quinta-feira, 6 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12797: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (20): Tavira e o CISMI: Nunca um fim-de-semana à inglesa rendia tanto como naquele tempo: tudo nele cabia - família, namorada, amigos e muito desejo de viver (Tony Levezinho, CCAÇ 12, 1969/71)




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 3º turno de 1968 > Pormenor do jantar do dia do juramento de bandeira... O Tony Levezinho, visto de perfil, aao centro, tendo em frente (lado direito da foto, a olhar para a máquina) o César Dias, que por sua vez tem à sua direita o Fernando Hipólito... Os três tiveram destinos diferentes: o Hipólito foi para Angola, o Levezinho e o Dias para a Guiné, um para Bambadinca e outro para Mansoa... Na foto original, há duas marcas de caneta de feltro, a vermelho e a verde, sinalizando o Tony e o César, respetivamente. 


Foto:: © César Dias (2014). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]


1. Mensagem do António (Tony, para os amigos) Levezinho, com data de 3 do corrente

Assunto: À volta das memórias de Tavira (CISMI)


Olá,Luis

Tentei, na passada 6ª feira, deixar diretamente no blog um comentário a propósito do tema em título, mas fui mal sucedido.

Assim, peço-te o favor de encaminhares o texto abaixo.

Um beijo para a Alice e um grande abraço para ti.

Tony Levezinho



Tony Levezinho e Henriques, à civil,
Bambadinca, 1969. Foto: LG
2. Semana inglesa no CISMI, ou o até já, Tavira!

por Tony Levezinho (ex-fur mil at inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71) [, foto à esquerda, com o nosso futuro editor Luís Graça, Bambadinca, 1969]



No contexto da ronda que tem vindo a ser feita por aqueles que tiveram o início da sua carreira militar no CISMI, a propósito da semana-inglesa, recordo o seguinte:
Despois de uma semana em que as "diversões" eram muitas e variadas, chegava o sábado redentor.

Tudo na vida tem um preço, bem sabemos e, assim, tal dia começava com um crosse, bem puxado, com arma e que aumentava 1 km, em distância, em cada semana que passava.

Com efeito, o fim-de-semana começava já só perto das 13.00h. e só para aqueles que, depois de uniformizados com a farda nº 2 e prontos para a revista, em plena parada, beneficiavam do ámen do oficial de dia, isto é, não eram vítimas de qualquer reprensão quanto ao seu aprumo final, o que, a acontecer, podia significar o cancelamento do seu "passaporte".

A propósito da benevolência, ou da falta dela, por parte dos oficiais, o César lembrou, há dias, a lamentável figura do senhor tenente Madeira que, na sua antipática voz de falsete,  fazia questão em afirmar-se, perante os indefesos instruendos, com as atitudes mais mesquinhas e atentatórias da nossa dignidade de que era capaz e, neste campo, sou testemunha, ele podia muito (interrogo-me, hoje, como eram as suas competências militares em cenário de guerra – se é que ele alguma vez os experimentou?). Parecia até que a sua capacidade de atingir um orgasmo estava intimamente ligada e dependente de tal comportamento.

Mas adiante, porque os autocarros não esperavam…
Vencida a porta de armas lá estavam eles, os autocarros, perfilados e preparados para rumarem à capital (normalmente dois). Começava então outra chamada, esta com sabor bem diferente, uma vez que se destinava a distribuir os passageiros inscritos para a viagem.

Como já referido, esta iniciativa, semanal, era levada à prática por um cabo miliciano, jovem empreendedor, alfacinha, do bairro da Graça (lamento não recordar o seu nome) que viu uma janela de oportunidade, como agora se diz, com este tipo de iniciativa, uma vez que os clientes estavam garantidos.

Pela minha parte, durante os seis meses que passei em Tavira, na recruta  [, 3º turno de 1968, 3ª companhia,]  e na especialidade, apenas num fim-de-semana não fiz e também não houve a tal viagem para a liberdade. Na verdade, aconteceu aquilo que muitos ansiavam e que, alguns até, de tanto esperarem, já duvidavam se tal dia chegaria – Salazar é afastado do poder [, em 27 de setembro de 1968, 6ª feira,  por motivo de incapacidade, na sequência da  "queda da cadeira", em 3 de agosto de 1968,] e o "preço" imediato foi o de vermos as portas do CISMI fecharem-se, com toda a gente lá dentro, de prevenção.

Com o roncar dos motores das viaturas, em movimento, já ninguém duvidava que o fim-de-semana (à inglesa, pois claro) tinha começado. Vencida a serra do Caldeirão, alguns quilómetros mais à frente, tinha lugar a única paragem. Ali (já não recordo a localidade) serviam-se umas sandes de presunto divinais (delas ainda retenho o seu cheirinho tentador). A azáfama era grande, mas o dono da tenda, dada a rotina, estava treinado e preparado para a pacífica invasão militar semanal, tudo indicando que, também aqui, havia uma relação comercial com o promotor das viagens.

De regresso à estrada, quem conseguia, deixava-se embalar pelos balanços do autocarro e fazia uma soneca. A ânsia da chegada ao seu mundo real não permitia, no entanto, a uns quantos, tão retemperador momento. Confesso que me incluía no lote destes últimos.

Finalmente, entre as 18:00 e as 19:00.  ali estava ele, o Campo das Cebolas, a dar-nos as boas vindas, mas a lembrar também que, no dia seguinte, pelas 24:00h, os autocarros fariam o percurso inverso, para, logo pela manhã de 2ª feira, nos devolverem às incontornáveis práticas, sendo a primeira uma indesejada sessão de aplicação militar, quase sempre nas salinas - punição demasiada para tão poucas horas de fruição.

Apesar de tudo, ainda hoje acredito que nunca um fim-de-semana à inglesa rendia tanto como naquele tempo. Tudo nele cabia - família, namorada, amigos e muito desejo de viver.

(Quaisquer imprecisões e/ ou incorreções são, peço desculpa, devidas a este meio século que nos separa dos acontecimentos)

Um Grande Abraço,

Tony Levezinho




Lisboa > Campo das Cebolas, visto da Casa dos Bicos (sede da Fundação José Saramago) > 6 de outubro de 2013 > Em 1968, o aspecto do local onde paravam as camionetas que vinham de Tavira seria bastante diferente... Durante anos, o Campo das Cebolas funcionavam como terminal rodoviário e era uma zona degradada... Há um projeto atual, com a assinatura do arquiteto Carrilho da Graça,  para a sua requalificação... Prevê_se que as obras possam começar em 2015...

Foto:: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.


Guiné 63/74 - P12796: In Memoriam (185): Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, ex-cap art, cmdt, CART 2715 (Xime, 1970/71)...


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > c. 1969/70 > Vista aérea da tabanca do Xime, onde estava sediada uma unidade de quadrícula... Em 26 de novembro de 1970, era a CART 2715 / BART 2917, comandada pelo jovem cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Através do Rui Santos Silva [, nascido em 1945, oficial de cavalaria, que terminou o curso da Academia Militar em 1969,  fez  uma comissão no TO da Guiné, em 1971/73, e é residente em Coimbra,] em mensagem publicada na página do Facebook da União dos Antigos Combatentes da Guerra do Ultranar, com data de 1 do corrente, tivemos a triste notícia do desaparecimento de mais um camarada da Guiné:

Informo que faleceu ontem (dia 28 de Fevereiro) o Ex-Combatente Cor de Artilharia Vitor Manuel Amaro dos Santos,  residente em Coimbra. O funeral realizar-se hoje para Foz do Arouce, Lousã.
Nascido a 22-11-1944,  tem 3 comissões no Ultramar: Guiné, Angola, Angola.

