terça-feira, 22 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13430: Notas de leitura (615): "Guiné, Mal Amada, o Inferno da Guerra", por António Ramalho de Almeida (Virgínio Briote)




1. Em mensagem do dia 15 de Julho de 2014, o nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489 (Cuntima), e Comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá), CMDT do Grupo Diabólicos (1965/67), enviou-nos este apontamento sobre o livro de António Ramalho de Almeida, "Guiné Mal Amada - O Inferno da Guerra":




Guiné, Mal Amada, o Inferno da Guerra
António Ramalho de Almeida

António Ramalho de Almeida, estudante de medicina em 1963, foi mandado apresentar-se em Mafra para efectuar a recruta, após a qual foi destacado para a EPC em Santarém, onde tirou a especialidade de autometralhadoras Panhard. Logo a seguir, que o tempo urgia, foi mobilizado para a Guiné como alferes miliciano, recebendo como missão dar instrução a naturais da então Província, organizando-os em companhias de milícias.
Neste livro, António Ramalho de Almeida aproveita para nos descrever os contrastes a que assistiu. A guerra, ainda no princípio mas já na brutalidade em mortos e estropiados pelas minas, armadilhas, emboscadas e flagelações, os olhos a perderem-se nas maravilhosas paisagens, a presença de Portugal de mais de 400 anos praticamente ausente no interior da Província, de tal forma que, em certos locais, se julgava o primeiro branco a pisá-los e a vê-los.
Um testemunho interessante, este, escrito quase 50 anos depois de o ter vivido.
Fui contemporâneo do António Ramalho, conhecido, entre nós, por Toni Ramalho. Éramos companheiros assíduos, sempre que coincidia estarmos presentes em Bissau, na esplanada do Bento e nos jantares à mesma mesa do hotel. Muito do que aqui conta, regressou-me, vi, ouvi e vivi naqueles anos. Quanto mais não fosse estou-lhe grato por isso.

Começa por dedicar o livro, aos Netos, aos Filhos e à Mulher.
Depois não esquece “a minha geração…sacrificada! A todos dedico este livro, que não conta nada que se não saiba já, mas cuja narrativa biográfica, vai relembrar o que de bom e de mau se fazia naqueles anos 60, do início do conflito na Guiné”. Era assim a Guerra!

António Ramalho prometera à Mãe, antes de a ver morrer, que havia de ser médico. Fiel à promessa e ao desejo pessoal preparou-se para o ser e convenceu-se de que iria beneficiar do estatuto de adiamento de incorporação que o Exército então facultava, dada a escassez de médicos.
Houve, porém, um acontecimento, que lhe alterou a vida. Em Maio de 1963, comemorou-se em Lisboa o Dia do Estudante e esse dia trouxe-lhe consequências. Quando deu por si estava em Mafra a fazer o COM. Depois seguiu-se Santarém, o RC6 (Porto), o RC8 em Sta. Margarida e o embarque, em 12 de Outubro de 1964, no Niassa, rumo à Guiné.

Depois é a chegada a Bissau, as primeiras impressões da cidade, a entrada no QG. Seguem-se as peripécias típicas da tropa e dos princípios do conflito. Comunicaram-lhe que passaria a receber ordens directamente do QG. E não tardaram a dar-lhe notícias. Cerca de dez dias depois, um major do QG comunicou-lhe que, em virtude dos reduzidos efectivos militares havia que mobilizar e preparar os próprios naturais da província, conhecedores do terreno e dos hábitos das diferentes etnias. O objectivo era criar vinte companhias, com 120 homens cada, estrategicamente distribuídas por todo o território. E a missão do alferes Ramalho e do reduzido grupo de assessores era, em cerca de um mês, preparar militarmente essa gente.

Começou por Empada e por lá se manteve até quase ao Natal de 1964. Ele e o seu grupo, constituído por um sargento, um Furriel, três Cabos Atiradores e três Cabos Enfermeiros comemoraram o fim do primeiro trabalho no “Solar dos 10” a comer omeletes de camarão acompanhadas das inevitáveis cervejas.

No livro, o boato está sempre presente, às claras ou às escuras, e encontra-se frequentemente com o e no Bento. E a certa altura quase se pode afirmar que se não foi verdade andou por lá perto ou ainda vai ser.
O QG é passado a pente fino. Passa a trabalhar directamente com o capitão Passos Ramos, “uma figura notável, de presença, de calma, de ponderação, de saber...” Um dia atreveu-se e atirou-lhe: “Meu capitão, o senhor é mal empregue na tropa!”
“Ramalho, vamos fazer o nosso melhor, já que cá estamos vamos fazer o melhor, sem loucuras”, respondeu-lhe o capitão.

A tarefa seguinte foi em Nhacra e aqui o alferes Ramalho dedica uma especial atenção dadas as características da povoação, da etnia dominante, da proximidade estratégica com Bissau e de constituir um excelente local para recolher e trabalhar informações.
Seguiram-se Nova Lamego, as conversas com o Dr. Torres, médico da “Doença do Sono”, muito estimado pela população e, naturalmente pela guerrilha que começava a fazer o seu trabalho nessa zona, o martírio do calor, um episódio que ele ironicamente chama a “conquista de Bambadinca” e a visita a Piche.
“Eh pá, vocês meteram-se à estrada só para ouvir a minha voz?”, recebeu-os, surpreendido o famoso fadista coimbrão, Dr. Luís Goes!

Nova Lamego foi um marco na passagem do alferes Ramalho pela Guiné, afiram. As paisagens, as gentes tão simples, tão amáveis, prontas para ajudar, aquele mercado onde se vendiam as coisas mais simples do mundo como o mel bravio, o vinho de palma, o tamarindo, a papaia, nunca mais vai esquecer.

Depois de um intervalo em Bissau, o QG do “ar condicionado” volta a ser assunto e encarregam-no de tratar dos processos de condecoração. Sobre este assunto é ele que escreve e eu por aqui me fico.

São muitos acontecimentos, alguns trágicos, não é justo este recensor acidental pôr-se para aqui a plagiar um Camarada e Amigo. Limito-me a terminar, dizendo-vos que ainda não estamos a meio do livro, falta ainda muito para contar, desde as férias e do adeus de coração apertado à Família, ao regresso ao inferno da guerra, de novo na Guiné.

VB
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Nota do editor

(*) Vd. postes de:

16 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12048: Notas de leitura (520): "Guiné Mal Amada - O Inferno da Guerra", por António Ramalho de Almeida (Mário Beja Santos)
e
1 DE JULHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13352: Notas de leitura (607): Livro de memórias de guerra, de António Ramalho de Almeida, médico pneumologista, do Porto, ex-alf mil, GG, Bissau, 1964/66

Último poste da série de 21 DE JULHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13422: Notas de leitura (614): “Pluralismo Político na Guiné-Bissau", coordenação de Fafali Koudawao e Peter Karibe Mendy (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13429: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (20): Imagens de braços tatuados, do tempo da guerra colonial, precisam-se para trabalho jornalístico sobre a história da tatuagem em Portugal...



Guiné > Tatuagem de braço direito com os dizeres "Guiné 69-71". Foto de Luís Nascimento, natural de Lisboa, a viver em Viseu, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71 (*)

 Foto: © Luís Nascimento (2014). Todos os direitos reservados




Guiné > Tattagem de braço direito com os dizeres "Guiné 15-11-69". Foto de Constantiino Neves (ou Tino Neves , ex-1º  cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71. Vive na Civa da Pieddae, Almada (*)
Foto: © Constantino Neves (2014). Todos os direitos reservados


1. Recentemente fomos contactados, pelo jornalista Bernardo Mendonça que está a fazer uma trabalho, para a Revista do Expresso, sobre a história da tatuagem em Portugal. A resposta que se segue foi dada pelo nosso editor LG a 3 do correnjte:

Caro Bernardo:

A foto em causa (e que anexo) foi-me enviada em 2007 pelo meu camarada Constantino (ou Tino) Neves, que mora na Cova da Piedade, e a quem dou conhecimento deste mail. Devo ter o "original" algures num disco externo, mas não creio que tenha melhor resolução do que a imagem que foi publicada no blogue... Sugiro que o contacte através do mail dele... Pode ser que consiga uma digitalização com melhor resolução.

Tenho mais uma foto, do Luís Nascimento (Viseu), com uma tatuagem no braço (Guiné 69/71). Terá que pedir-lhe autorizaçãio, através do endereço de email da neta, Jessica Nascimento.

Por fim, envio-lhe um pequeno texto de José Corceiro... que reforça a ideia que, no nosso tempo, na Guiné, havia camaradas (sobretudo praças) que usavam tatuagens no braço ou no peito: Guiné 69/71, Amor de mãe, Amor de esposa... Pode também tentar contactá-lo, por sugestão minha.

