sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12751: Notas de leitura (566): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 4 de 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Carlos Fabião, talvez o oficial português que melhor conheceu a Guiné entre 1955 e 1974, deixou vários depoimentos de inegável valia.
Sentiu, em meados da década de 1960, que a guerra se transformara num atoleiro para as nossas tropas; acreditou convictamente que Spínola cativaria as populações e poria a Guiné do nosso lado, foi assistindo à escalada armamentista e não hesita em dizer que se perdera a solução militar, a partir de 26 de Abril todos os dados estavam lançados.
Reitero que todas estas intervenções, cheias de deficiências devido a aspetos técnicos, devem ser lidas no site que se indica.

Um abraço do
Mário


A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas (4)

Beja Santos

A última jornada de trabalho sobre a descolonização da Guiné promovida pelos Estudos Gerais da Arrábidas realizou-se em 11 de Abril de 2002 e o interveniente principal foi Carlos Fabião (1930-2006), membro do Movimento dos Capitães, colaborador próximo do general Spínola e último governador da Guiné. Recordo aos confrades que toda a documentação atinente a estas jornadas de trabalho pode ser encontrada no site (www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/guine.htm), de que é titular o Instituto de Ciências Sociais. Esclarece-se novamente que a transcrição destas jornadas têm defeitos de vária ordem, correspondentes a interrupções, conversas inaudíveis, gravação desaparecida, aconteceu de tudo um pouco, é lamentável que assim seja dada a alta qualidade dos participantes, protagonistas da descolonização da Guiné.

Carlos Fabião, talvez o oficial português com melhor conhecimento da realidade guineense, começa por referir o seu currículo militar, incluindo as diferentes comissões que fez na Guiné. Chega à colónia em 1955 e aqui permanece até Março de 1961. Volta a Lisboa e é mobilizado para Angola, segue no Batalhão 132, já como capitão. Em 1965, faz nova comissão na Guiné. É questionado sobre o teatro de operações, e descreve-o: “A situação já é muito má. Quando eu cheguei à Guiné, havia entre os indivíduos que aqui estavam e os que chegavam uma rivalidade estúpida: os que tinham já feito Angola, os que ainda não tinham feito Angola. O chefe do Estado-Maior perguntou-me se eu já tinha estado em Angola, respondi-lhe afirmativamente, disse-me para esquecer tudo o que tinha aprendido lá”. Vai permanecer na Guiné até 1965. Volta para a Guiné em 1669.

Spínola modificou drasticamente a quadrícula, impôs a aproximação às populações, reservou para o Comando-Chefe as zonas de intervenção onde só iam as tropas especiais. Spínola decide uma nova conceção para as milícias, quer que passem a ter uma estreita ligação às populações a que pertenciam. Fabião não regateia elogios a esta primeira fase de Spínola e como mudou dispositivos, como gerou hábitos de auscultação das populações e como foi bem-sucedido com os congressos do povo, talvez o seu maior êxito na política social: “Spínola criou na Guiné uma maneira de estar em África que eu considero que foi o mais extraordinário que ele fez, pôs a manobra militar subordinada à manobra política. Fez uma guerra política em que a manobra militar servia só de suporte”. E criou as aldeias junto às lavras. Fabião é questionado sobre o estado de espírito no teatro de operações antes do 25 de Abril. Tem uma resposta pronta: “A Guiné estava perdida. O 25 de Abril evitou um desastre militar na Guiné”. E pede para que as suas declarações subsequentes sejam eliminadas na transcrição.

Retomada a conversa, Fabião descreve a iniciativa de Spínola para se encontrar com Senghor, ambos analisaram uma proposta de acordo, Senghor foi firme: descolonização em dez anos; cessar-fogo imediato; pôr a diplomacia internacional a colaborar nesta solução pacífica. A fama de negociador chega aos altos comandos conservadores, por exemplo o general Câmara Pina envia-lhe uma carta apelando um retorno à bandeira. Segue-se o Congresso dos Combatentes, os ultranacionalistas fizeram uma jogada para exigir a continuação da doutrina monolítica. Os slogans do congresso eram do tipo: “As pátrias não se discutem, defendem-se”, “Alerta, há inimigos escondidos no altar de Deus”, “Ninguém aprova o desmembramento do seu corpo. Portugal também não”. Muitos antigos combatentes foram aliciados para comparecer no Porto, seria uma forma de reavivaram a camaradagem.

Em 1971, Fabião é responsabilizado por Spínola para encontrar um novo enquadramento para as milícias, foram fundamentais para a arrancada no Sul, quando Spínola decidiu no fim do ano de 1972 a reocupação do Cantanhez. A conversa direciona-se para a operação “Mar Verde”. Fabião comenta: “Spínola tenta de todas as maneiras a vitória militar. A “Mar Verde” é encarada como a hipótese de ganhar a guerra” e explica o que correu bem e o que correu mal. A partir do momento em que não foram destruídos os MIG, havia que regressar o mais cedo possível a casa. Critica a má qualidade das informações da PIDE/DGS. E a seguir a conversa centrou-se nos acontecimentos a seguir ao 25 de Abril. Senghor pede a Spínola para enviar um emissário a Paris, seguem Fabião e Nunes Barata. O presidente do Senegal declara estar disposto a ajudar Portugal na descolonização, a independência da Guiné-Bissau é já um dado indiscutível, a OUA ficaria extremamente agradecida. Spínola não comenta os apelos de Senghor. Fabião chega a Bissau no início de Maio, sente que não há condições para se realizar um Congresso do Povo como Spínola pretende. O PAIGC ameaça retomar prontamente a guerra.

O que passa agora a estar em discussão é se o modelo da descolonização portuguesa fora dado pela descolonização da Guiné. Fabião retoma as suas observações sobre a especificidade dos acontecimentos na Guiné, continuar a guerra era inviável, não encontrara uma fórmula de negociação com o PAIGC para o cessar-fogo teria redundado num desastre. Fabião veio a Lisboa e Spínola ter-lhe-á apresentado hipóteses que ele considerou delirantes: criar-se um Vietname ou criar-se uma Coreia, Fabião terá dito a Spínola: “Eu isto não faço, não pense. E vou-me embora”. Spínola volta a insistir no Congresso do Povo, medida sem pés nem cabeça. O próprio Comandante Militar, General Galvão de Figueiredo foi perentório: “Diga ao general para não pôr aqui os pés”. Decorreram bem as negociações com o PAIGC, acordou-se que eles ocupariam alguns destacamentos e que depois, de forma progressiva as tropas portuguesas iriam regressando a Bissau.

