terça-feira, 17 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14379: (Ex)citações (266): Considero, e para ser objectivo, que todos se estão borrifando para a Guiné-Bissau (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 9 de Março de 2015:

Camaradas e Amigos
Como tenho estado doente, e infelizmente continuo, e os prognósticos não são animadores, só agora li o apelo à participação na primeira "sondagem" do ano… do Blogue.
A questão é um pouco complicada: “Os afectos, e se em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial".
Vantagens? Tinha! Afectos? Sim! Namorava uma sueca loira de olhos azuis desde os 13 anos, não esqueço o nome, recordo mesmo a morada. Ingrid Margaretha Gustavsson. Amava-a e outras também, uma brasileira (Telma Valério) e outras conhecidas na nossa praça.
Pela G3, uma adoração muito quente, aliviava-se sempre de munições, fazia-lhe festas, dormia comigo e andava sempre untada; e os pedaços de capim; clips.

Considero, e para ser objectivo que todos se estão borrifando para a Guiné-Bissau, e teria sido bom que não tivessem metido o “bico” como fizeram. Levantei minas soviéticas; namorei uma sueca com quem estive para me casar; os chineses sempre estiveram presentes nas Histórias de todos os países, devo ter fotos dos meus tios na América na construção dos caminhos-de-ferro, surgirem em todas as partes; os cubanos andaram por Gadamael Porto, e causaram pânico.

Tudo de bom para os camaradas de Gandembel, que tanto sofreram, considero que deveriam aparecer mais no Blogue. Recordo que Gandembel; Gadamael; Ganturé; Guileje; Guidage e outros possuíam o “G” de guerra; os americanos se tiveram conhecimento do resultado de uma pesquisa que uma empresa portuguesa fez aos solos de Gadamael, julgo que em 1967, estava lá e comiam na Messe de Sargentos. Se a De Beers descobrir que existem diamantes na Guiné, é bem provável que apoie Guiné-Bissau. A De Beers, até possui o lema “Um diamante é para sempre”. Não vejo ninguém a interessar-se pela Guiné.

E Portugal penso que só se preocupa com os euros que “dá”, talvez também na defesa dos portugueses que têm lá o ganha-pão. Sinto tristeza em verificar nas reportagens, que nada é recuperado do nosso “império”. Em Gadamael o cais abandonado e os dois edifícios dos colonos destruídos, não recuperados. Viaturas das NT destruídas são as suas estátuas. O Homem Grande dorme e dorme e a mulher “pequena” trabalha como escrava, sempre a pilar.

Portugal não leva vantagens porque somos uma cambada de tesos, e os outros estiveram lá para nos tirarem os miolos. Os recados que nos davam: minas e até fictícios avisos escrevinhados: “Emboscada a 200 metros!

E já que falamos, por que não contar esta.
Um ou dois dias após rebentamento de uma mina no itinerário Cruzamento de Gadamael/Ganture e no troço para Sangonhá, fui informado que tenho de armadilhar uma determinada zona. Estávamos a chegar ao local, vinha na frente a picar, vimos algo de estranho no solo. Alguma da rapaziada pretendia avançar, disse que não, picámos até ao local. O que se encontrava à nossa frente? Seis a sete maços de tabaco cubano. Disse para montarem segurança, e manterem distância de mim. Não me pus a levantar os maços de tabaco cubano, piquei sempre e um por um todos tiveram o mesmo tratamento. Depois de bem picado, baixei-me e passei uma palha de capim por debaixo do primeiro maço para verificar se estava armadilhado. Levantei o maço, tinha uns cigarros. Tratei de todos de igual modo.
O que pretendia o PAIGC unicamente era dizer que tinha feito “ronco” e tínhamos caído numa mina. Os maços ao abandono só pretendiam dar esta informação. Já tinha visto que à frente esta um papel no solo. Depois de levantar um a um os maços e de os colocar no bolso (existia uma com 7 cigarros, os outros tinham 2/3/4 cigarros). A segurança estava a distância de não ser atingida caso algum engenho explosivo rebentasse. O papel tinha mais ou menos escrita a seguinte mensagem: “Furriel Mário Gaspar, estamos à tua espera na fronteira e entrega-te, nada te faremos”. Tudo com péssimo português. Guardei e cheguei a trazê-lo para casa, mas nunca mais o vi.

