combatentes do Seixal, Lourinhã, participantes na Guerra Colonial: 18 de agosto de 2013 > Programa e convite

1. Notícia que nos chega,  com data de ontem e pedido de publicação, por mão do meu querido conterrâneo, concidadão amigo de infância e camarada de armas Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil pára (BCP 21, Angola, 1970/72) [, foto atual à esquerda, tirada recentemente em 16/6/2013, na Atalaia, Lourinhã, por ocasião da inauguração do monumento local aos combatentes].

Como em anos anteriores, o Jaime é o co-organizdor deste convívio anual dos ex-combatentes do Seixal,  Lourinhã, sua terra natal. Embora ele não seja (ainda) membro formal da nossa Tabanca Grande, tem já meia dúzia de referências no nosso blogue, devida à sua disccreta mas sempre eficiente, empenhada e competente dedicação à causa da memória dos combatentes da guerra colonial, tanto na sua terra, Lourinhã, como em Fafe, onde vive.

Foi ele o  programador e membro da comissão organizadora da notável exposição que esteve aberta ao público de 8/8 a 5/9 de 2009, no clube do Seixal, Çourinhã,  "evocativa da participação dos jovens do Seixal, Lourinhã, na guerra colonial", de que na altura demos notícia, no nosso blogue.


5.º ENCONTRO DOS EX-COMBATENTES DO SEIXAL PARTICIPANTES NA GUERRA COLONIAL

18 DE AGOSTO DE 2013

CONVITE À POPULAÇÃO DO SEIXAL

PROGRAMA

10.00 HORAS – SEIXAL: CONCENTRAÇÃO DOS PARTICIPANTES JUNTO À IGREJA.

MISSA EM MEMÓRIA DOS NOSSOS CONTERRÂNEOS QUE COMBATERAM NA GERRA DO ULTRAMAR: ARSÉNIO BONIFÁCIO, MORTO EM COMBATE EM ANGOLA E DE TODOS OS EX-COMBATENTES QUE JÁ FALECERAM.


11.15 HORAS - LOURINHÃ: ROMAGEM AO CEMITÉRIO

HOMENAGEM A CADA UM DOS EX-COMBATENTES DO SEIXAL JÁ FALECIDOS. COLOCAÇÃO DE UM RAMO DE FLORES, SEGUIDO DE MINUTO DE SILÊNCIO.

12.00 HORAS – LOURINHÃ: MONUMENTO DOS COMBATENTES.

CERIMÓNIA DE HOMENAGEM A TODOS OS JOVENS DO CONCELHO DA LOURINHÃ QUE TOMBARAM NA GUERRA AO SERVIÇO DE PORTUGAL.

13.30 HORAS – ALMOÇO NO CLUBE DO SEIXAL

ALMOÇO DE CONFRATERNIZAÇÃO ABERTO A TODOS OS FAMILIARES E AMIGOS DOS EX- COMBATENTES. (15 comissões)

INSCRIÇÕES PARA O ALMOÇO ATÉ AO DIA 15 DE AGOSTO
Tel. 966878619 / 917818481 / 919310088 /917226653

A COMISSÃO ORGANIZADORA

Arménio Pereira - Emídio Baltazar - Jaime Bonifácio - José Maria



Lourinhã > Monumento aos combatentes > 18 de maio de 2013. O monumento é da autoria do arquitecto A. Silva e da escultora A. Couto.

No dia 25 de agosto de 2013 vai-se comemorar o 8º aniversário deste monumento (, evento de cujo programa em breve daremos detalhes). Fizeram parte da comissão organizadora origiunal, que deu corpo e alma à ideia em 2005 (, conforme demos notícia na I Série, em poste de 24/7/2005), entre outros ex-combatentes, os meus amigos e conterrâneos João Delgado, Jaime Bonifácio e José Picão de Oliveira (este último, ex-furriel miliciano na zona leste da Guiné, em Canquelifá, tendo regressado a casa já em Setembro de 1974).  