Estes três camaradas meus são membros (registados) do nosso blogue que, como sabe, tem um a política de respeito pela propriedade intelectual. Mas,  à partida, estes camaradas irão colaborar consigo. (*)

Pode procurar também no blogue por "tatuagem" e "tatuagens"... Em mais de 3 mil, não tenho essa palavra-.chave ou marcador... Não me têm aparecido mais histórias e fotos com tatuagens... Mas podemos fazer um apelo... Para quando é que quer ter o material pronto ?...

Desejo-lhe bom trabalho. Não se esqueça mencionar o autor da foto e o blogue Luís Graça & Camaradas d Guiné (que é, e pretende ser, também, "fonte de informação e conhecimento") (**). 


Um alfabravo (Abraço). Luís Graça

2. Mail que o Tino Neves mandou ao jornalista, na mesma data:

Sr. Bernardo Mendonça;

Serve este email, para lhe dar a minha autorização para utilizar a minha imagem do meu braço tatuado, mais informo que a imagem está na resolução original, a razão de se ver um pouco mal, é pelo facto de já ter mais de 40 anos e como disse no blogue, a tatuagem foi feita com poucas picadelas daí já estar um pouco sumida.

Só mais um reparo, ao tornar a ler o meu comentário no blogue, reparei numa gafe, à qual ainda não tinha reparado, que a data de 15-11-1969 não era a data da minha chegada à Guiné, mas sim doembarque no paquete Uíge em Lisboa.

Sem mais agradecer-lhe o trabalho que vai fazer, pois os jovens da nossa geração e em especial os antigos combatentes, merecem que sejamos sempre lembrados, não só os que já partiram mas também os que ainda cá estão, pois os nossos governantes julgam que já não existimos, ou sonham que assim seja!!!!

Bem haja, um alfabravo

Tino Neves

_____________________

Notas do editor:


(*) Vd, postes de:

4 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1922: Tatuagens (1): Sangue, suor e lágrimas (Tino Neves)

(..:) Para além de actualmente estar muito na moda fazer, ter e mostrar o seu corpo tatuado, nos anos 60 e 70, também, e principalmente os ex-Combatentes, se tinha por hábito/costume, fazer tatuagens. Julgo eu que a razão principal não era só por moda. A tatuagem, para os nossos camaradas que fizeram a guerra do Ultramar, era assim como uma espécie de selo, uma marca do seu estado de espírito na altura (... mas também um sinal da sua passagem por África e pela guerra, para que mais tarde todos vissem, na Metrópole, por onde eles passaram e o que passaram).

Achei, portanto, que seria um tema interessante para o nosso blogue, não só para que comentem as minhas afirmações anteriores, se estarão correctas ou não, ou se haverá outras razões [para explicar o fenómeno], que julgo que sim.

Desde 1970 até aos nossos dias, tenho visto tatuagens lindas e bem feitas, outras não tanto (estou a referir-me somente a tatuagens feitas durante 1963 /74, relacionadas ao que normalmente se fazia na altura em comissão de serviço no Ultramar).

Daí eu fazer o desafio/pedido para que enviem as imagens das vossas tatuagens, e comentá-las se possível, pois tenho a certeza que vamos ter uma grande colecção delas e com comentários interessantes. (..:)

7 de abril de  2010 > Guiné 63/74 - P6122: (Ex)citações (64): Guerras feitas, amores desfeitos (José Corceiro)

 6 de novembro de  2013 >  Guiné 63/74 - P12258: Álbum fotográfico do Luís Nascimento, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71 (Parte VI): Farim, em finais de 1970 e princípios de 1971

(**)  Ultimo poste da série >  
21 de julho de  2014 >  Guiné 63/74 - P13427: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (19): Onde adquirir um exemplar (ou uma cópia) do Caderno de Poesias Poilão, editado em 1974, em Bissau


Guiné 63/74 - P13428: Manuscrito(s) (Luís Graça) (37): O outono do nosso descontentamento...

O outono do nosso descontentamento 

Ao Ernesto Duarte (*)

por Luís Graça (**)





Dizem-nos
que estamos a envelhecer, camarada.
Dizem os demógrafos,
que correm, eles próprios, o risco
de ver limitado o objeto de estudo da demografia
aos velhos.
Dizem as máscaras do Entrudo
do nosso descontentamento,
muito pouco chocalheiro.
Diz o safado do cangalheiro:
Eu cá não quero que ninguém morra,
só quero que o meu negócio corra!

Dizem os divertidos caretos de Ousilhão.
Dizem os últimos rapazes da Festa dos Rapazes.
Dizem os médicos, sisudos,
que também estão a encanecer.
Diz o senhor Ministro da Indústria da Doença
que mandou encerrar as maternidades,
por falta de fedelhos
e por falta de crença na lusitana fecundidade.
Tenham santa paciência,
minhas senhoras,
voltemos ao tempo das aparadeiras!

Dizem as abortadeiras do campo e da cidade.
Dizem os hospitéis,
a abarrotar de gente na fila p’ra morrer.
Em Portugal.
Hospitéis, que os hospitais agora
só de campanha,

em caso de catástrofe natural ou social!
Dizem os sociólogos,
em crise tamanha
de paradigma existencial.
Dizem os jornais,
de papel,
que já não vendem mais.
Diz o meu geneticista,
que anda à procura do elexir da eterna juventude.
Hoje com saúde, amanhã no ataúde!

Dizem os futurólogos
que leem nas entrelinhas das camadas de ozono.
Diz a esteticista, pessimista,
quando o verniz estala

e o batom muda de cor,
quando morde os lábios de raiva:
– Vão-se os anéis, 
ficam os dedos!
Diz a vida, malsã.
Diz a palma da mão
e a linha (torta) da vida.
Muita saúde, pouca vida,
que Deus não dá tudo!

Diz a grega pitonisa de Delfos,
a escarnecer
da cultura judaico-cristã.
Diz o safado do comissário, 

muito político e pouco polido,
de Bruxelas,
que não foi eleito,
todos eles e todas elas,
os/as eurocratas,
muito menos eleitos/as pelos eurovelhos.
Diz a medicina,
que a velhice não tem cura!
Diz o Eurostat,
que representa a sacrossanta ciência
do positivismo do século.
Diz o Golden Sachs Sachs Sachs.

Diz o ouro do bandido do banqueiro
que tem a volúpia do dinheiro.
E até a Santa Madre Igreja,
agora sem crianças para batizar
nem selvagens para evangelizar.
Não sei o que diz Ela,
a Santa,
a Madre,
a Igreja.
Não sei o que é que diz Roma
nem Pavia,
que não se fizeram num dia.

Mas dizem as estatísticas,
que, dizem-nos, não mentem,
que estamos a embranquecer,
a encanecer,
a ensurdecer,
a envelhecer,
a ensandecer.
Diz o Censo de 2011.
A morrer, meus irmãos, a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão
.
Diz o espelho meu,
que o tempo faz o seu trabalho de sapa,
e que o tempo, no final, te mata, 

camarada,
como nos filmes de terror.
Diz o sino da tua aldeia,
quando dobra a finados.
Que te importa, agora,
os teus feitos heróicos de Quinhentos,
ó povo meu,

celtibero, romano, visigótico, berbere, sefardita ?
Dizem as tuas rugas,
dizem as tuas brancas,
as primeiras, não sei onde.
Dizem os teus dias cinzentos,
diz a crueldade dos tempos,
só o Governo esconde
a bomba biológica
que paira sobre a cabeça
dos que hão-de vir.
Dizem-te que o Governo tropeça, trapaça,
mas não cai,
só por mentir
com as medidas da tendências central.
Os cães ladram e a passarola passa!
diz o ministro da educação e da ciência,

trapaceiras.
A média, a moda e a mediana,
mais o desvio padrão
e o erro amostral.
Bem sabes que o Governo está sujeito à erosão
dos ventos e das marés,
mas também à irrisão,
mortal,
das sondagens.
E das pilhagens.
O Governo pode ser sacana,
mas não deve mentir
e muito menos roubar.
O Governo deve ser pessoa de bem,
deve dizer a verdade,
deve dizer a verdade, nua e crua,
com um grau de confiança de noventa e cinco por cento.
Mas nem sempre diz toda a verdade,
ou só a verdade,
pura e dura,
como a flor de sal,
por causa da coesão social,

por causa do clima económico,
por causa da confiança psicológica
do investidor estrangeiro,

por causa do índice de NASDAQ,
por causa da liberdade,
primordial,
do consumidor.

