terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14167: Historiografia da presença portuguesa em África (50): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte II (Mário Vasconcelos)













1. Mais alguns das dezenas de anúncios de casas comerciais inseridos na revista Turismo, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2 (nº especial dedicado à província portuguesa da Guiné) (*). 

 Não havia, nessa época, de relativa paz e prosperidade, apenas "comerciantes do mato" (desde Ingoré, na região do Cacheu, a Darsalame, na região de Quínara) que se dedicavam à "compra e venda de produtos da província" (e que eram bem poucos: arroz, mancarra, coconote...). 

Também vamos encontrar, sobretudo em Bissau, casas com bons instalações, e edfícios recentes, que se dedicam ao comércio "por grosso e atacado", de artigos nacionais e estrangeiros, com secções como vestuário (fazendas, camisaria, chapelaria),  mas também  bijuteria, brinquedos, papelaria, etc., como era o caso da casa Salgado & Tomé, em Bissau (foto acima). 

Por sua vez, o A. V. d' Oliveira & Ca. tinha armazém e escritório em Bissau, com filiais em Bafatá, Mansoa, Bissorã, Bula e Cacheu. Também se dedicava ao "comércio geral" e ao "import/export"...

E em Bolama, ficamos a saber que havia A Competidora, de António de Almeida, que importava e vendia sobretudo "materiais de construção", ams também "artigos de papelaria" e "material fotográfico".

Para além do comércio, por grosso ou a retalha, também há pequenas indústrias: é o caso da "serração mecânica" de Manuel de Jesus Morais, "exportador de madeiras", em Bubor, Farim.


[Foto à esquerda: Mário Vasconcelos, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, eCumeré, 1973/74]

Estes anúncios refletem inegavelmente  o clima de relativa prosperidade económica  e paz, que a província vivia em meados da década de 1950... A partir de 1961 (com os antecimentos em Angola e na Índia Portuguesa) e provavelmente já antes, com os acontecimentos de 3 de agosto de 1959 (no cais do Pidjiguiti), muitos dcstes comerciantes acabam por se retirar das zonas mais isoladas do interior, e fixam-se em Bissau ou regressam à metrópole...

Recorde-se que faz 52 anos, no próximo dia 23 de janeiro de 2015, que se iniciou oficialmente a guerra de guerrilha com o ataque a Tite...


Fotos: © Mário Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

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Guiné 63/74 - P14166: Notas de leitura (672): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (4): Como era Alcobaça nos tempos dos primeiros Coelhos

 


1. Do livro, Família Coelho,(*) da autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex- Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), aqui fica mais um apontamento, ainda dedicado a Alcobaça.



Parte IV

Que figuras notáveis: - É o tempo de (entre outros) Manuel Vieira Natividade (que nasceu em 1860 no Casal do Rei), do Dr. Brilhante, do Dr. Décio Sanches Ferreira, de António de Sousa Neves. Joaquim Ferreira de Araújo, que em 1878 é o fundador da Companhia de Fiação e Tecidos de Alcobaça, é também figura de destaque na sociedade alcobacense.

Que qualidade de vida: - O estado moral e intelectual da maioria moradores era baixo.
Em geral não eram letrados e o pouco tempo livre, depois das suas duras ocupações diárias, era passado em tabernas.
Quem tinha posses, ou necessidade de viajar, apanhava os carros da Mala Posta, na Rua D. Pedro V. Uma viagem à Batalha, com partida de diligência, frente ao Hotel Alcobacense, demorava duas horas e custava 3.000 réis (3$000).


O Asilo da Infância Desvalida de Álvaro Possolo prestava serviços humanitários e dava assistência às crianças. Desde 1888 funcionava a Associação dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, de que foi 1.º Comandante Manuel Vieira Natividade.



O Hospital da Misericórdia de Alcobaça, inaugurado em 15 de Agosto de 1890, passa por grandes dificuldades económicas em 1900.


Em redor do coreto do “Rossio” já havia 22 candeeiros com luz eléctrica.
Em 30 de Abril de 1899 as gentes de Alcobaça viram passar pela primeira vez um automóvel!

Que hábitos: - Só nas famílias abastadas havia alguma convivência entre senhoras e meninas, através de reuniões em casa de uns e de outros.

Nas classes mais elevadas os homens, depois do trabalho, iam para as boticas e não é difícil adivinhar quem frequentaria os saraus literários, o teatro e os bailes de máscaras.


Nas classes baixas os homens trabalhavam de sol a sol, faziam umas “libações” no “pós-laboral” e seguiam para casa normalmente “entornados” onde os esperavam as mulheres e os filhos, eventualmente candidatos a uns sopapos para “animar” o serão! As mulheres tinham filhos, criavam-nos como podiam e, sempre que tinham algum tempo disponível, “faziam meia“ e juntavam-se para conversar. Para “teatro” bastavam-lhes as “comédias” e os “dramas“ diários, embora um grupo teatral alcobacense – Grupo Dramático Villa Nova – tivesse conseguido grande aceitação junto de uma população menos favorecida mas, nem por isso, menos ávida de conhecimento.