2. Nota de pesar do nosso editor L.G. e do nosso blogue [, uma outra versão foi publicada no Facebook]:

Conheci-o na Guiné... Pertencia ao BART 2917 (zona leste, setor L1, Bambadinca, 1970/72)... 

A sua companhia, a CART 2715 (Xime, 1970/72),  sofreu, juntamente com a minha, a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) uma violentíssima emboscada, no decurso da Op Abencerragem Candente, a 26/11/1970..., quatro  dias depois da invasão de Conacri... Resultados: 6 mortos e 9 feridos, incluindo o meu amigo fur mil Joaquim Araújo Cunha, com quem tinha estado a meio da noite, talvez por volta das 3 horas da manhã, a beber um copo antes de sairmos de novo, a caminho do inferno...

O jovem cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos, então com 26 anos, nunca mais terá sido o mesmo!... Falei com ele duas ou três vezes ao telefone... A nossa última conversa, há dois anos atrás, não foi fácil... Ele adorava o blogue mas tinha reservas em relação a  algumas referências à Op Abencerragem Candente e ao facto do seu nome estar associado a esta tragédia.

Diria mesmo que ele acompanhava, com emoção e paixão, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné...  Convidei-o, no devido tempo, a integrar a nossa Tabanca Grande, e publicar a sua versão dos acontecimentos que levaram à morte de cinco dos seus homens (a que se deve juntar a morte do guia e picador das NT Seco Camará, desde sempre ligado ao Xime, mas na altura ao serviço da CCS/BART 2917, e a viver em Bambadinca)... Essas mortes causaram-lhe profunda amargura... Por razões de saúde, vê-se obrigado a deixar o comando da sua CART 2715, logo em  1 de janeiro de 1971. Era DFA.

Prometo publicar, em breve, um poste complementar em homenagem à memória que lhe é devida... Como comandante operacional, o cap art Amaro dos Santos era um camarada nosso que devemos respeitar, e cujo nome eu gostaria de ver aqui ao lado dos nossos camaradas e amigos que da lei da memória se foram libertando...

Para a sua família e para os nossos camaradas da CART 2715/BART 2917, vão os nossos sentidos votos de pesar e de solidariedade na dor (**)...  (LG)

_________________

Notas do editor:

(*) Vd poste de 9 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9335: História do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Baixas: mortos e feridos (Benjamim Durães)


(...) CAPÍTULO III > BAIXAS SOFRIDAS, PUNIÇÕES, LOUVORES E CONDECORAÇÕES
A - BAIXAS SOFRIDAS PELAS NT

1 – EM COMBATE

a) - MORTOS

(i) CCS /BART 2917

- Picador Seco Camará, assalariado: Morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”, está sepultado em Nova Lamego.

(...) (iii) CART 2715

- Alferes Mil Atirador João Manuel Mendes Ribeiro, nº 17853469; morto em 04/10/71 na Operação “Dragão Feroz”; está sepultado em Castelo Branco;

- Furriel Mil Mec Auto Joaquim Araújo Cunha, nº  14138068; morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”; sepultado em Barcelos;

- 1º Cabo Atirador José Manuel Ribeiro, nº 18849069, morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”, sepultado em Lousada;

- Soldado Atirador Fernando Soares, nº 06638369, morto em 26/11/70 na Operação  “Abencerragem Candente”,  sepultado em Fafe;

- Soldado Atirador Manaule Silva Monteiro, nº  17554169, morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”, sepultado em em Condeixa-a-Nova;

- Soldado Atirador Rufino Correia Oliveira, nº 17563169, morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”, sepultado em Oliveira de Azeméis;

- Guia Nansu Turé, assalariado, morto em 04/10/71 na Operação “Dragão Feroz", sepultado em Bafatá. (...)

quarta-feira, 5 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12795: Convívios (566): 40º aniversário do regresso da CCAÇ 3547 (Os Répteis de Contuboel, 1972/74)... Santa Maria de Lamas, 31/5/2014



Crachá da CCAÇ 3547 (Contuboel, 1972/74) e guião do BCAÇ 3884 (Bafatá, 1972/74)




1. Anúncio do próximo convívio anual [vd. acima] e  História da CCAÇ 3547, transcrita, com a devida vénia da sua página no Facebook [, Companhia de Caçadores Répteis]:


CCAÇ 3547:  Chaves (Portugal) e Guiné (Contuboel, Sonaco, Bambadinca Tabanca, Sare Bacar, Nova Lamego, Madina Mandinga; Galomaro e Dulombi).

A CCaç.3547) era uma subunidade do BCAÇ 3884, com origem no BC10, unidade militar sediada na cidade de Chaves (Portugal).

A mobilização e a missão das novas unidades operacionais tinham por destino o teatro de guerra na então província ultramarina da Guiné. Quase em simultâneo também Angola e Moçambique combatiam a política colonial portuguesa na busca das respectivas independências, o que viria a acontecer, não sem antes deixar um rasto de morte e muitas outras sequelas (...).

O Batalhão partiu para a Guiné no fim de Março de 72. Aí chegado, foi aquartelado no Cumeré para fazer a IAO que durou cerca de um mês. 

Terminada a formação,  as unidades partiram para os “seus perímetros de acção”, o Leste da Guiné, a saber:  (i) CCS e Comando Operacional do BCaç 3884 em Bafatá; (ii) a CCaç 3547 em Contuboel; (iii) a CCaç 3548 em Geba; e (iv)  a  CCaç.3549 em Fajonquito.

A CCaç 3547 foi logo rebatizada pelos seus membros de “Os Répteis de Contuboel” e pela rádio do PAIGC como “As Almas Brancas”. Para além da sua sede – Contuboel – , tinha na vila de Sonaco um “destacamento”, composto por um Grupo de Combate e um pelotão de  Milícias.

Por força (?) da sua boa localização (um subsetor sem guerra), a Companhia  ficou, logo no iníci, e até ao fim da comissão, mutilada nos seus efectivos, por ausência quase permanente, de dois dos seus "grupos de combate", em destacamento/reforço de outras Companhias, nomeadamente Bafatá, Bambadinca Tabanca, Sare Bacar, Nova Lamego, Madina Mandinga, Galomaro e Dulombi.

Cedeu igualmente alguns dos seus graduados para as Companhias de Caçadores Africanas e Delegado/Agente de ligação para, em  representação de todo o Batalhão junto das Direcções de Serviços e Quartel Mestre General,  providenciar toda a logistica necessária à actividade do Batalhão.

A Companhia, na sua sede, funcionou como Centro de Instrução de Milícias (forças paramilitares), cujos formandos tinham por missão dar apoio e defesa local às populações nativas.

Ao longo da sua Missão e, apesar de teoricamente a área de actuação ser um paraíso, a Companhia, não conseguiu sair incólume aos efeitos da Guerra. Logo no início, num estúpido acidente de viação um dos seus homens ficou gravemente ferido, de que resultou numa paraplegia. Outras mazelas surgiram mas sem consequências de maior, porém, se a "missão" começou mal, terminou ainda da pior maneira; mesmo na recta final e a escassos dias de completarmos 24 meses, uma traiçoeira mina “rouba”, na plenitude da juventude, a vida a um dos nossos melhores!...

A Companhia regressa em fins de Junho de 1974 e termina a sua “missão”. A desmobilização vem a acontecer no dia 30 de Julho de 1974.