Dizem que estamos a envelhecer, camarada.
Dizem-te que há muito ultrapassaste
a barreira dos quarenta.
Até aos 40 bem eu passo,
dos 40 em diante, ai a minha perna,
ai o meu braço!

Que aos 45 já eras velho,
para além do limiar da esperança ao nascer
quando nasceste

e foste para a guerra.
Dizem-te que somos todos velhos,
o censo.
e a falta de senso.
Um em cada cinco.
Leia-se: velhos, os mais de 65.
Velhos até aos tutanos.
E que agora já começou a caça
aos talentos,
aos rebentos,
na perspetiva da rarefação dos recursos humanos.
Diz o nosso mediático guru,
diz o feio do jagudi,
diz o mau do urubu,
diz o provérbio que na era de 31,
poucos moços, velhos nenhum
.
Dizes tu, camarada,
ex-combatente da guerra colonial:
Antes a morte que tal sorte!

Mas não é envelhecimento,
é senescência,
diz o teu neurologista.
Degenerescência,
dizem os puristas da língua.
Diz a neurociência
que o mais importante
não é perderes 100 mil neurónios
por dia,
nem a paciência,
nem a compostura,
nem o controlo dos esfíncteres,
nem a decência,
nem a cabeça do fémur.
Que a saúde dos velhos é mui remendada!

Deus te livre do Alzheimer 

e do Parkinson
e das demais doenças crónicas degenerativas.
Que Deus te livre da peste, da fome e da guerra,
E do Estado Mínimo a que hás-de chegar.
Deus te livre da ancoartrose
e da esteonecrose.
Mas o que é mais grave é perderes
as redes neuronais
e as tuas redes sociais
e não sei que mais.
Blá, blá, blá.
Mas já diziam os antigos:
Não há cousa tão junta a outra
como a morte à vida.

E mais avisado é o conselho 

do velho para o novo,
à laia de impropério;
Teme a velhice porque ela nunca vem só!...
Ou mais cruel ainda:

  Cabelos brancos, flores de cemitério!

PS - Dizem que estamos a envelhecer, Papi!
Porra, meu pai, meu velho, meu camarada,
eu sei o que a vida fez de ti,
mas tive orgulho 

na maneira como viveste
e como morreste!


Lisboa, 29/1/2008. 
Revisto em 1/7/2014
(v6 1 jul 2014)
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  1 de julho de 2014> Guiné 63/74 - P13353: Blogoterapia (253): Não é pessimismo, muito menos um lamento, quando muito um recado... (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, poeta, algarvio)

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13427: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (19): Onde adquirir um exemplar (ou uma cópia) do Caderno de Poesias Poilão, editado em 1974, em Bissau


Guiné > Bissau > 1974 > Capa do documento policopiado do Caderno de Poesia Poilão", editada pelo Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino. Cortesia do nosso camarada Albano Mendes de Matos, ten cor art ref, que vive no Fundão [, ex-ten art, GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74],

Foto: © Albano Mendes de Matos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

1. Mensagem de uma nossa leitora, doutoranda no Reino Unido:

Data: 20 de Julho de 2014 às 19:01
Assunto: Caderno de poesia poilão

Caros senhores Luís Graça e Carlos Vinhal,

Cadernos da poesia "poilão".

Vi o vosso blog na internet com referência ao caderno (*), daí o contacto. Os senhores, por acaso, têm alguma cópia extra que queiram vender? Caso não tenham, teriam a amabilidade de me dizer como é que posso obter uma cópia desse livro o mais rapidamente possível, por favor?

Agradecendo antecipadamente a vossa atenção, apresento os meus cumprimentos.

2. Resposta de L.G.:

Cara leitora: Obrigado pelo seu contacto. A referência ao "Caderno de poesia poilão" vem num poste de 13/4/2014, assinado por Albano Mendes de Matos (*), membro deste blogue coletivo, que vive no Fundão, Portugal. Só ele pode arranjar-lhe um exemplar do livro de poesia em questão.
Vou dar-lhe conhecimento deste mail e do seu pedido.Fique com o contacto dele (...) (**).
 
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12975: Memórias dos últimos soldados do império (2): A aventura do "Caderno de Poesia Poilão", de que se fizeram 700 exemplares, a stencil, em fevereiro de 1974, em edição do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU (Albano Mendes de Matos)

(**) Último poste da série > 29 de janeiro de  2014 >  Guiné 63/74 - P12652: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (18): "A caça no império português", de Henrique Galvão e outros (1943) (Miguel Alves P. Joaquim / Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13426: Fotos à procura... de uma legenda (31): O mosteiro e o quartel da Serra do Pilar (onde esteve, no tempo da guerra colonial, o famoso RAP 2) vistos de um dos melhores (mas menos conhecidos) miradouros do Porto... Adivinhem qual?...O Jorge Portojo sabe mas não vai responder... (Luís Graça)


Foto nº 1 < Mosteiiro da Serra do Pilar, pertenceu aos padres crúzios. É hoje propriedade do exército.
Abriu recentemente ao público. Dias de abertura: de terça-feira a domingo. Horários: 9h30-17h30. Subidas ao zimbório: 10h30, 11h30, 14h30, 15h30, 16h30. Preço: 1 euros ou 3 euros, se incluir subida ao Zimbório. Portadores de Cartão Jovem e maiores de 65 anos têm desconto de 50%. Menores de 12 anos não pagam....


Foto nº 2 > Mosteiro da Serra do Pilar e tabuleiro da ponte D. Maria


Foto nº 3 > Mosteiro da Serra do Pilar e  a ponte de Dom Luís (1881/88)



Foto nº 4 > Casario do centro histórico do Porto, Rio Douro e cais de Gaia


Foto nº 5 > Sé do Porto (cuja origem remonta ao séc- XII)... É de estrutura romano-gótica, é um dos nossos mais antigos e mais importantes monumentos.


Foto nº 6 > Porto: Paço Episcopal , do séx. XVIII (fazer aqui visita virtual a 360º) e igreja de São Lourenço dos Jesuítas  (ou, mais popularmente  igreja e convento dos Grilos, séc. XVI-XVII).


Porto > 20 de julho de 2014 > O "Porto eterno" e o mosteiro e quartel da Serra do Pilar (séc. XVI e XVII) vistos de uma dos melhores (mas menos conhecidos) miradouros da cidade... Adivinhe-se qual é... (O Jorge Portojo sabe, mas não vai dizer... Ele é, de todos nós, o que mais conhece, ama e fotografa o Porto, Gaiia e a o rio que as une e separa...).. Do RAP 2 muitos camaradas nossos seguiram para a guerra colonial. É um património fabuloso, a conhecer e a visitar...

O miradouro em questão está localizado em pleno centro histórico do Porto, património da humanidade, em local nobre mas desprezado... E, imagine-se,  foi recentemente privatizado!... Há 40 anos que venho ao Porto e nunca tinha lá ido exatamente ao sítio onde tirei ontem estas fotos...

Fotos: © Luís Graça  (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]

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Guiné 63/74 - P13425: Efemérides (166): Faz hoje 50 anos que o Pel Caç Ind 953 desembarcou a Bissau (António Bastos)

1. Mensagem do nosso camarada António Bastos (ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66), com data de 18 de Julho de 2014:

Bom dia Luís
A continuação das melhoras.
Sou o ex-1.º Cabo do Pelotão Caçadores Independente N.º 953, António Paulo Bastos.

Venho lembrar que no próximo dia 21 de Julho faz cinquenta anos que este piriquito desembarcou em Bissau. Foi uma viagem sem muitos encontrões e sempre com bom tempo, a bordo do velhinho Índia.

No mesmo navio ia a CCS e Comando do BCAÇ 697 que foi para o sector L1, sede em Fá Mandinga. Também ia o Esquadrão 693, que foi para Bafatá, assim como muito pessoal de rendição individual.

Um abraço e a continuação das melhoras
António Paulo




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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Julho de 2014 &gt; Guiné 63/74 - P13419: Efemérides (165): Faz hoje 44 anos que o meu soldado e camarada Aladje Silá. natural da região do Boé, pisou a fatídica mina A/P, à minha frente, à entrada da tabanca de Sinchã Molele, no subsetor de Paunca (Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 / CART 11)

Guiné 63/74 - P13424: Blogoterapia (256): "Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", para que as minhas memórias não se percam no tempo (Manuel Luís R. Sousa)



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luis R. Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 27 de Junho de 2014:


SENTIMENTAIS AUTÓGRAFOS

Como é do conhecimento de alguns de vós, em 2012, escrevi, editei e publiquei o livro com o título "PRECE DE UM COMBATENTE – NOS TRILHOS E TRINCHEIRAS DA GUERRA COLONIAL".

