quarta-feira, 25 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13331: Blogoterapia (252): Fui no dia 14 a Monte Real encontrar-me com jovens de antigamente (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 18 de Junho de 2014:

Nesse tempo, em 1970, 71 além da CCaç 2616, a que pertenci, havia também um destacamento de fuzileiros africanos, enquadrado por graduados europeus, uma secção de morteiros, um pelotão de artilheiros que manobravam os obuses 14 e uma secção de administração militar. Já passaram mais de quarenta anos.
Buba, situada no terminus do rio Grande Buba tinha um cais onde encostavam periodicamente (mensalmente, pelo menos) as LDG com munições e mantimentos para o batalhão com comando em Aldeia Formosa e para as populações que viviam junto dos quartéis.

Além dos "residentes" havia portanto muitos que se movimentavam por lá como acontece em todas as terras onde há portos. Convivi com muitos deles, no geral afáveis e simpáticos, todos diferentes, porque não há dois homens iguais, todos tínhamos sonhos que disfarçávamos em bravatas e cervejas.
Havia projetos, vidas adiadas, mães, pais, irmãos, esposas, noivas, namoradas, tanta gente a sofrer dum lado da terra e do outro. Tudo isso calava fundo na alma de cada um mas todos escondíamos essas "pieguices", como jovens guerreiros corajosos que mesmo não o sendo, procuram aparentá-lo pois não se deve dar o flanco ao inimigo nem à morte.

Foto: © José Teixeira

Nas minhas breves passagens por Bissau cruzei-me com muitos camaradas das origens mais variadas da Guiné, território que sendo pequeno me parecia tão grande. Farim, Batafá, Canquelifá, Guidaje, Catió, Pirada, Gadamael, Mansabá, Olossato e muitas outras terras com nomes estranhos e sonantes que desconhecia.

Ouvia estórias de ataques, minas, emboscadas, falava-se brevemente de alguns mortos ou feridos graves para ninguém se comover demasiado pois as lágrimas podem amolecer a coragem dos homens. Ao ouvir essas estórias parecia-me que Aldeia Formosa, Nhala, Mampatá, Buba e Empada eram paraísos de paz.
Em abono da verdade tenho que confessar que Buba só experimentou algumas minas e recontros no mato na fase final da companhia depois destas estórias. Nessa fase Mampatá sofreu uma emboscada terrível e Empada a pior de todas. Eu como todos os camaradas do batalhão fiquei muito abalado com essas mortes mas hoje não me compete a mim falar desses acontecimentos, por respeito a todos os seus intervenientes pois não os saberia relatar corretamente.

Falavam de balantas, papéis, manjacos, brames, felupes, cassangas e outros, tantas etnias, muitas mais do que as doze tribos de Israel. Eu na área do meu batalhão só conhecia fulas, perdão havia uma pequena família de balantas em Buba.

Monte Real, 14 de Junho de 2014 > IX Encontro da Tabanca Grande > Fátima Anjos, Francisco Baptista e Hélder V. Sousa.

Foto: Luís Graça

Fui no dia 14 a Monte Real encontrar-me com esses jovens de antigamente, hoje somos todos homens feitos que já passámos o meio da encosta na descida para o Hades, o rio da morte e do esquecimento.

Somos os mesmos e somos diferentes, temos rugas, cabelos brancos, carecas, temos barriga, temos a ferrugem dos tempos inclementes da África e da Europa, talvez mais cínicos mas à procura da inocência da juventude.
Perdemos o ar sonhador doutros tempos. Queremos acreditar nos sentimentos mais nobres e por isso nos juntamos uns com os outros à procura desses jovens generosos e sonhadores desses tempos, em terras da Guiné.

Talvez nos juntemos também para podermos contar as estórias que nunca contamos a quem não esteve lá ou para contarmos as estórias que os outros nunca quiseram ouvir para não terem que prestar tributo e homenagem aos heróis que nunca fomos.

O grande poder, o poder que liberta, reside na anarquia que traz a lucidez que liberta os homens de preconceitos e amarras, para poderem voar e navegar nas estradas amplas da vida, como irmãos, como amigos, como camaradas.
Não sei se fui eu, Cristo, Maomé ou Buda, mas gosto da frase mesmo sabendo que a Anarquia como governo é uma " Utopia".

Como a maioria eu durmo, sonho, acordo e sonho, como diz o poeta o sonho comanda a vida. Eu direi que os sonhos dos artistas nas suas várias expressões, literárias, poéticas, musicais, plásticas e outras, embelezam a vida e dão-nos a ilusão da eternidade.
Pelo sonho vamos....

A todos os camaradas um grande abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12888: Blogoterapia (251): O programa com um vírus que não consigo apagar, remover ou formatar (José Colaço)

Guiné 63/74 - P13330: In Memoriam (191): António Manuel Martins Branquinho, natural de Évora (1947-2013), ex-fur mil at inf, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... Para que a sua memória não fique na "vala comum do esquecimento"


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71) > Natal de 1969:  da esquerda para a direita; de pé, Luís Manuel da Graça Henriques (fur mil ap armas pes inf); se não engamo, o 2º sgtr Rui Quintino Guerreiro Daniel (2º srgt mecânico auto, CCS/BCAÇ 2852), ; 1º srgt cv Fernando Aires Fragata, fur mil enf João Carreiro Martins; na 1ª fila, os fur mil Jaime Soares Santo (SAM), António Eugénio da Silva Levezinho (Tony) (at inf, 2º pelotão), Amtónio M M Branquinho (at inf, 1º pelotão) e Humberto Reis (at inf op esp, 2º pelotão)

Foto: © Humberto Reis  (2006). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)




Xime> Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Cais do Xime > Reconheço apenas ao centro o Fur mil At Inf António Branquinho, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... Com o seu inseparável lenço preto ao pescoço e, se não erro, uma boina preta à fuzileiro...

Foto: © Arlindo Roda  (2010). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A (uma das) equipa(s) de futebol da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, de camisola branca e crachá da companhia. Na primeira fila, reconheço, da esquerda para a direita, o 1º cabo cripto Gabriel Gonçalves (que também cantava e tocava viola), o alf mil op esp Francisco Moreira (1º pelotão), o fur mil Arlindo Roda (3º pelotão , o Arménio (1º pelotão) e o João Rito Marques, o nosso cabo quarteleiro.

Em cima, e da esquerda para a direita, reconheço o fur mil at inf António Manuel Martins Branquinho, o 1º cabo Branco, o sold condutor auto Alcino Carvalho Braga, o sold básico João Fernando R. Silva, um elemento de que não me ocorre o nome (mecânico? transmissões?) e , por fim, o 1º cabo aux enf Sousa.

Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)



A bordo do T/T Niassa, a caminho da Guiné >  24 a 30 de maio de 1969 > Da esquerda para a direita, o 1º srgt cav Fragata, os fur mil António M M Branquinho (1947-2013),  José Fernando Almeida, Humberto Reis, António Fernando Marques e o alf mil José António Marques Rodrigues (falecido em 2011, morava então em Torres Novas).

Foto: © José Fernando Almeida   (2014). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)


A bordo do T/T Niassa, a caminho da Guiné>  24 a 30 de maio de 1969 > Zé Fernando Almeida, Humberto Reis, António Branquinho e José António Rodrigues


Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá > Contuboel > CCAÇ 2590 /  12 (1969/71) >   O Branquinho (à esquerda) e o Fernando Almeida (à direita), à saída da "psicina" de Contuboel.

Foto: © José Fernando Almeida   (2014). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) >  Xitole, agosto de 1970... De pé, o Levezinho e o Coelho (fur mil enf, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72); na primeira fila, o Roda e o Branquinho.


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) >  Cais do Xime, julho de 1970 ... O Levezinho (?) abraça o nosso "pastilhas", o João Carreiuro Martins, sob o olhar do Branquinho...


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > O Branquinho no Xime...


Fotos (e legendas): © António Levezinho (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)


1. Só há dias soube, com tristeza, da morte do meu amigo e camarada Branquinho, António Manuel Martins Branquinho, que vivia em Évora, na Rua Heróis do Ultramar e era, julgo eu, natural de Évora, onde há pelo menos duas famílias Branquinho, nas pesquisa que fiz na Internet.

Soube na notícia através do Jorge Cabral, em Monte Real, no dia 14 do corrente. Perante a minha estupefacção, o Jorge confirmou a notícia junto do António Fernando Marques, também ele presente, com a Gina, no nosso IX Encontro Nacional. Pedi uma terceira confirmação, ao José Fernando Almeida, organizador do último encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71.

Eis a resposta, de 23 do corrente, do Zé Fernando, o nosso fur mil de transmissões (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

 (...) Boa tarde,  Henriques:  (...) Sim, o Branquinho faleceu há ano e meio, falei por telefone com a viúva que se encontra ainda muito fragilizada,  não quer falar sobre isso. Passou o telefone a uma vizinha, que me informou da situação e pediu para não ligar mais. (...)

No mesmo dia mandei um mail ao Zé, e a outros camaradas da CCAÇ 12 (que integram, a nossa Tabanca Grande) bem como ao César Dias e ao Fernando Hipólito que fizeram a recruta e/ou a especialidade no CISMI; Tavira, com o Branquinho, em 1969:

(...) Obrigado, Zé Fernando! (...) Quanto ao que me contas sobre o Branquinho... É triste saber a notícia um ano e tal depois. Mas é assim a puta da vida, cada meco para o seu canto, a falar sozinho e a morrer sozinho... Ele também nunca nos procurou, que eu saiba, apesar dos nossos SOS... Espero que ele tenha conseguido, em vida, fazer o luto do passado... Muitos camaradas nossos puseram uma "pedra no vulcão" e mostram-se incapazes de olhar para o passado e integrarem a guerra, a Guiné, no seu "portfólio vivencial"... A ideia do blogue (e da Tabanca Grande) é ajudarmo-nos uns aos outros nessa espécíe de catarse que temos de fazer...

Tens fotos dele, de encontros passados?... Julgo que ele nunca foi a nenhum encontro, nem a Fão, Esposende, em 1994.

Vou dar a notícia, no blogue, se não te importas, usando-te como fonte de informação. Ele era de 1947, e terá morrido em 2013, o ano passado. É isso? Gostava de fazer um "In Memoriam"... Passámos juntos mais de 2 anos intensos, desde a nossa mobillização em março de 1969... Ele tem cá amigos e camaradas, do tenpo do  CISMI (César Dias, Fernando Hipólito...), bem como da nossa da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, e ainda das unidades que passaram por Bambadinca (BCAÇ 2852, BART 2917, e subunidades adidas) (...)




Tavira > CISMI > 1968 > Foto nº 7 > O César Dias, natural de Torres Novas (á esquerda) e o António Branquinho, filho de Évora (à direita)... Ambos foram parar à Guiné... O Branquinho à CCAÇ 2590 (mais tarde, em 18/1/1970, CCAÇ 12) (Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Foto: © César Dias  (2014). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)


Tavira >  Cismi > 1968 > 3ª companhia (instrução de especialiade: Atirador de infantaria) > O Branquinho é o 3º da primeira fila a contar da direita... O Levezinho é o 3º da 2ª segunda, de é, a contar também da direita. Não consigo identificar o Fernando Hipólito.


Tavira >  Cismi > 1968 > 3ª companhia (instrução de especialidade: Atirador de infantaria) > Lado esquerdo do grupo


Tavira >  Cismi > 1968 > 3ª companhia (instrução de especialidade: Atirador de infantaria) > Lado direito do grupo > O Branquinho é o 3º da primeira fila a contar da direita... O Levezinho é o 3º da 2ª segunda, de é, a contar também da direita.



Tavira >  Cismi > 1968 > 3ª companhia (instrução de especialidade: Atirador de infantaria >  O Branquinho é o 1º da primeira fila a contar da esquerda..  

Fotos: © Fernando Hipólito   (2014). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: L.G.)


2. O Tony Levezinho mandou-nos o seguinte mail, em 23 do corrente:

Olá, Luis:

Agradeço-te o empenho no esclarecimento/confirmação da notícia sobre a morte do António Manuel Martins Branquinho.

Tens razão, andamos cada um para seu canto e, tal como foi este o caso, é preciso mais de um ano para se saber que mais um de nós parte. Recordo do Branquinho um rapaz puro, com uma certa tendência para a confrontação verbal, não obstante, ou talvez, também por isso, um camarada leal.

Um abraço e cuida dessa tua recuperação. 
Tony



Tavira, Cismi > 1968 > Semana de campo >  Do lado direito, o Fernando Hipólito e o António Branquinho. Do lado de esquerdo, dois aspirantes milicianos, instrutores.


Tavira, Cismi > 1968 > Semana de campo >  O Fernando Hipólito (de pé) e o António Branquinho (de cócoras).

Fotos (e legendas): © Fernando Hipóliti  (2006). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)


3. Por sua vez, o Césat Dias escreveu seguinte, também na mesma data:

Olá Luis, tenho sabido que estás a recuperar bem, espero que continues.

Quanto ao Branquinho, também não sabia e fiquei também surpreendido, embora nunca tenha contactado com ele depois de Tavira, fica-me a lembrança dum Alentejano, moço muito alegre que contagiava quem estivesse com ele. Tenho uma foto com ele onde podes testemunhar a sua maneira de estar na tropa, vou-te enviar essa e mais alguma onde ele esteja.

Em boa hora tiveste a ideia deste Blogue, pois cada vez somos menos, e assim ficará o testemunho da nossa participação em terras da Guiné.

O Branquinho fez a recruta e especialidade na 3ª companhia do CISMI, acompanhou durante esses 6 meses com o Levezinho, o Hipólito e outros que estiveram convosco em Bambadinca, eu só estive com ele na recruta, na especialidade era nosso vizinho, como sabes.

Essas fotos a cor, são do Hipólito, eram na especialidade, penso que o reconheces, se não conseguires diz que indico-te.

Um abraço, e agardeço-te a atenção,
César Dias


4. O Fernando Hipólito também nos mandou, a 24, duas fotos a preto e branco, com a seguinte mensagem:

 (...) Luís Graça e César

Junto ennvio duas fotos do António Branquinho no CISMI, em 1968:

(i) A primeira foto, com aspirantes, nossos instrutores, mais eu e ele;

(ii) A segunda foto, também na semana de campo, ele e eu. 

Abraço, 
Hipólito (...)


5. Também o José Fernando Almeida nos mandou fotos a  24:


Boa Noite, Henriques

Envio-te algumas fotos do Branquinho. Em Contuboel após termos saído da Piscina do Geba , e no Niassa. (acho que consegues identificar todos). Tenho algumas no Brandão mas tenho que as procurar e digitalizar.

Como o Levezinho diz e com justiça, o Branquinho era muito frontal. A quando da Op Abencerragem Candenete onde morreram seis  homens, entre eles o picador Seco Camará, o capitão à chegada das viaturas a Bambadinca perguntou ao Branquinho que tinha acabado de saltar da viatura,  como é que tinha sido. A resposta pronta do Branquinho:
- Se quer saber como foi, tivesse ido. 

Ficou tudo por aí.

Envio-te também a Lista dos falecidos da CCAÇ 12 de que tenho conhecimento, o Sousa diz que está incompeleta .

Cumprimentos, 
Fernando Almeida


6. Por sua vez, o Jorge Cabral informou-nos, ontem,  que "o  O António Branquinho esteve presente num encontro em Montemor há muitos anos". Eu, por mim, acho que nunca mais o vi, desde o nosso desembarque do T/T Uíge, em Lisboa... Mas sempre ia perguntando por ele. Se fui algum encontro mais do pessoal de Bambadinca, não sei. Mas tenho pena de ele ter partido e eu nunca lhe ter podido dar um abraço de amigo e camarada... Em março de 1971, ele morava na travessa do Barão, nº 5, em  Évora. Deve-se ter casado e mudado para a Rua dos Heróis do Ultramar. Não tive lata de telefonar à viúva. É possível que ele tenha filhos e que estes gostassem de ver estas fotos do pai... Tenho o nº de telefone, talvez um dia destes telefone...



Foto © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados

N/M Uíge > 17 Março de 1971 > Dia da partida de Bissau para Lisboa. Regressávamos da guerra, com a morte na alma e mazelas no corpo, num navio da marinha mercante da Companhia Colonial de Navegação (uma empresa, fundada em Angola em 1922, para assegurar os transportes marítimos das colónias portuguesas com a Metrópole, sendo o paqueteVera Cruz o seu navio mais emblemático, e que não teve tempo de fazer o branqueamento do seu nome, já que o termo colonial não era politicamente correcto no início dos anos 70...).

Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, "contra os ventos da história" (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos): (I) uma sopa de creme de marisco; (II) seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana);  e (III) um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer (IV) a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king... 

Obrigado ao Humberto Reis e à sua já famosa "memória de elefante" por me lembrar que o 17 de Março de 1971 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas... 

Nas costas da ementa de um desses jantares a bordo, talvez o do último dia, deixámos escritos os nossos nomes e moradas.. Alguns de nós nunca mais se voltaram a encontrar: foi o caso do Luciano Almeida (que morava no Montijo,, desaparecido em condições, em data que ninguém sabe ao certo), bem como António Branquinho que voltou para a Évora... Dizia-me que estava reformado da Segurança Social. Numa pesquisa na Net, fui encontrar o seu nome, em 21 de janeiro de 2000, como chefe de repartição da subregião de saúde de Évora, ARS do Alentejo.

O Piça, a esse,  encontrei-o para aí duas ou três vezes... O Levezinho e o Humbertos Reis acabaram por ser meus "vizinhos"... Mesmo assim, ficámos todos amigos... para sempre ! E é por isso que não sei despedir-me do Branquinho sem lhe reservar um lugar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande, o nº 661... Para ele vir ter connosco, com o seu ar gingão, meio fadista meio pegador de touros, meter conversa e sentar-se à nossa beira... Ao Luciano Almeida, a esse, já em tempos lhe fiz um poema  ("Requiem para um paisano") que hei-de publicar aqui um dia destes... Para que a memória de um e de outro não fique para aí, na "vala comum do esquecimento", o Branquinho passa a integrar a nossa Tabanca Grande a título póstumo...

PS - Eis a lista (possivelmente incompleta, e que só inclui um camarada da Guiné) dos militares da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), já falecido (entre parêntese, o local de residência e o ano do falecimento):

António M.M. Branquinho (Évora) (2013)
José António Marques Rodrigues (Torres Novas) (2011)
José Marques Alves (Fãnzeres, Gondomar) (2014)
Luciano Severo de Almeida (Montijo) (s/d)
Manuel Costa Soares (Nhabijões,Bambadinca) (13/1/1971)
Tibério Gomes Rocha (Viseu) (12/6/2007)

Umaru Baldé (Amadora) (s/d)

Fonte: José Fernando Almeida (2014) 

[Observ. - 80 dos 100 militares do recrutamento local já devem ter morrido, tendo alguns sido fuzilados pelo PAIGC] [LG]

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Guiné 63/74 - P13329: O nosso livro de visitas (179): José Augusto Antunes Vieira, ex-Mecânico da Força Aérea Portuguesa (Guiné, 1962)

1. Mensagem do nosso camarada José Augusto Antunes Vieira, ex-Mecânico de avião da FAP (Guiné, 1962), com data de 6 de Junho de 2014:





2. Comentário de CV

Caro camarada José Augusto Vieira, muito obrigado pelo seu contacto.
É dos poucos camaradas de 1962 que comunica connosco, temos 3 ou 4 na tertúlia.
Teve o privilégio de conhecer a Guiné, sobrevoando-a, ainda antes da guerra começar, embora já em clima de tensão uma vez que começada em Angola, era esperado que a luta se estendesse à Guiné e a Moçambique, como veio a suceder.

Se tiver curiosidade em conhecer histórias da FAP através do nosso Blogue, clique neste link: FAP

Temos ainda referências às nossas queridas Enfermeiras Paraquedistas e aos nossos Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras, os nossos Pilotos e os seus Mecânicos.

Se tiver fotos antigas ou histórias suas que queira ver publicadas no nosso Blogue, teremos muito prazer em o receber na tertúlia. Ficamos ao seu dispor para qualquer esclarecimento.

Em nome dos mais de 600 camaradas que compõem a nossa tertúlia, envio-lhe um abraço e os votos de boa saúde.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13319: O nosso livro de visitas (178): Estudando a história da Guiné, descobri o blogue dos senhores e estou absolutamente encantada (Fábia Vitiello de Azevedo Cardoso, S.Paulo, Brasil)

Guiné 63/74 - P13328: Memória dos lugares (268): Bissau, 10 e 13 de Junho de 1969, desfile comemorativo do Dia da Raça e incêndio no "600" (Manuel Carvalho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Carvalho (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70), com data de 12 de Junho de 2014:

Caro amigo Carlos Vinhal
Saúde que é o que agora mais precisamos.
No seguimento das fotos que te enviei há algumas horas vou dizer também qualquer coisa.

Tínhamos acabado de chegar a Bissau vindos de Jolmete e ainda não sabíamos para onde íamos mas pensávamos que não iríamos para sitio pior, e recebemos o honroso convite para participar no desfile do 10 de junho de 1969.
Claro que ficámos contentes mas começamos logo a pensar que num desfile militar no meio de tanta gente o PAIGC poderia tentar qualquer coisa e decidimos logo que íamos levar os carregadores com munições reais.

Já não me lembro se a ordem veio de cima ou não, ou tão pouco se as outras forças também levavam munições. Eu sei que se houvesse problemas ia preparado para disparar.



Bissau, 10 de Junho de 1969 - Desfile das tropas
Fotos: Manuel Carvalho

Uns dias depois no Seiscentos houve também um incêndio seguido de explosões de granadas que atirou com a cobertura de uma caserna pelo ar. Para as causas havia várias versões mas a mais corrente é que alguém estava a fazer um petisco com álcool e algo correu mal propagando as chamas que ficaram sem controle.
As explosões foram muitas e de vários tipos de granadas incluindo morteiro. Vieram ordens para os motoristas tirarem as viaturas para a cidade até porque havia ali uma bomba de gasolina muito perto e então era ver gente já com algum reumático e alguns galões em cima dos ombros e pensando que a hora deles tinha chegado embora estivessem em Bissau a saltar para a parte de trás dos Unimogues até com bastante desenvoltura.

Assisti a tudo isto até ao fim atrás de uma árvore enorme que estava num canto junto à messe dos oficiais onde tinha umas árvores de papaia. Caíam do ar muitos objetos incluindo muitos pedaços de G3. Os bombeiros africanos muito corajosos punham a mão a segurar a mangueira do lado de dentro e o resto do corpo do lado de fora até que conseguiram extinguir o fogo e acabar com o problema.

Faz este mês quarenta e cinco anos que tudo isto aconteceu.
Há uns anos o Carlos Pinheiro(*) contou esta estória e eu enviei umas fotos que deves ter por aí.



Bissau - "600", 13 de Junho de 1969 - Incêndio
Fotos: Manuel Carvalho

Caro amigo se isto servir para alguma coisa podes usar a vontade.

Um abraço
Manuel Carvalho
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 13 DE JUNHO DE 2011 > Guiné 63/74 - P8412: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (3) : Dia de Santo António de 1969

Último poste da série de 28 DE MAIO DE 2014> Guiné 63/74 - P13205: Memória dos lugares (267): Tomar, terra dos Templários e do Rio Nabão, onde nasceu o General Arnaldo Schulz em 6 de Abril de 1910 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 24 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13327: Agenda cultural (326): Dia 21 de Junho de 2014, RI 14, Viseu; lançamento de "QUEBO - Nos confins da Guiné", livro de autoria de Rui A. Ferreira, TCor Ref (Carlos Vinhal)

1. No passado sábado dia 21 de Junho de 2014, no Regimento de Infantaria 14 de Viseu, pelas 10 horas da manhã, já muitos ex-combatentes da CCAÇ 1420, CCAÇ 18 e ex-militares que passaram pelo RI 14, assim como muitos dos seu familiares, se concentravam na Parada para assistirem ao lançamento do livro de Rui Alexandrino Ferreira, Quebo - Nos confins da Guiné.