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de fevereiro de 2014 >Guiné 63/74 - P12781: Convívios (565): CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71): Alverca, Quinta Marquês da Serra, em 22/3/2014... Organização: Joaquim Lessa, da Tipografia Lessa, Maia, que também é o editor da brochura "Histórias da CCAÇ 2533"

Guiné 63/74 - P12794 : Memória dos lugares (264): Contuboel e Sonaco, junho/julho de 1969, ao tempo da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Humberto Reis / Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Setor L2 (Bafatá)  > Contuboel > Julho de 1969 > CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (1969/71) > O alferes miliciano de operações especiais Francisco Moreira, no meio do Humberto Reis (à sua direita) e do Tony Levezinho (à sua esquerda). O nosso Moreira era o homem de confiança do comandante da companhia, o Cap Inf Carlos Alberto Machado Brito (, hoje cor ref). O Moreira passou por Lamego,  pelo CIOE, tal como o Reis.



Guiné > Zona Leste > Setor L2 (Bafatá)  > Contuboel > 15 de Julho de 1969 > CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (1969/71) > O alferes miliciano Francisco Magalhães Moreira (1º Gr5 Comb), à esquerda, acompanhado pelo Tony Levezinho (furriel) (2º Gr Comb), o António Fernando R. Marques (furriel), o José António G. Rodrigues (alferes, já falecido) e o Joaquim Augusto Matos Fernandes (furriel) (estes três últimos do 4º Gr Comb), preparando-se para sair até Sonaco (a nordeste de Contuboel).




Guiné > Zona Leste > Setor L2 (Bafatá) > Contuboel > "Em 10 de Julho de 1969, numa canoa no Geba a caminho de Sonaco... Reconhecem-se da esquerda para a direita o Tony Levezinho, eu, o alf Francisco Moreira, o Rocha, condutor, o alf Rodrigues, já falecido, e o djubi, manobrador da canoa, de pé" (HR).

A CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12) realizou os exercícios finais da instrução de especialidade dos seus soldados africanos,  entre 6 e 12 de Julho, a 10 km a norte de Contuboel.  Sonaco era um destacamento do subsetor de Contuboel, tendo em permanência um grupo de combate da unidade de quadrícula de Contuboel mais um pelotão de milícias. Não me consta que alguma vez tenha sido atacada ou flagelada, tal como Contuboel. (LG)


Fotos: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. A propósito de uma recente referência a Contuboel e a Sonaco (*), dois topónimos de que se fala pouco, aqui no nosso blogue (, e em especial, Sonaco, que só tem meia dúzia de referências)...

O Humberto Reis, autor das fotos que acima publicamos (, que nâo têm de resto, a qualidade a que nos habituou: são de formato reduzido e fraca resolução,,,)  diz que "foi a Sonaco duas, ou três  vezes em passeio", no tempo em que a CCAÇ  2590/CCAÇ 12 esteve em Contuboel, ou seja, menos de dois meses, de 2 de Junho a 18 de Julho de 1969, na fase de instrução de especialidade dos nossos soldados do recrutanmento local . (Só um terço da companhia, os quadros e os especialistas, eram de origem metropolitana).

Sonaco era "um local sem quaisquer problemas", garante o Humberto... E eu confirmo:  pelo menos, não havia risco de emboscada ou de minas, nesse tempo... O braço armado do PAIGC não chegava até lá... Havia vários tampões, entre a fronteria com o Senegal e o subsetor de Contuboel a que pertencia Soncao. A terra tinha vários comerciantes, quer portugueses quer libaneses.

Não sei como as coisas evoluiram, depois... Enfim, era um sítio onde a malta do leste, de outros setores (como o L1,  de Bambadinca)  ia comprar vacas... O Torcato Mendonça, por exemplo, que "vivia" em Mansambo, já aqui referiu que chegou a comer alguns bifinhos das vacas de Sonaco... E eu também, em Bambadinca...

Igualmente havia quem fosse, de Bafatá, a Sonaco para pescar peixe, no rio Geba, à granada...como era o caso do Manuel Mata, (do EREC 2640, Bafatá, 1969/71). (E, a propósito, passei um belíssímo fim de semana na terra dele, o Crato; telefonei-lhe, mas ele já não usa o nº de telefone fixo que eu tinha na agenda).

A CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12) realizou os exercícios finais da instrução de especialidade dos seus soldados africanos, entre 6 e 12 de Julho, a 10 km a norte de Contuboel.  Andámos por lá a brincar às guerras, com balas de salva (!)... Só os graduados de cada grupo de combate (alferes, furriéis e cabos metropolitanos) levavam nas cartucheiras algumas balas a sério, não fosse o diabo tecê-las...

Em 20/6/1969, escrevi no meu diário:

 "O chão fula vai resistindo, mal, ao cerco da guerrilha. De Piche a Bambadinca ou de Galomaro a Geba, os fulas estão cercados. Mas por enquanto, Bafatá, Contuboel ou Sonaco ainda são sítios por onde os tugas podem andar, à civil, desarmados, como se fossem turistas em férias! Contuboel é ainda um oásis de paz, com um raio de uns escassos quilómetros"...

Tenho ideia de lá ter ido também, a Sonaco, mas não tenho grandes memórias do sitio... Muito menos uma foto, mas pode ser que apareçam mais (**)... (LG)



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Mapa de Sonaco (1957) (Escala 1/50 mil) > Pormenor da posição relativa de Sonaco, na margem esquerda do Rio Geba, a nordeste de Contuboel... Era uma região bastante povoada e próspera...

Os vagomestres das nossas companhias no leste conheciam Sonaco, onde iam comprar vacas... Pelo menos até ao início dos anos 70, e antes da intensificação da guerra na região fronteiriça, a norte, era um região calma... E acho que continuou calma... até ao fim.

Temos apenas meia meia dúzia de referências a Sonaco no nosso blogue... Era posto administrativo e pertencia ao subsetor de Contuboel. Tenho ideia de que, no meu tempo (junho/julho de 1969) havia lá um pelotão destacado, da unidade de quadrícula de Contuboel (, que já não recordo qual fosse, mas em princípio não podia ser a CART 2479 / CART 11; seria talvaz a CCAÇ 2436, 1968/70: passou por Bissau, Galomaro, Contuboel e Fajonquito; ou ainda a  CCAÇ 2436, que esteve em Quinhamel, Fajonquito, Contuboel e Nhacra; ambas pertenciam ao BCAÇ 2856, sediado em Bafatá).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).



Guiné > Zona Leste > CAOP2 > Setor L2 (Bafatá) > Guão do BCAÇ 3884 (Bafatá, 1972/74) com unidades de quadrícula em Contuboel (CCAÇ 3547), Geba (CCAÇ 3548) e Fajonquito (CCAÇ 3549).
Guiné > Zona Leste > CAOP2 > Setor L2 (Bafatá) > Susetor de Contuboel >   1972/74 > Em Contuboel estava a CCAÇ 3547 (Répteis de Contuboel),   do nosso camarada Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil. (Trabalha, ou trabalhou em tempo, no Hospital da CUF). É membro da nossa Tabanca Grande desde a 1ª série do blogue. A CCAÇ  3547 tem página no Facebook.

Quem também passou por Contuboel e Sonaco foi o nosso camarada açoriano, e notável escritor, Cristóvão Aguiar (n. 1940), ex-al mil da CCAÇ 800 (1965/67), uma companhia independente. O seu diário de guerra foi publicado no nosso blogue, organizado pelo nosso devotado colaborador, amigo e camarada José Martins. (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de:

3 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12790: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte IV): Passaram os quatro primeiros meses... Em Contuboel, ainda longe da guerra...