E os nossos COELHOS?

No “moinho do Couto” trabalhava-se bastante. A roda vertical, exterior ao edifício, era movimentada dia e noite, pelo rio.


A moagem funcionava no piso térreo e a habitação era no primeiro piso. No piso térreo, iluminados por uma pequena janela, alinhavam-se quatro pares de mós, duas para o trigo, talhadas em calcário (as alveiras) e duas para o milho, talhadas em granito (as segundeiras)

E nos primeiros anos do novo século chega ao fim a vida do “Casal Fundador". Em 1901 morre a “Avó” ROSA MARIA, de que infelizmente pouco se sabe.)

É o ano em que chegaram a Alcobaça os refugiados boers da Guerra do Transvaal).

E cinco anos depois, em 1906, deixa o mundo dos vivos o Avô Porraditas com 80 anos de idade. Uma vida de trabalho e canseiras iniciada ao som dos assobios dos búzios de barro presos nas espias das velas brancas de linho dos Moinhos de Alqueidão da Serra e terminada junto às águas calmas do Rio Alcoa, em terras de Santa Maria de Alcobaça.


Os “sete magníficos” começam a voar sozinhos, ou melhor, porque são COELHOS ganham direito às suas raízes... enfrentando a vida sem desfalecimentos – a maioria deles à martelada porque... trabalham a arte do ferro... e são bons no seu ofício.

Serralheiros e, nos intervalos, bombistas: Quatro irmãos (o Joaquim, o Zé “Preto”, o Júlio e o António “Russo” ), hábeis serralheiros, com oficina na Rua Frei Estêvão Martins, viveram intensamente os tempos conturbados do assalto ao Quartel em Janeiro de 1919.


A página 137, do livro de Bernardo e Silvino Villa Nova, “Breve História de Alcobaça” é referido que em 11 de Janeiro de 1919, civis armados, auxiliados por oficiais revoltosos de Regimento de Artilharia 1, aquartelado em Alcobaça, tomaram posse do quartel, prenderam o Comandante e alguns oficiais e seguiram para Santarém, principal núcleo do movimento revoltoso.

No dia 13 seguinte, encontrando-se Alcobaça desguarnecida, entrou nela tropa de Infantaria 7, fiel ao Governo, tendo-se seguido a prisão de largas dezenas de pessoas... e até 24 do mesmo mês viveu-se um regime de terror, com violação de domicílios e atropelos vários.

Pois também os quatro irmãos da nossa história e a sua oficina estivaram na mira das forças da ordem de então por terem sido denunciados por inimigos políticos. Eram acusados do fabrico de bombas para a revolução.

Foi um elemento da GNR, que no final da busca, certamente cansado, enfarruscado e desiludido por nada ter encontrado que proferiu a frase que veio a tornar conhecida a oficina dos 4 irmãos:
- Que oficina danada!...


Quanto às bombas elas estavam lá perto, dentro de um cesto que, preso por um arame, estava mergulhado nas águas escuras do Rio Baça que passava nas traseiras da oficina.


Se têm aberto a janela enferrujada das traseiras e puxado o arame estes nossos parentes teriam ido mesmo presos. Parafraseando a histórica expressão do soldado da GNR tiveram uma sorte danada!... O dia a dia da oficina era duro, trabalhando-se de sol a sol, recebendo-se à semana por conta das obras encomendadas.


Vestiam fatos de ganga, fechados até ao pescoço, e protegiam a cabeça com bonés com pala de oleado.

Pela ordem natural das coisas estes nossos COELHOS da primeira Geração vão envelhecendo junto dos COELHOS da segunda geração, que se fazem à vida desfrutando... novos tempos... num Portugal e numa Alcobaça um pouco melhor da que tiveram seus Pais e Avós.
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Notas do editor

(*) Poste anterior de 14 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14149: Notas de leitura (670): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (3): Como era Alcobaça em 1890

Último poste da série de 19 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14163: Notas de leitura (671): “O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P14165: Memória dos lugares (283): Gadamael... O enigma do acrónimo ou sigla ASCO que consta de um edifício em ruínas (que era messe de oficiais no tempo da CART 2410...) pode estar decifrado: trata-se de uma filial da empresa sírio-libanesa Aly Souleiman & Companhia (Luís Graça / Mário Vasconcelos)


 Um dos muitos anúncios de casas comerciais que existiam na Guiné em 1956. A empresa  Aly Souleiman & Companhia, com sede em Bissau, tinha filiais em diversos  pontos do território da Guiné, de norte a sul, ncluindo Bafatá e Gadamael. "Aly Souleiman  (apelido grafado à francesa...),  e não "Ali Suleimane" (à portuguesa) era um  próspero comerciante sírio-libanês.

 O acrónimo da empresa era ASCO, tal como o seu endereço telegráfico... Algumas das mais importantes empresas estrangeiras, e nomeadamente as de origem francesas, com negócios no Senegal e na Guiné portuguesa, usavam acrónimos: NOSOCO, SCOA, CFAO... Está, definitivamente, explicado o  mistério do acrónimo ASCO que aparece num edifício de Gadamael, e sobre o qual já especulámos bastante


Foto: © Màrio Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto: © Màrio Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 2410 (1968/69) > Messe e quarto de sargentos... Neste edificio funcionou a filial da empresa ASCO - Aly Souleiman & Companhia...  A misteriosa sigla, A.S.C.O., já lá estava nessa época, e continua lá. (*)

Foto (legenda): © Luís Guerreiro (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Detalhe  de um edifício abandonado, possivelmente dos anos 30/40 do Séc. XX > "Antiga messe de oficiais e depois hospital", escreve o Pepito, na legenda... Surpreendente foi, para  nós, a sigla ou acrónimo A.S.C.O. que encima a parte superior da parede lateral do edifício, com as letras ainda perfeitamente legíveis e bem conservadas, contrariamente ao resto do edifício, em ruínas... Tudo indica que essas letras tenham sido fixadas na parede em data posterior à construção do edifício (**),

Foto: © Pepito / AD -Acção para o Desenvolvimento (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Já aqui publicámos vários postes sobre esta sigla misteriosa... A hipótese de ser de uma casa comercial que por aqui terá existido antes da guerra, já tinha sido ventilada... 

Ontem, ao editar o poste P14164, e ser confrontado com o anúncio da casa comercial Aly Souleiman & Companhia, fez-se-me  luz e exclamei:

"Eureka!... Está decifrado o enigma da palavara ASCO erm Gadamael!"...

Este anúncio veio publicado na revista "Turismo", edição de janeiro/fevereiro de 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2 (número temático dedicado à Guiné, então a atravessar um período de expansão comercial, havendo lojas por todo o território).

Este e muitos mais anúncios de casas comerciais foram-nos facultados, para apreciação e eventual publicação,  pelo nosso camarada Mário Vasconcelos (***). 

A princípio era uma pista, mais concreta e verosímil... Mas havia um pequeno problema: qual o significado do O final ?... A sigla ou acrómimo aparece na parede sob a forma de quatro letras, separadas por um ponto: A. S. C. O. Trata-se seguramente de abreviaturas... Poderia ser Aly Souleiman & Companhia ?

Hoje não temos dúvida: na sequência de uma análise mais atenta e detalhada do anúncio  comercial , de 1956, verificamos que a sigla ASCO   é o endereço telegráfico da firma! (****)

Há uma diferença entre sigla e acrónimo:

Sigla é o vocábulo formado com as letras ou sílabas iniciais de uma sequência de palavras e que geralmente se pronuncia soletrando o nome de cada letra (ex.: UE = União Europeia; FMI= Fundo Monetário Internacional; OMS = Organização Mundial de Saúde; PAIGC=Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde; UNL = Universidade NOVA de Lisboa)

Citação: "sigla", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/sigla [consultado em 20-09-2017].

Acrónimo é a alavra formada com as letras ou sílabas iniciais de uma sequência de palavras, pronunciada sem soletração das letras que a compõem (ex: OVNI = Objecto voador não identificado, PALOP = País africano de língua oficial portuguesa; FRELIMO=Frente de Libertação de Moçambique).

"acrónimo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/acr%C3%B3nimo [consultado em 20-09-2017].
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Guiné 63/74 - P14164: Historiografia da presença portuguesa em África (49): Revista de Turismo, jan-fev 1956, nº especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte I (Mário Vasconcelos)












Alguns das dezenas de anúncios de casas comerciais inseridos na revista Turismo, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2, nº especial dedicado à província portuguesa da Guiné. Alguns dos nomes são-nos familiares: por ex,, (i) o António Amante Rosa, de Fulacunda, que era pai do nosso camarada Manuel Amante Rosa, e que depois mais tarde será armador, com barcos que faziam o  rio Geba, mas também a ligação de Bissau com os Bijagós;  (ii) Inácio Júlio Semedo, de Bambadinca, pai de  Inácio Semedo Júnior (ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, ex-embaixador aposentado, com residência em Lisboa, em 2008); (iii) José Gardette Correia, de Bissorã, pai do Manuel Gardete Correia (médico)...  Por outro lado, os libaneses tem eram comerciantes com forte implantação no território; a empresa Aly Souleimane & Ca, de importação e exportação, com sede em Bissau, tinha nada mais nada menos do que 15 filiais no território: desde Bambadinca a Contuboel, desde Farim a Gadamael...

Estes anúncios não deixam de refletir o clima de relativa prosperidade económica da província que se vivia nos meados da década de 1950, ainda longe das ameaças da guerra... Recorde-se que faz 52 anos, no próximo dia 23 de janeiro de 2015, que se iniciou oficialmente a guerra de guerrilha com o ataque a Tite.

Fotos: © Màrio Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada Mário Vasconcelos  [, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à esquerda]:


Tenho em posse a revista TURISMO, publicada em Janeiro/Fevereiro de 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2, a qual refere ser um número especial dedicado à (então) Província da Guiné. [Foto da capa, a seguir].

Nas voltas que o tempo tece, fui descobri-la no espólio de meu pai- que
Deus o tenha em descanso merecido - e que, quem diria, só agora se encontra como elo de ligação ao meu tempo de serviço militar por tais paragens. Paragens estas, forçadas, mas que me têm dado, fortificados e inesquecíveis laços de amizade com muitos camaradas, que de outro modo não existiriam.

Pena tenho de a não ter levado comigo, quando mobilizado, pois poderia ter-me permitido constatar, in loco, algumas das notícias publicadas e abrir-me à recolha de dados que estiveram presentes e não foram apreciados devidamente, nomeadamente os aspectos étnicos e as transformações havidas.

Farei referência, futura, a alguns escritos então publicados (se for de interesse geral), mas, por agora limito-me a aspectos de economia local (década de 1941-1950) bem como a menção (passe a publicidade) de vários anúncios de casas comerciais desse tempo, e tentar fazer luz, sobre se algumas destas existem no real ou apenas em memórias.

Mais certo será que a grande maioria, se não a sua totalidade, tenham perecido no tempo. Bem vistas as coisas, mais de um bom punhado de anos são passados.

Deixo aos editores, como não poderia ser de outro modo, o interesse de, total ou parcialmente, proceder à publicação.

Com um alfa bravo me despeço de todos os camarigos.

Mário Vasconcelos

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14163: Notas de leitura (671): “O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
“O Império da Visão” é um documento extraordinário, ao longo das suas 500 páginas ficamos a entender como entre 1860 e 1960 a fotografia foi o principal modo de tornar o mundo visível, uma imagem que jaz nos arquivos coloniais do presente e sobre a qual a nova historiografia tem muito a apostar: são momentos preciosos que falam da antropologia e da etnografia, da botânica e da medicina tropicais, de exploradores e de exposições, de denúncias do colonialismo, das revistas, da literatura, dos aparatos imperiais.
Uma obra que desvela a estetização do colonial graças a uma laboriosa investigação em bibliotecas e arquivos públicos. É o princípio da aventura, pois quando estes investigadores descobrirem o nosso blogue irão ficar siderados com o nosso acervo, passe a imodéstia com que invoco o nosso orgulho coletivo.

Um abraço do
Mário


Memória e fotografia no contexto da guerra da Guiné

Beja Santos

“O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014, é um empreendimento científico extraordinário. O que se diz na contracapa é elucidativo: “A fotografia não foi uma mera ilustração das colónias. A fotografia criou experiências coloniais. Os estudos recentes sobre colonialismo reconhecem como, ao lado da documentação escrita, as imagens são determinantes para se compreenderem e estudarem os impérios. Nas histórias entrelaçadas entre o império e a visão que se contam neste livro, destacam-se alguns temas: a fotografia usada como um instrumento inseparável dos vários saberes científicos que usaram as colónias como laboratório, da história natural à antropologia ou à medicina; fotografia como afirmação do poder; a fotografia apropriada pelos sujeitos colonizados, como também pelos europeus anticolonialistas, enquanto forma de resistência, no forjar de identidades nacionais”.

Trata-se de uma empolgante viagem onde a Guiné é largamente necessitada: logo na missão antropológica e etnológica da Guiné (1946-1947), que teve à cabeça o prof. Mendes Corrêa e as suas teses raciais hoje totalmente destituídas de fundamento; viagens dos régulos da Guiné a propósito das idas a Meca, bem como participação de guineenses nas exposições coloniais; e as imagens de guineenses combatentes de um lado e do outro enquanto meio de memória da guerra. É este o último tema que trazemos à consideração do leitor. Autora do artigo, Catarina Laranjeiro, dá-nos conta de que a prática fotográfica era frequente nos rituais associados à vida militar portuguesa (caso dos juramentos de bandeira, provas de recruta, imagens captadas em formaturas em Bolama, etc.) e do lado da guerrilha existe um apreciável acervo fotográfico relacionado com reportagens de jornalistas estrangeiros em bases dos PAIGC ou missões diplomáticas do PAIGC junto de países apoiantes. A autora entrevistou pessoas de um lado e do outro. Constata que um bom número de dirigentes do PAIGC era constituído por pessoas conhecidas por assimilados e cita dois excertos de entrevista: “Eu sou de uma família, parte de pai francês mestiço, parte de mãe negra, mas com meios de fortuna e preparação. Porque o meu avô, pai da minha mãe, negro, mandou educar os filhos todos em Portugal, e tinha fortuna…" e: “Fui estudar primeiro na Faculdade de Ciências e depois no Técnico (em Lisboa) e com os outros jovens cabo-verdianos e guineenses desenvolvemos uma atividade política que veio a desembocar na criação de um comité do PAIGC em Lisboa (…). Eu como tinha problemas de serviço militar, abandonei Portugal. Vou para Paris, e é aí que eu conheço Amílcar Cabral”.

Estes comandantes da luta, diz a autora, tornaram-se parte da nova elite nacional e ocupou lugar dos antigos governantes portugueses, todas as residências de Bissau que pertenciam à administração colonial passaram para as mãos desta elite. Diz a autora: “As fotografias que me mostravam eram fotografias de um mundo que já não existe: um bloco de Leste que apoiava incondicionalmente a libertação das colónias africanas e que espalhava o ideal marxista-leninista”. E mais adiante: “Foi ao fim de algumas entrevistas que me apercebi que este exercício era absolutamente inútil”. Porque tudo era silêncio perante um passado que perdera significado. E há mais: “Estes homens e mulheres são políticos formados em países como a antiga URSS, Cuba ou Checoslováquia. Ao longo das minhas entrevistas, mesmo sem a presença das fotografias, não consegui que tivessem o mínimo de espontaneidade. Cada palavra ou frase já tinha sido dita antes, ensaiada”.

Passando para os combatentes do exército colonial português, a autora também confessa que também aqui as coisas não correram bem. Pediu apoio logístico à embaixada de Portugal e foi-lhe cedido um espaço no Centro Cultural Português. Nesse edifício trabalhava o sargento Viana que era o seu interlocutor privilegiado com a Liga dos Antigos Combatentes. Ela via uma fila enorme de gente de todas as manhãs à porta da embaixada. O sargento Viana pô-la em contacto com a liga dos antigos combatentes. E ficou atónita pois logo na primeira entrevista o seu interlocutor pediu-lhe para pressionar o sargento Viana para lhe assinar a documentação que lhe permitisse ir para Portugal. E não esconde a sua deceção: "todos os antigos combatentes estavam comigo com a esperança que, de alguma forma, a colaboração com a minha investigação lhes trouxesse algum benefício. Eu apenas me propus a ouvir a sua história e eles pediam-me apoio, num discurso impregnado de uma hierarquia colonialista, no qual o branco é que detém o poder. Aproveitar-me da sua situação para recolher dados para a minha investigação seria uma enorme falta de ética". Descobriu que os seus interlocutores tinham feito desparecer as fotografias, a seguir à independência os antigos combatentes guineenses procuraram desembaraçar-se de documentos, fotografias de todo o tipo. Um dos entrevistados não lhe escondeu a sua mágoa e deixou um alerta: “Nem que morramos todos, os nossos filhos ficarão cá a lutar pelos direitos dos seus pais”. E a autora conclui: “A memória das lutas de libertação vive uma parábola análoga à de outros movimentos emancipadores, na medida em que a sua memória pública desapareceu. Hoje o povo guineense não é visto como um povo que conduziu uma luta bem-sucedida contra o regime colonial. Tal como outros movimentos emancipadores africanos contra o imperialismo, este também foi silenciado e recoberto por outras representações africanas do mundo. Hoje, o povo da Guiné-Bissau é outra vez vítima, na medida em que continua a ser objeto de salvamento. Por seu turno, os países europeus, outrora colonizadores, como Portugal, continuam a cumprir a sua ‘missão civilizadora’, agora envolta na capa ideológica do apoio ao desenvolvimento”.

E dei comigo a pensar quando estive na Guiné em 2010 para me despedir dos meus antigos soldados, as precauções com que tiravam do vestuário sacos de plástico de onde saiam, por vezes em retalhos, os seus documentos militares, incluindo a caderneta, as folhas com louvores, e sorriam, era impossível que nosso alfero não viesse de longe sem trazer as boas notícias da pensão digna depois de tanto sofrimento… E como doía ter que explicar, uma, duas, três, muitas vezes, que infelizmente eu não tinha poder para contrariar a indiferença da História.
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 Nota do editor

Último poste da série de 14 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14149: Notas de leitura (670): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (3): Como era Alcobaça em 1890

Guiné 63/74 - P14162: Historiografia da presença portuguesa em África (48): Praça de S. José de Bissau, segundo Francisco Travassos Valdez (1864) (A. Marques Lopes)

1.  Mensagem do nosso camarada A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968):
Data: 18 de janeiro de 2015 às 13:25

Assunto: Praça de S. José de Bissau


Em "Africa Occidental – Noticias e Considerações – Tomo I",  Lisboa, Imprensa Nacional, 1864, pgs. 313-314, diz Francisco Travassos Valdez:

«Passemos agora a descrever a povoação. A praça de S. José de Bissau, com os seus poilões (erio exdentron anfractorum), árvores gigantescas que se erguem com majestade nos quatro baluartes, e que os abrigam com as sombras, sendo de taes dimensões que uma dellas tem 18 metros de perímetro na maior grossura, está situada na foz do rio Geba, e foi construída no ano de 1766, reinando el-rei D. José I.

De seu princípio teve alojamento para o governador, bons quartéis par 200 homens e officiaes correspondentes, igreja da invocação de S. José, alfandega, grandes armazéns, e um poço com agua potável. Mas depois de tudo isto feito com grossos capitaes, pela necessidade que houve de conduzir de Lisboa muitos operários e grane parte dos materiaes, bem como s vazos de guerra e tropa para sustentar a guerra contra o gentio papel e balanta, e para proteger a edificação da praça, que referem escriptores antigos custou a vida a mais de 2:000 portugueses, chegou este estabelecimento a uma decadencia tal que ainda há bem pouco só lhe restava um casarão construído de pedra e barro, aonde o governador e officiaes estavam pessimamente alojados e nas peiores condições hygienicas, um quartel para soldados, quasi em ruinas e em grande parte descoberto, uma mesquinha capella, alguma miseráveis barracas cobertas de palha, destinadas às mulheres dos 
soldados, e um poço cheio de entulho!
Fortaleza da Amura, foto de A, Marques Lopes (2014)

Ultimamente porém, alem de se estabelecer uma nova tarifa para os soldos dos officiaes da provincia de Cabo Verde, destacados na Guiné portuguesa, dando-se-lhe de augmento o equivalente a metade dos seus vencimentos, têem tido certo incremento as obras militares.

O governador geral Fortunato José Barreiros ordenou que se procedesse à reparação do forte do Pigiguiti, da tabanca e da palissada, e auctorisou a construção de uma parede (guarda fogo) no paiol da pólvora.


Sob a direcção do activo e inteligente governador da Guiné, Antonio Candido Zagallo, reconstruiu-se o quartel militar, comprehendendo alojamentos para os soldados e officiaes inferiores, arrecadação e cozinha, e começaram-se também as obras para a reconstrucção da casa de residência dos governadores, cujo madeiramento foi oferecido ratuitamente pelo falecido comendador Honorio Pereira Barreto.»


E acrescenta esta imagem, que me parece representar as construções feitas no interior da praça:



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Guiné 63/74 - P14161: Parabéns a você (847): José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 2617 (Guiné, 1969/71) e Manuel Mata, ex-1.º Cabo Apont de Armas Pesadas do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Janeiro de 2015 Guiné 63/74 - P14158: Parabéns a você (846): Luís Rainha, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo de Comandos Centuriões (Guiné, 1964/66)

domingo, 18 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

1. Mensagem do José Teixeira , com data de 16 do corrente

[José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatáe Empada, 1968/70, Foto á esquerda, no Quebo, em 1968]

Luís:

Não posso meter a foice em seara alheia (*), porque em 1974 estava na minha terra, apenas preocupado em não regressar à guerra por repescagem, pois cá pelo Porto já corria esse boato, devido á falta de "carne para canhão".

Passado que foi todo este tempo, penso que a verdade dos factos já não se pode aclarar devidamente. Branquear ou escurecer este acontecimento conforme a origem da informação é um exercício difícil de realizar, dado que a matriz patriótica funciona quer queiramos quer não.

Uma coisa é eu contar um acontecimento de forma natural, vivido por mim, sem pressões de espécie alguma, outra é, contar o acontecimento "pressionado" pelo tempo e por uma informação vinda de outra fonte, neste caso totalmente oposta. Por muito que queira, me parece que a isenção é muito difícil.

A minha forma de estar na vida face a acontecimentos que vivi e relatei em devido tempo, obriga-me a pôr reservas quanto ao que diz o Amâncio Lopes ,com o apoio de um piloto Português de quem se afirma que assistiu (?) ao possível violento assassinato, bem como às afirmações do Rachid Bari, com quem devo ter cruzado em Quebo nos anos 68/69.

Na realidade, que eu saiba no fim da guerra, o PAIGC poucos ou nenhuns prisioneiros guineeses entregou a Portugal e muitos fez, com toda a certeza. Por outro lado, também sabemos das histórias do "corta de orelha". Fama de que o falecido Aliu Sada Candé, com todo o respeito e admiração que tenho por ele e pela sua família, onde me orgulho de ter grandes amigos como exemplo a sua filha Cadi Guerra (minha sobrinha por opção pessoal) e seu primo Sulimane Baldé – Régulo de Contabane, não se livra.

O Aliu Candé era de fato um guerrilheiro ao serviço de Portugal e quando ele ia com o seu grupo de milícia á nossa frente, ou nas laterais da picada, podíamos ir descansados que o inimigo fugia a sete pés. Ele arrancava de peito aberto para o inimigo e dizia-se, à data em Quebo,  que trazia as orelhas dos inimigos mortos em combate, mas nunca ouvi falar de bárbaros assassinatos como relatado. Por isso era temido e por isso foi condenado em tribunal popular juntamente com o seu primo Braima Baldé à morte por fuzilamento, no pós-guerra em Bambadinca.

Outras "histórias" há, de prisioneiros lançados ao mar/rio ou assassinados a frio com a justificação de que se fossem entregues à Pide, "cantavam" e as consequências caiam em cima de nós.

Verdades/mentiras que só o tempo as fará escurecer e não nos compete a nós julgar, mas também não devemos tentar branquear, por muito que nos custe.

Como dizia o meu "ermon de sangre" Braima Cassamá que conheci em 2008 em Guiledge, o tal que colocou em Agosto de 1968 o campo de 80 minas em Txangue Laia a caminho de Gandembel e originou sete mortos às nossas tropas e se cruzou algumas vezes comigo na frente de combate, sem sabermos – Guerra é guerra, discurpa!

Tenho a certeza que o seu coração, nesse momento sangrava, e o meu também, mas fizemos a paz connosco mesmo e a guerra morreu ali.

José Teixeir, Empada, 1969
Guerra é Guerra

Guerra é guerra, meu "ermon",
Quando passa não deixa saudades.
Mas, muitas amizades, neste mundo perdido
Os antigos inimigos se procuram,
Para saldar as contas com um abraço sentido.

Braima Cassamá, antigo guerrilheiro do PAIGC, meu inimigo.
Reencontrado em 2008, em Guiledge.

Armas caladas,
Em mãos armadas,
Cantam horrores,
Silenciam com a morte,
Quem por má sorte
Lhe sofre as dores.

Sangue e pranto, 
Em jorro constante,
Num jardim sem flores,
E na última despedida,
Clamam pela vida,
Que queriam viver.
E pelos seus amores,
A sua razão de ser.

A esperança, essa, resiste,
Num corpo ainda quente,
Até aos últimos estertores.
…E perdeu-se uma vida.

A seu lado, a vida,
De armas na mão,
Não acredita
No sangue que correu.
Chora uma lágrima sentida,
E avança,
Destemida,
Vingando o que morreu.

E verte a raiva que lhe vai no sangue
Para dentro da palavra
Que transpira asperamente.
Põe no dedo do gatilho
E com que raiva o lavra,
O destino de quem matou.
Inutilmente.

Até que a guerra tem o seu fim,
Enfim.
Inimigos de ontem,
Hoje se perguntam num abraço de paz,
Eternamente selado:
– Que fiz eu?
E tu, meu irmão,
O que te aconteceu?

E chora a alegria,
Caldeada com lágrimas de dor,
Não pelo que sofreram,
Já tudo passou,
Sem desejos de vindicta,
Mas pelos amigos que se perderam
Na guerra maldita
Que alguém sem rosto
Nos criou.

José Teixeira

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Noat do editor:

Guiné 63/74 - P14159: Bom ou mau tempo na bolanha (84): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (24) (Tony Borié)

Octogésimo terceiro e último episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Dia 16 de Julho de 2014

Companheiros de viagem, este é o resumo dos vigésimo sexto e vigésimo sétimo dias, portanto o final da “aventura”. Nestes dois últimos dias, continuámos usando o mesmo trajecto de ida para o Alaska, só que agora era em direcção ao sul e de oeste para leste.
Já explicámos a história das povoações e estados por onde passámos, mas é sempre bom lembrar alguns pormenores.

Era perto da meia-noite, não eram “quatro da madrugada, como quando o passarinho cantou”, 27 dias antes e, nos acordou para iniciarmos os preparativos da nossa longa jornada, agora seguíamos na mesma estrada, a estrada rápida 95, no estado da Flórida, plana, larga e longas rectas, não mais montanhas, vales, rios, riachos, lagos, precipícios, glaciares, animais selvagens a atravessar a estrada, terra, lama, frio, acidentes, zonas de construção, trânsito parado, esperando o “carro piloto”, neve, nevoeiro, chuva ou sol tórrido, aqui havia noite, não era sempre dia, como depois do “paralelo 48”, lá no norte, no Alaska, em que era quase sempre de dia, agora viajávamos em sentido contrário, estávamos quase a chegar a casa, um pouco cansados, mas felizes, por regressarmos ao nosso ponto de origem.


Muito mais felizes do que os índios “Cherokee”, um povo muito orgulhoso, que por volta do ano de 1838, o governo dos EUA forçou a deslocar-se das suas terras para o estado de Oklahoma, ainda hoje chamam a essa jornada para o exilo, “Trail of Tears”, que quer dizer, “caminho de lágrimas” e que em tempos viveram na área do que hoje é a cidade de Chattanooga, que fica quase na fronteira com o estado da Geórgia. Ainda no estado do Tennessee, cidade que atravessámos depois de ter passado pelos estados de Kentuchy e Illinois, onde tínhamos dormido por algumas horas na cidade de Mt. Vernon, onde no século passado não havia estrada, as pessoas vinham do norte para sul passando por “swamps”, que eram terras alagadiças, mas hoje já tem estradas rápidas.





Dois dias antes, tínhamos deixado a cidade de Hays, no estado do Kansas, onde por volta do ano de 1865, os US Army, construiram o Fort Fletcher, um pouco ao sul do que hoje é a cidade de Hays, para proteger as caravanas de imigrantes ou aventureiros prospectores de ouro que viajavam na “Smoky Hill Trail”, que era um trilho que seguia paralelo às colinas do rio Smoky, em direcção ao oeste e que eram frequentemente atacadas pelos índios “Cheyenes” e “Arapaho”, que viam as suas terras serem invadidas. Tudo isto se passava numa região selvagem, muito próxima do que hoje é a estrada rápida número 70, onde podíamos também viajar a 70 milhas por hora, ouvindo as velhas músicas favoritas, como por exemplo: “King of the Road”, “Hit the Road Jack”, “On the Road Again” ou “Adorei viajar por cada e, todas as estradas”.



Dizem que por razões económicas, o Fort Fletcher encerrou, mas um ano depois, o Exército dos EUA reabriu o Fort Fletcher, desta vez com o objetivo de proteger os trabalhadores da construção do caminho de ferro da “Divisão Leste Union Pacific”, que seguia em direcção ao oeste, paralelo à “Smoky Hill Trail”, desta vez o Exército deu novo nome ao Forte, chamando-lhe Fort Hays, em honra do Brigadeiro General Alexander Hays, que foi morto numa batalha nesta região selvagem durante a Guerra Civil Americana, todavia em junho de 1867, uma inundação severa quase destruiu a fortaleza, matando alguns soldados e civis.

Nestes dois dias, seguimos o mesmo roteiro, percorrendo áreas que já foram descritas nos primeiros dias da nossa aventura, vimos todos aquelas paisagens, onde aqui e ali apareciam algumas quintas com animais, outras abandonadas, transformadas em zona de caça, pastagens com grandes manadas de vacas, plantações de milho, trigo, aveia, soja ou girassóis, poços de petróleo e moinhos energia em funcionamento e pouco mais, além de algumas áreas desertas, próximo e atravessando as cidades de Kansas City, no estado do Kansas, St. Louis, no estado do Missouri e Atlanta, no estado da Geórgia, tivémos alguma dificuldade, pois o trânsito já era intenso, não era estrada deserta, como já estávamos um pouco acostumados.


Por vezes olhávamos para a nossa companheira e esposa por quase cinquenta anos e sorriamos, pois tínhamos viajado atravessando um continente, diferentes estados e países, cidades, vilas ou aldeias, por autoestradas, estradas secundárias e carreiros, conhecendo novas pessoas, novos costumes, com tempo de sol, frio, vento ciclónico, chuva, granizo, neve, planícies com altas temperaturas, montanhas, vales, atravessando rios, ribeiros, terras alagadiças, cozinhando as nossas refeições, dormindo na nossa “caravana”, tomando banho nos rios e lagos, onde se podia beber a água, respirando ar puro e selvagem, pescando em rios selvagens, ao lado de gaivotas, águias de colarinho branco, ursos ou coiotes, céu cinzento ou tempestades, nuvens de mosquitos, lama ou pedras na estrada. Em algumas regiões, logo a seguir, céu limpo, azul, vendo paisagens de montanha, mar, lagos, glacieres, animais selvagens atravessando a estrada, entre outras coisas maravilhosas, com que a natureza nos contemplou.

Quando éramos jovens, dizíamos que nunca poderíamos fazer isto, viajando ao redor, vivendo num pequeno espaço, não tendo residência permanente e estar longe da família e dos amigos. Estou certo de que tanto eu como a minha companheira e esposa, às vezes encontramos momentos em que nos sentimos assim e pensámos que não devíamos ser tão aventureiros, mas no geral, também estamos certos de que nos iremos tornar em pessoas melhores quando voltarmos para junto da família e amigos, indo provavelmente sentir que deveriamos ter começado isto antes, conhecer o modo de vida puro, das pessoas, não das atrações que aparecem nos cartazes da estrada, nos anúncios de revistas e na televisão, onde só nos mostram o que “eles” na verdade querem.

No regresso, parámos muitas vezes para comprar gasolina, café, pão, água e alguns vegetais. Percorremos 1560 milhas, com o preço da gasolina a variar entre $3.51 e $3.58 o galão, que são aproximadamente 4 litros e, com tudo sujo e desarrumado, dentro Jeep e da Caravana, que deixámos em frente da casa, mas felizes e sem dores, desejosos de um refrescante banho e alguma comida e, mesmo antes de abrir a porta de casa, ainda tivémos tempo de verificar o contador do Jeep, que marcava mais 14.626 milhas (23.538 Km), do que quando saímos, quase um mês antes.

Até qualquer dia, de novo em viajem, ou na guerra.

Tony Borie, Agosto de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14139: Bom ou mau tempo na bolanha (83): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (23) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P14158: Parabéns a você (846): Luís Rainha, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo de Comandos Centuriões (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14144: Parabéns a você (845): Maria Ivone Reis, ex-Cap Enfermeira Paraquedista (!961/74)