Fabião é confrontado pelos moderadores sobre a dimensão das áreas chamadas libertadas, referindo que mesmo nos santuários como Sara-Sarauol, Morés, Cantanhez, o PAIGC era forçado à mobilidade e à dissimulação, se assim não fizesse a aviação destruía tudo, liquidava civis e militares. E, por fim, veio à baila a especificidade da guerra na Guiné: clima e tensão, a penosidade dos abastecimentos, as terras alagadas e o inimigo agressivo. Fabião comenta a mentalidade daquela guerra, o estado mórbido que se desenvolvia nos militares: “A gente na Guiné dizia que o clima jogava a nosso favor. Só quem o vive é que pode adivinhar. A gente está no quartel e o quartel é atacado todos os dias, ou dia sim dia não, e um tipo habitua-se àquilo. De repente, o quartel começa a ser atacado de cinco em cinco dias e eu, a partir do terceiro dia, já não durmo. Já não durmo porquê? Porque devia ter sido atacado na véspera e não fui. E, às vezes, os tipos estão dez dias sem atacar. A partir do sexto ou sétimo, já ninguém dorme. Tem que haver um ataque, tem que haver. Se não for esta noite é a de amanhã. Se não é a de amanhã, é a outra. Mas tem que haver”. É um depoimento significativo de quem conheceu a Guiné pacífica dos anos 50, conviveu com as diferentes fases da guerra e ali esteve como último governador, sujeito a pressões incríveis, procurando remediar soluções honrosas e tendo procurado levar por diante o espírito do Acordo de Argel.

Paquete Carvalho Araújo, pintura de Fernando Lemos Gomes: postal adquirido na Feira da Ladra, deu para lembrar as viagens que nele fiz: em Outubro de 1967, a caminho de Ponta Delgada; Março de 1968, regresso de Ponta Delgada a Lisboa; Agosto/Setembro de 1970, de Bissau a Lisboa, passando pelo Sal e São Vicente e Ponta Delgada. Terei muito gosto em oferecer este postal a quem for colecionador.
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Nota do editor

Vd. postes da série de:

7 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12688: Notas de leitura (560): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 1 de 4 (Mário Beja Santos)

10 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12705: Notas de leitura (561): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 2 de 4 (Mário Beja Santos)
e
18 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12737: Notas de leitura (565): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 3 de 4 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12750: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (3) : Parte III (pp. 13-16)



Tavira > CISMI > Julho de 1968 > Foto nº 1 > Fila para receber fardamento..


Tavira > CISMI > Julho de 1968 > Foto nº 2 > Pessoal a receber fardamento...


Tavira > CISMI > Julho de 1968 > Foto nº 3  > Já na posse do fardamento...

 A chegada ao quartel da Atalaia dos  novos instruendos do 1º Ciclo do CSM, vindos de todo o país. Fotos do Fernando Hipólito, gentilmente cedidas ao César Dias e ao nosso blogue.


Fotos: © Fernando Hipólito (2014). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]

1. Continuação da publicação da brochura "Guia do Instruendo" (Tavira, CISMI, 1968) (*):














Páginas, de 13 a 16, não numeradas, do "Guia do Instruendo", usado no CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, em Tavira, na altura em que o César Dias  lá fez a recruta (1ºciclo do CSM)  e a especialidade (sapador) (2º ciclo), no 2º semestre de 1968.

O documento, de 21 páginas, era policopiado a "stencil". O César Dias mandou-nos o documento em "power point", com 21 "slides". As páginas foram convertidas em formato jpg. O original foi-lhe dado pelo seu camarada de recruta,o Fernando Hipólito, que foi depois mobilizado para Angola, enquanto o César foi parar à Guiné. 

Um grande abraço para o Hipólito, se nos estiver a ler, como esperamos.

Imagens (digitalizadas): © César Dias (2014). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]

[César Dias, foto atual, à esquerda]
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12708: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (2) : Parte I (7-13 pp.)

Guiné 63/74 - P12749: Parabéns a você (694): Veríssimo Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 1422 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12729: Parabéns a você (693): António Carvalho, ex-Fur Mil Enf da CART 6250 (Guiné, 1972/74) e Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1426 (Guiné, 1965/67)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12748: Convívios (563): 9.º Encontro do pessoal da CART 1746, no próximo dia 10 de Maio de 2014, em Fátima (Manuel Moreira)

1.  Em mensagem do dia 11 de Fevereiro de 2014, o nosso camarada Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, BissorãPonta do Inglês e Xime, 1967/69, solicita que divulguemos o próximo Convívio da sua Unidade.



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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12743: Convívios (562): Confraternização do pessoal do BCAV 3846, dia 16 de Março de 2014 em Fátima

Guiné 63/74 - P12747: In Memoriam (180): Fernando Brito (1932-2014), major art ref, ex-1º srgt, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e 1ª C / BART 6523 (Madina Mandinga, 1972/74)

1. Faleceu, no dia 19 de Fevereiro de 2014, o major art ref Fernando Brito. O seu funeral realizou-se hoje, dia 20, 5ª feira, em Coimbra. O seu corpo esteve  em câmara ardente na Igreja de São José.

[Foto, recente,  à esquerda, o Fernando Brito mais o seu querido neto Cláudio Brito]

A informação foi-nos dada pelo   camarada António Barbosa, da 2.ª Companhia do BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74) que nos chegou através de mensagem do António Pires (UTW). ´

Quis entretanto confirmar a notícia, através do seu neto, Cláudio Brito (que era o elemento de ligação do Fernando com o nosso blogue). Da casa do avô atendeu-me a sua filha,  Ana Cláudia que me confirmou a funesta notícia. Foi uma morte inesperada, repentina. O Fernando Brito parecia gozar de excelente saúde, apesar da idade, 82 anos. Mas há cerca de 2 anos  tinha perdido a sua companheira de uma vadia,  a Natacha, de que ele falva sempre com tanta ternura e orgulho.  Privei com ele em Bambadinca, eu e outros camradas da CCAÇ 12, em 1970/71, como 1º srgt da CCS/BART 2917. Em 2001, perdera o filho, num trágico acidente de automóvel, Era o pai do Cláudio.

O Fernando Brito tinha entrado há pouco para o nosso blogue. Falei com ele há menos de um mês, ao telefone. Ficou entusiasmado com a hipótese de nos podermos reencontrar, ele e a malta da CCAÇ 12, com quem se dava particularmente bem (*), Falou-me,  um pouco, dos tempos duros que passou na 2ª comissão, em Madina Mandinga. E claro da grande perda que foi a morte do seu filho e da sua esposa.