(...) No romance, os militares pertencem a um CCAÇ 666 (que nunca existiu, no TO da Guiné). O nosso camarada José Martins, entretanto, conseguiu,  com o seu olho clínico, identificar, a partir da leitura do livro (e da consulta do 8º Volume, Tomo II da CECA, Fichas História das Unidades, Guiné, pag. 342), a subunidade a que pertenceu o Alf Mil Luís Cristóvão Dias de Aguiar, e que era a CCAÇ 800 (Contuboel, 1965/67):

Companhia de Caçadores nº 800

Unidade Mobilizadora: RI 15 – Tomar.

A subunidade foi formada com data de 1 de Janeiro de 1965, conforme Ordem de Serviço nº 2 de 4 de Janeiro de 1965 do Regimento de Infantaria 15 de Tomar. Destinava-se, inicialmente, ao arquipélago de Cabo Verde, tendo a partida prevista para a data de 13 de Abril de 1965.

Comandante: Capitão Inf Carlos Alberto Gonçalves da Costa, sustituído em Setembro de 1965 pelo Capitão Miliciano de Cavalaria António Tavares Martins (que tinha vindo da CCav 489/Bcav 490) (...).

Constituíam o quadro de Oficiais subalternos os Alferes Milicianos:

João Belchurrinho Baptista;
Luís Cristóvão Dias Aguiar;
João Faria Cortesão Casimiro;
e João Baptista Alves.

Partida: Embarque em 17 de Abril de 1965; desembarque em 23 de Abril de 1965; Regresso: Embarque em 20 de Janeiro de 1967 (...).

A CCAÇ 800 actuou sobretudo no subsetor de Contuboel, a nordeste de Bafatá.

terça-feira, 4 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12793: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte V): Fotos de Nova Lamego




Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) &gt > Na porta d'armas com a respectiva lavadeira" (1)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) &gt > Na porta d'armas com a respectiva lavadeira" (2)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >  Da esquerda para a direita, furriéis Queiroz, Macias e Pinto


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > O Valdemar Queiroz ao lado do  alf mil Pina Cabral e o 4º.Pelotão (1)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > O Valdemar Queiroz ao lado do  alf mil Pina Cabral e o 4º.Pelotão (2)


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > Parte do 4º.Pelotão 


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > Rua Principal de Nova Lamego (com candeeiros de iluminação pública)



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >  O Valdemra Queiroz,  no aeródromo... Um T6 em terra com andorinhas e bombas (1)



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >  O Valdemra Queiroz, no aeródromo... Um T6 em terra com andorinhas e bombas (2)



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >  Vista geral do aeródromo...  


 Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]
 ;

1. Continuação da publicação das Memórias de um Lacrau > Texto e fotos enviadas, em 9 de fevereiro  último, pelo Valdemar Queiroz, nosso novo tabanqueiro, nº 648 [, em Contuboel, 1969, à esquerda] (*)


Diz a última parte do texto, muito laconicamente: "Depois, a partir de Nova Lamego, andámos em intervenção na zona leste, a nível de dois pelotões, por Cabuca, Cancissé, Madina Mandinga, Dara, Piche, Ponte Caium, Dunane, com permanência perlongada em Canquelifá, até nos fixarmos em Paunca e Guiro Iero Bocari."

Vamos apresentar fotos, com legendas destes vários lugares por onde passou o nosso camarada Valdemar Queiroz, esperando que ele e outros "lacraus" complementam esta
informação.  Hoje são fotos de Nova Lamego,
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Nota do editor

Último poste da série > 3 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12790: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte IV): Passaram os quatro primeiros meses... Em Contuboel, ainda longe da guerra...

Guiné 63/74 - P12792: Estórias avulsas (76): Cabritos (António Tavares)

1. Mensagem de António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 21 de Fevereiro de 2013:


Cabritos…

Ao ver esta fotografia do Gil Ramos, tirada em Galomaro na 4ª Missão Dulombi – Março 2013, recordei que certa noite anterior a uma coluna auto a Bambadinca, o Cherifo Baldé pediu-me para transportar um primo com duas cabras.
De imediato disse que sim e combinei o local onde deveria estar.
Cherifo Baldé era um guia da CCS/BCAÇ 2912, em 1970/72. Eram todos primos e irmãozinhos quando pediam algum favor!

Na manhã do dia seguinte e já dentro da povoação de Galomaro aparece o Cherifo Baldé e o familiar (?) com um rebanho de cabras, 30 a 40 cabeças.
Depois de alguma discussão, porque não era o combinado, acedi à nova situação e começaram a carregar o gado para as viaturas. Os animais assustados tresmalharam-se e fizeram tanto barulho (balidos) que no quartel ouviram.

Entre a poeira que o rebanho levantava veio um dos Comandantes saber o que se passava porquanto a coluna já devia estar em andamento. Desculpas para o sucedido não faltaram e após o carregamento total das cabras, que não foi fácil, a coluna seguiu o rumo.

Em Bambadinca, descarregadas as cabras, cada interveniente seguiu o seu destino; o nosso, o reabastecimento no Pelotão de Intendência.
Em Galomaro fui chamado aos Comandos e perguntas não faltaram mas consegui desenrascar-me de um provável castigo e daquela tramóia inicial de duas cabras para um indisciplinado rebanho caprino.

Nunca percebi qual o motivo de tanto interrogatório embora estivéssemos numa época de perguntas e mais perguntas… Simplesmente pratiquei um bom acto, transporte de pessoas e animais, conforme instruções/escritos da REP.POP. COMCHEFE GUINÉ para colaboração com a POP…
Bem pregava Frei Tomás!

Passados uns dias o dono do rebanho deu-me um cabrito preto como recompensa, digo eu, dos trabalhos/arrelias que tive com a ocorrência. Aceitei-o de bom grado mas para que queria eu um cabrito? Vendi-o por 50 Pesos aos cozinheiros que o criaram e fizeram uma festa aquando da sua matança e eu fui um dos convidados pelo que fui duplamente beneficiado com uma mentira inteligente de um indígena.

Faço notar que o cabrito, herbívoro e ruminante, tinha menos valor do que uma cabra. Esta dava leite, crias, tinha a pele mais macia e a carne mais suculenta! Os Guinéus sabiam e conheciam o valor dos animais e o que dar ou trocar neste caso. Passou a haver um cabrito e uma cabra no quartel.

O Magusto, 1º Cabo da ferrugem, teve a paciência de domesticar a sua cabra que passeava livremente dentro do quartel. Cães, gatos, macacos, periquitos, esquilos e um frango domesticado não faltavam dentro do arame farpado de Galomaro… Um mini zoo. Eu justifiquei o adágio: “quem cabritos cria e cabras não têm de algum lado lhe vêm".

Actualmente esta história real passada nas matas do leste do CTIGuiné tem o valor que tem. Valor tem um grupo de jovens que fazem parte da MISSÃO DULOMBI, uma organização sem fins lucrativos, nascida em 2010.

Gil Ramos na 1ª Viagem Humanitária que fez à Guiné quis conhecer a aldeia, Dulombi, onde seu pai combateu na CCaç.2700 do BCaç.2912.
Amanhã, sábado 22 de Fevereiro iniciar-se-á a 6ª viagem da Missão Dulombi, de ajuda humanitária à Guiné-Bissau, focada nas aldeias de Dulombi e Galomaro.