Fotos:  © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11921: Convívios (523): Comemoração do 39.º aniversário do regresso da CCAÇ 4544/73, dia 8 de Setembro de 2013 (António Agreira)

domingo, 11 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11931: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (2): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical

1. Em mensagem do dia 31 de Julho de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o segundo episódio do seu Pós-Guiné: 


O PÓS-GUINÉ 65/67

2 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL 

Pois é... já lavei a cicatriz... guardei o cotão, (tem muito para contar e dará muito pano para mangas) mas vou continuar a falar de mim, da Guiné e até ao dia que me cortem o pio.
Continuarei a descrever uma vivida realidade... não falarei sobre as cicatrizes d'outros.
Manter-me-hei atento e venerador ao que escrevem... continuarei a ser o mais honesto possível... não criticarei abertamente seja quem for, mesmo que mais sábios e eruditos, do qu'a mim...

Aqui no blogue, pretende-se deixar algo para memória futura, eu tive a sorte de que publicassem aquelas minhas croniquetas d"OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA", onde e de forma graciosa (pretensiosismo meu) contei o que vivi, sem sangue... sem botas com apenas pés lá dentro... sem corpos dos nossos cortados ao meio pelas balas ou minas inimigas.

Por aí não enveredarei, embora saiba fazê-lo pois que à 4ª classe tirada nas Aulas Regimentais, ajuntei depois mais alguma cultura, com quem era mesmo culto e falo do SENHOR Ferreira de Castro, escritor... dum Senhor Presidente do Brasil, exilado em Portugal e outros que direi um dia, e com quem tive o grato prazer de partilhar apertos de mão e conviver, enquanto "caixa" que fui no Banco onde desempenhei a função, com as mesmas, disciplina e hombridade, aprendidas no Exército.

Em boa verdade, a Guiné esteve sempre presente e continua, como ainda hoje 30/7/2013 ao ir no hospital para uma pequena cirurgia ao sobrolho, após ter caído na rua, sem que alguém me tocasse e apenas porque uma elevação de dois centímetros se opôs à minha passagem. O médico guineense com quem conversei e que vai abrir consultório em Bissau, apesar de tudo e sabendo que eu sou do Sporting, afinfou-me três pontos que permitirão ao meu clube, partir com esse avanço.

Anteriormente, e aquando dum grave problema de comichão na barriga, e deveras parecida com as borbulhagens da mata, e ainda, após dois meses de tratamentos com os melhores e mais dispendiosos, como se chamam?... como se chamam?... ah, já sei... dermatologistas pois então (estive alguns minutos a pensar... e quase a desistir).

Pois como ia a dizer, pedi que me dessem a mesinha da Guiné, que era apenas e só, o 1214 (qu'até dava para se beber na falta do Vat 69), mas foi escusado que ninguém conhecia tal tratamento. Em boa verdade a coisa resultava se besuntada ao mesmo tempo que se tomava, pelos gorgomilos abaixo, uma generosa dose de gin Gordon's misturado com água tónica e cinco pedras de gelo... tudo servido em copo de cristal, feito a partir de qualquer garrafa, que levava óleo quente até ao tamanho pretendido e depois colocada em água fria, partia por aí.

Lá, a segunda parte do tratamento antibiotecário, fiz mas não tendo resultado, falei com um veterinário, que o não era então, aquando fur. mil. no QG do CTIG, expus-lhe a situação, deu-me uma pomada que usava no tratamento de equimoses nos cães e cadelas obviamente, e passou, eia... sus.

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E em 1970 ou 71, fiz amizade, que se manteve por muitos e bons anos, com um Senhor Capitão, acabado de chegar do comando duma CART, operacional. Como não poderia deixar de ser, lá vieram as memórias e alguns relatos, embora a sua relutância pelo narrar coisas que lhe eram dolorosas, mesmo sendo Homem experimentado e esta tinha sido a sua 3.ª comissão.