Teve um funeral com honras militares e a presença de vários camaradas da Guiné que se cdeslocaram de Lisboa, segundo informação da filha. Seguiu fardado até à sua última morada.  É mais um de nós que parte, perdendo-se um elo das nossas memórias. (**)

Um abraço de pesar e de consolo, de toda a nossa Tabanca Grande  para o neto Cláudio Brito e para a filha Ana Cláudia, bem como para todos os camaradas das duas companhias por onde ele passou, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e 1ª C/BART 6523 (Madina Mandinga, 1972/74).
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Notas do editor:

(*) Postes referente ao nosso camarada Fermando Brito:

22 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12621: Tabanca Grande (421): Fernando Brito, ex-1º srgt art, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e CCS/1ª C/BART 6523 (Madina Mandinga, 1972/74), hoje major reformado... Passa a ser o nosso 641º grã-tabanqueiro

15 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12589: Memórias de Gabú (José Saúde) (38): Uma homenagem ao Major, aposentado, Brito, então 1º Sargento

13 de janeiro de 2014 >Guiné 63/74 - P12582: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (78): Informação sobre o ex-1º srgt Fernando Brito, da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), que é meu avô, está reformado como major e vive em Coimbra (Cláudio Brito)

6 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9144: O nosso fad...ário (5): Fado Brito que és militar (Letra de Tony Levezinho, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

7 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3582: Cancioneiro de Bambadinca (2): Brito, que és militar... (Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 12, 1969/71)

(**) Último poste da série > 19 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12744: In Memoriam (179): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori! (Liliana, amiga da Catarina): O Sr. Carlos, o Pepito, o filho da Calinhas, o marido da Isabel, o pai da Pepas, do Ivan e, especialmente, o pai da Catarina. O pai de um de nós. Para mim, era um herói, vivo

Guiné 63/74 - P12746: Estórias avulsas (74): Balas de raiva: uma emboscada que deixou marcas (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem sobre o Francisco Fonseca, ex-furriel miliciano, CART 2732, que cumpriu missão em Mansabá, 1970/72

História de um emboscada entre Mansoa e Mansabá

Camaradas

Com a devida vénia ao nosso blogue, permitam-me parafrasear este pequeno mote que surge interligado a um enorme sentimento de nostalgia que permanentemente assola o velho combatente que prestou serviço militar na Guiné: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca… é Grande.

Viajando nas alindas amarras do tempo com sabores e odores que muito bem conhecemos naquela terra vermelha, detemo-nos perante momentos circunstanciais que nos fazem reviver um mundo, quiçá assombrado, onde o quotidiano foi pautado com irreversíveis momentos de desespero e onde descortinámos segundos, minutos, horas e dias de profunda revolta.

Foi a morte de um camarada, de um outro estropiado, doutros feridos com menos ou mais gravidade, ou, de instantes em que a nossa força interior se superiorizou ao conteúdo de uma guerra que jamais nos outorgou tréguas. Rebentamentos infinitos, o zumbir das balas, os ataques noturnos aos quartéis, as emboscadas e as minas na picada, ou a incerteza do momento seguinte, formavam uma pirâmide de canseiras próprias de uma guerrilha que não dava sossego.

Hoje, sentado na poltrona do bonança, revejo comissões militares de velhos amigos que pisaram o solo guineense, antes da minha pessoa, e recordo algumas das suas histórias hilariantes, algumas fatídicas, onde a guerra traçava o destino de jovens militares colocados nas vanguardas do conflito em defesa de interesses alheios.

Por força de uma estima que já vai longa, sou amicíssimo de um camarada nosso de guerra na Guiné, onde os laços de amizade que nos unem se reportam aos princípios do anos 60, século passado, tendo as nossas vidas feito de nós uns caminheiros inseparáveis na rocambolesca vida terrena. A nossa eterna amizade é enorme e manter-se-á até ao derradeiro dia em que partiremos decididamente para a tal famigerada viagem sem regresso.

Apresento-vos, e proponho em simultâneo ao nosso chefe-mor Luís Graça o honroso lugar de tabanqueiro deste velho camarada e amigo, o ex-furriel miliciano Fonseca, sendo a sua graça completa Francisco Gomes Fonseca, nascido em 29 de maio de 1948, em Baleizão e residente em Beja desde os tempos de criança, que fez a sua comissão em Mansabá na CART 2732, entre o período que mediou o mês de abril de 1970 e o de fevereiro de 1972. Esta Companhia era constituída maioritariamente por pessoal originário da Ilha da Madeira, local onde formaram o contingente com destino à Guiné.

O Fonseca fala esporadicamente da guerra na Guiné. As sensações vividas no terreno são comedidas. Nunca vislumbrei no seu diálogo tons jocosos sobre a sua estadia em Mansabá. Fala sim do ambiente constatado entre os camaradas que perfilhavam ideais comuns. O Carlos Vinhal, ex-furriel miliciano da sua Companhia e nosso co-editor e administrador do blogue, foi seu camarada e ele sabe bem como ambiente era vivido no aquartelamento. 

Com a voz trémula, ainda que melancólica quando revê a temática abordada, isto é, quando o mote assenta sobre uma emboscada sofrida entre Mansoa e Mansabá, precisamente no dia 6 de dezembro de 1971, 11h15, o ex-furriel miliciano conta que “a coluna, onde seguia com o seu pelotão, reforçado com duas secções de milícias africanas, uma delas seguia na frente e outra na retaguarda, foi emboscada no regresso a Mansabá, num local denominado Mamboncó, sendo que do confronto com o IN tivemos um morto, um outro camarada que acabaria por morrer e muitos feridos graves e outros menos graves. Além disso tivemos também viaturas destruídas”.

Na memória surgem-lhe, ainda, imagens desse famigerado dia e que nunca esquecem: “Lembro-me que o IN, muito bem armado, saltou para a estrada, foi um enorme tiroteio entre as NT e o IN , minutos que pareciam horas, rebentamentos sucessivos, tivemos depois o apoio da Força Aérea, bem como da artilharia de Mansabá, e por fim foi feito o rescaldo da emboscada. Nem sei como saí daquele inferno. Foi uma manhã louca”.

Segundo o ex-furriel miliciano Fonseca, o pelotão era comandado por ele e pelo ex-furriel miliciano Sousa, um amigo que nunca mais esquecerá e com quem troca habituais contactos. São estas amizades criadas em tempo de tropa, e particularmente na guerra, que tendem em não consumir lembranças de outrora que literalmente permanecem bem ativas na nossa insofismável mente.

São também estes cenários de guerra na Guiné, onde as balas de raiva detonaram vidas e destroçaram sonhos, que, a espaços embora distantes, procuro trazer à liça, reconhecendo porém que todos nós somos portadores de histórias que marcaram as nossas vidas como antigos combatentes naquela porção de terra de onde se extraem pedaços de uma juventude perdida e, à época, algo moribunda com a sorte que o destino lhe pregou.
1 - Foto atual
2 - No abrigo
3 - Com um camarada
4 - Unimog destruído na emboscada
5 - Numa equipa de futebol
6 - Preparado para uma saída para o mato
7 - Com o furriel miliciano Carlos Vinhal, o cabo Santos e o furriel miliciano Sousa 

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

4 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12388: Estórias avulsas (73): O Dia das Sortes na aldeia de Brunhoso (Francisco Baptista)


Guiné 63/74 - P12745: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte II): Em Contuboel foi um descanso...




Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 >  CART 2479 / CART 11  (1969/70) > O filme da semama : Riffi em Paris, película francesa, de 1966, dirigida por Denys de La Patellière e com Jean Gabin no principal papel... Filme de gangsters, popular na época... Chegava à Guiné três anos depois...Melhor do que nada... [Hoje os guineenses não têm, que eu saiba, uma única sala de cinema.. Valdemar, acho uma maravilha esta foto!... LG]



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 >  CART 2479 / CART 11  (1969/70) >  Rua principal... [É a ainda mesma rua, ladeada de meia dúzia de casas coloniais, seguramente muito mais degradadas.. LG]



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 >  CART 2479 / CART 11  (1969/70) > Estrada para Bafatá... [Naquela época, uma verdadeira autoestrada, mesmo sendo de terra batida!... LG]



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 >  CART 2479 / CART 11  (1969/70) > Praia fluvial...



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 >  CART 2479 / CART 11  (1969/70)  > Regresso da praia fluvial...Eu, Canatário (?) e Pinto... [Valdemar, diz qual é a ordem, da esquerda para a direita... LG]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 >  CART 2479 / CART 11  (1969/70)  > Visita à "lavandaria" (I)... [Delícia de metáfora, lavandaria... Era a principal "indústria" da região... LG]



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 >  CART 2479 / CART 11  (1969/70)  > Visita à "lavandaria" (II)




Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 >  CART 2479 / CART 11  (1969/70)  > Os "tarzãs do Geba"  > Eu, Sousa, Edmond e Macias... [Valdemar, diz qual é a ordem, da esquerda para a direita... LG]

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: L.G.]



1. Continuação da publicação das Memórias de um Lacrau > Texto e fotos enviadas, em 9 do corrente, pelo Valdemar Queiroz, nosso novo tabanqueiro, nº 648 [, foto atual, em baixo]

Em Contuboel foi um descanso, nem parecia que estávamos na guerra. Idas ao rio Geba, ali próximo, bons mergulhos e tudo sem problemas, até deu para o Pechincha me ensinar a nadar fora de pé.

Depois apareceu o paludismo e as diarreias, mas passou com o tratamento habitual, só ficou a lica.

Chegaram cerca de 200 homens, muitos ainda rapazes, que vieram da zona do Gabu e de Bambadinca. Todos fulas ou futa-fulas, alguns descalços e com as suas roupas de uso e outros que já pertenciam à milícia. Vieram para a instrução para serem soldados, como se já não o fossem numa terra em guerra. Alguns eram muito jovens, talvez de 16 anos, outros já bem homens.
Valdemar Queiroz 

Lembro-me que o Umaru Baldé, o rapaz do cachimbo e morteiro
que foi para a CCAÇ 12, era mais baixo que eu (1,68 m); anos depois viemos a encontrar-nos, na Amadora, no ano 1999/2000 e media mais de 1,80 m.

O Umaru veio a salto,  sem documentos, depois de fugir em 1974 da Guiné e andar por vários países africanos, e trabalhar para a Expo 98... Mas estava doente dos pulmões e morreu, julgo que em 2008/2009, sem arranjar aquilo que ele mais queria, documentos e dinheiro para voltar para sua terra, Bambadinca.

Voltamos a ter visitas de lacraus e de milhares de formigas d’asa e de outras formigas que atacaram a nossa caserna, ataque  só debelado incendiando petróleo à volta da caserna.

Assim, passou o 1º.mês da chegada à Guiné.

 (Continua)
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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12744: In Memoriam (179): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori! (Liliana, amiga da Catarina): O Sr. Carlos, o Pepito, o filho da Calinhas, o marido da Isabel, o pai da Pepas, do Ivan e, especialmente, o pai da Catarina. O pai de um de nós. Para mim, era um herói, vivo

Carlos Schwarz, Ppeito (1949-2014)
1. Comentário ao poste P12738 (*), assinado por Polo Norte, aliás, Liliana, amiga da Catarina Schwarz da Silva, filha mais nova do Pepito e da Isabel. É um testemunho tocante que quem conheceu o Pepito na intimidade da famílía Schwarz da Silva, que trata  a venerável Dona Clara como Calinhas. A Liliana, que acabo de conhecer no centro funerário de Barcarena, onde o corpo do Pepito será cremada, é amiga da Catarina do tempo do ISCTE.

Chove em nós

Já não são os nossos avós: são os pais. Depois do pai da Xana, um cinquentão saudável e charmoso,  ter morrido no balneário do seu ginásio, da mãe da Rosa aos 51 anos ter sucumbido a um AVC, desta feita foi o pai da Catarina,

Morreu para muitos um homem importante. Um ícone da Guiné-Bissau.

Acho que não conheço muita gente que tenha conhecido heróis. Talvez, a Calinhas, avó da Catarina, que conheceu Fernando Pessoa e tem um livro autografado por ele. Fico sem fólego de cada vez que me lembro disto. Mas eu falo de heróis vivos, pessoas reais, que vestem calças de ganga e usam cachecóis do Sporting quando assistem aos jogos directamente do sofá. Eu conheci.

Conhecer o Pepito, era conhecer um herói.