Um abraço,
António Tavares
Foz do Douro, 21 de Fevereiro de 2014





Fotos: Missão Dulombi, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12774: Estórias avulsas (75): Quando, em 18/12/1976, na fronteira de Valença, ia eu comprar à vizinha Espanha o bacalhau p'ro Natal e os caramelos da ordem, e me exigem a famigerada Licença Militar... Dois anos depois de eu passar à disponibilidade... (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74)

segunda-feira, 3 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12791: Agenda cultural (302): Homenagem a Carlos Schwarz (Pepito), dia 7 de Março de 2014, pelas 18h00 no Auditório da Fundação Mário Soares, Rua de S. Bento, 160, Lisboa

1. Da Fundação Mário Soares, recebemos hoje, dia 3 de Março, esta mensagem:

Exmos. Srs. 
Segue em anexo convite para a sessão de homenagem ao Eng.º Carlos Schwarz ("Pepito")*, que vamos realizar na Fundação Mário Soares (Rua de S. Bento, 160, Lisboa), no dia 7 de Março, Sexta-feira, às 18h00. 

Pedimos a divulgação do mesmo junto do blog "Luís Graça e Camaradas da Guiné", e esperamos contar com a vossa presença. 

Cumprimentos, 
Victor Hertizel 
Fundação Mário Soares


C O N V I T E



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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12738: In Memoriam (178): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori! (Luís Graça)

Último poste da série de 22 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12757: Agenda cultural (303): Tertúlia Fim do Império, dias 26 de Fevereiro, 26 de Março, 30 de Abril e 28 de Maio de 2014, às 15h00, no CASLisboa/Cooperativa Militar, na Rua de S. José, 24 em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 63/74 - P12790: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte IV): Passaram os quatro primeiros meses... Em Contuboel, ainda longe da guerra...


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >  O Valdemar na psicina de Bafatá, tendo ao fundo: (i) a estátua do governador Muzanty; (ii) o pombal; e (iii) a Casa Gouveia (loja)...


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > Na piscina de Bafatá: "3 mil soldados para uma psicina"...



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > Na piscina de Bafatá... Não havia preocupações com o pé de atleta...



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > O Valdemar, todo aperaltado, para uma "saída"...


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >  Torneio de futebol... Aspeto da assistência... multicolor.


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel &gt > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >  20 de julho de 1969, dia em que o homem chegou à lua... O Valdemar vai a caminho de Bissau, num barco civil...


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > 20 de julho de 1969 >  Efeméride:  no dia que o homem chegou á Lua, eu descia o rio Geba (Bambadinca-Bissau, com passagem no célebre Mato Cão e depois na não menos temível Ponta Varela, a seguir ao Xime)... Num barco fretado para levar material usado da tropa. . Estivemos parados várias horas: primeiro por causa da maré, depois devido a avaria no motor do barco só resolvido(desenrascado) com uma peça sacada dum carro que seguia no barco pra sucata. Inesquecível,  até ao fim da minha vida!

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]

1. Continuação da publicação das Memórias de um Lacrau > Texto e fotos enviadas, em 9 do corrente, pelo Valdemar Queiroz, nosso novo tabanqueiro, nº 648 [, em Contuboel, 1969, à esquerda] (*)


Passaram os primeiros meses, ainda sem contacto com a guerra, a instrução ia chegando ao fim. Já ‘apanhados’ pelo clima, cabelos mais compridos e patilhas, tronco nu e de cor bronze-amarelado, e visitando as bajudas/lavadeiras, ouvíamos ao longe rebentamentos.

Com o Pechincha a fazer truques de ilusionismo ou a ouvir com o Aurélio Duarte as baladas do Zeca, Adriano ou Fanhais, ou o Cândido Cunha, que era músico, a tocar modas brasileiras com o seu inseparável acordeão e o [Renato] Monteiro a declamar “os brincos na tua orelha” (**), e o Macias sempre com o cante alentejano, ou com o [Abílio] Duarte a ouvir musica anglo-saxónica, fomo-nos preparando para ir a Bissau, para o juramento de bandeira dos novos soldados,  todos naturais da Guiné.

Embarcamos em Bambadinca numa LDG para Bissau, a ração de combate (meses mais tarde, em 20/7/1969, no dia que o homem chegou à lua, repeti a mesma viagem, num barco particular).

Na LDG encontrei um marinheiro conhecido de Arroios (Lisboa) e saboreei uma boa posta de peixe cozido. Quase todos os nossos soldados nunca tinham saído da zona do Gabu ou de Bambadinca. Estranharam muito. Ficamos em Brá e eles juraram bandeira no Estádio Sarmento Rodrigues com grande entusiasmo e com um empolgante discurso do Spínola.

Por lá ficámos, uns dias, a fazer seguranças na região, sem se saber a razão. Com eles a estranharam muito a zona, por não a conhecerem, ao ponto de estarem sempre, quando ficávamos de noite, de olhos bem abertos e sentados sobre os calcanhares a dizer ‘nunca se sabe’. Parece que havia um capitão cubano que estava ferido no hospital. (***)

Regressamos a Contuboel. Formaram-se duas Companhias, uma foi para Bambadinca (CCAÇ 12), a outra, a nossa que passará a ser CART 11, foi para Nova Lamego, para umas instalações adaptadas a Quartel só para nós.

Assim passaram os primeiros quatro meses na Guiné.

Depois, a partir de Nova Lamego, andámos em intervenção na zona leste, a nível de dois pelotões, por Cabuca, Cancissé, Madina Mandinga, Dara, Piche, Ponte Caium, Dunane, com permanência perlongada em Canquelifá, até nos fixarmos em Paunca e Guiro Iero Bocari.

(Continua)



Guiné > Zona Leste > Setor L2 > Contuboel > Junho de 1969: Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba. Furriéis milicianos Henriques (CCAÇ 2590, mais tarde, CCAÇ 12) e Monteiro (CART 2479, mais tarde CART 11 e depois CCAÇ 11).

Na Guiné nunca mais encontrei o meu amigo Monteiro (que, de resto, ía morrendo afogado, num mergulho junto à estrutura da ponte, em madeira]. Já muito depois do 25 de Abril, descobri que ele era coautor de um livro que li e apreciei sobre a guerra colonial (Renato Monteiro e Luís Farinha: Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: D. Quixote. 1990. 307 pp). Entretanto, aparece o blogue e, entre outras, publico esta foto... Em 4 de Julho de 2005, recebo uma mensagem assinada pelo Renato Monteiro (****). Reatámos desde então os nossos contactos e a nossa amizade... Mas até hoje ainda não descobrimos quem foi o fotógrafo... Terá sido o Cândido Cunha?, pergunta o  "homem da piroga"...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.

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Notas do editor

(*) Último poste da série > 25 de fevereiro de 014 > Guiné 63/74 - P12773: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte III): Preparando a "nova força africana" de Spínola...


(**) O brinco da tua orelha, de António Botto (1897-1959)

O brinco da tua orelha
Sempre se vai meneando;
Gostava de dar um beijo
Onde o teu brinco os vai dando.
Tem um topázio doirado
Esse brinco de platina;
Um rubi muito encarnado,
E uma outra pedra fina.
O que eu sofro quando o vejo
Sempre airoso meneando!
Dava tudo por um beijo
Onde o teu brinco os vai dando.