Na Parada do RI 14, entre os presentes alguns elementos da CCAÇ 18 comandada pelo ex-Capitão Rui Ferreira. Do nosso Blogue, na foto vêem-se: Carlos Vinhal Leça da Palmeira), Vasco da Gama (Buarcos), Antero Santos (Avintes) e António Pimentel (Figueira da Foz)

RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014: Neves Ferreira, Vasco da Gama, Carlos Vinhal, Luís Nascimento, Lima Santos, Miguel Pessoa e Belarmino Sardinha


RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 - O Antero Santos reencontrou dois camaradas da CCAÇ 18. Ao lado Luís Nascimento e Carlos Vinhal

O tempo que mediou até à abertura da sessão serviu para um convívio informal, cujo tema de conversa era o nosso Rui, como é tratado pela totalidade das pessoas que com ele se cruzaram na Guiné ou naquele Quartel.

Já muito perto das 11 horas surge o Rui, acompanhado por duas pessoas que o ajudavam a caminhar entre os presentes que de algum modo se queriam aproximar dele. Qual Cristiano Ronaldo, foi a custo que chegou à Mesa de Honra, sem que pelo meio tivesse que parar para abraçar quem dele se conseguia aproximar...


...como foi o caso do co-editor do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, ali presente

O reconhecimento...

...e o abraço

Esperando não esquecer ninguém, o nosso Blogue estava representado pelos seguintes tertulianos: Antero Santos e esposa; António Pimentel; Belarmino Sardinha e esposa; Carlos Vinhal e esposa; Luís Nascimento; Manuel Lima Santos; Marques Almeida; Miguel e Giselda Pessoa; Valentim Oliveira; Vasco da Gama; Victor Barata e Xico Allen.

A sala estava repleta de assistentes que foram ouvindo atentamente os diversos intervenientes.

RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 - Vista parcial da sala completamente cheia

RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 - Miguel e Giselda Pessoa, e mais à direita, Antonieta e Belarmino Sardinha

RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 - Na assistência Dina Vinhal e Fernanda, esposa do Antero Santos

RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 - Em primeiro plano o nosso tertuliano Luís Nascimento

RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 - O camarada Vasco da Gama espreita o livro acabado de comprar. A seu lado o Antero Santos e o Xico Allen. Ainda perceptíveis, atrás, Belarmino Sardinha e esposa. 

RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 - Dois resistentes ex-combatentes da Guiné: TCor Rui Ferreira e Cor Pilav da FAP Miguel Pessoa

RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 - A Mesa era composta pelo representante do Comandante do RI 14; Major-Gen Pezarat Correia, amigo pessoal do Rui, que também apresentou o livro; Rui Ferreira, o autor, e pelo representante da Palimage, editora do livro

A sessão abriu com as palavras de boas-vindas em nome do Comandante do RI 14.

RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 - O representante da Pamilage salientou, na sua intervenção, que o TCor Rui Ferreira é um autor querido desta Editora, e que este seu segundo livro vai ser também um êxito. 

 RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 -  O Major-General Pezarat Correia durante a sua intervenção

O Major-General Pezarat Correia, que na Guiné foi superior hierárquico do agora TCor Rui Ferreira, na sua intervenção salientou a amizade que os une de há longos anos. Tinha sido convidado só uns dias antes, mas não podia recusar este pedido para falar do livro. Recordou momentos hilariantes, já que o Rui é um homem com um sentido de humor apurado, sempre pronto para pregar partidas a superiores e inferiores. Salientou as suas qualidades de combatente, aliadas a uma capacidade inata para o comando de homens, levando-os a cumprir com êxito as missões mais perigosas.

Do livro, disse sem rodeios que o que está escrito, tirando as possíveis e inevitáveis imprecisões próprias do tempo já passado, é o retrato de uma comissão de serviço, à frente da CCAÇ 18, numa zona difícil (Quebo / Aldeia Formosa), numa altura em que a guerra da Guiné começava a agudizar-se.

Seguiram-se diversas intervenções a cargo de ex-militares da CCAÇ 1420, onde o Rui serviu como Alferes, nos anos de 1965 a 1967; da CCAÇ 18, comandada pelo Rui, então Capitão, nos anos de 1970 a 1972, e do RI 14, onde o Rui serviu como Tenente-Coronel.

Houve momentos de grande emoção quando se lembrava as qualidades humanas do autor do livro, e de boa disposição quando eram lembradas as patifarias que este homem protagonizava. No desporto, no aspecto social, na dedicação aos homens que comandava, a ponto de ser padrinho de casamento de não se sabe de quantos. Relataram-se factos que dignificaram o combatente, o comandante, o camarada e o homem que foi e é o Rui.

RI 14 - Viseu - 21 de Junho de 2014 -  O Rui quando agradecia as palavras que lhe foram dedicadas

Por último falou o Rui. Uma intervenção cheia de humor e emoção.
Estranhou que entre tantos amigos que tomaram a palavra, só lhe tivessem dedicado elogios, e embora ele tivesse pedido para não dizerem muito mal dele, nem um lhe descobriu um defeito, só qualidades.

Agradeceu as palavras a ele dedicadas, ressalvando ter sido esta a derradeira manifestação pública a que se submete, já que a sua debilitada saúde não permite tantas emoções. As pessoas ali reunidas por sua causa deram-lhe uma alegria enorme. Camaradas de todas as patentes e classes, de todos os tempos e locais por onde passou, estiveram a seu lado no lançamento do seu segundo livro.
Salientou que o RI 14, onde estávamos reunidos, será para sempre a sua Unidade, a sua segunda casa, onde cada camarada é pelo menos um amigo, senão mesmo um membro da família.

Por que a saúde do Rui não permitiria o esforço suplementar de uma sessão de autógrafos, o livro tem uma dedicatória e a assinatura impressa.

Assim, passou-se para a sala de jantar onde nos esperava um excelente almoço.
Entradas variadas, sopa, Rancho (muito bem confeccionado), fruta e doce, acompanhado de bom vinho.

Havia muita animação ao fundo da sala porque o rei da festa estava bem disposto. Não há fotos do almoço porque tendo sido servido de pé, não dava muito jeito fazê-las.

Cerca das 15 horas foi o convívio dado por terminado.
Não temos dúvidas de que foi um dia memorável para o nosso Rui.

Texto de Carlos Vinhal
Fotos: Dina e Carlos Vinhal

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"QUEBO - Nos confins da Guiné"

Detalhes:
Autor: Rui Alexandrino Ferreira
Coleção: Imagens de Hoje
Género: Crónica de guerra (colonial)
Ano: 2014
ISBN 978-989-703-110-6
Idioma: Português
Formato: brochura | 368 páginas | 16 x 23 cm
PVP: 19 Euros


Descrição
“Há uma característica da liderança que considero o tempero decisivo capaz de conferir virtude a determinados atributos de comando que, sem ela, podem tornar-se excessivos e transformar-se em defeitos perversos. Refiro-me ao bom senso, o equilíbrio moderador que impede que a coragem resvale para temeridade gratuita empurrando os seus homens para riscos desnecessários, que evita que o culto da disciplina dê lugar ao autoritarismo desumano, que a tolerância resvale para o laxismo, que o gosto pela decisão rápida caia na precipitação, que o excesso de ponderação conduza à hesitação. O bom senso confere sangue frio nas situações de pressão emocional, presença de espírito quando à volta se instala a ansiedade. É uma virtude que, normalmente se adquire com a idade, com a experiência, com a dimensão da responsabilidade. Mas, apesar da sua juventude, o Capitão Rui Alexandrino Ferreira aliava ao seu entusiasmo contagiante uma notável dose de bom senso, o que lhe permitiu aplicar a sua coragem, o seu sentido de disciplina, o seu gosto pela decisão, na medida e no sentido convenientes. Não estou a fazer um elogio fácil. Não devemos nada um ao outro nem pretendemos nada um do outro. Estou apenas a registar uma opinião madura e consolidada, que é a minha”.
Pedro Pezarat Correia


Autor
Rui Alexandrino Ferreira nasceu no Lubango, Angola, em 1943. 1964 - Integra o último curso de oficiais milicianos que reuniu em Mafra a juventude do Império.
1965 - Rende, na Guiné-Bissau, um desaparecido em combate.
1970 - Frequenta o curso para capitão em Mafra, seguindo em nova comissão para a Guiné-Bissau.
1973 - Regressa a Angola em outra comissão.
1975 - Retorna a Portugal. 1976 - Estabiliza em Viseu, onde continua a residir.
É, ainda, autor do livro Rumo a Fulacunda, sobre a temática da Guerra Colonial, na Guiné, editado pela Palimage em 2000

(Com a devida vénia a Palimage)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13303: Agenda cultural (325): JERO e o "Verão Total" da RTP 1, amanhã, 19 de Junho de 2014, em Alcobaça (Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P13326: De Lisboa a Bissau, passando por Lamego: CART 527 (1963/65) (António Medina) - Parte II: Foi há 50 anos, a 24 de junho de 1964, sofremos uma emboscada no regresso ao quartel, que teria depois trágicas consequências para a população de Jolmete: como represália, cerca de 20 homens, incluindo o régulo e o neto, serão condenados à morte e executados pelas NT, dois meses depois

 Foto nº 1 >  O António Medina, à esquerda

  
Foto nº 2 >  O António Medina, à direita


  
Foto nº 3 >  O António Medina em cima de uma Panhard


Foto nº 4 >  O António Medina à esquerda

Guiné  > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Jolmete > CART 527 (1963/65) > Aspetos da vida no aquartelamento. Sem legendas de pormenor.  


Fotos: © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]



A1. Mensagem do nosso camarada da diáspora António Medina 


[ Natural de Santo Antão, Cabo Verde, a viver nos EUA,  António Medina, ex-fur mil inf, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; foi funcionário do BNU em Bissau, depois de passar à disponibilidade e até à independência] [foto atual à direita]


No dia 23 de Junho de 2014 às 22:52, António C. Medina escreveu:

Olá,  camarada e amigo Luís:

Há muito não te contactei porque procurei ultimar este trabalho que vivia em letargia nas minhas memórias, precisamente para coincidir com o aniversário deste acontecimento que na altura me desapontou imenso sem todavia nada poder fazer.

Antes de se tomar qualquer iniciativa gostaria que atentamente lesses o seu conteúdo e me desses a tua opinião se pode ou não ser publicado no blogue. Considerei este caso como uma forma de terror que se pode juntar a muitos mais e infelizmente praticados pelo nosso exército em todas as frentes de luta.

Aguardarei ouvir a tua opinião quando puderes.

Um abraço
Medina


A2. Resposta de L.G. com data de hoje:

 António:

Não há, não houve, nem nunca haverá guerras "limpas". No caso da guerra que nos coube em sorte, é minha opinião que nem nós nem o  PAIGC fomos "meninos de coro". Na mesma altura, ou antes, em que se passam os acontecimentos que tu relatas (em Jolmete, na região do Cacheu, entre junho e setembro de 1964), o PAIGC fazia o seu 1º congresso  em Cassacá,  no sul, na região de Tombali,   e "limpava" a casa, com julgamentos revolucionários e execuções sumárias que tiveram o OK de Amílcar Cabral...  Mas uma mão não limpa a outra, nem um partido dito revolucionário como o PAIGC podia servir de bitola para "avalizar" o comportamento dos militares de um exército regular, de um país ocidental como o nosso.

Usámos a arma do terror, tal como o PAIGC usou. Infelizmente, vou sabendo, aqui  e acolá, em conversas "off record", com outros camaradas do teu tempo, de mais casos, pontuais é certo, de execuções sumárias, praticadas nessa época, noutros sítios (por ex., setor de Bambadinca)... Não sabemos qual a extensão dessas práticas, espero que tenham sido meros casos isolados. Também não adianta "sacar" culpas para o exército, ou reparti-las com a PIDE e/ou a administração colonial...

No mínimo, e não havendo tribunais de guerra, estas decisões deviam ter o OK de Bissau, e no caso concreto que relatas, do brig Arnaldo Schulz (ministro do interior de Salazar, entre 1958 e 1961, promovido a brigadeiro em 1963, ainda em Angola, e nomeado depois  governador-geral e comandante-chefe no TO da Guiné, em maio de 1964; chegou a Bissau a 24 de maio de 1964).

Eu fiz a guerra, de junho  de 1969 a março de 1971, no tempo de Spínola e da chamada política da "Guiné Melhor"... Não participei nem tive conhecimentos de casos como o que relatas. Mas no meu tempo, os meus soldados africanos  da CCAÇ 12, os mais velhos (com o pobre do Abibo Jau, mais tarde fuzilado pelo PAIGC) contaram-me algumas histórias macabras, da responsabilidade da polícia administrativa de Bambadinca.

Por outro, Samba Silate é um exemplo triste de uma tabanca balanta reduzida a cinzas.... E um padre italiano, da missão de Samba Silate, foi preso pela PIDE em 23/2/1963, acusado de atividades subversivas... Já escrevemos sobre isso, aqui no blogue...  Mas a "guerra subversiva" e "contrassubversiva", nesta época (1959/64), ainda está muito mal documentada....

Um dos princípios fundamentais do nosso blogue é a nossa obrigação de relatar  factos e episódios por nós vividos ou do nosso conhecimento, procurando dizer a verdade e só a verdade, e recusando fazer juízos de valor... O teu testemunho é assertivo, ponderado, equilibrado e, parece-me, isento e responsável, ditado também por um imperativo de consciência de um homem cristão e português, como tu.

Em dez anos de blogue é a primeira vez que um camarada nosso tem a coragem de, publicamente, assinar um relato desses, com execuções sumárias de suspeitos de colaborar com o IN. Da minha parte, suspeito que este tipo de acções não chegava a constar dos nossos relatórios militares, sendo portanto altamente improvável que um dia os investigadores tenham acesso a estes factos no Arquivo Histórico Militar, por exemplo.

Tens o meu OK, para publicar o teu testemunho, e gostaria que fosse já, 50 anos depois. É uma efeméride trágica. Tens o cuidado de não identificar nenhum camarada, e esse é um dos nossos princípios. Não somos juízes nem queremos julgar ninguém. Esses factos também fazem parte da nossa memória (dolorosa) da guerra na Guiné.

Dou-te os parabéns pela tua decisão de contar este "segredo". É também uma afirmação contra o medo de seres julgado pelos teus pares. Espero que apareçam mais versões destes acontecimentos. As tuas melhoras, se possível.

Um abraço fraterno.
Luís Graça

A3. Resposta do António Medina, hoje; às 14:35

 Obrigado,  Luís,  pela tua apreciação ao meu testemunho que resolvi trazer à tona do que realmente aconteceu há cinquenta anos. Vamos então publicá-lo quanto antes como dizes e conto com a tua colaboração nesse sentido. Gostaria de o realçar talvez com algumas fotos minhas de Jolmete que certamente aí tens, assim mesmo vou tentar reenviá-las de imediato para que não se perca mais tempo. Logo após a publicação, agradecia que me avisasses para que eu possa tomar conhecimento. Telefonar-te-ei um dia desses.

Um abraço amigo
AMedina


Guiné > Região do Cacheu > Mapa de Pelundo (1953) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Jolmete e Ponta Nhaga


B.  Teixeira Pinto > Ponta Nhaga e Jolmete >  24 de junho de  1964 - Emboscada e suas consequências
 


I. Já lá vão precisamente cinquenta anos que carrego um facto bastante sombrio e macabro que a minha memória, vencendo o tempo e as mazelas deixadas em mim pela doença do Parkinson, conseguiu preservar no silêncio até hoje, pela maneira desumana e cruel que um julgamento sumário foi executado, ditado pelo Comando do Batalhão de Caçadores 507, de Bula [, sendo na altura seu comandante o tenente coronel Hélio Felgas].

Não se trata de nenhuma minha criatividade ou ficção, mas sim a descrição verdadeira de factos sucedidos, contados a mim na altura por quem foi testemunha e participante de uma acção bastante degradante e vergonhosa, devidamente escondida e “abafada” pelos militares e a PIDE, porque das vítimas nada reza.

Por questão da minha própria ética procurarei evitar denunciar aqueles responsáveis que estiveram directamente envolvidos em tal processo.

Desejo também esclarecer neste caso especifico que, como Furriel Operacional,  fui um dos indicados a participar com a minha secção no cerco à  tabanca de Jolmete que a seguir mencionarei, na captura de elementos considerados subversivos e na escolta dos mesmos para Teixeira Pinto onde ficaram sob a nossa guarda dentro daquele perímetro militar. Quando “Sargento Dia” em escala como qualquer um outro, assisti o corpo da guarda na distribuição de água e sobras do rancho para o sustento dos mesmos.

II. Por determinação do Comando de Bula, assiduamente as tabancas de Ponta Nhaga e de Jolmete eram visitadas pelas nossas forças, dentro do espírito do programa de reconhecimentos como retenção a possíveis infiltrações inimigas.

Sentiamo-nos confiantes e familiarizados,  mais com os residentes de Jolmete, pela simpatia e maneiras com que éramos distinguidos, muitas vezes dando-nos as boas vindas, exibindo as suas danças e cantares na cadência de um bater de palmas e pés no chão, ao som de um batuque não ensurdecedor, pelo contrário harmonioso no qual um ou outro soldado por graça se juntava.

No clima amistoso que se vivia, [a gente] se estendia no chão de papo para o ar em qualquer sombra, as cartucheiras debaixo da cabeça para melhor conforto e a arma ao lado, conversa amena entre soldado e nativo, negociando particularmente um frango para um delicioso churrasco no regresso ao quartel, um ou outro apreciando em silêncio as curvas de uma bajuda de “mama firmada” que bem parecia mais ter sido talhada a canivete, comportamento que fugia às regras e normas de segurança exigidas pelo status da guerra e que bem poderiam custar a nossa própria vida, o que estávamos ignorando.

A pedido do sargento encarregado do rancho e sob a discrição e consentimento do régulo que fixava os preços, quantas vezes se comprou frangos, ovos, cabritos e bananas que tivessem disponíveis, oferecendo-nos o gostoso e fresco vinho de palma (seiva da palmeira) sem todavia pressioná-los. Como “labaremos” (agradecimento),  se distribuía garrafões e latas vazias e algum arroz que o inventário do vaguemestre classificava como sobra na existência do fim de cada mês.

A nível de pelotão, repetitivamente e em roulement  lá íamos em coluna auto pela estrada de terra batida totalmente despreocupados, sem qualquer referência a minas ou outras armadilhas porque delas ainda nada ou pouco se falava, de Teixeira Pinto, passando por Pelundo,  seguindo em direcção de Ponta Nhaga, depois regressar a Teixeira Pinto passando por Jolmete,  e vice-versa na semana seguinte.

Quando menos se esperava, no dia de S. João, 24 de Junho de 1964, à tardinha durante o nosso regresso de Jolmete para Teixeira Pinto,  fomos surpreendidos e emboscados por um grupo armado a cerca de quatro quilómetros da tabanca, causando-nos algumas baixas com certa gravidade.

De madrugada chovia a potes, encharcados mas agora conscientes da presença inimiga, cautelosos e com medo, reforçados,  regressámos a Jolmete, com um percurso a fazer a pé depois de Pelundo, para que o factor surpresa nos beneficiasse na operação sob o comando do Capitão de Teixeira  Pinto. As instruções eram taxativas para se prender todos os homens,  inclusive o régulo, deixando apenas mulheres e crianças. Que fossem transportados para Teixeira Pinto onde ficariam sob a nossa custódia até novas instruções. Assim tudo foi feito em cumprimento, sem qualquer resistência .

Conhecíamos o neto do régulo de Jolmete,  de nome Celestino, rapaz de cerca de 22 anos de idade, simpático, vestido e calçado, expressando-se bem em português, com o segundo ano dos liceus já feitos no Honório Barreto em Bissau onde dava continuidade aos seus estudos. Sempre que chegava a Teixeira Pinto era ele hóspede da nossa messe para uma refeição e bate-papo connosco,  furriéis. Acontece que naquela manhã o Celestino estava na Tabanca do avô e também foi preso.

III. Levados para Teixeira Pinto ficaram fechados no edifício do celeiro que se situava dentro da área do quartel, cedido pelo Administrador do Concelho, numa estadia de quase dois meses sob nossa guarda.  

Pelos resultados colhidos nos interrogatórios  se constatou que o grupo armado planeava atacar na nossa hora de ociosidade, com receio de alguma represália da tropa a posteriori, o régulo e o neto felizmente convenceram-lhes que alterassem seus planos para uma acção fora da tabanca, o que de nada serviu mais tarde como atenuante para lhes poupar a vida.

Entretanto o Comando de Bula [BCAÇ 507] ditou-lhes a pena capital,  para que todos fossem fuzilados em local secreto, com excepção do Celestino que continuaria preso em Teixeira Pinto. Que fossem transportados pela estrada de Jolmete em dia a indicar onde estaria tudo já preparado pelos participantes de Bula.

Eram eles cerca de vinte homens, o régulo de Jolmete já homem velho, de barbas e cabelos brancos, fraco pela má alimentação, outros mais novos, todos sendo transportados em GMC  sob escolta do segundo pelotão [, da CART 527]. No local indicado já os esperava um dos Capitães de Bula, com uma vala aberta por uma escavadora e um outro pelotão alinhado à distancia, olhando de frente para a vala, de costas para a estrada. O pelotão da CART 527 cuidou apenas da segurançaa da área para que o trabalho fosse ultimado sem qualquer interferência do inimigo.

De mãos atadas, os prisioneiros foram alinhados de costas para a vala. O Capitão de Bula ali estava como Oficial mandante da ordem. Através de um intérprete explicava a razão daquele procedimento, quando um dos presos consegue se soltar e fugir em direcção à mata. Nesse interim de confusão o pelotão disparou precipitadamente sem ter recebido ordem de fogo, restando corpos sem vida caídos na vala, à podridão, sem direito sequer a um choro, à dança das mulheres grandes ou a um toque de bombolom.

A vala comum foi fechada e armadilhada com minas anti-pessoal plantadas por sapadores de Bula. No dia seguinte essa acção da tropa colonial foi revelada pelos órgãos do PAIGC .

O Celestino continuou preso em Teixeira Pinto até que um dia a sua pena também capital não tardasse a chegar. Um furriel seria indicado para executar a sentença, que para nós era bastante pesaroso e em nada dignificante, dado o relacionamento e bom trato que mantínhamos com ele até se retratar como informador, para depois ser prisioneiro de guerra sem qualquer possibilidade de defesa.

Desta maneira, logo se soube da execução a ser cumprida, naquela tarde os furriéis saíram quanto mais cedo do quartel procurando uma forma de evitar participar no fuzilamento. Eu, como exemplo, decidi sem que ninguém desse conta visitar um senhor cabo-verdiano empregado comercial de uma casa libanesa, pai de uma linda morena a quem ia eu fazendo olhos bonitos para um possível namoro “caliente”. Me permitiu aquele senhor.  meu patrício, arrastar um pouco mais a minha visita naquela noite, sem todavia lhe dar a entender do que se estava passando. 

O facto foi consumado por um colega furriel miliciano e sua secção nas imediações do pequeno aeródromo de Teixeira Pinto. Viveu-se alguns dias em clima de pesar e tristeza no quartel, evidenciado pelos soldados nativos (eram eles distribuídos pelos pelotões e tinha eu três deles na secção) que praticamente se afastaram das outras praças. 

No dia seguinte da execução fui instruído para fazer uma patrulha de reconhecimento com o meu grupo em determinada área, notei que no momento de um pequeno descanso que achei por bem todos fizéssemos, os três militares se afastaram do grupo e se sentaram, de armas na mão como todos nós. Tive certa apreensão no momento o que me levou a aproximar e ficar junto deles em conforto, sem todavia ter havido nenhuma conversa, pelo contrário um silêncio absoluto de quem se sentia bastante magoado e triste. Felizmente nada aconteceu talvez pela disciplina, tratamento amigo e igual para todos que sempre implementei.

Regressámos algum tempo depois à Tabanca de Jolmete e constatámos que tinha sido destruída, suas palhotas queimadas não pela tropa, abandonada pelos sobreviventes que se puseram em debandada para local desconhecido. Acreditámos nessa altura que tivessem procurado lugar que para eles fosse mais seguro, em apoio também ao PAIGC por jamais merecermos sua confiança.

Uma vasta área foi limpa do capim, árvores e arbustos para que fosse construído para a nossa defesa e logística um verdadeiro ”fortim” com troncos de cibos, chapas de bidões e zinco, terra batida, conforme as fotos em anexo.

António Medina, Junho de 2014
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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13101: De Lisboa a Bissau, passando por Lamego: CART 527 (1963/65) (António Medina) -  Parte I: Caió, Bula, Olossato, Fajonquito, meados de 1963...