É frequente ouvir dizer a nossos camaradas ex-combatentes que guardam religiosamente na velha mala que os acompanhou em campanha na guerra colonial boas e más lembranças desse tempo, e que ela só é aberta em momentos especiais em família, que os leva a reviver esse tempo difícil da sua juventude, revendo uma carta, um aerograma, uma fotografia, um objecto, etc.

Como ex-combatente que sou, também guardo a minha velha e carcomida mala, que me acompanhou nesses tempos, com danos visíveis provocados pelos solavancos das viaturas em que era transportada pelas sinuosas picadas do norte da Guiné e ainda impregnada de pó da terra vermelha que caracteriza aquele chão africano.

Como material perecível que é essa mala, e porque eu também não sou eterno, prevendo que um dia essas memórias ali guardadas se iriam perder no tempo, decidi então transferir todas essas lembranças para este livro, perpetuando assim as minhas memórias desse tempo.

Para quem não conhece o livro, e para contextualizar o significado dos meus autógrafos, fica a reprodução da contracapa do mesmo livro.

É uma súmula de todo o seu conteúdo, que retrata todas as vicissitudes porque passei em campanha, transversais a todos os meus companheiros de cativeiro de guerra, que são comuns, também, a todos aqueles que estiveram ao serviço da Pátria durante a guerra colonial:


“PELA PÁTRIA, LUTAR!

“A Portuguesa”, poema adoptado como Hino Nacional de Portugal a 19 de Junho de 1911, após a implantação da República, com letra de Henrique Lopes de Mendonça e música de Alfredo Keil, é um símbolo patriótico que, ao longo das suas estrofes, enaltece os feitos gloriosos de todo um “nobre povo”.

É arrebatadora a melodia dos seus acordes musicais que se misturam com o significado de cada palavra, cada verso, cada estrofe.

Esse enlevo atinge o seu auge, o seu pino, chega a ser arrepiante até, com a parte final do refrão, num dos seus versos, que exorta e apela também à luta em defesa do chão pátrio: “Pela Pátria, Lutar!”.

Ao fechar este livro, utilizei precisamente este verso, o “grito do Ipiranga” português, para sintetizar o conteúdo da obra, que retrata e traduz todo o esforço dos ex-combatentes, distribuídos pelos três ramos das Forças Armadas Portuguesas, Exército, Marinha e Força Aérea, nas três frentes da guerra colonial, Guiné, Angola e Moçambique, que, em campanha, responderam a esse apelo patriótico, muitos deles com o sacrifício da própria vida.


Contracapa do Livro "Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial"

Todo este rosário de adversidades suportadas em campanha, vincou os laços inquebrantáveis de amizade e companheirismo gerados entre os ex-combatentes, independentemente de eles terem pertencido a escalões hierárquicos militares diferentes, oficiais, sargentos e praças.

Toda essa diferença hierárquica se esbateu e o denominador comum a todos é o estatuto de ex-combatente.

Movidos por esses sentimentos recíprocos de afectividade que perduram no tempo tantos anos depois, eles não hesitam em calcorrear as estradas do país com destino a um ponte de encontro pré estabelecido, para, entre afectuosos cumprimentos, bom repasto e alguns copos bem bebidos, conviverem e lembrarem as peripécias de guerra, e não só, em que se viram envolvidos em campanha, ao serviço da Pátria.

É como que o renovar do oxigénio que lhes falta, consumido ao longo de todo o ano longe uns dos outros.

Como se tudo isto não bastasse para atestar os sólidos laços que os unem, e era aqui que eu queria chegar, nos autógrafos, ou dedicatórias, como quiserem, que tenho concedido aos companheiros que têm adquirido o livro, esse sentimento está bem presente.

Ei-los, alguns deles: 

“…O cheiro a pólvora queimada em campanha por terras de Jumbembém, Guiné, fortaleceu a nossa amizade”.

“…Os cumprimentos, estima e consideração do autor deste livro que, tal como tu, sob perigo iminente constante, trilhou as matas, bolanhas e picadas de Jumbembém, Guiné”.

“…A estima e o apreço que tenho por ti emergiu, por paradoxal que pareça, por entre vivências de guerra que tivemos em terras de Jumbembém, Guiné”. 

“…Matas, picadas e bolanhas, entre o troar de morteiros e o silvo das balas da “costureirinha”, lá em terras Jumbembém, Guiné, vincaram a amizade que nos une”. 

“…Trilhámos juntos as matas, picadas e bolanhas de Jumbembém, Guiné, entre ferradelas de mosquitos e cheiro a pólvora queimada. Essas vicissitudes uniram-nos para sempre na amizade”.

“…A perda de dois anos da nossa juventude da guerra colonial em que nos vimos envolvidos, concretamente em Jumbembém, Guiné, não foi em vão: Aí teve origem a amizade que nos une”.

“…A poeira vermelha das picadas de Jumbembém, Guiné, as ferradas de insectos, o troar de morteiros e canhões e o sibilar das balas são memórias indissociáveis do nosso inabalável companheirismo”. 

“…Por paradoxal que pareça, a nossa amizade emergiu dos destroços da guerra colonial, entre mortos e estropiados, em que nos vimos envolvidos lá em terras de Jumbembém, Guiné”.

“…Minas, canhões, morteiros, metralhadoras e outros artifícios bélicos, entre mortos e estropiados, atormentaram-nos a alma durante os dois anos de campanha na Guiné, em terras de Jumbembém. A nossa amizade, que aí teve origem, ameniza essas inesquecíveis e más memórias”.

“…De todas as tormentas de guerra que passámos juntos em Jumbembém, na Guiné, resultaram os laços de amizade que nos uniram para sempre”.

“…Quarenta anos depois, perdura a amizade que nos une, consolidada por momentos difíceis que nos martirizaram a alma na guerra em que nos vimos envolvidos ao serviço da Pátria, em terras de Jumbembém, Guiné”.

 “…A ansiedade que, juntos, vivemos entre mato e capim no isolamento e pavor da guerra de Jumbembém é hoje compensada com a afectividade e companheirismo recíprocos que nos ligam". 

“…A nossa inquebrantável amizade ficará sempre associada aos momentos marcantes em que nos vimos envolvidos na guerra colonial, na Guiné".

“A ti, António Bastos: 

Ofereço-te especialmente este livro para que, cada vez que o leres, em cada palavra e em cada história aqui expressas, sintas a simpatia e a estima de alguém que, tal como tu, em campanha ao serviço da Pátria, trilhou as mesmas matas e picadas do chão colonial da Guiné. Esse alguém que te está reconhecidamente grato pela teu abnegado esforço em prol do reencontro, muitos anos depois, de toda a nossa “família” militar de Jumbembém. Esse mesmo alguém é o teu companheiro de armas, amigo e autor:”

“Para ti, camarada Carlos Vinhal: 

Com os cumprimentos, estima e consideração de alguém que, tal como tu, há muitos anos atrás, se bateu em defesa da Pátria por trilhos e picadas da Guiné. Esse alguém é o teu camarada, companheiro de blogue, amigo e autor:”
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Fotografia dos ex-combatentes junto à vivenda do anfitrião José Carvalho de Sousa, assinalado pela seta.

Este último é uma dedicatória especial, a título póstumo, ao meu camarada José Carvalho de Sousa. Em Maio de 2011, organizou a festa de convívio da nossa companhia, a expensas suas, na sua própria casa, numa bonita vivenda em Ruivães, Vila Nova de Famalicão. Dois meses depois, voltávamos lá para o acompanharmos à sua última morada. Paz à sua alma.

“A título póstumo, ofereço especialmente este livro ao meu companheiro ex-combatente, José Carvalho de Sousa, nas pessoas da esposa, D.Goretti, e da filha, Alzira, para que, cada vez que o lerem, sintam a energia e a presença desse seu ente querido, em cujas histórias aqui contadas ele esteve envolvido, tal como eu, na defesa da Pátria. O amigo e autor”.

São estes os sentimentos expressos nos meus autógrafos que traduzem a sólida amizade que une os ex-combatentes.

Junho de 2014
Manuel Luís Rodrigues Sousa

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Nota do editor:

Ontem tive o prazer de receber em minha casa o nosso camarada Manuel Sousa, acompanhado da sua companheira, e namorada de sempre, Silvina.

Em conversa, fatalmente (des)caída para a Guiné e para o Blogue, percebi no Manuel um certo constrangimento quando referiu que me tinha mandado há já algumas semanas uma mensagem com um texto para publicar, precisamente o de hoje, e que eu não tinha dado resposta nem publicado.

À sua frente fui consultar o correio pendente, e lá estava um conjunto de  mensagens suas, por acaso assinaladas por outro motivo que não os seus Sentimentais Autógrafos.