(***) Valdemar, capitão cubano só podia ser o Peralta!...Mas esse será ferido e capturado, mais tarde,  em 18 de novembro de 1969 durante a operação Jove, realizada pelo BCP 12 entre os dias 16 e 19, no corredor de Guileje. O juramento de bandeira dos nossos soldados do recrutamento localm, que foram incorporados nas nossas duas companhias (CART 2479/CART 11 e CCAÇ 2590/CCAÇ 12), realizou.se em Bissau em 26/4/1969, na presença de Spínola. Vd. poste de

25 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6466: A minha CCAÇ 12 (2): De Santa Margarida a Contuboel, 5 mil quilómetros mais a sul (Luís Graça)

(...) Tendo embarcado no Niassa a 24 de Maio [de 1969], juntamente com outras Companhias independentes como a 2591 e 2592 [, futuras CCAÇ 13 e 14,], chegámos ao CTI da Guiné em 29, pelas 21 h, e desembarcámos no dia seguinte de manhã.

A 31, no Depósito de Adidos, Sua Excia, o Comandante-Chefe das Forças Armadas, Brigadeiro António de Spínola, passa revista às tropas em parada e dirige-lhes palavras de boas-vindas. (...)

Colocados em Contuboel (Setor L2, Zona Leste, a norte de Bafatá, a meio caminho da fronteira norte), a fim de darmos a segunda fase de instrução ao nosso pessoal africano, embarcamos em LDG [Lancha de Desembarque Grande] para o Xime, a 2 de Junho, tendo seguido depois em coluna auto até ao local destinado. Um dia de viagem, exaustivo, extenuante, com o primeiro grande banho de pó e de emoções: íamos descobrindo a Guiné profunda, da tensa viagem entre o Xime e Bambadinca, com a ponte do Rio Udunduma, recém-dinamitada e parcialmente destruída pela guerrilha, na mesma noite do ataque a Bambadinca (28 de Maio de 1969)...

Os quadros da CART 2479 [futura CART 11 e depois CCAÇ 11, a que pertenceu o meu amigo Renato Monteiro, o homem da piroga] já tinham dado, entretanto, a instrução básica àsas nossas praças africanas, de 12 de Março a 24 de Maio, em Contuboel.

A cerimónia do Juramento de Bandeira realizara-se em Bissau, a 26 de Abril, na presença do Comandante-Chefe (sempre Excelentíssimo). 

A instrução da especialidade teve início imediatamente a seguir à nossa chegada a Contuboel. Ao longo de um mês e meio, em plena época das chuvas, os nossos graduados aprenderam a conhecer os elementos dos seus futuros grupos de combate.

Integrada na "nova força africana", a futura CCAÇ 12 receberia a visita, durante a semana de tiro, Brigadeiro António de Spínola que se inteirou pessoalmente do nível de instrução ministrada às nos­sas praças africanas.

Os exercícios finais da especialidade efectuaram-se de 6 a 12 de Julho, a 10 km ao norte de Contuboel. A 18 de Julho, finda a instrução, a CCAÇ 2590 [futura CCAÇ 12] é dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Setor L1, Zona Leste). (...)

A 18 de Julho de 1969, a futura CCAÇ 12 (que, por enquanto, ainda era a CCAÇ 2590) é dada como operacional. Atendendo à origem étnico-geográfica das suas praças, por sugestão do Com-Chefe, ficamos radicados em chão fula, às ordens do Batalhão de Caçadores 2852 (1968/70), com sede em Bambadinca...

A 21 de Julho, menos de dois meses depois da nossa chegada à Guiné, quando ainda nem sequer tinham sido distribuídos os camuflados à nossa tropa africana, temos a nossa primeira "saída para o mato" (sic) , seguida do nosso "baptismo de fogo" (...).

Guiné 63/74 - P12789: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (3): Esquecer? Nunca

Anúncio do sabão Lifebuoy, 1902.. Fonte:
Wikipedia. Imagem do domínio público.


1. Em mensagem do dia 24 de Fevereiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3 e Bissau, 1965/67) enviou-nos a segunda Crónica Higiénica para publicação.





CRÓNICAS HIGIÉNICAS

3 - ESQUECER? NUNCA

Post 12694 do nosso Blogue

Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansabá > Dia nº 12 da viagem > 16 de abril de 2006 > Mullher com 2 dentes de ouro...
Foto (e legenda): © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados.

Pois eu estou nos 82% dos que não voltaram à nossa Guiné e dos 83 que gostariam de voltar, mas calma que ainda não é tarde.
Deve ser uma emoção das grandes reviver os locais por onde andei bem como grande será a tristeza ao lembrar-me, dos amigos que deixaram de estar comigo, assassinados que foram por terroristas bárbaros e cruéis. Terroristas bárbaros e cruéis sim, e se dúvidas houvessem, basta que leiam o que se passou naquele conselho de guerra, como lhe chamaram os facínoras que o subscreveram e que tão bem está documentado no P12704 - O massacre do chão manjaco. (Transcrição do nosso camarada Jorge Picado, que em boa hora descobriu esta preciosidade) e espreitem também o P12732.

Afinal e infelizmente estávamos certos alguns de nós, quando denunciávamos o que seriam os amílcares do PAIGC e que tão bem foram recebidos em Portugal, com casa, água e lavadeira privadas, pagas pelo Estado, ou seja por nós os que nada recebemos, nem um pouco de consideração e até combatemos pelo País. E não me venha com as tretas costumadas... que não sabiam, etc., etc.
E para aqueles que ainda acreditavam na bondade dessa gente, vejam o horror que aconteceu com os nossos camaradas apunhalados e cortados com catanas... a sangue frio ali entre o Pelundo e Jolmete, para onde foram de boa fé e desarmados.
Este triste episódio demonstra àqueles que ainda tinham dúvidas, que cobardes combatemos. Guerra será sempre guerra de matas ou morres, mas isto premeditado que foi, é mais que selvajaria e bestialidade.

Continuo é sem perceber, mas lá chegarei, do porquê de termos dado asilo a monstros destes em vez de os termos aprisionado e colocado perante a justiça. Dos presentes naquela reunião, em Conacry, pelo menos um morreu da mesma forma como aplaudiu a dos nossos.
Ao que se diz e enquanto PR, usou do mesmo banho de sangue, até com os seus correligionários

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Tavira, Quartel da Atalaia > 2014 > Edifício onde esteve instalado o CISMI, até ser desactivado em 31/12/1975 
© Luís Graça (2014)

TAVIRA tem merecido (aqui no nosso Blogue) justas e merecidas homenagens, sejam escritas ou em fotos e também alguns comentários negativos contra a preparação militar de quem por ali passou e não gostou.
Para estes últimos sempre digo e não haveria necessidade de o fazer, que tudo fazia parte dum processo para preparar homens, como atiradores de Infantaria, que vieram a ser. Sem essas duríssimas etapas, física e mental, talvez não tivéssemos aguentado aquilo por que passámos lá na nossa Guiné. E sei do que falo, pois que também ajudei a treinar quatro pelotões, um de cada vez dado que só saí da Metrópole já com 21 meses e tudo o que havia de ser feito foi-o de maneira a não prejudicar ninguém mas "explorando" os limites humanamente exigíveis para que pudessem sobreviver às duras missões que se avizinhavam.