Quer dizer que estavam bem informados de todos os nossos passos, nunca entendi muito bem a razão de estar lá o meu nome, mas talvez o perceba, ou por outra, percebo. Nunca contei esta a ninguém… Acredito que nada me faziam e que me obrigavam a ir à rádio denunciar a minha entrega, mas caso quisesse me colocariam nos braços da minha linda sueca.

Em suma, ninguém está interessado… Afectos? E Portugal é mais por Portugal se sentir obrigado. Talvez um dia surja a América. Se pretendem minério de ferro, a olho vivo, quando estudava penso que se falava em petróleo.

Um abraço à Tabanca Grande
Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14335: (Ex)citações (265): Sondagem: Mudei muito. Quem é que não mudou? (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P14378: X Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 18 de Abril de 2015 (5): Atingimos as 100 inscrições, muitas mais esperamos... Lisboa (16), Oeiras (9) e Matosinhos (8) lideram as inscrições...


Monte Real, 14 de Junho de 2014 > Foto da Grande Família do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Foto: © Manuel Resende (2014). Todos os direitos reservados.


Mensagem da Organização do X Encontro Nacional à Tertúlia:

Chegados aos 100 participantes, aqui fica a listagem actualizada e o conselho para os nossos camaradas que normalmente estão presentes, ainda não inscritos, para que não deixem para muito próximo da data do Encontro as suas inscrições. 
Tenham também em atenção, os que pensam pernoitar no Hotel, que poderá não haver disponibilidade se se deixarem para tarde.

O ano passado fomos quase 150 pelo que achamos haver muita gente distraída. Quanto maior for o efectivo, mais êxito terá a Operação Monte Real 2015.


OS 100 INSCRITOS PARA O X ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE - MONTE REAL, 18 DE ABRIL DE 2015 

Albano Costa e Maria Eduarda - Guifões/Matosinhos 
Alberto Godinho Soares - Maia 
António Estácio - Mem Martins/Sintra 
António Faneco e Tina - Massamá/Sintra 
António Joao Sampaio e Clara - Leça da Palmeira/Matosinhos 
António José P. Costa e Isabel - Mem Martins/Sintra 
António Manuel S. Rodrigues e Rosa Maria - Oliveira do Bairro 
António Maria Silva e Maria de Lurdes - Lisboa 
António Martins de Matos - Lisboa 
António Osório, Ana e Maria da Conceição - V. N. de Gaia 
António Santos e família (6) - Caneças / Odivelas 
António Sousa Bonito - Carapinheira/Montemor-o-Velho 

Carlos Alberto Cruz, Irene e Paulo Jorge - Paço de Arcos/Oeiras 
Carlos Vinhal e Dina - Leça da Palmeira/Matosinhos 
Coutinho e Lima - Lisboa 

David Guimarães e Lígia - Espinho 
Delfim Rodrigues - Coimbra 

Eduardo Ferreira Campos - Maia 
Ernestino Caniço - Tomar 

Joao Alves Martins e Graça - Lisboa 
Joao Maximiano - Santo Antão/Batalha 
Joao Sacoto e Aida - Lisboa 
Joaquim Carlos Peixoto e Margarida - Penafiel 
Joaquim Mexia Alves - Monte Real / Leiria 
Jorge Araújo - Almada 
Jorge Canhão e Maria de Lurdes - Oeiras 
Jorge Picado - Ílhavo 
Jorge Pinto e Ana Maria - Lisboa 
Jorge Rosales - Monte Estoril / Cascais 
José Almeida e Antónia - Viana do Castelo 
José António Chaves - Paço de Arcos / Oeiras 
José Barros Rocha - Penafiel 
José Casimiro Carvalho - Maia 
José Diniz Faro - Paço de Arcos / Oeiras
José Eduardo R. Oliveira - Alcobaça
José Fernando Almeida e Suzel - Óbidos 
José Manuel Cancela e Carminda - Penafiel 
José Marques e Florinda - Paredes 
José Miguel Louro e Maria do Carmo - Lisboa 
José Nunes Francisco e família (5) - Batalha 
Juvenal Amado - Fátima / Ourém 

Liberal Correia e Maria José - Ponta Delgada (RA Açores) 
Lucinda Aranha e José António - Santa Cruz/Torres Vedras 
Luís Graça e Alice- Alfragide / Amadora 
Luís Moreira - Mem Martins/Sintra 
Luís Paulino e Maria da Cruz - Algés / Oeiras 