Concluímos que o meu "esquecimento" se deveu à anexação da sua última mensagem a outras duas que nada tinham a ver com o assunto.

Face a este lamentável lapso, involuntário, peço novamente aos nossos amigos e camaradas que não mandem textos e fotos para publicação pendurados em mensagens de resposta ou reencaminhadas. Por favor preencham sempre o espaço "assunto" e dêem títulos aos textos, para não correrem o risco de o editor criar um título não do agrado do autor.

CV
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

2 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10219: Bibliografia de uma guerra (59): "Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", de Manuel Luís Rodrigues Sousa

17 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10811: Notas de leitura (440): "Prece de um Combatente Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", por Manuel Luís Rodrigues Sousa (Mário Beja Santos)
e
21 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10835: Notas de leitura (441): "Prece de um Combatente Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", por Manuel Luís Rodrigues Sousa (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13412: Blogoterapia (255): Em homenagem a dois transmontanos, bravos soldados, o José Tomás Costa (CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71), e o Tomás Baptista, meu irmão (Moçambique, 1966/68) [Francisco Baptista, ex-alf mil inf, CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]

Guiné 63/74 - P13423: (In)citações (68): A propósito do texto do Francisco Baptista, espelhado no post 13420, sob o tema "Lançados no mundo sem motivo nem explicação... difícil de levarmos a vida a um final digno" (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de hoje, 20 de Julho de 2014:

A propósito do texto do Francisco Baptista, espelhado no post 13420, sob o tema Lançados no mundo sem motivo nem explicação... difícil de levarmos a vida a um final digno*.

Viva Carlos!
Hoje venho a terreiro sob aquele pretexto em epígrafe.
Se achares bem, podes publicar esta mensagem, que pretendo uma espécie de contraditório, suave, mas a lançar dúvidas sobre as soluções entretanto vividas que conhecemos, e que alguns persistem em elevar à condição de verdades incontestáveis, naturalmente, com o inconfessado objectivo de fugirem a julgamento.
E se antes era a pobreza franciscana de uma super-estrutura arrogante, isolada, feudal e totalitária (chegou ao poder pelo movimento da "Ditadura", não escondia a estratégia), segue, ainda, o período da rebaldaria pseudo-democrática, que, provavelmente, dentro de poucos anos, vai reduzir o valor da minha pensão, para uma quantia inexpressiva e próxima da pobreza, afinal, mais condizente com o estado da nação. Mas continuo a ouvir o "lá vamos, cantando e rindo", enquanto continuarem a emprestar-nos (até que gerações?) para importarmos todos os bens necessários às nossas necessidades, e às que só alimentam negociatas, offshores e vaidades.

Após este género de intróito avisador, refiro que o Francisco Baptista voltou a brindar-nos com novo texto muito bem escrito e revivalista. Recorda com a facilidade das caracterizações feitas, uma espécie de espírito de aceitação, se assim puder dizer, necessário para nos convencer a combater pela pátria, nas condições de fragilidade que conhecemos.

Eu só fui incorporado em Janeiro de 69, mas antes percorri algumas direcções rurais do país, e lembro-me de ver muita gente que parecia não ter outra roupa para além da coçada que envergava, nem dispor de casa com as modernices de casa-de-banho, nem frequentar a escola com regularidade (apesar do ensino obrigatório, como hoje), nem dispor de apoios sociais institucionalizados. Por essas razões (ou como prevenção para elas), as famílias rústicas eram grandes e funcionavam solidariamente entre si. Só a título excepcional, não eram provenientes das elites os estudantes universitários. Outros, provinham dos seminários, tal como o "botas" inspirador.

O Portugal ultramarino era igualmente tão estagnado economicamente, e atrasado socialmente, quanto a metrópole, pobre, inculta, e atrasada no cotejo com os países próximos. Mas em África o calor permite a dispensa de agasalhos, e essa estranheza fazia-nos considerar aqueles pobres tão pobres, coitadinhos, que não se vestiam. O que havia era diferenças de circunstância, e contavam-se as estórias mais fantasiosas.

Nas colónias, os escassos "colons" (termo importado pelo Rosinha, mas com duvidosa correspondência na generalização), não podiam ser confundidos com os verdadeiros colonizadores, o que conferia algumas particularidades aos territórios sob administração (não o domínio) português. Os primeiros, fazendeiros e cantineiros penetravam no mato e fizeram de "bandeirantes" nas extensas áreas de Angola e Moçambique, muitas vezes constituíram família com mulheres indígenas, e constituíam a única ligação a um arremedo de civilização e à administração pública; os segundos, correspondiam aos dignatários do Estado e aos representantes das companhias que exploravam os recursos locais, minerais e agrícolas. Já os representantes das empresas de importação e exportação, pela natureza de funções, apareciam como cosmopolitas. Para estes últimos exercerem o predomínio sobre os primeiros, havia leis descricionárias, que também afectavam os poucos brancos nascidos em África. Brancos que brincaram, estudaram e trabalharam com pretos, com quem partilhavam e mantinham boas relações. Ou conduzir o camião carregado de café ou sisal, já seria manifestação de arrogância colonizadora?

Com o dealbar da guerra, acentuou-se a emigração para as colónias, com destaque para os milicianos que tinham acabado as suas comissões, e foram seduzidos pela riqueza local, o desenvolvimento, as oportunidades, e o modelo de vida informal. Assim, atrevo-me a referir que a maioria dos brancos não colonizaram, antes, integraram-se nas sociedades urbanas cujos serviços asseguraram as necessidades da crescente população, tanto no público, como no privado. A distinção relativamente à maioria da população, resultava das qualificações e remunerações correspondentes, como em qualquer parte do mundo. Mas os autóctones que, cada vez mais, exerciam as mesmas funções, ganhavam o mesmo sem discriminações, com as mesmas diferenças em relação à massa de que provinham. A população harmonizava-se com diferenças sociais equivalentes às da metrópole, mas, no geral, com relacionamentos muito naturais, até amistosos.

Não posso, por isso, confundir as formas de meditação monásticas com dependência de princípios dogmáticos (aceitação tácita e sem contraditório possível), com a inventariação desapaixonada e despreconceituada dos factores de condicionamento ou de expansão social (até certa altura muito parecidos com os que caracterizavam a sociedade metropolitana, com uns poucos ricos e influentes, com outros atraídos pela emergente sociedade urbana, e com muitos outros que, agricultores, pescadores, ou proletários, com as dificuldades raiavam nas margens da pobreza). Aquela nova forma de vida exigia romper com a dependência legislativa, económica e administrativa da metrópole, o que equivalia ao cometimento de um pecado, não necessariamente mortal, pelo que, convenço-me, em Abril de 74 já se davam passos seguros e sistematizados com vista à autodeterminação. Os 3 dês do programa do MFA, Democratizar, Desenvolver e Descolonizar, como pode constatar-se, não passaram de intenção para justificar o golpe, e os capitães envolvidos, com um bouquet de oficiais generais e graduados em generais a "dar-lhes" "credibilidade", revelaram total incompetência e aspectos pessoais altamente negativos, do que resultou a trágica descolonização.

O meu gosto pela história ganha foros de fascínio no que respeita à presença dos portugueses em África, e à capacidade de adaptação e relacionamento evidenciada desde os pioneiros.

Agradeço ao Francisco a oportunidade que me deu para expor o meu ponto de vista, e agradeço a paciência dos que leram.

Para o Carlos, para o Francisco e para o Tabancal, envio um abraço fraterno
JD
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 20 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13420: (In)citações (68): Lançados no mundo sem motivo nem explicação, estamos sós no cumprimento desta missão difícil de levarmos a nossa vida a um final digno (Francisco Baptista)

Guiné 63/74 - P13422: Notas de leitura (614): “Pluralismo Político na Guiné-Bissau", coordenação de Fafali Koudawao e Peter Karibe Mendy (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2014:

Queridos amigos,
A conjuntura sociopolítica da alvorada do multipartidarismo na Guiné-Bissau foi objeto de estudo científico e este livro comprova-o.
Autores conceituados pronunciam-se sobre os porquês do fracasso económico do autoritarismo do PAIGC depois da independência e quais as etapas que precederam a aceitação da democracia multipartidária; a sociedade civil, inicialmente manietada pelo Partido-Estado, não só não estilou como se desenvolveu, como recusa, à volta da poderosa tradição das mandjuandades.
Em suma, não se deverá estudar este período que precedeu as eleições de 1994 sem ler estas peças cuidadas e rigorosas de investigação.

Um abraço do
Mário


Pluralismo Político na Guiné-Bissau: 
Para a história da transição para um multipartidarismo, desde 1992 (1)

Beja Santos

“Pluralismo Político na Guiné-Bissau”, coordenação de Fafali Koudawao e Peter Karibe Mendy, INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau, 1996 é um conjunto de quatro ensaios assinados por autores credenciados, a saber: Peter Karibe Mendy, ao tempo diretor do INEP e autor do livro Colonialismo Português em África: A tradição de Resistência na Guiné-Bissau, 1879-1959; Fafali Koudawao, doutorado em Genebra e investigador; Mamadu Jao, atualmente diretor do INEP e ao tempo coordenador do Centro de Estudos da História e Antropologia do INEP; Carlos Cardoso, doutorado em Filosofia e antigo diretor do INEP. A despeito de a generalidade das análises estar ultrapassada pela vertigem dos acontecimentos, são testemunhos irrefragáveis, da maior importância para o estudo histórico daquela conjuntura em que foram depositadas inúmeras esperanças.

A Guerra Fria fazia parte do passado, esboçava-se uma nova ordem mundial, o socialismo leninista fora repudiado, qualquer forma de atração pelo coletivismo era contestada. Entrara-se num programa de ajustamento estrutural e a democratização do sistema político, se bem que timidamente, ganhava foros de doutrina oficial, emendou-se a Constituição para abolir a referência ao PAIGC como partido-estado, houve eleições multipartidárias em junho de 1994, o PAIGC e João Bernardo Vieira foram reconduzidos no poder. Os debates políticos e académicos mudaram de natureza, voltou-se a estudar o colonialismo, o neocolonialismo e a singularidade política do PAIGC. É neste contexto que devem ser apreciados os quatro ensaios que enformam este livro.

Peter Karibe Mendy debruça-se sobre a emergência do pluralismo político, considera que na sua génese pesam a erosão institucional, a instabilidade política e as expressões internas e externas para instaurar o pluralismo político. A democracia revolucionária de Cabral, lembra Mendy, exigia descentralização, comités de aldeia, tribunais populares e nunca a concentração do poder a partir de Bissau, de onde se expandiu a burocracia, a psicose da segurança do Estado e o afastamento progressivo entre o PAIGC e as massas. Viveu-se a fase de um autoritarismo político em que o PAIGC baniu rapidamente todas as organizações ou atividades políticas que escapavam ao seu controlo, estabeleceu-se a política da unanimidade que se reforçou com autoritarismo implacável de Nino Vieira. A crise económica é produto de uma guerra de libertação que levou à destruição de importantes infraestruturas e êxodo rural, a Guiné possuía uma economia rural com um grau de desenvolvimento incipiente e a estratégia adotada depois da independência não fez grandes tentativas de romper com o passado, apesar da ênfase no desenvolvimento industrial. A estratégia de economia planificada e a crescente intervenção do Estado revelaram-se desastrosas. Como recorda o investigador, em lugar de desenvolver a agricultura, os fundos públicos foram empregues em importar produtos destinados principalmente ao consumo das áreas urbanas. Com o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 anunciou-se que se voltava à linha de Amílcar Cabral, a modernização da agricultura. A crise económica não abrandou e em 1983 o governo teve de adotar um programa de estabilização financiado pelo FMI e pelo Banco Mundial, a que se seguiu o programa de ajustamento estrutural. Estava dado o mote para a liberalização política. E o autor observa que esse processo de democratização “tem ainda que testemunhar uma verdadeira mudança de poder, do Governo por indivíduos para os poucos relativamente privilegiados, para o Governo por indivíduos para a maioria empobrecida”.

Fafali Koudawao debruça-se sobre a sociedade civil e a transição pluralista na Guiné-Bissau. Recorda como o PAIGC, após a independência ocupou todo o espaço social, refletindo assim: “Passou-se de um regime colonial para um regime de Partido-Estado, extremamente centralizador e repressivo, que aspirava controlar todos os aspetos da vida nacional, não só política e económica, mas também e sobretudo social. A concretização do novo projeto foi procurada através de uma estratégia de omnipresença quer do Estado quer de organizações de massas vocacionadas para representar, canalizar e remodelar as aspirações do povo”. Tratou-se de um enquadramento que procurou impor-se à sociedade que colaborara com o antigo colonizador, tornou indiscutível o Estado binacional (Guiné-Cabo Verde) e quis garantir a segurança nacional contra quaisquer opositores à lógica do Estado. Mas importantes franjas sociais passaram ao lado desta lógica, caso dos grupos de mandjuandade, que constituíram refúgio para a população que procurava manter um espaço de atuação autónoma.

A ideia do partido de Estado esfarelou-se com processo de democratização, mas as reações de contestação já vinham de longe e tornaram-se mais imperiosas com a liberalização económica, a partir de 1986. As ONG cresceram em número exponencial: eram 20 nos anos de 1970, 50 nos anos de 1980 e mais de 70 em 1976. Emergiu o sindicalismo independente que alterou em profundidade a estratégia da UNTG. Multiplicaram-se as associações socioprofissionais, as associações provinciais, regionais e até de aldeias. Houve ONG que se mostraram ativas no período eleitoral, caso da Liga Guineense dos Direitos Humanos, outras mostraram neutralidade sem perda de atenção, caso dos sindicatos e houve um grupo de organizações que adotou um baixo perfil ao longo de período eleitoral, caso da Associação de Jornalistas da Guiné-Bissau. Assistiu-se ao desenvolvimento e a uma complexidade crescente do xadrez de interesses públicos, e o autor observa que é uma questão importante a evolução em curso na rede das mandjuandades, as quais se tem vindo a transformar progressivamente num substituto das antigas organizações de massas, agora em declínio, e escreve: “Na sequência da liberalização política e da implosão das organizações de massas, o potencial ainda inexplorado das mandjuandades tornou-se um evidente objeto de cobiça para os partidos políticos. A nova estratégia para a sua recuperação manifestou-se com a criação da Associação de Mandjuandades do Setor Autónomo de Bissau, em outubro de 1993 (a iniciativa tinha por detrás Isabel Romano Vieira, mulher de Nino). Dado o comportamento anterior das mandjuandades como uma forma endógena, informal e adaptada de expressão da sociedade civil, a evolução a médio prazo da sua rede é uma das tendências mais interessantes de observar”. Mas foi clara a posição de distanciamento de muitos grupos da sociedade civil durante as eleições. Fafali Koudawao enuncia uma pertinente leitura das atividades das ONG, com realce para aquelas que se dedicam ao desenvolvimento económico, à defesa de direitos e à promoção da opinião e da proteção da natureza, procura encontrar justificação para o novo impulso sentido no sindicalismo depois da democratização e quais as suas manifestações reivindicativas. Ao tempo, o investigador considerava como altamente provável a consolidação deste processo de enraizamento da sociedade civil. Como se sabe, as coisas não se vieram a passar assim.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13411: Notas de leitura (613): “Wellington, Spínola e Petraeus, o Comando Holístico da Guerra”, por Nuno Lemos Pires (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13421: Fotos à procura... de uma legenda (30): O aquartelamento da Academia Militar na Amadora, 1963: um regresso ao passado (Tony Levezinho, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71; régulo da Tabanca da Ponta de Sagres - Martinhal)



Oeiras, Amadora > Academia Militar > Aquartelamento da Amadora > 1963  >  A Academia Militar toma esta designação em 1959, e tem o seu antecedente histórico na Escola do Exército, fundada em 12 de Janeiro de 1837 pelo Marquês de Sá da Bandeira. A sua sede é no Paço da Raínha ou Palácio da Bemposta, na Rua Gomes Freire, em Lisboa,. com um polo nma Amadora, desde 1959.

Por sua vez, o município da Amadora foi criado em 11 de setembro de 1977, por secessão das freguesias da Amadora e da Venteira, do nordeste do concelho de Oeiras. Entre os seus símbolos, contam-se o Aqueduto das Águas Livres, bem como os campos de aviação que tiveram tanta importância na emergência da aviação em Portugal, sendo que ainda hoje o Estado-Maior da Força Aérea Portuguesa se situa no concelho, na freguesia de Alfragide. Na foto acima, veem-se os primeiros prédios da Reboleira, mais tarde freguesia, hoje extinta com a divisão municipal de 2013. Vuzinhos da Academia Militar foram, durante muitos anos, a Isabel e o Tony Levezinho a quem lancei há dias o desfasio  para comentar esta  foto do Virgínio Briote: "Junto te envio a tal foto da Academia Militar em 1963... Escreve uma legenda, .revisitando a tua infância e adolescência"...(LG)

Foto: © Virgínio Briote (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]


1. Texto de António Levezinho a quem o nosso editor L.G. pediu uma legenda para a foto acima reproduzida: 


A Propósito da Foto da Academia Militar datada de 1963
por Tony Levezinho 

[, foto à esquerda, em Bambnadinca, 1969, tendo à sua esquerda o Humberto Reis e o Luís Graça, os três fur mil da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, 1969/71]

Com os meus 7 anos de idade fui para a Amadora e morávamos mesmo no "coração" da vila (então freguesia do concelho de de Oeiras),  junto à estação da C.P., e poder-se-á dizer que as instalações da Academia Militar ficavam bem já fora do centro, aliás, foi naquele espaço que a Aviação Portuguesa iniciou o seu caminho.

Em miúdo, corria a segunda metade da década de 50, de quando em vez, eu e os outros companheiros de então, por exemplo o António José Pereira da Costa (o Tozé) lá arriscavamos um tabefe dos pais por nos pirarmos para os campos circundantes da Academia, naquela altura, ainda searas de trigo.

Começava então a nascer o bairro da Reboleira - a Cidade Jardim (pois...pois J. Pimenta! - lembram-se do slogan publicitário?)  e a foto em apreço já testemunhava o aparecimento dos prédios anormalmente altos  para a época, mas, ainda assim, implantados numa zona reletivamente distante da área militar da Académica.

Casei em 1970, no intervalo da comissão na Guiné,  e quando regressei, a Isabel tinha, entretanto, alugado um 1º andar de um prédio de apenas 3 pisos, esse sim, bem em frente à porta de armas da Academia, a uma distância desta de não mais do que 80 metros, o qual iria ser o nosso ponto de partida para a vida, a dois e, não muito depois a três e, logo a  seguir, a quatro.

Ali, na verdade, construÍ família e disfrutei da felicidade de muitos serões com os melhores amigos, ao longo de uns bons 35 anos.

O Humberto Reis, o José Carlos Mendes Ferreira (o saudoso Zé Carlos) e também o Luis Graça, contam-se entre os camaradas de armas que me deram o prazer da sua companhia, naquele local que foi a minha habitação.

Embora nascido em Lisboa e agora  residente, quase permanente, em Sagres, a verdade é que a parte mais significativa, em termos familiares e de amizades, da minha vida, foi partilhada em regime de boa vizinhança com a Academia Militar da qual recordo ainda os toques de clarim, sobretudo, os  matinais de alvorada e os da 1ª refeição .

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13337: Fotos à procura... de uma legenda (29): O menino... soldado de Madina do Boé, a G3 e a Kalash... (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)


domingo, 20 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13420: (In)citações (68): Lançados no mundo sem motivo nem explicação, estamos sós no cumprimento desta missão difícil de levarmos a nossa vida a um final digno (Francisco Baptista)

1. Texto do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviado em mensagem com data de 15 de Julho de 2014:

Na década de 60 éramos uma juventude antiquada como os pais, como os mestres e os governantes que tínhamos. A revolução das ideias, dos costumes, sexual, musical, desfraldava bandeiras empunhadas por uma juventude insatisfeita e eufórica da Europa desenvolvida, mas embatia nos Pirinéus que dificultava a sua entrada na Península Ibérica de Franco e Salazar.

Somente algumas camadas de jovens urbanos e universitários conseguiam decifrar algum do significado dos novos tempos que se anunciavam. Maio de 68, tumultos, greves, a revolução nas escolas e na rua, a adesão dos sindicatos quase o caos na França, com De Gaulle, esse herói e patriota da 2.ª Grande Guerra, amedrontado a convocar as Forças Armadas para suster essa revolta que os velhos do regime não entendiam pois toda essa juventude, filha da sociedade de consumo tinha atingido o melhor nível de bem-estar da terra de todos os tempos.

Juventude que reclama outra ordem de prioridades e valores que as suas necessidades espirituais exigem. Ter tudo, falando de bens materiais cria no homem uma insatisfação maior do que não ter nada, ter tudo é o fim dos desejos. Os ideais não se compram nem se vendem, são um estado de espírito que não é transacionável, estão para lá da sociedade de consumo A sociedade capitalista nada oferece a não ser bens consumíveis e descartáveis, a juventude quer ideais que a galvanizem e por vezes à falta de melhor foi copiá-los ao leste ou ao oriente.

Nesse tempo a juventude portuguesa no geral pobre e pouco instruída, habituada a ler e estudar pelos livros que o regime aprovava era conduzida para três guerras longe de casa, que não compreendia muito bem, mas que estava de acordo com os manuais de história que tinha lido. Em levas sucessivas embarcavam no cais de Alcântara como guerreiros, em defesa do Império Português, o último baluarte da cristandade e dos valores da civilização ocidental. No cais uma multidão de familiares e amigos, chorosos mas conformados que acenavam lenços num último adeus e que a televisão única transmitia como sinal de dor e de patriotismo das nossas gentes.
No Uíge, no Príncipe Perfeito ou outros, seguiam viagem a sulcar o Atlântico somente ou também o Índico, em navios superlotados e com muitos soldados no porão em condições miseráveis para quem ia defender uma causa tão nobre. Foi a segunda cruzada dos pobres, agora liderada não por Pedro o Eremita, mas por Salazar que não a comandou, pois nunca conheceu África. Mal alimentados, mal treinados, mal armados mas com a cruz ao peito e com a fé inabalável éramos os novos cruzados prontos a dar a vida pela reconquista de Jerusalém. Alguém que sempre nos quis humildes, miseráveis e tementes a Deus, exigiu-nos também no final da sua vida o sacrifício supremo da nossa.

Os ingleses na Índia, os franceses na Argélia, os russos no Afeganistão, os americanos no Vietname, grandes potências mundiais, nada comparáveis connosco em poder económico e militar, perderam essas lutas militares e políticas. Nós para infelicidade de muitos compatriotas nossos: militares que por lá ficaram mortos ou mutilados e civis que por acreditarem na propaganda do regime alimentaram esperanças de que a nossa bandeira nunca seria desfraldada nessas áfricas e depois sofreram o choque dessa descolonização abrupta, com as perdas emocionais e materiais que todos conhecemos.

Infelizmente a guerra criou desconfianças e atritos que uma descolonização mais antecipada teria evitado.

Vietnamitas feridos recebem ajuda na rua, após a explosão de uma bomba em frente à embaixada americana em Saigão, Vietname, 30 de março de 1965. (AP Photo / Horst Faas)

Foto e legenda: Com a devida vénia a Escomm Brasil

Aos que dizem que hoje os povos da Guiné, Angola e Moçambique estão com piores condições de vida, tanto alimentar, como de saúde, para falar só das essenciais, eu respondo que têm razão. Também é verdade que há falta de democracia (isso já antes era assim) e a corrupção é muito maior do que em Portugal. Porém a História tem-nos ensinado que as nações se constituem e fortalecem quando os povos que as integram, com o decorrer dos anos e a experiência acumulada aprendem a libertar-se dos corruptos e tiranos internos, depois de se terem libertado dos colonizadores externos.
Esse esforço demora anos, por vezes séculos.

Era importante que os povos soubessem guardar a memória dos males e sofrimentos passados, o que por vezes se torna difícil, ou porque não são instruídos para ter acesso à sua leitura ou porque a História foi escrita a pedido de réis e ditadores.

Depois de voltar da Guiné tive um sonho que se repetiu muitos anos: Sonhava que tinha voltado lá como combatente e eu perguntava sempre aos meus comandantes, porquê eu, se já lá tinha estado. Nunca obtive resposta e nunca consegui decifrar bem este sonho.

O meu gosto pela história e pelo estudo do passado leva-me a sonhar, que sou um velho crente da Idade Média, ou que sou um monge templário do tempo das cruzadas e do tempo das grandes catedrais góticas, Catedrais que parecem autênticas moradas de Deus, onde reina o silêncio ou onde o som do órgão e dos cânticos se difunde com tanta suavidade. Tão imponentes que subjugam pela imensidão, pela altura e pelos contornos e beleza das esculturas dos arcos, colunas e volutas.

Sonho que sou esse velho crente ou que sou esse monge regressado das cruzadas que pede a um sábio, a um filósofo, a um deus que dê resposta às minhas perguntas sobre, a vida, a morte, a paz e a guerra.

Já não há mosteiros com monges em meditação, já não há santos vivos, as catedrais hoje são monumentos vazios à espera da visita dos turistas.
A sociedade civil hoje é cada vez mais laica, a sociedade religiosa é cada vez mais farisaica.

Os filósofos modernos morreram depois de matarem os deuses. Lançados no mundo sem motivo nem explicação, estamos sós no cumprimento desta missão difícil de levarmos a nossa vida a um final digno.