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Lamego
Foto: Pais&Filhos, com a devida vénia

E vai daí e pois tal como a Tavira, também Mafra, Lamego e Tancos, locais onde aprendi a arte da guerra, são por mim visitados regularmente e sempre com agrado, bem como Abrantes e Tomar, onde partilhei tal aprendizagem. Ontem mesmo almocei no Ti Chico, restaurante que serve o melhor peixe fresco e mantendo-me cá por baixo neste Reino dos Algarves, ali voltarei ainda esta semana, e com a conta não me preocupo que a despesa para mim e para uma das minhas "espósias" é sempre 17 euros, quer coma também pudim flin ou mousse ainda mornos, feitos diariamente... quer beba ou não aguardente de medronho (qu'o whikey "cá tem").

E se mais não for, passarei e espreitarei pela janela do quartel, onde do outro lado dormia.
E podem crer que saio revigorado desta visita da saudade.

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P12737 sobre as opiniões de altos membros das Forças Armadas.
Aqui não percebo a dúvida existente. Todos nós acompanhámos o que foi dito após o vinte e cinco do quatro por algumas personalidades (foram meia dúzia... mas foram) que em vez de respeitarem a Instituição Militar a que pertenciam, se atropelaram com verdades inverdades, esquecendo a ética... mas procurando subir, agradando à classe política dominante.
Tenho em meu poder uma gravação duma emissão de uma TV, onde estiveram reunidos alguns da esquerda e da direita. Está presente um senhor General, que perante um vídeo da própria TV, diz às tantas, mais ou menos isto: "Este que vai falando, se fosse no meu tempo e com a voz fininha" etc etc... dando a entender que nem tropa poderia ter sido.

E eu aplaudo-o. MAS QUE HÁ POR AÍ E CADA VEZ MAIS, MUITOS DE VOZ FININHA A PRECISAR DUM ENXERTO... Há.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12763: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (2): Os ursos, lobos, raposas e até os peçonhentos

Guiné 63/74 - P12788: Notas de leitura (569): "A Guiné... dos mil trabalhos", em "O Mundo Português", por António Florindo de Oliveira (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Um jovem de 16 anos oferece-se como marinheiro para a Guiné, em 1894.
45 anos depois escreve as suas recordações… que vivacidade, que argúcia, que observação etnográfica e etnológica! A Guiné mantém-se indisciplinada, irreverente. A lancha-canhoneira percorre-a de uma ponta a outra, procura infundir respeito. O que interessa é o que o marujo vê e guarda nos seus apontamentos. Preparem-se, agora vão subir o Geba e depois vão a Cacine. E a gente pergunta como é que é possível que estas belas peças memorialísticas tenham ficado no olvido.

Um abraço do
Mário


A Guiné… dos mil trabalhos, por António Florindo d’Oliveira (1)

Beja Santos

“Já lá vão bem nove lustros que essa terra me começou a preocupar, ainda bem menino e moço, pois foi o desastre de Bissau de 1891 que me impressionou de tal forma que me levou a assentar praça na Armada, no desejo de servir a Pátria…”.
A revista O Mundo Português, de cultura e propaganda/de arte e literaturas coloniais, publicou em 1939, ao longo de vários números, uma reportagem memorial de alguém que aos 16 anos foi intervir na coluna “pacificadora” dos Papeis que, em 1894, andou por Antim e Bandim. O chamado massacre ou desastre de 1891 marcou profundamente os militares em serviço na Guiné. Uma força destacada para pacificar Papeis, por erro de informação, foi apanhada no tarrafo e massacrada pelos revoltosos. A resposta de Lisboa foi mostrar aos insurgentes a força das armas. Em 1894, a lancha-canhoneira “Honório Barreto”, construída no Ginjal, novinho em folha, com o seu spardeck corrido de ré a vante, com as suas duas peças de tiro rápido, passou a ser a arma dissuasora. A lancha foi rebocada pelo “África” até à Guiné, para Bolama, posto oficial de fundeadouro. Ficamos a saber que comandava a lancha o Tenente Vieira da Fonseca.

"O Mundo Português" era editado pela Agência Geral das Colónias, na revista colaboraram escritores como Maria Archer, Castro Soromenho e José Osório de Oliveira, profusamente ilustrada e com peças de qualidade modernista. Tive sorte nesta ida à Feira da Ladra, por um euro trouxe esta grande revelação, as memórias de Florindo d’Oliveira, um marinheiro que nunca esqueceu a Guiné prodigiosa.

Florindo Oliveira começa por descrever o que viu e o que mais lhe interessou nos Bijagós. Deplora a falta de escolas, ausência de padre, sentiu-se curioso pelos preceitos do fanado e descreve-o. Tem uma curiosidade quase desmedida pelos aspetos étnicos, revela-os com opulência luxuriante: “Lá viemos descendo o Cacheu, que atravessa a região em que mais tipos de povos se encontram, pois aqui são os territórios: dos Mandingas de onde viemos, dos Brames, a quem chamam Buromes ou mais correntemente Mancanhas; dos Baiotes, dos Papeis, dos Felupes; e ainda os extremos ocupados pelos Balantas e Manjacos… Os Baiotes, só os fiquei conhecendo de nome, pois estão no extremo-norte da Colónia, isolados de todos e quase desconhecidos. O seu território toca pelo oeste com o dos Felupes, pelo sul com o dos Papeis. Os Mancanhas, que têm a sua gente cá a mourejar pelos portos, como carregadores, já eu os conhecia bem, com o seu característico barrete de fibras vegetais tão semelhante a um cesto, enfiado na cabeça, e o pano, que à laia de manto trazem pelo dorso, passando por baixo do braço direito e levando essa ponta para cima do ombro esquerdo, pela frente, como muitas das nossas camponesas traçam os seus chales”.

Mais adiante, citando Landerset Simões e o seu livro “Babel Negra”: “Eu acho que seja pela confusão das suas gentes, que pela linguagem não, porque afinal eles entendem-se melhor uns com os outros quando querem e precisam que nós com eles, e muito menos quando não querem ser entendidos”.

O seu relato é vivo, está permanentemente mordido pela curiosidade e não esquece de dar pormenores da sua vida na lancha: andam numa roda-viva, de Bolama para Bissau, levam e trazem gente do “África” e quando este regressou à metrópole com os doentes, a lancha ciranda por toda a parte “cheirando e palpando todo o seu movimento populacional, em que nem sempre havia inocência e franqueza, antes pelo contrário”; descreve o fornecimento da água para a caldeira, vinha em dongos grandes, trabalhados em grossos troncos de poilão e acrescenta: "isto de fazer aguada, não foi uma brincadeira, pois que à torreira de um sol impenitente e nada suave, tínhamos que calcorrear de barris às costas até à nascente, razoável para os pés dos pretos mas não para nós habituados às tábuas do convés, duras mas lisas”; viajam até Buba, região povoada pelos Fulas, um tal Monopatú andava revoltado e descreve a coluna: “Seria para rir se não desse vontade de chorar, o aspeto dessa coluna que recolhíamos a Bolama: umas escassas dezenas de maltrapilhos, descalços, famintos, de armas enferrujadas… E esses homens (nós os marinheiros dizíamos que eram esqueletos com licença de cemitério) que tinham andado léguas e léguas pelo mato dentro, muitas vezes sem comer, e bebendo Deus sabe que água, ali estavam resignados e ainda galhofando entre si, orgulhosos de terem cumprido como o brio português mandava; a lancha percorre toda a Guiné, nela viaja o próximo governador, Pedro Inácio Gouveia, a bandeira tremula no mastro superior, “sentindo-a drapejar sobre as cabeças é que se sente que a noção da pátria não é uma coisa vã, uma ficção”.