Casou-se à revelia dos pais e, assim que nasceu a primeira filha, a família aterrou numa Bissau recém-independente, de onde era natural e onde queria mudar o (seu) mundo. Foi o pai da reforma agrária na Guiné, um político social por vocação e o maior impulsionador do desenvolvimento comunitário daquele país. Não queria dar peixe às pessoas mas ensiná-las a pescar. Não queria substituí-las, queria dar-lhes ferramentas. De Norte a Sul da Guiné, tabanca a tabanca, toda a gente sabia quem era o Pepito, o branco mais preto de que há memória. Viu-lhe ser pilhada a casa e a vida mil vezes e voltou a erguer tijolos, mobílias e a dignidade mil e uma. Dizia que "desistir é perder, recomeçar é vencer". Recusava ser comparado com o Che Guevara afirmando que "Morrer pela revolução é fácil, viver pela revolução é que é difícil". Ele viveu.

Morreu para muitos um homem importante. Um ícone da Guiné-Bissau.

Para nós,  morreu o Sr. Carlos, o Pepito, o filho da Calinhas, o marido da Isabel, o pai da Pepas, do Ivan e, especialmente, o pai da Catarina. O pai de um de nós. 

Sentiremos a falta do seu sorriso franco de cada vez que nos recebia em Oeiras ou em São Martinho, das histórias da Guiné e do ar embevecido quando ficava criança outra vez só por brincar com a neta com quem dançava música africana e embalava em crioulo. Sentiremos falta do tom propositadamente sério para nos intimidar, do porte de gigante e dos olhos vivos de cada vez que se falava do Sporting. Sentiremos falta da sua presença no quintal com vista para a baía em almoçaradas cheias de gentes vindas de todos os lados do Mundo com quem acabávamos por confraternizar porque a sua casa era como o seu coração: aberta a quem viesse por bem. 

Hoje não chove lá fora mas chove em nós. Morreu para muitos um homem importante.Para nós morreu o único herói que conhecemos e, mais importante que tudo, morreu um pai. O pai de um de nós.

(Um beijo, Catarina. Gostamos tanto, mas tanto de ti!)

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 18 de fevereiro de  2014 >  Guiné 63/74 - P12738: In Memoriam (178): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori! (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P12743: Convívios (562): Confraternização do pessoal do BCAV 3846, dia 16 de Março de 2014 em Fátima

1. Em mensagem do dia 6 de Março de 2013, o nosso camarada Delfim Rodrigues (ex-1.º Cabo Auxiliar de Enfermagem, CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela, 1971/73), enviou-nos para publicação o anúncio do próximo convívio da sua Unidade. 


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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12731: Convívios (561): Dia do Combatente de Gondomar, sábado 1 de Março de 2014, em Fânzeres

Guiné 63/74 - P12742: Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (12): Chegou Polidoro, "O Terrível"

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70), com data de 11 de Fevereiro de 2014:

Meu caro Luís Graça.
Camarada.
De baraço ao pescoço, quero pedir-te desculpa por só agora retomar a série "furriel enfermeiro, ribatejano e fadista".
Qualquer explicação poderia suar a falso, pelo que não a apresentarei. Mas para sossego de todos que sobre a ausência se interrogam, direi que nada de grave se passou, felizmente. Outras escritas por cumprir por mim chamaram.
Aqui tens o 13º episódio da saga. Depois do relato da saída do comandante César Cardoso da Silva, era inevitável falar do homem que o substituiu.

Um abraço para ti, para os nossos editores e todos os restantes camaradas.
Armando Pires


FURRIEL ENFERMEIRO, RIBATEJANO E FADISTA

12 - Chegou Polidoro, o terrível

(...) Estou a vê-lo, ao Polidoro, galões reluzentes sobre um camuflado acabadinho de sair do Casão Militar, olhos protegidos pelas lentes escuras de uns inevitáveis Ray-Ban, pingalim tremelicando na mão direita, voz forte e decidida advertindo a força em parada: - Não me tomem por periquito, que de guerra venho eu farto.

“in armando pires, P4778”

Queiramos ou não, a primeira imagem, a primeira impressão que causamos, acompanha-nos vida fora, cola-se-nos à pele como lapa. Podemos melhorá-la, ou piorá-la, “vê lá tu, pá, quem diria que aquele gajo se transformava no que é hoje”, mas a primeira impressão fica para sempre.

À primeira, eu vi o Polidoro assim.
Emproado, como um pavão. Escreva-se, por ser verdade, ele fez tudo menos querer causar uma primeira boa impressão.

O tenente coronel João Polidoro Monteiro chegou a Bissorã nos primeiros dias de Outubro de 1969, para comandar o BCAÇ 2861 em substituição do tenente coronel César Cardoso da Silva. Seguramente, pelas razões que, sucintamente, relato no meu P12333, alguém em Bissau deve ter dito a Polidoro Monteiro, “vá ali comandar aqueles gajos e meta-os na ordem".
Se foi esta a ordem, se era este o efeito pretendido, então não podiam ter escolhido melhor. Como se diz na gíria do futebol, Polidoro fez uma entrada a pés juntos, uma entrada a matar.
Ao advertir-nos que vinha farto de guerra, fez-nos sorrir. Sabíamos da sua proveniência do comando da Guarda Fiscal, em Moçambique.

 A frase seguinte do seu discurso de apresentação foi para avisar que não permitiria a nenhum militar que andasse mal uniformizado dentro do quartel e, em particular, pela vila de Bissorã. O aviso preocupou a todos. Mas o novo comandante não mandaria destroçar sem nos transmitir a informação que nos deixou incrédulos. Iria mandar realizar um exercício de defesa de Bissorã.
Seria um simulacro de ataque inimigo, em que todos e cada um realizariam tarefas precisas e pelo comando pré-determinadas, por forma a garantir adequada protecção da população e das instalações militares.

Ainda mal refeitos da surpreendente determinação já o exercício se iniciava com um toque a rebate no sino da igreja, que teve como efeito, por entre sorrisos mal contidos, ver o padeiro correr em defesa da padaria, os artilheiros a mergulharem no espaldão de morteiros, eu na enfermaria, sentinela alerta, à espera do que desse e viesse, e, entre especialistas vários, até o pessoal das oficinas, de G3 na mão, em defesa, quiçá, das viaturas.

Ai Polidoro, Polidoro, o que tu foste arranjar. Acordaste o leão.
Três dias depois do divertido exercício, mais propriamente a 8 de Outubro, pelas 21h10, o IN flagelou a vila de Bissorã, com particular intensidade a tabanca da Outra Banda, habitada pela etnia balanta. Foram ali incendiadas várias moranças, roubaram gado, causaram vários feridos entre a população, e, mais grave do ponto de vista militar, tendo chegado ao perímetro do arame farpado, os guerrilheiros entraram num abrigo de onde tinham fugido os dois milícias ali em serviço, levando com eles a metralhadora Breda M37 que lá ficara.

O comandante Polidoro foi rápido na resposta a esta acção. Chamou o cap. mil. João Abreu, comandante da companhia independente CCAÇ 2444, e ordenou-lhe que fosse colocado um pelotão em permanência no alto da Outra Banda, assim conhecida por ficar “do lado de lá” do Rio Armada. Era de lá que, preferencialmente, PAIGC flagelava Bissorã e assaltava as moranças.
Vila e tabanca apenas ficavam unidas por uma estreita ponte em madeira, que passava sobre o rio.

Numa tosca casa de piso térreo que lá havia, mesmo no lugar de onde partia a estrada para Binar, acomodaram-se os homens da 2444 que abriram extensas valas defensivas, em zig-zag, ao longo do arame farpado, a partir das quais reagiriam ao fogo inimigo. Não demoraram muito as obras. Uns escassos cinco dias a partir da ordem dada pelo comandante.
Foi “inaugurado” aquele destacamento a 14 de Outubro, precisamente o dia escolhido pelo inimigo para voltar a flagelar Bissorã, mas desta vez vindo o fogo do lado da estrada do Barro.

Foto 1 - Bissorã, 1970 – O destacamento da Outra Banda. A protecção à casa já foi levada a cabo pelos homens da CCAÇ 13, à qual pertencia o fur. mil. Adriano, que se vê em primeiro plano. 
Foto © cedida pelo Fur Mil Carlos Fortunato

O Comandante Polidoro Monteiro levou mais tempo a reagir ao ataque que o In levou a cabo a partir da estrada do Barro. Foi mesmo preciso que lá voltasse uma e outra vez, que a CCAÇ 2444 fosse rendida pela CCAÇ 13, que acabara de se formar, para tomar uma decisão.
Comandava a 13 o cap. mil. Aberto Durão.

Com este a seu lado, o comandante Polidoro chamou o Furriel Miliciano Carlos Fortunato, especialista de armas pesadas mas que em Bolama fez um curso suplementar de minas e armadilhas, por ser tido como um rapaz calmo e sereno, e incumbiu-o, num lugar que indiciava ser aquele onde os guerrilheiros instalavam as suas armas pesadas, de montar um dispositivo capaz de eliminar a ameaça.

O Fortunato (trato-o assim por ser aquele que preside à Associação Ajuda Amiga, da qual também faço parte), levou das oficinas auto meia dúzia de bidons do gasóleo, carregou-os com dinamite, acabou de os encher com tudo o que pudesse transformar-se em armas mortíferas, uniu-os por um fio condutor que vinha enterrado até à casa do gerador, onde foi ligado a um dínamo de manivela.
O In atacava, dava-se à manivela, os bidons explodiam e pronto.

Mas um mês depois de montada a armadilha, o furriel Fortunato voltou a ser chamado, desta vez para a “desarmadilhar”. Das razões da ordem ele não cuidou de saber. Mas, comentando o caso, é sua ideia que alguém, fosse em Bissau fosse na administração da vila, não terá gostado do plano, não terá gostado do local onde ele foi executado, por ser área agrícola, zona de cultivo das populações.
Resultado, depois de tomadas todas as providências, o furriel Fortunado deu à manivela e BUM!!! Naquele lugar não ficou terra firme para instalar morteiros inimigos, nem terra capaz de semear o que quer que fosse.

Foto 2 - Bissorã, 1970 – Em dia de festa popular, e chegado de uma deslocação ao sector, o ten. cor. Polidoro Monteiro , à direita, com o alf. capelão Augusto Baptista.

Um oficial de parada. Muitos o qualificaram assim.
Falta de jeito ou feitio, o certo é que o comandante tinha uma especial queda para “chatear” a malta. A farda era o seu alvo preferencial.

Por muito estranho que pareça, esse foi também o discurso de abertura que levou às três companhias operacionais do batalhão, a CCAÇ 2464, em Binar, a 2466, em Encheia, e a 2465, no Bissum, quando a elas se foi apresentar.
Em Bissorã, foi com particular mau estar que foi recebida punição do Furriel Miliciano do PelRec Aviz Pires, por andar sem boina.

E o voleibol, o seu desporto favorito?
Sete da manhã. Sem aviso mandava acordar um grupo de oficiais e sargentos por ele escolhido:
- O senhor comandante manda dizer que já está lá em cima no campo à espera. E que ninguém chegasse depois das 7 e 30.
- Filipe, já aí veio o motorista dele acordar a malta.
- Que horas são?
- Sete.
- Ó Pires, não gozes, deixa-me dormir.
- Ok! Vou andando que não estou para aturar o gajo.

Pouco passava das 7h30 quando ao campo chegou o Filipe, levado pelo motorista do comandante, que o fora buscar ao quarto.
- Olhe lá, ó senhor furriel, julga que está nalguma colónia de férias?

Deixemos ficar no olvido o azar que o Dr. Oliveira lhe tinha quando, àquela hora da noite em que ele achava já não ser recomendável andar na rua, o comandante o chamava para a mesa do bridge. E no entanto, este homem empertigado lá no alto dos seus galões, era, nas horas vagas, um tipo afável no trato, um bom conversador.

Foto 3 - Bissorã,1970 – Numa recepção oferecida pela comunidade local, eu à conversa com o ten. cor. Polidoro Monteiro. À esquerda, o comandante da CCAÇ13, cap. mil. Alberto Durão.


Carta ao tenente coronel João Polidoro Monteiro

Meu Comandante
Não sei se aí, no lugar onde se encontra, tem acesso à internet, e se, caso afirmativo, é seu hábito ler o blog do Luís Graça & Camaradas da Guiné.
O Luís é aquele rapaz furriel miliciano da CCAÇ 12, que o meu comandante conheceu em Bambadinca, quando para lá foi, depois de nos comandar a nós, comandar o BART 2917, onde, deixe-me que lhe diga, o senhor granjeou, entre aqueles que dele faziam parte, grande estima e consideração, como homem e como militar.
Eu escrevo no blog do Luís, acervo maior da nossa memória sobre a guerra e o nosso dia a dia na Guiné, e nele escrevi sobre si. Não quero, se se der o caso de me ler, que pense tratar-se de um qualquer ajuste de contas (cobardia de que não sou capaz) ou que fosse minha intenção beliscar a sua imagem de militar responsável e competente. 
No local onde escrevo ninguém muda a sua condição humana depois de morto. Somos o que somos, escrevemos o que fomos, conscientes de que não escrevemos para nós, mas para assegurar que no futuro ninguém nos acusará de não termos dito ao que fomos, porque fomos e o que fizemos. 
Interpretei na escrita o sentimento que o senhor deixou em nós, homens do BCAÇ 2861. “O homem é o homem e as suas circunstâncias”, escreveu Ortega y Gasset. Não me tomo de filósofo nem tão pouco de psicólogo capaz de ler o comportamento humano. Mas quero que saiba que muitos de nós (não posso dizer todos) sempre esteve presente, como se quiséssemos “desculpabilizá-lo”, o lugar de onde vinha e o que lá fazia, e o que de nós, e sobre nós, ainda que de forma injusta e deturpada, deve ter ouvido em Bissau. 

Meu Comandante
O senhor não foi “pera doce”. Manteve as tropas em exagerado sentido. Não granjeou particulares simpatias. Ouvindo um e todos, desculpe que lhe diga mas não deixou saudades. Mas é certo que também ninguém esqueceu aqueles momentos em que, para defender os seus homens dos ataques “exteriores”, até os tomates lhe subiam à garganta. E eu que o diga, quando em Bissau me que quiseram fazer a folha porque pedira uma evacuação urgente para o 1.º Cabo Catarré, na altura a fazer de barman no bar de sargentos, o qual ao meter cervejas no congelador deixou que uma garrafa caísse sobre as demais, provocando uma “explosão” de vidros, indo um deles, minúsculo, cravar-se-lhe na íris.
Ao vê-lo na enfermaria pensei, “eu aqui não toco, se isto não for tirado rapidamente ficas sem olho, vais para Bissau num fósforo”. 
Ainda estou a ver o ar estupefacto da enfermeira paraquedista, ao ver caminhar para o DO um militar com um enorme penso num olho e eu a dizerr, “é este”
Quando de Bissau chegou a ordem para averiguar os factos, saberá o meu comandante que todos ouviram os seus gritos lá dentro do gabinete.
- Se o vidro se espetasse no olho do cu dos gajos, já havia pressa.

Ainda hoje não sei com quem o meu comandante falou, ou o que falou, sei que dias depois me tranquilizou o Dr. Oliveira dizendo-me, “está tudo resolvido”.
Não podia haver maior ironia.
O meu comandante a evitar uma possível punição ao homem a quem, poucos dias depois de ter chegado a Bissorã, chamou ao seu gabinete para lhe dizer: 
- Sei que andas aí armado em vivaço, mas olha que te dou uma porrada.

Coisas que lhe sopraram aos ouvidos mas que nós, eu e o senhor, por respeito a terceiros envolvidos, mantemos em silêncio. Além de que o tempo se encarregou de dar outro e melhor rumo ao nosso relacionamento, não podendo eu esquecer o apreço que mostrou pelo trabalho da minha equipa, nem a conversa que comigo teve, no seu gabinete, pouco tempo antes de nos separarmos.
- “O primeiro sargento Portugal já tem indicações para tratar do processo da entrega da medalha de Comportamento Exemplar a que tens direito. (nota: Medalha de Cobre – A conceder aos sargentos e praças que completem 3 anos de serviço efectivo e que nunca tenham sofrido qualquer punição disciplinar ou criminal – mantendo-se na actualização feita pelo dec 566/71). Enquanto o processo não fica concluído, tens já aqui a barreta indicativa, juntamente com a barreta da Medalha das Campanhas, que passas desde já a usar no teu uniforme".

E usei, sim senhor, usei e com cagança, sendo elas bem visíveis na fotografia militar com que me identificam lá no blog do Luís Graça. Mas olhe, também deixe que lhe diga, ainda bem que o primeiro Portugal teve mais que fazer do que dar andamento ao processo e eu, chegado a Chaves, muita vontade de me meter a caminho de casa.
Aqui para nós, tendo em vista o que fui e fiz “fora das horas de serviço”, comportamento exemplar era um bocado exagerado. 
Já vai longa esta carta. 
Termino dizendo-lhe que lamentei não ter estado presente naquele nosso almoço de confraternização, realizado na Pateira de Fermentelos, em 1991, porque foi o único a que o meu comandante foi, e, depois disso, não mais o vi. 
Tinha sido uma boa oportunidade para falarmos sobre o que agora lhe escrevo. Mas quem sabe, ninguém sabe, se um dia não nos encontraremos “por aí”, com tempo e oportunidade para pôr a conversa em dia, e eu dizer-lhe, à minha maneira, “olhe que o senhor também foi um bom sacana”. 
Um abraço do Armando Aires 
ex-Furriel Miliciano Enfermeiro
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12333: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (11): A decapitação do Comando

Guiné 63/74 - P12741: In Memoriam (180): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori! (Patrício Ribeiro): Estamos reunidos, lá em casa, no Bairro do Quelelé, mais de 200 amigos, desde a hora da triste noticia, a ouvir os cânticos do grupo coral da AD, no "silêncio" dos choros e gritos de tristeza

1. Mensagens de Patrício Ribeiro, que vive em Bissau, amigo do Pepito e da família, e nosso grã-tabanqueiro desde janeiro de 2006  



[, Patrício Ribeiro, português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bssau desde 1984, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda,; fotos em cima e  à direita]

18 fev 2014 13h22

Caro Carlos.

As más noticias correm de pressa ...

Lá vai mais um amigo, um tabanqueiro, o Pepito... Parte,  depois de uma grande obra na Guiné.
Esta manhã no hospital em Lisboa.

Estamos em Bissau todos muito chocados.

Um abraço. Patricio Ribeiro


Carlos Schwarz da Silva,
'Pepito' (1949-2014)
18 fev 2014 21:02

Carlos.Vinhal, Luís, Rosinha:

Lá em casa, no Bairro do Quelelé.

Estamos reunidos mais de 200 amigos, desde a hora da triste noticia, a ouvir os cânticos do grupo coral da AD, no "silêncio" dos choros e gritos de tristeza.

Um choque muito grande para as pessoas em Bissau.

Ele tinha reuniões marcadas para os próximos dias.

São mais de 25 anos de amizade.

Um abraço, de tristeza.

Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
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Tel / Fax 00 245 3214385, 6623168, 7202645, Guiné Bissau
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12740: In Memoriam (179): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori! (José Teixeira): A AD está de luto. Caminho silenciosamente ao lado de tantos amigos que fui ganhando nesta família – a verdadeira família do Pepito e da Isabel e sofro com eles esta tremenda perda.



Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Liosbnoa > 6 de setembro de 2007 >  Engº Agrº Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito', (Bissau, 1969-Lisboa, 2014). "Tive a felicidade de caminhar várias vezes a seu lado pelo interior da Guiné. Impressionava-me vivamente a forma como era acolhido em festa. Como os mais velhos e os mais novos se acercavam dele, em grupo ou isoladamente, para lhe darem conta dos resultados dos projetos em desenvolvimento", escreve o José Teixeira,dirigente da Tabanca Pequena ONGD, e seu grande amigo e admirador. "Havia sempre razão para um sorriso de esperança. Havia sempre uma mão estendida num cumprimento afetuoso. Havia sempre uma palavra amiga e de estímulo. O Pepito acreditava naquela gente, mais que ninguém porque conhecia pessoa a pessoa e chamava-a pelo nome."

Foto e legenda: © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Medjo > 2 de maio de 2013 > O nosso querido Zé Teixeira com o régulo de Medjo, na sua última  viagem à Guiné-Bissau.









Guiné-Bissau > 2012 > Imagens do Pepito e dos filhos do Zé Teixeira, Joana e Tiago. O Tiago, que é médico, esteve em missão humnitária a trabalhar no Hospital de Cumura.

Fotos: © José Teixeira  (2014). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do Zé Teixeira, da Tabanca Pequena ONGD, publicada ontem na página do Facebook da AD - Acção para o Desenvolvimento

A Guiné-Bissau acaba de perder um filho e eu acabo de perder um amigo que,  sendo dos mais recentes, era dos mais queridos que eu tinha e o último a querer perder.

Marcou-me pela positiva logo no primeiro encontro em 2008 no Simpósio de Guiledge, onde nos conhecemos. A sua presença com uma alegria esfuziante, uma esperança profunda no povo da Guiné e nas suas capacidades para concretizar os sonhos de bem-estar. A sua forma de ser e estar no meio daquele povo que o idolatra porque sente o Pepito a caminhar a seu lado, a viver os seus problemas, a procurar de mãos dadas com esse povo as soluções ideais e possíveis num país continuamente adiado. 

Em suma cativou-me pela sua forma de pensar, ser e estar com os povos da Guiné-Bissau e eu deixei-me cativar.
Obrigado, Pepito,  pelas grandes e inesquecíveis lições de amor e dedicação à causa de um povo, que recebi de ti.

Entregou toda a sua vida num projeto para ajudar os mais frágeis da Guiné-Bissau, nas tabancas mais afastadas dos grandes centros, no sul e no norte, sem olhar a etnias, raças ou credos.  Entrava pelas Tabancas dentro. Dialogava com as pessoas sobre as suas carências. Estudava com os habitantes os seus problemas e formas de os solucionar. Envolvia-os nos projetos de mudança ou valorização. Empenhava-se em arranjar as verbas necessárias. Organizava as populações em associações locais, para gerir os seus próprios projetos e com elas avançava apoiado na sua equipa técnica.

Ainda há dias me dizia já com uma voz cansada pela doença que o minava velozmente que precisava de vir a Lisboa para festejar os 99 anos da sua mãe a D. Clara e ser internado para os médicos se debruçarem sobre a sua doença, mas antes ainda tinha de ir ao Sul ao Cantanhez levar máquinas costura e dinamizar o projeto de Associação de bajudas em várias tabancas para promover a aprendizagem de costurar roupa. Um dos objetivos da AD com o apoio da Tabanca Pequena para ajudar as populações do interior. Ainda tentou, mas teve de regressar no mesmo dia. Creio que foi o último esforço e que enorme esforço !

Tive a felicidade de caminhar várias vezes a seu lado pelo interior da Guiné. Impressionava-me vivamente a forma como era acolhido em festa. Como os mais velhos e os mais novos se acercavam dele, em grupo ou isoladamente, para lhe darem conta dos resultados dos projetos em desenvolvimento: 

(i) eram as rádios locais; (ii) as Tvs locais; (iii) as Escolas de Valorização Ambiental [EVA]; (iv) as escolinhas de pré-primário; (v) as mulheres das salinas; (vi) os homens e mulheres dos projetos agrícolas; (vii) as comissões de mulheres que geriam os Centros Materno-infantis; /viii) era a dinamização de projetos de desenvolvimento local para melhorar a produção; (ix) a promoção de feiras e intercâmbios com os povos vizinhos; (x) era os acampamentos das crianças das escolas, (xi) era a assistência á população nas mais variadas vertentes.

Havia sempre razão para um sorriso de esperança. Havia sempre uma mão estendida num cumprimento afetuoso. Havia sempre uma palavra amiga e de estímulo. O Pepito acreditava naquela gente, mais que ninguém porque conhecia pessoa a pessoa e chamava-a pelo nome.

Para todos levava uma palavra de estímulo, um gesto de carinho, um sorriso. O Pepito acreditava nas pessoas, nas suas capacidades e potencialidades, mas mais que acreditar, desafiava-as e estimulava-as a caminharem a seu lado. Muito conversamos sobre este tema- pôr as pessoas a agir, a dinamizar os seus projetos e ajudá-las, mas não as substituir nunca.

Em Abril de 2013, estávamos eu, a minha esposa, o Dr. Francisco Silva e esposa em Iemberém a jantar com o Pepito, quando um grupo de mulheres da Etnia Tanda, silenciosamente nos rodearam e quando acabamos de jantar uma responsável do grupo pediu a palavra. Era só para agradecer as quatro máquinas de costura que tinham recebido e para dizer que se tinham organizado em Associação para dinamizar a escola de costura para as bajudas da tabanca e já tinham 36 associadas. Depois fizeram 
festa, houve ronco, como só o povo da Guiné sabe fazer.
Foi esta uma das últimas e maios belas imagens que me ficou do Pepito na sua ligação ao povo da Guiné. Povo que com ele aprendi a amar.

Hoje sinto-me perdido. Mal souberam em Bissau do infausto acontecimento, ligaram-me para chorarem comigo a perda deste grande amigo. A Guiné-Bissau ficou mais pobre.

A AD está de luto. Eu caminho silenciosamente ao lado de tantos amigos que fui ganhando nesta família – a verdadeira família do Pepito e da Isabel e sofro com eles esta tremenda perda.

À Isabel.  sua esposa e suas filhas, à sua mãe D. Clara que fez há dias noventa e nove primaveras, quero expressar os meus mais profundos sentimentos de pesar. 

José Teixeira
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