Grande abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13407: (In)citações (67): A Exposição Colonial Portuguesa de 1934 versus A literatura sobre os "impérios europeus" (Mário Beja Santos / Carlos Nery / José Brás)

Guiné 63/74 - P13419: Efemérides (165): Faz hoje 44 anos que o meu soldado e camarada Aladje Silá, natural da região do Boé, pisou a fatídica mina A/P, à minha frente, à entrada da tabanca de Sinchã Molele, no subsetor de Paunca (Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 / CART 11)




Guiné &gt; Zona Leste &gt; Setor L6 (Pirada) &gt; Paunca &gt; CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche,  Paunca, 1969/70) &gt; Foto da secção do fur mil Abílio Duarte, com o Aladje Silá, em primeiro plano, assinalado com um círculo a vermelho. O Duarte está por detrás dele, de pé, a arma ao ombro. Recorde-se que a CART 11 / CCAÇ 11 era formada por soldados de 2ª linha, provenientes da evacuação de Madina do Boé, Cheche e Beli, ao sul do Rio Corubal. O Abílio Duarte integra a nossa Tabanca Grande desde 27/8/2010.

Foto: © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)


1. Mensagem,. de 12 do corrente,  de Abílio Duarte 
[ex-fur mil art, CART 2479 (que em janeiro de  1970 deu origem à CART 11, Os Lacraus, que por sua vez em junho de 1972 passou a designar-se CCAÇ 11), Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70; bancário reformado; foto atual à diireita]


Olá, Luís,

No próximo dia 20, passa mais um ano (faz 44 anos!) do fatídico dia em que faleceu o meu companheiro de muitos dias e noites vividos nas matas do leste da Guiné.

Quero neste momento recordar o ser humano, não um mais número nas estatísticas, apesar de o seu nome estar gravado no monumento aos mortos da Guerra Colonial [, em Belém, Lisboa,]  e por isso não será esquecido.

Lidei com ele durante muitos meses, desde a recruta, até aquele desgraçado dia.

Junto remeto a folha da história da minha companhia que relata o acontecimento, e fotos dele, e dos sítios onde nasceu e faleceu.

Não quero deixar de dar a minha explicação para o que aconteceu, pois estava bastante próximo.

Quando o Pelotão se aproximou da tabanca em causa [, Sinchã Molele, a noroeste de Paunca.], era já bastante de noite, mas estava uma noite de luar, que parecia que a tabanca estava debaixo de um holofote.

Entre a mata onde estávamos instalados e a tabanca havia um campo de cultivo de mancarra, o que dificultava a entrada para a mesma, pois era a céu aberto e muito iluminada. Na altura,  o Pelotão era chefiado pelo furriel Cândido Cunha, pois julgo que o Alf Martins estava de férias. Foi decidido enviar alguém que fizesse o reconhecimento do que se passava, e para isso foi lá o guia que nos acompanhava. Ele voltou e comunicou que não havia inimigo e só pessoas feridas.

Então o pelotão preparou-se para entrar na tabanca, em fila com alguma distância entre os militares. Eu era o terceiro elemento depois do guia e do Aladje.

Quando estávamos a chegar à abertura da paliçada , cujo trilho nos conduzia, apareceu um elemento da tabanca, aos gritos e a chamar a nossa atenção.

Aproximei-me do Aladje e disse-lhe;
- Aladje,  vê lá o que o homem quer... 

 Pum!!!... Foi um momento que não consigo esquecer. O que o homem estava a tentar fazer era para nos alertar que o trilho estava minado, o que foi demasiado tarde.

Depois do estrondo, da chama e do pó que se levantou, ninguém no momento sabia o que se estava a passar, se era emboscada, morteiro, confusão.

Só quem passa por elas é que pode explicar, se é que consegue, em momentos como aqueles. E assim se perdeu uma vida. Paz à  sua alma, e que Alá o guarde.

O Aladje era natural de uma tabanca perto de Che Che [, a sudeste,  junto ao Rio Corubal, na estrada para Madina do Boé,], chamada Marià, e faleceu em Sinchã Molele.

 [...] Não te incomodo mais, e mais uma vez os meus agradecimentos pela existência do Blog.

Um Abraço
Abílio Duarte



Guiné  &gt; Zona leste &gt; Região de Gabu &gt; CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) &gt;  Algures no mato:  O fur mil art Abílio Duarte, com soldados do seu pelotão.



O Sold Aladje Silá foi um dos mortos da CART 2479 / CART  11 que se formou, em Contuboel, na mesma altura da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12. O seu nome figura no mural com os nomes dos mortos na guerras do ultramar, no Monumento aos Combatentes do Ultramar, no forte do Bom Sucesso, Belém, Lisboa. Morreu a 21/7/1970. Está sepultado no cemitério fula de Nova Lamego.

Fotos: © Abílio Duarte (2010). Todos os direitos reservados. (Edição:  L.G.)




CART 2479 / CART 1969/71) &gt; História da unidade - Cap II -Pág 70



Carta da província da Guiné &gt; 1961 &gt; Escala 1/500 mil &gt; Zona leste &gt; Região do Boé &gt;  Posição relativa da tabanca de Mária, no triânguilo, Ché Ché - Madina do Boé - Belel. O Aladje Silá era natural daqui.


Carta da província da Guiné &gt; 1961 &gt; Escala 1/500 mil &gt; Zona leste &gt; Região de Gabu &gt; Posição relativa de Paunca, tendo a noroeste Sinchã Molele, e a nordeste Pirada (junto à fronteira com o Senegal). Foi em Sinchã Molele que morreu o Aladje Silá, em 21/7/1970, sequência de uma mina A/P accionada na noite de 20/7/1970. Ficou também ferido, mas sem gravidade, o Abílio Duarte.

Infografia: © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados. (Edição:  L.G.)
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Nota do editor:

Último poste da série &gt; 14 de julho de 2014 &gt; Guiné 63/74 - P13399: Efemérides (164): O Ramadão de 1970 em Paunca (Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 / CART 11, Os Lacraus, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)

sábado, 19 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13418: Convívios (615): I Encontro de Paraquedistas do Oeste, dia 6 de Setembro de 2014, no Vimeiro (Lourinhã)



I ENCONTRO DE PARAQUEDISTAS DO OESTE

6 DE SETEMBRO DE 2014 NO VIMEIRO (Lourinhã)

Os PARAQUEDISTAS, sócios da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste - (Associação aberta a todos os Combatentes dos três Ramos das Forças Armadas), estão a organizar o I ENCONTRO DE PARAQUEDISTAS DO OESTE que terá lugar no próximo dia 6 de setembro de 2014 no Restaurante Braga, no Vimeiro (Lourinhã).

Este Encontro tem como objetivo juntar, num saudável convívio, todos os que tiveram a coragem de conquistar, com o seu esforço e sacrifício, o direito de usar uma BOINA VERDE e, também, o prazer de se poder lançar livremente da porta de um avião em pleno voo.

Este encontro será aberto aos familiares e amigos dos PARAQUEDISTAS.

No grupo dos nossos AMIGOS, que gostaríamos que estivessem connosco no Vimeiro, incluímos, também, todos os camaradas de Armas dos outros Ramos das Forças Armadas que, de algum modo, estiveram ao nosso lado e nos apoiaram nas inúmeras operações que os PARAQUEDISTAS realizaram em África.

Lembro os camaradas da Marinha (Fuzileiros e Marinheiros), os camaradas da Força Aérea (Pilotos e Mecânicos dos aviões e helicópteros e de outras especialidades) e os do Exército (as Companhias que nos acolheram e apoiaram em pleno mato, bem como as companhias de Comandos com quem partilhámos muitos sacrifícios em África).

Na Guiné, em Angola e Moçambique, nos momentos difíceis de apoio mútuo ou de convívio salutar, fizemos muitos e bons amigos que se prolongaram até hoje, na nossa vida. É por isso que gostaríamos, também, de os rever e de os ter connosco no Vimeiro.

O ENCONTRO terá, pelas onze horas, um momento de grande significado para todos nós que participámos na Guerra em África, quando evocarmos junto ao Monumento dos Combatentes na Lourinhã a memória dos nossos camaradas que tombaram ao serviço de Portugal. Entre eles está o Paraquedista Carlos Alberto Ferreira Martins, morto na Guiné em 15.4.1971.

Todos, serão bem-vindos. 
Jaime Silva 
(1.ª CCP – BCP 21 /1970 – 1972)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13417: Convívios (614): Rescaldo do último Encontro da Tabanca da Linha, levado a efeito no passado dia 17 de Julho de 2014 em Cascais (José Manuel Matos Dinis / Manuel Resende)