Stuart, um dos mais admiráveis desenhadores portugueses, aceita toda a sorte de trabalhos para sobreviver. O mínimo que se pode dizer deste desenho, publicado perto do texto de Florindo d’Oliveira, é que é admirável, devia ser restituído à africanidade em toda a sua pujança, moderno como é.

A observação etnográfica e etnológica acicata-o permanentemente. Vejamos como descreve os Balantas, isto a propósito de uma ida ao Encoche, a impor autoridade aos Balantas descritos como larápios e orgulhosos de o ser: “Talvez o grupo mais numeroso nos diferentes que povoam a Guiné, ocupando a vasta região banhada pelo Mansoa, quase no Geba, em frente de São Belchior, até às margens do Cacheu, cercados pelo interior pelos Mandingas e Fulas e de outro lado por Mancanhas e Manjacos, afigurou-se-me que são os verdadeiros pretos da Guiné, dedicados à terra que cultivam com atividade, empregando a sua inegável robustez, relacionando-se apenas com os Papeis e roubando quanto podem”. A lancha lá vai, no encalço destes Balantas que precisam de intimidação: “Preparado o navio com as chapas de combate colocadas, o que lhe dava aparência de caixa oblonga, contornámos Bissau e metemos ao Impernal, rio tão estreito que as caixas das rodas riscavam as margens e as árvores metiam os ramos por todas as aberturas e cobriam o spardeck. Isso era motivo de galhofa, pois como estávamos nas vésperas do Natal dizíamos que não faltava árvore para os brinquedos da tradição cristã. E não faltaram por completo, porque se apanhou um camaleão num dos ramos”. Missão cumprida, Balantas intimidades, regresso a Bissau onde se passou o Natal. Chegou o tempo dos trabalhos de manutenção: “Para começar bem o ano que entrava, como o navio já cirandou demasiado e precisa de limpeza, encalhámos na praia, junto ao telheiro das embarcações do Governador e do plano inclinado, aonde as lanchas recebem reparações; e, durante oito dias, foi faina grossa de raspagens e pinturas que nos deixavam arrasados. Pretos e brancos, irmanados no mesmo esforço, sujeitavam-se ao mesmo sacrifício. Mas ali não havia operários especiais. À gente do navio é que pertencia fazê-lo”. E aproveita para contar mais um pormenor: “Durante a nossa estada em terra chegou uma deputação de chefes Fulas, com os seus tocadores de violas, a pedir ao Governador licença para perseguir e prender um tal chefe Damá que acusam de pilhagens e assaltos a embarcações e caravanas. Parece que justificaram as suas queixas, pois nos constou que tinham sido autorizados a fazer guerra ao culpado, recendo pólvora para esse efeito. Lá se foram; e tanto era o que nos constou que tempos depois lá apareceu o tal homenzinho preso e o tivemos como hóspede a bordo até que foi deportado”.

Vão buscar a Bissau o Governador Pedro Inácio Gouveia, vão para Geba, região povoada pelos Fulas. Os marinheiros alcunham o Governador de “Frasquinho de Veneno”, era admirado pelo seu saber, seria talvez bilioso, enervava-se com uma facilidade espantosa, ficava rabugento e impaciente, e comenta: “Ora como a bílis lhe enchia o organismo, a servir de veneno ao seu sossego, está a ver-se que a alcunha era adequada ao seu temperamento”.

Abençoado Florindo d’Oliveira que escreveu páginas tão vivas de uma Guiné que o marcou na mocidade.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12782: Notas de leitura (568): "O Reencontro, Da Ponte Aérea à Cooperação", por General Gonçalves Ribeiro (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 2 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12787: Efemérides (150): Cufar, 2 de março de 1974: Horror, impotência, luto... (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)

Guiné > Região de Tombali > Cufar >  Horror, impotência e luto.  
Foto obtida de sides do António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (2007)...

Guiné > Região de Tombali > Cufar > Porto do rio Manterunga > 2 de março de 1974 > Batelão ao serviço do BINT (Batalhão da Intendência, de Bissau), em chamas, depois de ter accionado uma mina.

Fotos: © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do Armando Faria [ex-Fur Mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar1972/74]

Assunto: 2 de março de 1974

Camarigo amigo.
Que a saúde seja vossa companheira nestes DIAS que temos.

Por estes dias, ao "mexer" nas memórias, para escrever um resumo da história da minha companhia, a CCAÇ 4740, dos acontecimentos que então vivi na companhia de todos os que como eu passaram por Cufar- de Julho de 1972 a Julho de 1974, revivi o dia mais negro por lá passado.

Foi a 2 Março que em Cufar se viveu um dia trágico e só o acaso o não fez mais negro. Não queria deixar de partilhar, em memória dos que então ai deixaram a vida, o que então vivi. (*)

Um abraço solidário a quantos partilham esta espaço e a todos quantos o visitam,
Armando Silva Faria,
Ex-Fur Mil MA,
CCAÇ 4740, Cufar 72/74


2. Cufar, Guiné, 2 Março de 1974, 16H30 

Quarenta anos se passaram no calendário que governa o tempo…

Para quem, por desdita, fado ou má sorte estava lá nesse dia, foi Ontem que tudo isto se passou…

Hoje refaço a memória do tempo, em singela homenagem àqueles a quem coube o destino ou má sorte de ali entregar a alma ao Criador.

Aqueles que, como eu, assistiram a todo este cenário, que viveram e conviveram com esses homens, mantêm-nos presentes nas suas lembranças. Teremos para sempre esse dia a habitar-nos a alma e o coração. Será esquecido, apenas quando a "tumba" nos der repouso.

A 2 Março de 1974, pelas 16H30, o jipe do Pelotão de  Intendência 9288,  ao dirigir-se ao porto interior de Cufar, no rio Manterunga, acciona uma mina anticarro. O jipe voou, tal foi a violência da carga explosiva utilizada que o atingiu, a cratera aberta no solo, pelo seu diâmetro de cerca de 2 metros de largo por outros tantos de profundidade, assim podia testemunhar. (**)

Como especialista de MA [, Minas e Armadilhas,]  fiz o reconhecimento ao local nos minutos que se seguiram.

Os corpos dos cinco ocupantes ficaram espalhados em redor num senário dantesco.

Ali de imediato tinha sido ceifada a vida a 4 homens, o Soldado Caixeiro Rodrigo Oliveira Santos, mais 3 estivadores africanos e 1 ferido grave, o Fur Mil Carlos Alberto Pita da Silva que, em consequência da gravidade dos ferimentos sofridos, veio a falecer no Hospital Militar de Bissau, a 17 Março.

Mas se esta tragédia é demasiado pesada e deixa já profundas marcas em todo o pessoal, o pior ainda estava à nossa espera, pelas 22H00 com o baixar da maré ocorreu um novo rebentamento de uma mina, agora accionada pelos barcos que estavam a ser descarregados no porto, tendo originado a morte de mais 3 civis estivadores e ferido 13, estes foram localizados nos momentos que se seguiram, havendo ainda a registar 18 civis considerados mortos, carbonizados ou desaparecidos.

A imagem que retenho daquilo que vi destes homens recolhidos no posto médico, escuso-me comentar, tal foi o cenário vivido nesse dia.

Honra e Glória aos amigos que vimos partir e, neles, a todos quantos um dia com seu sangue regaram esses espaços…

Pedroso, 2 Março 2014

Armando Silva Faria,
Ex-Fur Mil MA
CCAÇ 4740, Cufar 72/74

Guiné > Região de Tombali > Mapa de Bedanda (1961) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Cufar e do porto do rio Manterunga, afluente do Rio Cumbijã

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Notas do editor: