terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12462: Memória dos lugares (260): A estrada Mansambo-Bambadinca, no tempo das chuvas: fotos falantes II, de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, 1968/69)












Guiné > Região Leste > Estrada Mansambo - Bambadinca > CART 2339 (1968/69), Os Viriatos > Fotos Falantes II >  Nos idos de 61/74, do século passado, havia muitos troços de estrada, lá nessa terra verde-rubra,  que a gente nunca mais irá esquecer, por esta ou aquela razão, boa ou má: minas,  fornilhos, emboscadas, operações,  colunas logísticas, atascanços, avarias, acidentes, mortos, feridos, sorte, azar...

Quem nunca andou, no tempo das chuvas, a fazer  (ou a montar segurança a) colunas logísticas, nas picadas do leste da Guiné (e especial a sul de Bambadinca), nunca saberá dar valor a uma estrada alcatroada... Estas fotos falantes II do Torcato Mendonça não precisam de legenda:  era a estrada (?) Bambadinca - Mansambo - Xitole, na época das chuvas (que ia de maio a outubro)... Um inferno para viaturas civis e militares... Sim, porque se faziam comboios de dezenas de viaturas para se levar os comes & bebes e as munições par Mansambo, Xitole e Saltinho....Às vezes levavam-se dois dias para fazer 30 km...

Mansambo, Xitole e Saltinho e todas as tabancas dos respetivos subsetores só podiam ser abastecidos por terra, a partir de Xime e Bambadinca... O troço Mansambo-Xitole esteve inclusive interdito, por razões de segurança, durante largos meses, sendo reaberto com as Op Belo Dia I e II, em agosto e setembro de 1969.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12429: Memória dos lugares (259): Ainda a Ilha das Galinhas e a sua "colónia penal e agrícola", criada em 1934 (José António Viegas, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, 1966/68)

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12461: O que é que a malta lia, nas horas vagas (18): Entre outras leituras, a Gabriela de Jorge Amado enquanto espreitava pela seteira do abrigo (Manuel Carvalho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Carvalho (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70), com data de 14 de Dezembro de 2013:

Caro Vinhal
Embora não fosse muito dado a leituras (mesmo fora da guerra) como tínhamos algum tempo livre era necessário ocupá-lo e tal como a maioria de nós eram livros, revistas, jornais e tudo o que aparecesse.
Tenho muitas fotografias mas quase todas no quartel ou muito perto e em operações não tenho e só conheço uma ou duas de outros camaradas.

Durante muitos anos tive tudo guardado e sem ver e há uns anos talvez depois que vi o Blogue é raro o dia que não veja algumas.

E voltava a ler mais umas palavras e a pensar noutra coisa qualquer e julgo que nunca tirei grandes conclusões das minhas leituras.


Esta em que estou a ler o livro Gabriela Cravo e Canela (a ler como quem diz a passar os olhos pelas palavras) porque naquele momento a minha cabeça estava em muitos outros lados.
Como podem ver a minha cabeça está mesmo no enfiamento da seteira e por motivos que agora não me lembro a cama não podia sair dali e então eu pensava não estará agora um Turra sem ofensa (como então dizíamos) a tirar-me as medidas à mioleira?


Outro passatempo era a copofonia e este sim bem mais agradável e também com outras consequências.

Quer numa fotografia quer noutra, já se nota que as instalações são novas e também já não íamos estar em Jolmete muito tempo e ainda bem.

Um abraço para todos e viva o nosso Blogue
Manuel Carvalho
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12449: O que é que a malta lia, nas horas vagas (17): Jornais, revistas, ordens de serviço, circulares, autos, correspondência, etc (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da CART 2732, Mansabá, 1970/72)

Guiné 63/74 - P12460: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (78): a festinha do João e da Vilma Crisóstomo... De Nova Iorque a caminho da Eslovénia onde o casal vai passar as festas do Natal e Ano Novo


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 1 > Um casal feliz, "just married"... de passagem por Portugal (3 dias), a caminho da França (de 3ª feira, 17,  a sábado, dia 19)... Destino final a Estónia, pátria da Vilma, onde os dois passarão o Natal e o Ano Novo.


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 2 > Desta vez não foram os 300 convivas de há 3 ou 4 anos, mas mesmo assim o João (e a Vilma) conseguiu juntar uns cento e muitos de parentes e amigos. (Este ano ele limitou-se a pôr um anúncio no jornal regionalista Badaladas).

Nesta foto, vê-se um pormenor da foto de grupo. Das 15h da tarde até às 18h passou muito gente pelo recinto de festas da Associação de Desenvolvimento de Paradas, uma terra da freguesia de A dos Cunhados onde há trabalho, emprego, bem-estar, fé e confiança no futuro. O antigo Casal das Paradas é o lugar das Paradas onde os sinais de desenvolvimento, ligados ao "boom" da  horticultura forçada (estufas), são por demais evidentes...


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 3 > Aqui sabe-se receber... à boa maneira portuguesa do oeste estremenho.


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 4 > O camarada de armas do João Crisóstomo, que veio do norte com a esposa para lhe dar um abraço de parabéns... Há quase 50 anos que não se viam...  Trata-se do Júlio Martins Pereira, soldado de transmissões da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), que entrou ontem,  pela porta grande, para o nosso blogue...


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 5 > Uma família, ou melhor duas, que deu à Igreja Católica, 5 padres e 8 freiras... É obra!... Na foto, o João Crisóstomo com o padre Crispim, de 80 anos, ainda hoje a exercer funções como capelão de um lar de terceira idade em Torres Vedras. Franciscano, o padre Crispim fez questão de dizer que "um padre nunca se reforma"... [Foi colega e é amigo do nosso camarada Horácio Fernandes, ex-capelão militar (em Catió e Bambadinca, 1967/69), nascido em Ribamar, no concelho vizinho da Lourinhã].


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 6 > O casal João e Vilma Crisóstomo com alguns dos "amigos do Oeste" que fizeram questão de comparecer à sua festinha (que será badalada no jornal da região, "O Badaladas"): da esquerda para a direita, Luís Graça, Alice, João, Dina Silva, Jaime Silva, São (esposa do Eduardo, o primeiro da fila de trás, a contar da esquerda)...


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 7 > Em primeiro plano, o Eduardo Jorge Ferreira, assinando os "versinhos" acabados de dizer aos amigos João e Vilma pelo Luís Graça, em nome dos "amigos do Oeste"... De pé, de perfil, a Alice.


Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras > 15 de outubro de 2013 > Convívio do casal João & Vilma Crisóstomo com os parentes das famílias Crisóstomo & Crispim, bem com com os camaradas da Guiné > Foto nº 8 > "Dois amigos do Oeste", o Joaquim Pinto de Carvalho (que veio também acompanhado da esposa, a Céu) e o Eduardo (que é vizinho da família do João, em A-dos-Cunhados, mas que faz questão de me relembrar que é tão lourinhanense como eu, tendo nascido no Vimeiro...).




Vídeo (2' 23''). Alojado no You Tube > Nhabijoes

Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras. 15out2013. Tarde de convívios dos parentes das famílias Crisóstomo e Crispim e dos amigos e camaradas do João Crisóstomo, recém casado com a eslovena Vilma Kracun. O casal vive em Nova Iorque, e passou pela terra natal do João, a caminho da Eslovénia onde vai passar as festas do Natal e Ano Novo.. Intervenção  de Luís Graça, quwe disse uns versos (8 quadras populares), de homenagem ao casal... em nome dos  "amigos do Oeste".

Letra: Luís Graça

1
João Crisóstomo, eh pá!,
E Vilma Kracun, oh priga!...
Uma de lá, outro de cá,
Um rapaz e uma rapariga.

2
Formam os dois um belo par,
Esloveno-português,
Acabaram de casar,
Ela, doce, ele, cortês.

3
Dois mundos a separá-los,
Ela no velho [Europa], ele no no novo [América],
Vem agora abençoá-los,
Com amor, o nosso povo.

4
É o João um senhor,
Que faz o culto da amizade,
E amanhã comendador
Da Ordem da Liberdade.

5
Mordomo de profissão,
Portugal nunca esquece,
No verde e rubro coração
Onde a Pátria não esmorece.

6
Fez a guerra, coisa má
Lá nas terras da Guiné,
Finete e Missirá, 
Porto Gole e Enxalé,

7
Animador libertário,
Foi de causas defensor,
Do Cônsul Humanitário [Aristides Sousa Mendes]
A Foz Côa e a Timor.

8
P’ra um casal, lindo como este,
P’rá Vilma e p’ró João,
Dos amigos do Oeste
Vai um grande… xicoração!

Paradas, A-dos-Cunhados, 
15/12/2013

Os amigos do Oeste…Luís Graça & Alice, Eduardo Jorge Ferreira & São, Jaime Silva & Dina, Joaquim Pinto Carvalho & Céu… a que se associaram o Júlio Martins Pereira & esposa (Recarei, Paredes) e demais presentes, amigos e parentes das famílias Crisóstomo & Crispim.

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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12297: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (77): Dois antigos camaradas da mesma unidade (CCAÇ 12), mas de épocas diferentes, sem grande tempo para se encontrarem em Lisboa, partem sábado, no mesmo avião, para Luanda, onde vão em trabalho...

Guiné 63/74 - P12459: (In)citações (58): Estradas da região de Tombali, Guiné-Bissau, 40 anos depois da independência: o espelho da Nação (AD - Acção para o Desenvolvimento)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > 2013 > Estradas ? Picadas... 40 anos depois da independência

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento  2009). Todos os direitos reservados.


1. Comentário inserido em 26/9/2013 na página do Facebook da AD - Acção para o Desenvolvimento

Já lá vão 40 anos de independência e as estradas do sul, das zonas da Luta de Libertação, das primeiras zonas libertadas, lá onde nasceu a nação guineense, continuam abandonadas sem nunca terem sido melhoradas.

Reflete bem as lideranças politicas que se foram sucedendo e que se esqueceram com uma enorme rapidez das suas bases de guerrilha, lá onde eles viveram, lutaram e muitos deles casaram.

Renderam-se aos encantos de Bissau e nem mesmo a memória os ajuda a reconhecer os antigos camaradas de primeira hora. — em Guiledje, Tombali, Guiné-Bissau.

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12327: (In)citações (57): O meu próximo livro pode responder a questões relacionadas com o pós independência da Guiné-Bissau (Mário Serra de Oliveira)

Guiné 63/74 - P12458: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (10): Crónicas (ausentes) de "Tarrafo" (1): Bandeira branca, O Vicente e Palhota sem luz

Passamos hoje a publicar o penúltimo poste da série "Últimas Memórias da Guiné", com o primeiro grupo de 3, de 6 Crónicas (ausentes) de "Tarrafo"
Diz o autor desconhecer como estas (6) histórias não saíram na edição daquele livro. Lembremos que o "Tarrafo" é composto por crónicas enviadas da Guiné para serem publicadas no Jornal da Bairrada, pelo hoje considerado o primeiro repórter da Guerra do Ultramar, Armor Pires Mota, que foi Alferes Miliciano da CCAV 488.


ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 10

Por Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65)

CRÓNICAS (AUSENTES) DE TARRAFO - 1

Por qualquer motivo, não incluí na edição do TARRAFO alguns textos que foram inseridos no Jornal da Bairrada. Ora aqui os recupero, passado meio século. Tal como aconteceu com o “Diário de Bordo” que naufragou com a nau do esquecimento.

Bandeira branca [ou pontaria de maçaricos]

“Preso a uma cana esguia, no cimo tremulava um farrapo que, entre a sujidade e os buracos, tinha uma cor esbranquiçada.

A guerra fora ali perto, difícil. E o caminho era longo e escaldante e o cansaço juntava-se à sede para quase apetecer ficar por ali estendido à sombra de alguma árvore amiga. Mas a água daquela cântara, feita, um dia, pelas próprias mãos, de um barro quase escuro, fora uma fonte e uma bênção. Bebi duas ou três goladas, mas apetecia-me bebê-la toda, até sentir frescuras por todo o corpo ainda ensonado. Depois, estendi o corpo pesado à sombra de uma sebe que se estendia em volta da tabanca, feita de palmas secas entrelaçadas.

De arma ao lado nem sequer pensei que a vida, umas vezes corre atrás de nós com pedras na mão, como se fôssemos algum farrapo que alguém deitou fora e nos escorraça da sua porta sem dó nem piedade, mas também, outras vezes, nos coloca rosas na mão esquerda. Acho que era o caso.

Um velho que andava aí pelas 50 chuvas, a tremer de medo, nos matou a sede. Ali, ele e mais ninguém. E os filhos por que caminhos escuros andariam, onde nos esperariam eles àquela hora de incêndio no nossos ombros?

Quando o Américo, escarrando poeira, meteu a cântara à boca, do lado ouviram-se comentários e troças:
– Olha, a Amélia não tem vergonha… – E repetiam as palavras chocarreiras que ele, pouco tempo antes na luta, lançara ao vento, quando alguns invólucros do colega da esquerda lhe bateram no capacete:
– Ah, ladrões, que já me mataram… já fiz nas calças…

Mas o Américo calmamente tragou mais ou dois ou três goles e, entregando a cântara a outro, disse, muito senhor de si e com ares de quem os ia vencer e convencer pelo bom humor:
– Quem fez este, já não faz outro! – E sorriu-se.

O Américo é um daqueles tipos fanfarrões que têm os seus heróis, destemidos, audaciosos. Ele mesmo é um herói de trazer por casa, quer dizer pela caserna ou pela cozinha. Faz tudo. É capaz de matar manga deles e até esfolá-los, persegui-los. Mas isto só quando está longe dos apertos. Por isso, os colegas lhe chamam o Garganta. Justamente.

Partimos. O inimigo esperava-nos certamente noutro lugar, mais longe. Passados oito dias, Bigine era um monte de cinza abandonada, uma aldeia de paredes caídas.

O farrapo que posto ali pelo medo que era uma mentira naquele coio de bandidos (qual paz, qual quê?) poderia ter sido uma cilada.

Desde então, aprendi, todos aprenderam a andar no mato de pé atrás. A gente nunca sabe bem o terreno que poisa nem a água que bebe”.

Jornal da Bairrada, 3 Outubro 1964

[Esta operação visava capturar ao IN um helicóptero que, segundo informações do QG, vinha descarregando em Morés material bélico. Estiveram envolvidos o meu batalhão 490 e o de Bula (513), comandado pelo coronel Hélio Felgas. A operação deu em nada. No regresso, as companhias 487, 488 e 489, seguiam trilhos diferentes. O nervoso era algum e bastou alguém disparar um tiro para arrremessar para o bordo dos caminhos mais de 300 homens que não ficaram mais à espera de ordens. Encarniçaram-se em gorda metralha, até que alguém, o alferese Jaime Segura, apercebendo-se que o matraquear era todo das G3, pôs cobro àquele lamentável lapso, que poderia ter redundado em mortandade, mas a metralha passava felizmente mais alta ou mais baixa, mas não deu para fazer um único arranhão. Era pontaria de maçaricos].

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O Vicente

Mansabá, 10 Setembro 1963

O Vicente era Manjaco. Conheci-o naquele noite em que cheguei a Mansabá. Estendido no cimento, choramingava, de pés atados e presos a um dos prumos do telheiro da antiga escola primária, roupa manchada de nódoas, não sei de quê, e de chapéu Zorro no chão.

Para mim, era um homem igual a tantos outros. Depois, contaram-me a história, a história de tantos outros, e fui sabendo-a de cor à medida que as noites iam passando. Conheci-o nessa noite infernal para mim. Deitara-me na tenda que havia com o vento tentado deixar-nos à chuva e ao vento. Mas, constrangido, doíam-me todos aqueles gritos de dor ou de raiva e os tristes cânticos de morte que ele ia resmungando. Levantei-me. Tremia. Nessa noite assisti, constrangido ao máximo, ao julgamento, feito pelo capitão da companhia ali acantonada.

 – Bó cúnhece bandido?
 – Mim cá sibi…. Si fala, mim murre, capiton! – E citava alguns nomes.

Em cada suposta mentira ou falsidade em que fosse apanhado, um murro pesado estendia-o no chão, enquanto alguém o levantava pela roupa e o sentava de novo. Presidia uma grossa “menina” de cinco largos olhos, que caía, repetidamente, nos dedos dos pés, nos joelhos, nas unhas. E ainda uma ou outra vez uma faca o ameaçava.
– Bô cúnhece bandido, bô metido na coisa, hem?

Aquela noite gravou-se no meu espírito e não dormi. Os gritos arranhavam minha pele:
– Pelos meus filhos, capiton!

Eu, nada confortável em meus sentimentos, jurava a mim mesmo que não voltaria a assistir a tal julgamento. Tinha o acordo do médico.   Vicente tremia todo como se estivesse como paludismo e, de vez em quando, trincava os lábios grossos e olhava para o chão com olhos duros e enormes, soluçando lágrimas.
– Pelos meus filhos, capiton!

O Vicente continuou preso e dava-me um dó enorme o seu aspecto. Agora, com os pés entalados numa tábua, sempre presa no mesmo lugar, sentado no chão, envolto em moscas e cismando não sei o quê, talvez no arrependimento.

A faca é que uma noite, em que de novo eu com o médico não quisemos colaborar naquele espectáculo macabro, é que lhe ia tirando a vida, usando-a pelas suas próprias mãos para se ver livre de uma vez por todas. Estava cansado de tanto interrogatório. Num repente, sacou-a de cima da mesa e nem sequer alguém teve tempo, ou intenção, de sustê-lo. Cravou-a no abdómen que se rasgou. Mas por quê deixá-lo morrer assim às suas próprias mãos? A vida de um homem é preciosa, seja ele quem for e o médico cumpriu a sua obrigação: meteu-lhe as tripas dentro. Coseu, coseu. Tratou-o e, passados dias, estava curado e bem disposto, dizendo graças. Tornou-se o chefe de outros prisioneiros que não tiveram aquele esquisito e brutal tratamento. Fez-se simpático. Dividia a comida, o pão e a água, que lhe dávamos, por todos. No fundo, tinha um bom coração.

Solto, o Vicente trabalhou, ajudando alguns dias na cozinha, e, dias depois, foi para casa para junto das duas mulheres e das filhas.

Vi-o no outro dia de bicicleta e de boina ao lado.

Jornal da Bairrada, 14 Novembro 1964

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Palhota sem luz

“24 de Maio de 1964

Naquela noite de luar, dependurado sobre a madrugada, os meninos tiveram a terra, o dia e o sol a aquecer-lhes a nudez, um tecto de colmo, o silêncio do mundo, mas não tiveram presentes, um berço pobre que fosse, as palhas de uma manjedoura ou o bafo quente de animais. Nada. Pobres como a nudez. Irmãos de tantas crianças iguais.

O pai morrera-lhes, há meses. A mãe de dor rebolara-se na terra batida da palhota e os meninos sentiram logo a dureza do chão a magoar-lhes a vida tão tenra e frágil. Sabia que por ali perto andava tropa. Em nomadização. Veio ao nosso encontro. Quando o médico [Dr José Hipólito de Sousa Franco, natural de Lisboa] lhe disse que ia mandá-la para o hospital, ficara mal do parto, embora tivesse vindo a pé até nós, ela desenhou nos lábios carnudos um sorriso triste, quase medroso. Depois, colocou no fundo de uma bacia, que fora esmaltada, mas em tal estado que se poderia ver o céu ou o mato por ela, uns farrapos sujos e neles aconchegou, com todo o carinho, os dois rebentos, cor esbranquiçada, [como nascem todos os meninos negros], e cobriu-os com as pontas dos farrapos com um olhar cheio e feliz.

Ela partia de jeep.

Eu tive que partir também para outro lugar. Nunca mais saberei nada da sorte da mãe e destas duas crianças. Mas sei que fiquei feliz pela mãe e por elas. Eram gente como nós”.

Jornal da Bairrada, 20 Fevereiro 1965
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Nota do editor

Último posta da série de 13 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12444: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (9): Aerogramas para a Lili (2)

Guiné 63/74 - P12457: Notas de leitura (544): "Guiné - Guerra e Poesia - Canjadude e Bolama", de José Martins Gago (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Julho de 2013:

Queridos amigos,
A obra de José Martins Gago é um diário minucioso, ele fala dos cadernos de apontamentos que vai enchendo, seguramente que confrontou todo esse material com a correspondência que ia enviando à sua mulher.
Há camaradas nossos, como o José Martins, que poderão iluminar alguns dos episódios descritos por Martins Gago, valia a pena. É um homem massacrado por dores de estômago, fala e repisa sobre a qualidade da comida, entusiasma-se com as tarefas da horta, o serviço de justiça, o inventário da cantina, as permanentes reparações. Ele descreve Canjadude nesse momento crucial em que a zona do Boé, desertificada, torna este quartel bem como o de Cabuca, muito mais expostos.
Assombra a minúcia, o detalhe, a sinceridade, trata-se de um diário na plena aceção do termo.

Um abraço do
Mário


O diário de Canjadude e Bolama, por José Martins Gago (2)

Beja Santos

“Guiné, Guerra e Poesia, Canjadude e Bolama”, por José Martins Gago, Chiado Editora, 2012, é um diário íntimo, vibrante, a conta-corrente de alguém que fala recorrentemente do seu sofrimento físico, da sua vontade de fazer coisas, de saber cumprir e fazer os seus soldados cumprirem. Obriga o leitor a entrar na intimidade, a viver silêncios e a perceber o que se estava a passar num ponto remoto do Leste da Guiné, muito exposto às deambulações dos guerrilheiros.

É preciso ser muito sincero para escrever, como ele faz em 23 de Abril de 1969 que mal chegam de um patrulhamento lhe entregam o correio e ele, sôfrego, abre. “Nas cartas vinham duas fotografias da minha filhota, uma delas acompanhada da minha mulher. Senti-me senhor da Guiné e do mundo e com ânimo para suportar tudo até voltar. Como não sentir isto depois de um dia de tantas privações e incertezas? Aquilo não eram fotografias, eram elas em pessoa, a dar-me a coragem necessária para terminar o que agora começava, nem que para isso tivesse que lutar sozinho contra aqueles inimigos que nem sequer conhecia”. A horta entusiasma-o, mandou aprofundar o poço, mas todas as obras o empolgam, como arranjar o cano falso da cozinha para escoar a água dos resíduos. Olha à sua volta e também vê desgaste psicológico, a sua relação com os soldados reforça-se e dá-lhe um sentido para esta sua vivência militar. Os problemas de saúdem, os problemas alimentares, são uma opção constante. As semanas passam, as patrulhas prosseguem, os guerrilheiros não estão à vista, não emboscam, não minam, não flagelam. O serviço de justiça e o inventário da cantina também o absorvem. Nutre uma grande admiração pelo comandante da companhia, capitão Pacífico dos Reis. De vez em quando fala no refúgio na leitura, não esclarece o que lê. Aparecem dois indivíduos a vender arroz, veio a descobrir-se terem sido enviados pelo PAIGC. Logo se prepara uma operação em que os dois capturados irão como guias. Foram levados até um acampamento, estava vazio, havia para lá lanternas, marmitas, latas de conserva, livros de escola. Deitou-se fogo ao acampamento. A patrulha seguiu em direção ao rio Corubal, nenhum indício da presença do IN. Em Maio, já sofre de dores violentas do estômago, o enfermeiro admite a possibilidade de se tratar de uma enterite. Ele procura não desfalecer, mas começaram as noites sem dormir, são insónias que se irão repetir, haverá mesmo uma baixa à neuropsiquiatria. Estamos ainda na época seca, há sedes imensas, todos bebem nos charcos água imunda, as consequências vêm depois.

Em Maio, dá-se uma ocorrência inesquecível, ele vai pisar uma mina, seguiam por um trilho quando o guarda-costas lhe disse: “meu alferes não se mexa, pisou uma mina!”. O alferes fica petrificado, raciocinou: se a mina não tinha rebentado rebentaria se tirasse o pé. Mandou instalar o pessoal e afastar os homens, estudou bem a posição do pé sobre a mina. “As minas antipessoal são compostas de uma caixa de madeira retangular de dez centímetros de largura por cerca de vinte centímetros de cumprimento. A caixa tem um disparador na extremidade oposta à que liga a parte de cima à parte de baixo e quando pisado nesta parte a pressão do pé aciona o disparador que faz rebentar a carga que tem junta. Ora eu tinha posto o pé ao lado contrário ao do disparador e por isso não o acionei logo. Mas eu não sabia se tirando o pé, mesmo rapidamente, a mina não rebentaria, era um risco enorme que eu não podia correr. Só havia uma possibilidade de sair dali incólume: mandei cortar um ramo de árvore com uns três metros de cumprimento e logo a seguir apareceu o meu guarda-costas com uma vara que teria cerca de cinco metros, mandei coloca-la junto ao pé, para ver se ela podia exercer a pressão necessária para equilibrar a do meu pé”. E começou aqui um exercício de alto risco que podia ter tido um desfecho trágico. Ele atirou-se para o lado contrário, não houve detonação, os soldados mantinham-se com a vara na mão. A mina não rebentou. E depois foram levantar a mina, ninguém se molestou.

Em Junho, voltam a aproximar-se de Cheche, continua a não haver sinais de vida. Mas a 27 ele vai escrever no seu diário: “Vou começar a narrativa do dia em que pela primeira vez o meu corpo esteve exposto a milhares de balázios”. Saíram de Canjadude e foram até Samba Gana, nada se encontrou. É nisto que aparece um heli de onde sai Spínola. Prepararam uma emboscada noturna numa extinta tabanca de nome Burmeleu. Aqui chegados, deparasse-lhes um trilho, de passagem muito recente. Ele está a inspecionar o sítio quando se ouvem vozes, aí uns cinquenta metros, preparava-se o dispositivo para iniciar um ataque quando surgem dois guerrilheiros, pronto começou o tiroteio. Ora os guerrilheiros estavam a montar uma emboscada em duas frentes, o que significa que dispunham de uma maior flexibilidade no potencial de fogo. Mas aquele pelotão da CCAÇ 5 avançou, o IN recuou. “Apanhámos mais uma arma e gostei de ver o meu grupo em combate, foram uns leões, valeu a pena a preparação que lhes dei”. E passam mais uma noite emboscados no mato. Viram um grupo de oito a dez elementos a caminhar por um trilho próximo da posição em que se encontravam, mandou a prudência em guardar silêncio absoluto. Pelo amanhecer, vieram avisá-lo que ia a passar um grupo de cerca de trinta elementos. Começaram a avançar e cerca de 500 metros à frente caíram numa emboscada. Alguém em espanhol lhe perguntou quem vinha lá. E um tiroteio mais violento do que na véspera acompanhou a resposta deste alferes de Canjadude. Lançaram-se a correr, quem estava a emboscar fugiu. Destruíram várias canoas junto do rio. E os despojos da batalha foram bem magros: alguns carregadores, cartucheiras e barretes. Cedo fez-se sentir, mas tiveram que caminhar muito até chegar ao pé das viaturas, que os aguardavam: “Pus um garrafão à boca e bebi para além dos limites, até o estômago não suportar mais”. A época das chuvas tudo alaga. As insónias prolongam-se. As obras dentro do quartel nunca param. Em Julho, há uma grande operação com tropas especiais, a companhia de Canjadude parte como dispositivo à retaguarda, o inimigo não se apresentou por uma razão muito simples, estava a atacar Canjadude, quem se revelou um herói foi o apontador de morteiro 81, conhecido por 115.

Fazem-se patrulhamentos debaixo de chuva diluviana, continua a não haver sinal do IN. Voltam para as missões de rotina dentro do quartel, ele sofre dores de cabeça horríveis. O registo do diário fala de chuvas, relâmpagos faiscantes, trovões de enlouquecer, a atmosfera a desfazer-se em água. Os sapos, pelo seu coaxar, fazem um barulho de enlouquecer. As colunas a Nova Lamego são obrigatórias, todo o abastecimento é sempre periclitante. Em Agosto, vão novamente em direção a Cheche, passam por Samba Gana, percorrem uma boa extensão da margem direita do Corubal, nada. A 12 de Setembro, o demónio anda à solta, uma GMC acionou uma mina anticarro num sítio que até agora era considerado tranquilo. Dez homens ficaram ensanguentados, nenhum morreu mas alguns deles irão ficar em tratamento vários meses. “Desde que cheguei, ainda não tinha visto a cor do sangue, mas hoje já e da maneira que mais me custou, que foi a dos meus homens, dos meus melhores homens”.

O comandante Pacífico dos Reis preparou uma boa reação, nova patrulha, o IN não frequenta por ora aquelas paragens. Ao fim de seis meses, parte para férias, regressará em Outubro.

(Continua)

Da esquerda para a direita: Capitão de Cavalaria Pacifico dos Reis (armado com Mauser), 2.º Sargento Manuel Farinha Marques, Furriel Miliciano José Martins e Alferes Miliciano José Martins Gago 
(Fotografia já publicada no blogue).
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Nota do editor

Poste anterior da série de 13 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12443: Notas de leitura (543): "Guiné - Guerra e Poesia - Canjadude e Bolama", de José Martins Gago (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12456: Tabanca Grande (415): Júlio Martins Pereira, sold trms, CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Porto Gole, 1965/67), grã-tabanqueiro nº 635



Vídeo (1' 28''). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras >  15 de outubro de 2013 >  Tarde de convívio dos parentes das famílias Crisóstomo e Crispim e dos amigos e camaradas do João Crisóstomo, recém casado com a eslovena Vilma Kracun. O casal vive em Nova Iorque e está de passagem na terra natal do João, em viagem até à Eslovénia onde vão passar as festas de Natal e Ano Novo. 

Intervenção do Júlio Martins Pereira, natural de Paredes, e ex-soldado de transmissões da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), uma companhia madeirense em que o João Crisóstomo foi alferes miliciano, tal como o falecido ator Luís Zagallo. Nesta alocução, o Júlio refere as duas minas A/C em que, no dia 6 de outubro de 1966, na estrada Enxalé-Missirá, cairam dois grupos de combate da CCAÇ 1439, um que vinha de Missirá, comandado pel alf mil Zagallo, e outro que vinha em seu socorro, do Enxalé, comandado pelo alf mil Crisóstomo.

A este convívio, de que se dará mais logo o devido relato, comparaceram alguns camaradas de armas do João Crisóstomo, e amigos do blogue: para além do Júlio Martins Pereira, o Eduardo Jorge Ferreira (que é natural de Vimeiro, mas mora em A-dos-Cunhados), o Joaquim Pinto Carvalho, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e eu próprio mais as nossas companheiras... (LG)

Vídeo: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.


1. Conheci ontem, à tarde, o Júlio Martins Pereira, que vive em Campo, Valongo, e é natural de Paredes.

 Veio, com a esposa,  propositadamente do norte, fazendo 600 quilómetros (ida e volta)  para dar um abraço ao seu antigo camarada de armas, o João Crisóstomo. Soube da notícia através do nosso blogue, que ele acompanha. Achei um gesto muito bonito. Reparem: são quase 50 anos depois!... E depois da Guiné nunca mais se tinham encontrado!... Espantosamente nasceram nasceram no mesmo dia, mês e ano, 22 de junho de 1944.

O Júlio Martins Pereira tem um pequeno blogue, com dois postes, singelamente intitulado  A Minha Vida. Desse blogue autorizou-me a transcrever o texto a seguir que vai servir de apresentação do novo membro, da Tabanca Grande, nº 635. Bem hajas, Júlio! (*) (LG)




Guiné > Zona leste > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) > O sold trms Júlio Martins Pereiram, natural de Paredes.


Foto: © Mário Gaspar (2012). Todos os direitos reservados.




Guiné > Mapa geral da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor: localidades da margem direita do Rio Geba por onde andou a CCAÇ 1439, e aqui assinaladas a zul: Porto Gole (destacamento), Enxalé (sede), Missirá (destacamento)... Mas também por onde passou, na margem esquerda (aquartelamentos  assinalados a verde:  Xime e Bambadinca). Finete, em frente a Bambadinca, na margem direita do rio Geba, era um destacamento de milícias, no regulado do Cuor. A 1ª mina aqui referida, no texto a seguir, é accionada no percurso Missirá-Enxalé; a segunda é no troço inverso,  Enxalé-Missirá, no sítio do Mato Cão. (As duas versões, a do Júlio Martins Pereira, sold trmns da CCAÇ 1439, e a do Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52,  não exatamente coincidentes) (**).

À época a que se referem os acontecimentos (6 de outubro de 1966), estava em Bambadinca a CCAÇ 1551 / BCAC 1888 (em Bambadinca, entre maio e novembro de 1966, indo depois para Fá Mandinga). Em novembro de 1966, a CCS/BCAÇ 1888 (que estava em Fá Mandinga desde maio de 1966) vem para Bambadinca  até  janeiro de 1968. O BCAÇ 1888 é substituído pelo BART 1904, em fevereiro de 1968, e este por sua vez pelo BCAÇ 2852, em outubro de 1968...

 Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).

2. Apresentação do novo membro da Tabanca Grande, nº 635:

Eu, Júlio Martins Pereira, soldado de transmissões nº 26523/65, fui de Lisboa para a Madeira a bordo do paquete Funchal  para o BII 19. Mas, como a companhia, a CCAÇ 1439,  já tinha partido para a Guiné,  eu e mais uns quatro soldados tivemos de aguardar por novo barco que nos levasse para Bissau para aí nos juntarmos ao resto do pessoal que,  naquela ocasião, em setembro de 1965,  já se encontrava em Bambadinca.

Uma vez aí chegados na LDM, depois de permanecermos uma noite, em pleno Rio Geba,  a meio do mesmo, entre os aquartelamentos do Enxalé de um lado e do outro o do Xime, ali consegui ver a força do famoso macaréu, aquela grande onda de água que de manhã nos acordou e que colocou novamente o barco a flutuar, e para assim podermos chegar ao nosso destino.

Aqui chegados ao batalhão, em Bambadinca,  e depois de realizadas algumas operações prós lados do Xime,  a mim foi-me atribuída a função de sempre acompanhar o comandante na árdua tarefa de transmitir e receber informações para o bom desenrolar das operações em curso, quer de terra quer do ar. 

De Bambadinca fomos para o Enxalé e daqui uns foram para Missirá e outros para Porto Gole. Eu fui para Missirá, no pelotão comandado pelo já falecido alferes [Luís] Zagallo. Na ocasião a morada no continente do alf Zagallo era na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa. 

No dia 6 de outubro de 1966, por volta das 7 horas da manhã,  íamos nós de Missirá a caminho do Enxalé em coluna com um jipe e um unimogue, íamos buscar alimentos e outros produtos pró pessoal. Depois de passar o cruzamento que dava para Finete, aproximadamente, 800 metros à frente havia uma poça d’água. O jipe que ia na frente desviou-se, nesse jipe ia o motorista, o alf Zagallo, o enfermeiro e mais dois soldados. A  seguir ia o unimogue que não se desviou da poça d’água e ai rebentou a mina. Na frente,  no unimogue,  ia o furriel  Mano, de pé,  do lado esquerdo do condutor e ao lado deste mais 2 ou 3 soldados, na parte de trás. Nos bancos laterais onde eu ia, iam os bancos completos.

Rebentada a mina, eis que alguns de nós tal como eu, encontrámo-nos dentro daquela cratera,  cheia de lodo e gasóleo.  Nós,  sem armas, os mais conscientes ainda conseguímos  gatinhar para encontrar armas para nos defendermos de qualquer eventualidade, no meio de toda aquela gritaria, todos aqueles berros,  os choros, todos aqueles, mortos e feridos... Apesar de tudo só ouvimos lá longe uma rajada de costureirinha, a querer dizer-nos algo sobre o que nos tinha acontecido...

Como não houve mais nenhuma reação, demos início à procura e recolha dos nossos mortos e feridos. Estes encontravam-se espalhados, quer no capaim encharcado de cacimbo (orvalho noturno),  quer nos destroços do unimogue que ficou virado em sentido contrário e retirado da cratera.

Ainda hoje me lembro de ter retirado um camarada nosso,  pegá-lo por baixo dos braços e encostá-lo ao taipal para que outros o pusessem no chão. Era preciso retirá-los daquele sofrimento e acalmá-los e procurar todos os outros. Entretanto o jipe onde ia o alf Zagallo  volta para trá. Passado aquele tempo de possível reação [do IN ], entretanto, eu já tinha ido procurar os meus/nossos companheiros, quando fui ter com o alf  Zagalo, e lhe disse onde estavam alguns dos nossos mortos e feridos, incluindo o furriel Mano,  todo esventrado, esfacelado,  só a carne dava sinais porque ainda estava quente. A partir daqui começamos a recolher os restos dos mortos, e a pô-los no fundo do jipe, por cima os feridos mais graves, a estes amarrámos ligaduras do enfermeiro para que não caíssem com o andamento do jipe, que  ia transformado num autêntico carro de horrores.

Iniciada a marcha de retorno, esta na direção de Finete, fui eu, então a pé, desde o local da mina até Finete. A correr, sozinho com a arma em bandoleira para pedir socorro, uma vez aí, no cimo daquela grande bolanha, frente a Bambadinca. O comandante das tropas aí aquarteladas, depois de me ouvir, mandou 4 soldados [africanos] acompanharem-me até Bambadinca, para pedir socorro, mas ao mesmo tempo começam a imitir mensagens para o interior da bolanha no sentido de avisarem, a muita população que ali estavam a trabalhar,  que tinha rebentado uma mina ali perto. E estes,  em debandada,  encaminham-se para o rio Geba para fugirem para Bambadinca a bordo. Claro,  das canoas,  aí tive de pedir que retirassem cincio elementos da população para que eu e os meus quatro  camaradas que me acompanhavam pudéssemos chegar ao batalhão que aí estava aquartelado [, em Bambadinca]. 

Dali fui pedir apoio a Bissau para virem os helicópteros, e também à minha companhia CCAÇ 1439. Prá companhia fui eu que fiz o ponto da situação. Ali, o comando do batalhão fornece-me um rádio para que eu pudesse comunicar com os helicópteros e as respetivas frequências para uma boa comunicação.

Entretanto quando eu e os 4 soldados pretos iniciámos a marcha de regresso a Finete em plena bolanha e já com o roncar dos helicópteros e eu a sintonizá-los no meu rádio, eis que ouço um forte rebentamento e logo peço aos pilotos dos hélios que se possível passassem pela zona de Mato Cão, pois que o rebentamento ouvido instantes atrás podia ter a ver com a  CCAÇ 1439 que vinha em nosso socorro. Infelizmente veio logo a seguir a confirmação dos pilotos dos hélios,  que era verdade, a CCAÇ 1439 tinha tido no dia 6 de outubro de 1966 duas minas,  as duas não muito longe uma da outra... Aí em Finete ainda consegui falar com os pilotos dos Hélios, aquando das evacuações da 1ª mina,  a quem pedi que comunicassem a Bissau a pedir evacuação rápida para o pessoal que estava em Mato Cão,  na 2ª mina.

A quantidade de soldados mortos e feridos não sei ao certo, só procurando nos arquivos do BII 19, no Funchal. Digo eu, ou então o capitão, comandante da companhia, ou o alf Freitas ou o alf Crisóstomo, ou o 1º  da secretaria ou o cripto, tantos, tantos outros que podem confirmar tudo isto.

Júlio Martins Pereira



Guiné >Zona Leste> Sector L1 > Bambadinca > Estrada Enxalé-Missirá > Sítio do Mato Cão > 6 de Outubro de 1966 > Cratera povocada por uma mina A/C cuja explosão provocou a morte do Soldado Manuel Pacheco Pereira Junior, da CCaç 1439. Era natural de São Miguel, Açores. Os restos mortais (cerca de 3kg) ficaram no Cemitério de Bambadinca, Talhão Militar, Fileira 2, Campa 1, Guiné-Bissau. No regresso de Missirá, a mesma coluna accionou outra mina A/C que decepou a perna do fur mil op esp António dos Santos Mano, acabando por morrer por falta de assistência.(**)

Foto (e legenda): © Henrique Matos (2008). Todos os direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Enxalé > CCAÇ 1439 > Set de 1966 > Na messe: 1 - Cap Mil Pires, Cmdt da Companhia [CCAÇ 1439]; 2 - Alf Mil Sousa; 3 - Alf Mil Zagalo; 4 - Médico do Batalhão; 5 - Eu [, Alf Mil Henrique Matos, Cmdt Pel Caç NaT 52]; 6 - Alf Mil Marchand, Cmdt do Pel Caç Nat 54; 7 - Fur Mil Antunes, falecido em combate; 8 e 9 - Fur Mil Monteiro e Altino, do meu Pelotão [Pel Caç Nat 52]. Foto do Fur Mil Viegas, do Pel Caç Nat 54. Cortesia e legenda do Henrique Matos

Foto (e legenda): © Henrique Matos (2010). Todos os direitos reservados.

3. Ficha de unidade:

CCAÇ 1439: Mobilizada pelo BII 19, partiu para o CTIG em 2/8/1965 e regressou a 18/4/1967. Esteve em Xime, Bambadinca, Enxalé (com destacamentos em Porto Gole e Missirá) e Fá Mandinga. Comandante: cap mil  inf Amândio Manuel Pires.

(...) No dia 6 de Outubro de 1966 numa coluna [da CCAÇ 1439] que saiu do Enxalé para reabastecimento de Missirá (sorte minha, porque não foi a minha vez de a comandar) e no fatídico lugar de Mato Cão, o soldado Manuel Pacheco Pereira Júnior, mais conhecido pelo Açoriano pois era o único natural dos Açores naquela companhia que era de madeirenses, foi literalmenet pulverizado por uma mina A/C.

Quando digo pulverizado é o termo que melhor descreve a situação, pois sou um dos que andou à procura de restos do corpo e apenas encontrámos pequenos fragmentos de ossos com que fizemos um embrulho que pesava poucos quilos. Tem a sua campa em Bambadinca, como se pode ver na relação do Marques Lopes
A G3 dele nunca mais se viu, pensando-se que terá voado para o Geba que passa a não muitos metros de distância. (...)

(...) Mas a tragédia não acaba aqui. A coluna foi descarregar a Missirá e regressou a abrir, isto é, o mais depressa que podia andar e sem picar. Então muito próximo do mesmo local outra mina A/C tirou a vida ao Fur Mil Ranger António dos Santos Mano, que vinha ao lado do condutor mas com uma perna para o lado de fora do assento. E foi isso que lhe causou a morte, pois a perna foi decepada e não houve forma de o salvar. Nessa noite foi preciso acalmar muita gente no Enxalé pois a companhia, [a CCAÇ 1439,] só tinha tido uma baixa até essa ocasião e já ia a caminho de 15 meses de comissão. (...)

Guiné 63/74 - P12455: Parabéns a você (665): António Paiva, ex-Soldado Condutor Auto (HM 241, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12450: Parabéns a você (664): Francisco Santos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 557 e Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494

domingo, 15 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12454: Boas Festas (2013/14) (7): Alberto Sousa e Silva, Manuel Maia, Jorge Teixeira, Giselda e Miguel Pessoa, Felismina Costa, Hilário Peixeiro, Manuel Lema Santos e Joaquim Cardoso

1. Postal de Alberto Sousa e Silva, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70



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2. Mensagem de Natal do nosso camarada Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74:

Para o Luís Graça e sus muchachos (co-editores do Blogue...) bem como para todos os camarigos, daqui envio os votos de um Natal cheio de saúde e alegria.

Que o 2014 possa surgir no horizonte coo um ano de esperança.

Um grande abraço
MM

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3. Mensagem do nosso camarada Jorge Teixeira, (ex-Fur Mil Art, CART 2412, Bigene - Guidage e Barro, 1968/70):

Caro Carlos Vinhal, amigo.
Na altura do Natal aproveitamos sempre para desejar Boas Festas, o problema é que de há uns tempos a esta parte, as "festas" têm sido todo o ano. Infelizmente muitos, ainda correm o risco de na altura que deviam ter Boas Festas, terem "amargos de boca"!...
Apesar de tudo desejo a todos Festas Felizes... dentro do possível, claro!

Um abraço
cumprim/jteix


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4. Dos nossos camaradas da FAP, BA 12 (Bissau), ex-2SAR Enf.ª Giselda Pessoa e Cor Pilav Ref Miguel Pessoa:


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5. Mensagem da nossa Grã-Tabanqueira e Amiga Felismina Costa:

Caríssimos Amigos Luís Graça e Carlos Vinhal
Não queria deixar passar esta quadra Natalícia, sem vos desejar um tempo de advento, de alegrias e Paz.
Que à vossa volta todos se sintam irmanados no espírito da quadra, e que prevaleça esse espírito para além, sempre para além do tempo.
Estendo a todos os vossos familiares os desejos de um Feliz-Natal e envio um abraço colectivo e sincero.

Amiga para sempre
Felismina Mealha


Mensagem Natalícia:

Caríssimos amigos da Tabanca Grande
Permitam-me uma saudação Natalícia!

Nem sempre a vida nos dá dias bonitos e inspiradores, e esse tem sido o meu caso!
Porém, a minha dívida para convosco, é imensa e eterna!
Somos irmãos no tempo que vivemos e vivemos. Partilhamos ao longo da vida, uma vida comum, se bem que “per si”. Cada um de nós partilhou e tomou conhecimento da evolução e do recuo da civilização, da evolução tecnológica, que nos permite o “encontro” à distância de um clic, e o reviver do passado, sempre presente.
E nesta contemporaneidade, nesta recta, que pretendo muito longa e de fácil caminhada para todos nós, à luz do conhecimento adquirido, do respeito e do carinho que todos me merecem, estou aqui para vos desejar para este Natal, uma reunião familiar, calorosa e sincera, onde cada um de nós, dê provas e passe a mensagem do valor da família, do saber quem somos, e porque somos.
Somos a geração responsável pelo próximo futuro e até mesmo já, pelo presente!
Gostava de deixar aos nossos filhos e netos um mundo de que se orgulhassem, mas contra as melhores vontades… as menos boas!
Desejo porém, que dias mais felizes cheguem, pois convenço-me cada vez mais, que as situações são cíclicas e portanto, o ciclo positivo chegará risonho no tempo aprazado!

Até lá, amigos, desejo-vos o melhor que houver, o melhor que conseguirdes para vós e para os vossos.

Renovo os desejos de Boas-Festas e envio aquele abraço fraterno que a todos contempla e o meu eterno obrigada!

Felismina mealha
Natal de 2013

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6. Mensagem do nosso camarada Hilário Peixeiro, ex-Cap Mil da CCAÇ 2403/BCAÇ 2851, Nova Lamego, Piche, Fá Mandinga, Olossato e Mansabá, 1968/70:

A todos os meus amigos desejo um Santo Natal e um Feliz Ano Novo e uma longa vida com qualidade, desejos que através do nosso chefe de Tabanca, Luis Graça, torno extensivos a todos os camaradas tabanqueiros.

Hilário Peixeiro

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7. Postal de Natal do nosso camarada ex-1.º Tenente da Reserva Naval Manuel Lema Santos


Votos sinceros para todos os Camaradas e Amigos, extensivos aos respectivos Familiares.
Manuel Lema Santos

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7. Mensagem natalícia do nosso camarada Joaquim Cardoso (ex-Soldado de TRMS do Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74):

Caríssimos Editores e Camaradas em geral
Eis que se aproxima a passos de gigante as Festas de Natal.
De seguida, o fim deste ano 2013, estando o novo 2014, já à "espreita" para lhe tomar o lugar.
Como este Natal é o primeiro que passo no "aconchego" da tabanca, é não só, mas também por isso, que venho desejar a todos que dela fazem parte, bem como aos seus familiares, um feliz Natal e, que o Ano Novo lhes traga tudo o desejam. 

Muita saúde e Boas Festas para todos.
Castelões-Penafiel 16/12/2013
J.Cardoso
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12445: Boas Festas (2013/14) (6): José Martins, José Rodrigues, José Santos, Joaquim Mexia Alves e Ernestino Caniço

Guiné 63/74 - P12453: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (6): O Higino Arrozeiro e as lições de francês

1. Em mensagem de 10 de Dezembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Fragmentos de Memórias.


FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS

6 - O Higino Arrozeiro e as lições de francês

Confuso andei anos e anos, no que respeitava à data da minha chegada ao K3, confusão que hoje 8 de Dezembro de 2013 se foi, pois que em conversa com um camarada da CCAÇ 1422, de quem não mais soubera desde o regresso, fui informado que teríamos ido para lá em princípios de Novembro de 1965.

Passámos a tarde recordando os amigos mas lembrámos acima de tudo e com muita mágoa, aqueles que nos deixaram, vitimados que foram pela minas colocadas por mãos assassinas inimigas. O primeiro foi o Fur. Mil. Higino, em Maio/66, mais tarde o Capitão Corte Real, em Junho/66.

Tive conhecimento do primeiro caso, aquando de férias na Metrópole e no segundo, estive presente e mesmo ali ao lado.
Qualquer DELES foram pessoas que mereceram a nossa estima e que também no-la deram e de quem temos muitas saudades.
Quer um quer outro, fizeram amizades, eram excepcionais na maneira como lidavam com todos, mereciam ter tido melhor sorte... o que lá vai lá vai , mas na nossa memória continuam por cá.

O Higino havia-me pedido prái em Fev/66 mais ou menos, para lhe ministrar umas lições de francês, língua que ele percebera que eu sabia, dadas as cartas que me vira receber duma moça francesa que se prestou para ser minha "madrinha de guerra" coisa na altura muito em voga. (e que bem fazia à rapaziada ter alguém do lado de lá, dando carinho e atenção).
Ela era de Grenoble, que nem sei onde fica, nunca nos conhecemos pessoalmente e o facto de nos correspondermos deu-se devido a mensagem sua, incerta no Paris-Match".

Dentro daquele espírito saudável da época, partilhámos uma relação cheia de boas coisas e fiquei-lhe imensamente grato pelo que me ensinou e pela paciência com que me aturou.
Dez anos mais velha do que eu, tivera um irmão na guerra da Argélia e teria sido ele próprio a incentivá-la a "amadrinhar" um combatente Português.

Pois o Higino Arrozeiro, queria ir para França, logo após o cumprimento do dever na Guiné a fim de poder melhor ajudar a sua mãe viúva, com quem vivia e daí o estar a pedir-me uma ajudita.

- Vamos nessa pá... tenho nisso muito gosto, vou mandar vir um livro de leitura e a gramática mas entretanto podemos já a ver os primórdios.

Num dos dias seguintes começámos e mandei-lhe para a mão uma peça de teatro que por acaso não chegou a ser representada mas que ensaiei, cujo nome era "O Visconde de Pavia Ranso" e que tinha por lá umas palavras francesas, tais como "chateau du Caramulo", "rendez-vous" e mais umas outras, que seriam reproduzidas pelo galã da peça, o visconde.
Claro que estranhou (mas ia tomando notas) que o "au" se lesse "ô"...; o "du"= "diú" ..; o "en= â...e o "ou"=" ú ".

Chegaram entretanto da Metrópole os livros pedidos.

Quando me preparava para iniciar o "je suis/tu és/ e o "avoir", tivemos a sorte de aprisionar um individuo senegalês (ao que soubemos depois) e que falava fluentemente a língua francesa. Melhor oportunidade não podia haver para que o inquiridor fosse o meu estimado aluno, que cumpriu cabalmente e até se excedeu, não conseguindo todavia a confissão que se pretendia.

O prisioneiro, foi-se recusando a dar as notícias do que sabia até que lá acabou por abrir o jogo e até sem que exercêssemos qualquer pressão, a não ser quando... enfim.

Bom, as lições lá continuaram quando possível e por pouco tempo que os afazeres não o permitiam doutro jeito e quando estávamos já para passar a outros verbos e leituras no livro seguinte, por e devido ao facto de me ter sido dada a hipótese de ir passar umas férias à Metrópole, interrompemos mas deixei-lhe trabalho de casa para fazer.

Sei que os fez que bem os vi, quando regressei, mas ele já cá não estava. Partira depois de a viatura em que seguia a caminho de Mansabá e ali nos "carreiros" local que sabíamos ser sítio perigoso, ter pisado uma mina que o levou sabe-se lá para onde.

 Veríssimo Ferreira, à esquerda, em Bissau com o seu camarada Higino Arrozeiro

Na foto, da esquerda para a direita: Gualter, Higino, (?), Simões, Corte Real e Nuno

Entretanto quase logo a seguir (inícios de Julho) fui forçado a deixar a Companhia e parti para a Secção de Funerais e Registos de Sepulturas, 1.ª Rep do Quartel General em Bissau.

Ali voltei a encontrar o meu amigo, que jazia na capela do cemitério, a aguardar trasladação. Eu mesmo o meti no Niassa embrulhado que estava o caixão, em quatro tábuas, não sem que o tenha admoestado por ir daquela forma. Antes ainda ofereci-lhe com dedicatória... a gramática... o livro de leitura e os trabalhos de casa que ele fizera, e que não corrigi.
E ali no cais do Pigiguitti, cornetim amigo tocou o Toque de Silêncio.
E eu, em sentido, acompanhei-o assobiando e tremendo, até que o barco se diluiu no horizonte.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12413: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (5): K3, Maio de 1966 - Operação Vaca

Guiné 63/74 - P12452: Conto de Natal (13): Um Menino Jesus antecipado na família Brian (Tony Borié)

1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66, com data de 14 de Dezembro de 2013:

Olá Carlos.
Olha, isto é a noticia do nascimento meu neto, que estou a repartir com os meus amigos sinceros.

Um abraço,
Tony Borie.



Houve risos de felicidade, abraços, é um rapaz, “it’s a Boy”, o pai abraçava a mãe, a avó benzeu-se, o avô chorou, o telefone trabalhou de diversas e para diversas zonas, longe, mais perto. Dá cá o menino, não toques no menino, deixa ver o menino, oh, é tão lindo, é parecido com o pai, o avô, a avó, a mãe, a tia, o tio, não façam barulho, deixem o menino dormir, enfim, todas aquelas expressões normais que contêm alegria, surpresa e emoção próprias de um nascimento!


”it’s a Boy”, nasceu às 2 horas e 29 minutos da tarde, com 8 lbs. e 2 oz., e com 21 inches de comprimento!

Foi numa Sexta-feira, dia 13, no ano de 2013. Somando o total dos números da hora de nascimento, que é, 2+2+9, dá o total de 13. Somando os números do peso mais a medida de comprimento, que é, 8+2+2+1, dá o total de 13.

…Querem melhor coincidência?

Os felizes papás, Brain e Sandy, quando ainda esperavam o Anthony

O avô com o neto

Pronto a notícia está dada, “it’s a Boy”, mais uma pessoa nasceu, e vai juntar- se aos milhares de milhões já existentes neste mundo, que alguns dizem que “é de Cristo”

Oxalá possa sobreviver, seja educado com segurança e em paz, para ser útil a todos, tornando este mundo mais agradável, e que daqui a muitos anos os seus descendentes se possam orgulhar do pai que tiveram.

Tony Borie, 2,29 horas da tarde, de uma Sexta-feira 13 de um Dezembro com neve do ano de 2013.

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2. Comentário do editor

Recebi esta mensagem do camarada Tony Borié, que a título privado me dava a notícia do nascimento do seu, para já, último neto. Achei que o modo e o tempo da notícia era propícia à sua publicação pelo que lhe pedi autorização para o poste que aqui fica.

Em nome da tertúlia aqui fica um abraço de felicitações ao Tony, extensível a todos os elementos da família do pequerrucho Anthony. Especialmente aos papás, desejamos as maiores felicidades para levarem a bom porto a missão de criar e educar o seu filhote.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10845: Conto de Natal (12): O meu Natal de 1966 em Mansabá (Manuel Joaquim)

Guiné 63/74 - P12451: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (1): Marcha do regresso da "Zorba"

Marcha do Regresso da “Zorba”

Recolha de  Mário Gaspar [, foto atual à esquerda]


Rapazes,  cantai cantigas
Alegres e animadas,
Acabaram-se as fadigas
Das patrulhas e emboscadas.

Bravos rapazes da “Zorba”,
Dispostos a trabalhar,
Sejam barcos ou colunas
É sempre, sempre a alinhar.

Viemos para a Guiné,
Prontos para combater,
Pica, estiva e sapa até
Tudo soubemos fazer.

Ao partirmos com saudades…
A saudade é uma mulher,.
Que tenha felicidades
Quem depois de nós vier-

Coro

Cá vai a malta da “Zorba”,
Toda alegre e sorridente,
Alegria não nos falta
Que a tristeza mata a gente.
Cá vai a malta da “Zorba”,
Corações cheios de fé,
Depois da missão cumprida,
Gadamael, Ganturé
Situadas lá no Sul,
Da província da Guiné

Ao regressarmos a casa,
Para nós a vida muda,
O cântaro perde a asa
Nós ganhamos a “peluda”.

Já vai chegando o momento
De à Guiné dizer adeus,
De acabar o sofrimento,
Voltar a abraçar os meus.

Em vinte e dois meses de glória
Cumprindo, como as primeiras,
O que há-de constar da história
Lá no RAC, em Oeiras.

Viva a Companhia “Zorba”
Que em nós deixou bem gravado
O nome de Portugal
E a honra de ser Soldado.


1. Nova mensagem, de 9 do corrente, enviada pelo Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68 [, foto à direita, em Gadamael, antes de um operação]

Assunto - Envio de 3 Fotos e Marcha - na íntegra - da "Zorba" 

Camarada e Homem Grande da Tabanca

As fotos eram muitas, mas neste momento tenho poucas. Umas que desapareceram nos empréstimos para diversas exposições, outras que se sumiram à nascença - dois rolos desapareceram na revelação em Lisboa, deram-me o negativo em branco - uma dessas fotografias vi mais tarde numa exposição. 

Tenho pena, visto ter fotos tiradas em emboscadas no famigerado "corredor da morte". 

Tenho algumas histórias para narrar. E é pena que os nossos ministros da Educação não abram as portas à História Contemporânea, incluindo a narração da História da Guerra Colonial nos compêndios e manuais escolares, isto enquanto estamos vivos. Ainda surgem uns grandes cérebros que vão contar a Nossa História da Nossa Guerra, do modo que mais lhe agradar. 

Somos uma força, juntos muito valemos, mas cuidado porque estamos na Idade Maior, muito próximos do fim. Estamos ainda vivos, não se esqueçam que existiu uma guerra que matou as nossas mentes e os nossos sonhos. 

Éramos muito jovens, com idade de namorar. Mas porquê a guerra? A guerra mata, e quem dela sobrevive, sofre. A guerra continua dentro de mim, a guerra continua dentro de nós. Temos de falar, com mais calma sobre o assunto. Logo que tenhamos disponibilidades, havemos de nos encontrar. Não estou a ver bem onde é a Escola Nacional de Saúde Pública/UNL, na Avenida Padre Cruz. Mas vou muitas vezes a essa avenida porque sou sócio da ADFA, que sabes onde fica. Também sei a localização do Instituto Ricardo Jorge.

Um abraço do Homem Grande Mário para o Homem Grande Luís Graça.

Fotos: © Mário Gaspar (2013). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Vd. os postes do Mário Gaspar:

Guiné 63/74 - P12450: Parabéns a você (664): Francisco Santos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 557 e Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12433: Parabéns a você (663) Francisco Palma, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 2748 (Canquelifá, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491 (Dulombi, 1971/74)