Manuel Fernando Sucio - Vila Real 
Manuel Lima Santos e Maria de Fátima - Viseu 
Mario Vasconcelos - Guimarães 
Miguel e Giselda Pessoa - Lisboa 

Raul Albino e Rolina - Vila Nogueira de Azeitão / Setúbal
Ribeiro Agostinho e Elisabete - Leça da Palmeira/Matosinhos 
Ricardo Figueiredo e Cândida - Porto 
Ricardo Sousa e Georgina - Lisboa 
Rogé Guerreiro - Cascais

Valentim Oliveira, Maria Joaquina, Cyndia e Carina - Viseu

Muito importante:
- As inscrições terminam a 10 de Abril.
- Em caso de impossibilidade de estar presente no Encontro, se inscritos, comuniquem com antecedência de pelo menos 5 dias a vossa desitência.
- Para mais informações clique aqui.

Carlos Vinhal
Luís Graça
Mexia Alves
Miguel Pessoa


Distribuição geográfica dos inscritos: Lisboa (16), Oeiras (9) e Matosinhos (8) lideram as inscrições...
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Nota do editor:

Último poste da série de 4 de março 2015 > Guiné 63/74 - P14321: X Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 18 de Abril de 2015 (4): Já temos 74 inscrições, incluindo 2 dos Açores, e muitas caras novas!

Guiné 63/74 - P14377: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (29): A Ilha das Galinhas que eu conheci e a nostalgia da "prisão" com que o Zé Carlos Schwarz ou Zé Cabalo (, no meu tempo de liceu), nos surpreende, na letra e música de "Djiu di Galinha" (Manuel Amante da Rosa)

1. Mensagem de Manuel Amante da Rosa [Manuel Amante da Rosa [, ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; atual embaixador de Cabo Verde em Roma]

Data: 16 de março de 2015 às 22:37

Assunto: Prisão na Ilha das Galinhas: localização, etc. (*)

Meus caros editores e leitores:,

Vamos ver se consigo dar uma ideia do que seria ilha das Galinhas.

Ficava bem próxima de Bolama de Baixo. Separada desta parte da ilha de Bolama por um canal navegável com relativa profundidade. O campo prisional (colónia agrícola/colónia penal) da ilha era supervisionado pelo Administrador Civil do Concelho de Bolama.

Havia reclusos de crime comum com penas de longa duração e até presos políticos. Tive por lá, que me lembre, quatro a cinco amigos. Os detentos movimentavam-se com relativa facilidade pela ilha, gozavam alguns de certos privilégios e muitos dedicavam-se à agricultura ou pesca. A população da ilha era amistosa e aceitava sem problemas os presos com quem se relacionavam. Julgo que, a memória não me é certa neste ponto, de haver um chefe da colónia penal e alguns polícias que faziam um controlo da população dos presos.

Passei algumas vezes pela ilhas das Galinhas, quando jovem mas nunca cheguei de ter a perceção de que haveria prisão por lá. Na ida para Bubaque ou Sogá, paravámos em Nbangana, que era uma pequena casa comercial mesmo à beira mar em que na maré cheia as ondas batiam na varanda. Era do velho Manuel Simões, pai do Manelito Simões. Por detrás da casa subia-se por um carreiro até a uma altura de 20 a 30 metros onde se ía para o interior da ilha e  algo próximo se localizava a Tabanka. 

Não raras vezes havia festa nesse aglomerado nas noites que por ali permaneci. O rufar de tambores, característico da etnia bijagó escutava-se de longe. O ritmo, as danças dos cabarôs e campunes era
contagiante. 


Guiné > s/d > s/ l > A embarcação "Bubaque", ostentando a bandeira portuguesa... Era uma antiga LP 4 (Lancha de Patrulha 4, da nossa Marinha, no ativo entre 1963 e 1964)-

Foto: © Manuel Amante da Rosa (2014). Todos os direitos reservados.

Nesta casa, à beira-mar, viveu durante uns dois anos um amigo do Manelito e meu que tinha sido condenado a uma pena por algo acontecido em Portugal. Teve um regime especial. Os navios Corubal e o Formosa nas idas de fim de semana para Bubaque pairavam nesse pequeno porto, ao largo, para deixar ou receber correspondências ou deixar alguém. 

Nbangana era um porto difícil de se entrar porque corria paralelamente à costa uns baixios de pedra, perigosos e sem sinalização. Um pequeno navio do meu pai, o Salomé, feito de teca, trazido da Indonésia (?) ou Timor, antigo patrulha japonês, partiu ali a quilha para nunca mais ser recuperada. Eu próprio, ao leme, com uma tripulação quase toda bêbada, num regresso da ilha de Bubaque com uma excursão da Cícer, fábrica de cerveja da Guiné, encalhei nesses baixios procurando o canal já de noite. Valeu-me a enchente e não ter batido mais à frente. O susto foi enorme lembrando-me do sucedido com o Salomé.

Julgo que.  após ser transferido para a prisão policial de Bissau, ficado preso, incomunicável e tratado de forma desumana pelos carcereiros pela sua ousadia de colocar, pelo menos uma bomba debaixo do reluzente Mercedez Benz de um Chefe de Esquadra, estacionado à frente da UDIB  e,  conhecendo o Zé Carlos, que também chamávamos de Zé Cabalo, por aparecer pelo Liceu Honório Barreto algumas vezes a cavalo, ele terá sentido nostalgia da ilha onde circulava à vontade, escrevia, lidava com a população e convivia livremente com os outros reclusos.

Essa será a diferença fundamental e a razão porque terá escrito uma melodia tão profunda, nostálgica e agradável a todos que escutam o "Djiu di Galinha".

A viúva do Zé Carlos poderá, no entanto, explicar muito melhor e com conhecimento sólidos de uma vida comum de partilhas várias as razões dessa composição.

Escrevi de um fôlego só e sem rever o texto pelo que se vierem a publicar alguns trechos façam as inevitáveis correções. (**)

Um forte e amigo abraço.

Manuel

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Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 16 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14374: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (27): Ainda sobre o cantor José Carlos Schwarz (Bissau, 1949 - Havana, 1977) e a letra da canção "Djiu di Galinha" [, Ilha das Galinhas] (Helena Pinto Janeiro, historiadora)

(**) Último poste da série > 17 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14376: O nosso blogue com fonte de informação e conhecimento (28): motorizadas: eu, com os meus 17 anos e a minha Zundapp Mavic (José Colaço)


Guiné 63/74 - P14376: O nosso blogue com fonte de informação e conhecimento (28): motorizadas: eu, com os meus 17 anos e a minha Zundapp Mavic (José Colaço)


"Eu,  com os meus 17 anos e a minha Zundapp Mavic" (José Colaço)


Foto (e legenda): © José Colaço  (2015). Todos os direitos reservados



1. Mensagem de 15 do corrente, do nosso grã-tabanqueiro José Colaço, em resposta a um pedido dos editores relativamente a informações sobre motorizadas de 50 cc,  fabricadas em Portugal (marcas, que começaram a aparecer nos anos 50,  e que nos são ainda hoje familiares: Alma, Pachancho, Vilar Cucciolo, Famel, Macal, Sachs, Casal. etc) (*)


[Foto à esquerda, José Colaço (ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557, Cachil,Bissau e Bafatá, 1963/65)]

Aqui está um tema que tenho de memória: todas estas marcas de que falas, mas quando elas apareceram era eu puto de escola e,  devido à nossa autonomia económica e as condições vividas na altura,  não dava para tirar e guardar fotos dessas preciosidades.

Mas a evolução dos ciclomotores foi rápida e os Cucciolos, Alma e Pachancho  e companhia tiveram vida curta, dando origem às célebres "motinhas".

E apareceram entre outras os topos de gama,  na altura os Italianos com o Alpino, os alemães com a Sachs, parece-me que os primeiros a disporem de uma caixa de velocidades de 4 e 5  e por último 6, a Kreldler Floret que devido à sua categoria tinha o handicap do pronto pagamento, a Zundapp que também tinha uma montagem autorizada em Portugal,  os famosos quadros Mavic e os motores Casal. uma réplica dos motores Zundapp,  creio que chegaram a ser totalmente fabricados em Portugal com montagem nos quadros made in Portugal.

E com a abertura dos mercados apareceu a Honda dos nipónicos.


[Foto à direita: Ducati Cucciolo de 1950. Fonte: Wikipedia, com a devida vénia]



Lembro-me bem da Cucciolo. Podem encontrar imagens no blogue Rodas de Viriato, ou na Wikipédia, dessa preciosidade.  Lembro-me bem de a ver,  embora na minha terra a bicicleta escolhida era a Imperial com travões de alavanca, segundo o que guardo de memória. Eesta bicicleta era a preferida por ter um quadro forte e aguentava e resistia sem quebrar às vibrações do motor auxiliar Cucciolo a quatro tempos com válvulas à cabeça, digo auxiliar porque mantinha os pedais e em subidas de maior extensão tinha que ser o ciclomotorista a auxiliar o fraco Cucciolo.

E resumindo o que acabei de relatar,.  envio foto em anexo eu com os meus 17 anos e a minha Zundapp Mavic tendo por fundo o carro das bestas,  como nós lhe chamávamos, esta preciosidade,  a construção foi obra do meu velho que,  além de pequeno agricultor, tinha a profissão de carpinteiro de carros, na minha terra chamavam à profissão de carpinteiro de carros  (abegão).

Guiné 63/74 - P14375: Parabéns a você (876): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS do BART 2917 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14366: Parabéns a você (875): António da Silva Baptista, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3490 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 16 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14374: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (27): Ainda sobre o cantor José Carlos Schwarz (Bissau, 1949 - Havana, 1977) e a letra da canção "Djiu di Galinha" [, Ilha das Galinhas] (Helena Pinto Janeiro, historiadora)

1. Mensagem, de 16 do corrente,  de Helena Pinto Janeiro, comentando o poste P14370 (*):

[à esquerda: a localização da Ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós. Infografia: Wikipédia / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2015]


Caros amigos:

Muito obrigada!... A única dúvida que me resta é entender o paradoxo de o cantor [, José Carlos Schwarz,] ter estado preso na Ilha das Galinhas e ter saudades desse tempo. Não faz sentido, quer conhecendo o percurso político dele quer as letras de outras canções que ele escreveu, com um cariz fortemente político, dando voz ao sofrimento da guerra. Será que não esteve preso mas 'simplesmente' desterrado?

Não poderei, portanto, usar esta canção como exemplo de uma produção artística produzida por um preso político na Ilha das Galinhas (até porque, pelos vistos, ele terá composto a canção já na prisão de Bissau), que era o meu objectivo inicial.

Tenho estado a recolher dados sobre prisões e campos prisionais destinadas a presos políticos em vários pontos do império, em especial durante o período da guerra colonial, e os dados sobre a Ilha das Galinhas são muito vagos.

De momento estou a avançar com outros campos, nomeadamente em Angola, para os quais encontrei dados mais concretos, mas mantenho em projecto responder a estas dúvidas sobre a Ilha das Galinhas, nomeadamente:

(i) se era uma prisão-edifício ou um campo prisional (e se era um campo, com que características);

(ii) onde era localizada exactamente dentro da ilha;

(iiii) durante quanto tempo funcionou, quem a administrava, pessoas que lá estiveram presas.

Naturalmente, os dados mais institucionais irei encontrar (eventualmente) noutros locais mais institucionais mas os testemunhos de quem lá esteve ou quem por lá passou são preciosos, não havendo arquivo algum que os substitua.

Obrigada,

Helena Pinto Janeiro

2. Comentário do editor:

Temos, na nossa Tabanca Grande,  um único camarada que fez serviço na Ilha das Galinhas, o José António Viegas: foi fur mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68, e integrou a guarnição militar da "colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas" [, foto da época à direita]...

Recorde-se que ele chegou à Guiné em 4 de Agosto de 1966, seguindo para Bolama onde foi  receber o  Pel Caç Nat 54, treinado pelo o nosso Jorge Rosales, o "régulo" da Tabanca da Linha...