Criámos um dia semanal para almoçarmos (nesta época os Bancos fechavam para almoço, das 12 às 14 h) e algumas vezes com outros seus camaradas, Oficiais do Quadro e com quem eu aprofundava o mais saber.

Em 1974, quando se deu a revolução, que tantos ódios (esperava-se o contrário e eu próprio, feito tonto, esperei mais amor, mas este foi-se e nunca mais voltou), que tantos ódios, repito, trouxe a este já pobre País, recebia-me ali no QG ali em S. Sebastião da Pedreira. Na porta d'armas identificava-me telefonavam... mandavam-me entrar até que, duas ou três vezes depois:
- Ah... é o "Capitão" Veríssimo... pode entrar... vem para o cafezinho com o Nosso Major.

Bom só vos digo que perante esta tão rápida promoção, até andava ao passo cansativo do bater no solo com os dois pés ao mesmo tempo e se mais tivesse mais bateria. Até a barriga ia mais pra dentro, qu'a cerveja estava dando resultados.

Depois? Pois depois, tornei-me rezingão e não tendo inimigos para combater, criei-os eu mesmo. Só eu tinha razão... só eu sabia e aqui terei necessitado de ajuda.
Foi um curto período mas após um curso de Análise Transacional proporcionado pelo meu patrão, lá dei a volta e consegui abandalhar-me mas com classe, acompanhando o País e o que aqui se passava.

(continua)
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11904: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (1): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical, está cheio de cotão

Guiné 63/74 - P11930: Os nossos médicos (67): Maximino [José Vaz da] Cunha, natural de Chaves, ex-alf mil médico, BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto) e HM 241 (Bissau, 1968/70)






Infografia: Albino Silva (2011)

1. E
stava eu, hoje de manhã, a dar o meu passeio matinal à beira mar, entre a Praia da Areia Branca e a Praia de Vale de Frades, quando recebi uma chamada telefónica de um velho amigo, Manuel José Matos Almeida, médico dermatologista, aposentado do Serviço Nacional de Saúde (pertenceu ao quadro do Hospital de Santa Maria mas foi também foi médico do mundo, tendo trabalhado em, Angola, na Endiama, e em Macau, a partir de 1993, no hospital de São Januário).

Há largos anos que,  devido aos desencontros da vida, deixámos de nos ver e de conviver mas não de saber notícias um do outro,..  E o que pretendia de mim o Manel Zé, após estes anos todos? Tinha encontrado no nosso blogue uma referência a um colega de curso e amigo, o dr. Maximino Cunha, de seu nome completo, Maximino José Vaz da Cunha, natural de Chaves... E mais concretamente o Manuel Zé perguntou-me se eu tinha o telefone dele, presumindo que eu o conhecia, da Guiné... Como se vê, o Mundo é Pequeno e a nossaTabanca...é Grande!


A resposta que lhe dei, ao telefone, foi a seguinte: tinha ideia de se ter falado no nome desse médico, enquanto militar no TO da Guiné, mas não podia dar a certeza de que ele figurava no nosso blogue como membro da nossa Tabana Grande... Em todo o caso, prometi de imediato ajudá-lo a reencontrar o seu amigo e nosso camarada.

Ao fim da tarde, abri o computador e pus-me a fazer pesquisas no nosso blogue e na Net. Eis o que descobri:

(i) Há uma referência ao Dr. Maximino Cunha, num poste do nosso camarada António Paivaex-Soldado Condutor do HM 241 (Bissau, 1968/70)

20 de julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8580: Ordem de Serviço de 1970 do HM 241 de Bissau, uma relíquia com 41 anos (António Paiva)

 (...) A Ordem de Serviço, de 02 de Abril de 70, diz assim: Dr. Maximino Cunha saiu do HM 241 ontem,  dia 1,  para o BCAÇ 2845,  sua Unidade,  para aguardar regresso à Metrópole, no  T/T Niassa (...).

Ficamos a saber que o nosso camarada, alferes miliciano médico, Maximino Cunha,  trabalhou no HM 241, em Bissau, onde estava no  final da sua comissão, em 1 de abril de 1970, e que pertencia  ao BCAÇ 2845 [Teixeira Pinto, 1968/70)...  Aliás, o Paiva e o Maximino Cun ha são da mesma altura, e seguramente que se conheceream, no HM 241.

(ii) Albino Silva, ex-soldado maqueiro, é um dos nossos camaradas da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70), membro da nossa Tabanca Grande ... Já tem (com outros camaradas) organizado o convívio anual do pessoal da CCS do batalhão, como aconteceu o ano passado, 2012... Além disso, é o poeta do batalhão...  Contactos de telemóvel: Albino Silva: 963 297 804 / Álvaro Catarino: 962 952 087 / Emídio Saraiva: 969 669 046.

O Albino Silva é seguramente a o camarada que está em melhores condições para nops dar o contacto  do Dr. Maximino Cunha, a viver e a trabalhar em Chaves.

Dos médicos do seu batalhão, já ele aqui nos deu notícia, incluindo o Dr. Maximimo Cunha, que em 2011 ainda trabalhava no Hospital de Chaves:

(...) De novo a dar trabalho ao Carlos Vinhal, desta vez com mais umas fotos de médicos [vd. imagens supra] que foram meus camaradas em Teixeira Pinto. Deste dois que apresento nas fotos, apenas com o Prof. Dr. Maymone Martins mantenho contacto, e de longe a longe nos encontramos em Convívios da CCS. Com o Dr. Maximino [Cunha] nunca nos encontramos, mas sei que trabalha no Hospital em Chaves, pois recentemente estive em contacto com ele.

Dos doutores Bessa de Melo e Cruz Maurício, nunca mais se soube nada deles. É caso para lhes apelar a que compareçam no próximo Encontro marcado para o dia 5 de Maio de 2012 na Quinta dos Três Pinheiros na Mealhada, pois nos lembramos sempre de vós, e todos os queremos abraçar. (...).


(iii) No nosso blogue fui ainda encontrar o seguinte poste do Jorge Teixeira (Portojo)

1 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10747: Blogues da nossa blogosfera (60): Memórias de Outros Tempos - A Estadia no HM 241, no Blogue Coisas da Vida (Jorge Teixeira - Portojo) 

O nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo) conta como, em Bissau, no HM 241, conheceu o Dr. Maximino Cunha... Aí vão alguns excertos:

(...) Como andava a sentir-me mal do estômago e aproveitando a estadia, pedi uma consulta médica. Não demorou muito tempo a ser atendido pelo Dr. Maximino Cunha (agradeço ao Albino Silva ter-me informado do nome do médico) que era do meu tempo, incorporado no Batalhão de Chaves. Não sei qual era, mas sei que era também o dos meus amigos Cancela e Mano Velho Carvalho. Só há pouco mais de quatro anos conheci estes bronqueiros.

Disse-me o médico para esquecer o estômago e irmos ver os pulmões. Mas isso só com internamento. Imaginem como fiquei. 

 (…) Finalmente consegui uma vaga na primeira enfermaria do lado esquerdo, com varanda e tudo.

A próxima consulta foi ainda com o Doutor Maximino - que acabou por ser o meu médico até ao fim - para além dos RX, receitou-me comprimidos e uma injecção diária que era de ir aos arames. O líquido, mais ou menos da cor de jeropiga, quando entrava pareciam vidros. Ainda por cima o bruto do cabo enfermeiro, lá porque era pegador de touros, não fazia carinhos nenhuns. Fiquei com tanta raiva ao homem que só não veio da varanda abaixo porque não tinha cabedal para ele. Consegui ao fim de poucos dias que as injecções fossem substituídas por comprimidos. Passei a tomar 16 diários, aumentados às quintas-feiras com o quinino e as vitaminas. (…)


(...) A enfermaria estava localizada num ponto estratégico. Permitia-nos ver o heliporto e a chegada de evacuados. Certo dia lá chegou mais um heli e descarregou um barbudo. Dissemos para nós mais um fuza que se f..d... Mais tarde viemos a saber que era um cubano mercenário, o Capitão Peralta. O Hospital ficou cheio de comandos e o homem ficou num quarto com sentinelas à porta. Esta foto correu mundo e já foi identificada. (...)

(…)Voltando às minhas doenças, os pulmões estavam um pouco estragados por uma bronquite crónica e não só por causa do clima. O Dr. Maximino recomendou-me deixar de fumar, ou no pior dos casos fumar charuto. Não havia charutos mas as célebres Tiparillos, que passei a fumar. Depois novamente no mato não me estava a ver a andar com a cigarrilha na boca à Fidel, embora as comprasse no Bar de Catió e abusei delas uns bons tempos ainda. 
Estava por resolver o caso do meu estômago, que depois de tomar a horrível papa, foi-me diagnosticada uma gastrite aguda.

(…) Lembrava-me do meu pessoal de quem estava afastado há 3 meses. Como era o único sargento e responsável pelo pelotão (o Oliveira aos 16 meses foi fazer um curso de artilharia em troca comigo e só o voltei a ver próximo do dia do embarque em Abril) tinha a obrigação de tratar das burocracias. Sempre eram mais de 30 homens e tinha um mês para isso. Os meus palpites não bateram certo, mas isso são outras estórias. O médico, contrariado, notei, deu-me alta e muitos conselhos. Não me chamou burro mas subentendi. Enfim, médicos... Aguardei no hospital que houvesse transporte aéreo para Catió, o que aconteceu no dia 4 de Dezembro, dia de Santa Bárbara e da Artilharia. A minha rapaziada recebeu-me com carinho e à espera de matar a sede, que a água da bolanha andava muito salgada. Mas vamos à vida que o próximo barco é o nosso. (...)

(iv) Em comentário ao supracitado poste, P10747, o Manuel Carvalho escreveu:

Amigo Jorge: Em Catió tinhas dor de dentes mas não tinhas nenhuma doença. Foste para junto dos médicos, eram só doenças. O Dr. Maximino [Cunha] era do meu Batalhão,  o [BCAÇ] 2845,  e muita boa pessoa, mas eu,  graças a Deus e que me lembre, nunca o vi. Temos muita conversa mas quando elas mordem lá vamos ter com eles. Estamos quase a chegar aos 67. Um abraço. Manuel Carvalho

(v) Finalmente, e pesquisando na Net, encontrei no JN - Jornal de Notícas, de 7/2/2010,  uma referência ao Dr. Maximino Cunha, no artigo "Solidários em nome da saúde", com o subtítulo: "Os beneméritos da Medicina dos tempos modernos são cada vez menos, mas a crise e o desemprego podem fazer renascer o trabalho voluntário".

O trabalho é assinado por Margarida Lúzio, Glória Lopes, Teixeira Correia e Carlos Rui Abreu. Aqui vão alguns excertos (com a devida vénia...):

(...) A avó materna, galega e católica da cabeça aos pés, queria que fosse padre. Ele queria emigrar. Para os Estados Unidos. No fim, nem uma coisa, nem outra. O pai, bancário, começaria a ganhar melhor e Maximino Cunha haveria de rumar de Chaves para Coimbra e, depois, para Lisboa. E assim se faria médico. E comunista.

A opção política condicionou-lhe a progressão na carreira. "Antes do 25 de Abril, nunca pude aceder a nenhum lugar do Estado", recorda. Mas haveria também de marcar a forma de exercer a profissão. Já doutor, regressou a Chaves por castigo (político). "Julgo que não sabiam que me estavam a mandar para a minha terra natal".

Nessa altura, depois do serviço clínico no quartel, Maximino Cunha exercia Medicina privada. Muitas vezes sem cobrar. "Sabia perfeitamente que não tinham dinheiro para me pagar. Ah, quantas vezes!", lembra. E justifica: "Se não fosse sensível à pobreza não seria comunista". Hoje, garante que este tipo de casos são cada vez mais raros, mas teme que a crise os possa fazer renascer. "Provavelmente vão aparecer por causa do desemprego e da crise ".

O consultório, em casa, não está identificado. "A publicidade são os doentes que a fazem". Não tem computador. Olha para os doentes. A tabela de preços, no corredor, está em euros e escudos. 40 (8 contos) na primeira consulta e 30 na segunda e seguintes. João Semana puro, talvez não, mas com uma costela, certamente. (...)


2. Comentário de L.G.:

Peço a todos os camaradas que tenham conhecido ou conheçam o Dr. Maximino Cunha, muito em particlar ao Albino Silva, que me contactem, através do endereço do email do blogue [  luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com ] para que me forneçam os contactos necessários. Sei que o nosso  camarada Maximino Cunha continua a viver em Chaves. A todos muito obrigado pela eventual ajuda. Um grande abraço para o meu amigo Manel Zé.
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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11849: Os nossos médicos (66): Não fui evacuado para a Metrópole mas acompanhei três evacuações, duas via TAO, incluindo um Super Constellation de carga, transformado em enfermaria, oriundo de Moçambique, com militares quase todos portadores de queimaduras provocadas pelas granadas de 'fósforo' (J. Pardete Ferreira)

Guiné 63/74 - P11929: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (12): Fotos do Cap Op Esp Fernando Assunção Silva em confraternização com oficiais e sargentos sob o seu comando

1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) com data de 31 de Julho de 2013:

Caríssimos Carlos/Luís,
Cordiais saudações.
Através desta nossa GRANDE TABANCA, recebi um e-mail (quarenta e um anos depois) de um velho amigo de Coimbra, que também foi premiado com umas férias nesse magnífico balneário às margens do Rio Sapo. Assim, fui raspar o fundo do baú, e recuperei essas fotos do saudoso Capitão de Operações Especiais Fernando Assunção Silva, confraternizando com Oficiais e Sargentos (CCAÇ 2796, Pel Rec Fox 2260 e 23° Pel Art) sob seu Comando, na messe.

Forte abraço
Vasco Pires







Outras fotos:




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Nota do editor:

Último poste da série de 21 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11858: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (11): Terra firme e o pântano - Dois grandes líderes, Cap Op Esp Fernando Assunção Silva e ex-Cap Art.ª António Carlos Morais Silva

Guiné 63/74 - P11928: Fotos à procura... de uma legenda (22): Os régulos felupes de Djufunco e os seus banquinhos onde mais ninguém se pode sentar (sob pena de morte!) (José Teixeira)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Djufunco > 9 de maio de 2013 > Foto nº 21 >   Os régulos da tabanca, felupes,  Alberto Sambú (o mais novo, que vai á frente, vestido de verde) e o Necolá Djata (o mais velho, vestido de vermelho, que vai atrás)... Para que ninguém ouse sentar-se no banco dos régulos (, sob pena de morte!) , estes têm o cuidado de o trazerem sempre consigo, como se pode ver nesta foto em que acompanham os tugas  na visita à tabanca. O mais novo ainda se faz acompanhar de uma vassourinha para limpar a terra e areia dos pés. Cada terra tem seus usos e costumes, mas este é, com o devido respeito, deveras estranho. (JT)
Foto (e legenda): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Ediçãor: LG]

1. Comentário de L.G.: Alguém quer complementar a legenda do José Teixeira, aventurando-se numa tentativa de explicação, mais etnológica, deste "tabu" (é proibido sentar-se no banco do régulo, sob pena de morte) ? É um passatempo de verão, para estes dias de canícula... Os editores, mais ou menos em férias, agradecem... e desafiam os especialistas em usos e costumes jurídicos dos felupes da Guiné-Bissau...

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Nota do editor