"Ao fim de 20 meses de mato", foi destacado  para Bolama e daí para a Ilha das Galinhas. Ele próprio nos diz que "desconhecia por completo o que aquilo era, quando cheguei em meados de Junho de 1968"... Mas deu-nos mais informações sobre o que se passava naquela ilha do arquipélago dos Bijagós no tempo do Schulz:

(i) o destacamento era composto por um furriel, um cabo e 3 soldados (!);

(ii) na "parte civil", havia um comandante do campo [, colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas, cruada em 1934]: era  "o Chefe Joaquim, um homem de poucas conversas";

(iii) de vez enquanto "encostava uma lancha LDP com um carregamento de prisioneiros, sempre em mau estado, que vinham das prisões de Bissau, escoltado sempre por dois Pides, que entregavam os presos ao chefe e desandavam para Bissau";

(iv)  os prisioneiros andavam à solta pela ilha, mas sabia-se  "alguns passavam por ali em trânsito para o Tarrafal [, Ilha de Santiago, Cabo Verde]";

(v) na altura não o Zé Viegas não tinha grandes conversas com os prisioneiros, a maioria dos quais "trabalhava na bolanha e nas sementeiras de ananás e mancarra que havia pelo campo";

(vi) era um povo afável, o bijagó, segundo a opinião do nosso camarada que passoi lá "quatro meses", na Ilha das Galinhas, acabando a sua  comissão "em Setembro de 68 com 25 meses de Guiné". (**)

Sobre o José Carlos Schwarz ver também um depoimento do nosso grã-tabanqueiro Leopoldo Amado, que o conheceu em vida, em Bissau, ainda antes do 25 de abril de 1974. Não faz qualquer referência ´`
a sua passagem pela Ilha das Galinhas. Mais detalhada e contextualizada é a extensa nota biográfica que, no blogue Lamparam, publica o Leopoldo Amado, da autoria do Norberto Tavares Carvalho, o "Cote", que foi companheiro de prisão do cantor.

Sob o título "José Carlos Schwarz - A Voz do Povo", passou há uns anos, na RTP,  um documentário, da autoria de Adulai Djamanca (Produção: Lx Filmes/MC / ICAM / RTP, 2006, 52 minutos).



Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Junho/setembro de 1968. Foto de José António Viegas, sem legenda. (**)

Foto: © José António Viegas (2013). Todos os direitos reservados


(**) Vd. postes de:

3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

11 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12429: Memória dos lugares (259): Ainda a Ilha das Galinhas e a sua "colónia penal e agrícola", criada em 1934 (José António Viegas, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, 1966/68)

Resposta do José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68) a algumas perguntas nossas sobre a "colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas":

(...) Na parte central na ilha, chamado o campo, havia uma casa colonial e uma parada grande com dois barracões que era onde viviam os presos. Na altura estavam lá perto de cento e tal prisioneiros entre os de delito comum e os presos politico. Pessoalmente, não sabia quais deles eram, não sabia distuingui-los, pois o chefe [Joaquim] não falava comigo nesse aspecto.

O chefe Joaquim que está comigo na foto com o tubarão, esteve na GNR com o Spínola e depois foi chefiar o campo. Penso que estivesse ligado à Pide.

Os presos circulavam à vontade. Alguns mais antigos viviam em palhotas junto ao campo, faziam trabalho agricola, não havia problema com a população e poucas hipóteses tinham de fugir.

A vida da guarnição era fazer umas rondas pela ilha no Uunimog pequeno (Pincha) [, o 411] e pesca. Nada mais.

A comida dos prisioneiros era na base do arroz, algum peixe e carne.

Naquele tempo eu não estava bem dentro dos assuntos, não fazia muitas perguntas ao chefe que ele, sempre de má cara com a sua úrsula [,úlcera], pouco respondia.

Só falei com um preso politico, que eu saiba, quando fui mordido por uma cobra verde, não sei se era médico ou enfermeiro , sei que tinha estado na Repúbklica Checa [, na altura Checoslováqui,] e que veio tratar de mim. (...)

Guiné 63/74 - P14373: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (1): Embarque para a Guiné, 16 de Março de 1973

1. Mensagem do nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), com data de 4 de Março de 2015:

Camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal.

No próximo dia 16 de Março faz 42 anos que parti de Lisboa com o meu Batalhão rumo à Guiné.

Acho que é boa altura para começar a relatar os episódios mais marcantes da minha passagem por aquelas terras, e por aquela guerra.

Finalmente dispus-me a compilar e organizar memórias perdidas em caderninhos, e a registar outras que me vão surgindo do arquivo nebuloso da memória, mas que na época não tiveram merecimento de registo, por desvalorização ou falta de tempo.

Sempre soube que um dia havia de fazer isto, mas nunca pensei que me atreveria a publicar a resenha íntima daquela fracção da minha vida, tão pequena, tão sofrida e, simultaneamente, tão marcante na formação e maturidade da pessoa que sou hoje.

A ideia inicial era escrever algo semelhante, mas para deixar aos meus descendentes. Não queria que, um dia, soubessem apenas que o avô esteve algures em África numa qualquer guerra e desesperassem por não disporem de datas, factos, histórias, impressões, etc. Caso se venham a interessar, como é evidente.

Sei, por experiência própria, o quanto é desesperante essa falta de informação biográfica de um nosso ascendente, ainda mais quando esse ascendente teve uma fase da sua vida análoga à nossa. Foi o caso do meu avô paterno, de quem apenas soube que esteve em Angola – e mesmo este dado não é seguro –, como soldado.

Era eu pequeno, contou-me um dia, para meu divertimento, que a escova para calçado que tinha nas mãos fora feita pelos pretos em África e que estes eram terrivelmente fortes: subiam com ligeireza grandes penhascos com as armas e mochilas dos soldados às costas, e estes, quando chegavam lá acima, sem carga nenhuma, estavam exaustos. Só isto.

Quando, já crescido, comecei a ter curiosidade pela razão da sua mobilização e pelo que aconteceu na sua campanha africana, ele já tinha morrido. Então, sempre que via aquela escova de calçado, era assaltado pelas saudades do meu avô e pelo sentimento de culpa por nunca lhe ter pedido que me falasse mais dessa fase da sua vida. Mas porque não deixou ele uma única nota escrita, uma carta, uma fotografia?!

É claro que, pela sua data de nascimento, tenho uma ideia do que o levou a África, naqueles conturbados tempos da 1.ª Guerra Mundial, mas não é suficiente. Para saber mais, teria de fazer uma investigação morosa e desencorajante. A que nunca me atrevi. Fica assim.

Vou narrar a minha pequena “odisseia” começando pelo embarque para a Guiné, a viagem, a passagem por Bolama, etc., mas, como estas situações já foram sobejamente tratadas e retratadas no Blogue, vou tentar não ser maçador, aflorando apenas as que me parecerem mais incomuns e as minhas impressões pessoais, embora mantenha todo o resto no meu diário. Nesses casos sinalizarei as omissões de texto com (...), para se perceber o porquê de uma ou outra descontinuidade.

Gostava, ainda, de deixar aqui um abraço e a minha homenagem a todos os camaradas que calcorrearam, antes de mim, os mesmos chãos, picadas, trilhos e matas, de Buba a Aldeia Formosa, de Mampatá a Nhacobá. Porque a “guerra deles” foi bem mais dolorosa e trágica do que a “minha”, mesmo se considerar que fiz apenas um ano e meio de comissão, não podendo saber o que me esperaria no tempo restante; e mesmo se considerar que nessas regiões passei momentos difíceis, que houve mortos e feridos, flagelações e emboscadas, minas e estradas cortadas, enfim, tudo considerado, mantenho que foram mais duras e trágicas as suas comissões.

Se discordar de mim, quem comigo lá esteve, recomendo que leia os escritos do Zé Teixeira, do Manuel Traquina, do Mário Pinto, do Vasco da Gama, do Idálio Reis, do Rui Alexandrino Ferreira no seu livro “Quebo”, e, possivelmente, de outros mais.

Só tive consciência disto através do nosso Blogue e, depois, visitando outros blogues que fui conhecendo. Lendo também os muitos livros que possuo sobre a Guerra Colonial. Soube também, com espanto e choque, de outras inúmeras tragédias, de heroísmos anónimos, da sobrevivência tipo “um dia de cada vez”, por todo o restante território. Conhecia, e mal, os casos mais sonantes. Todavia, eu estive lá! Quantos mais estiveram lá, tendo regressado com a visão da guerra circunscrita à sua zona? Claro que se ouvia muita coisa, mas nada de concreto, porque a informação não passava. Imagine-se, então, o conhecimento que terá daquela guerra, a generalidade da nossa população. Não admira que, já nos anos 90, ouvisse este insulto de um colega de trabalho: "Comparando com o Vietname, os combatentes na Guiné, não passavam de soldadinhos de chumbo!".

António Murta

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Lisboa - Cais da Rocha Conde de Óbidos, meio da tarde de 16 de Março de 1973 – Partida do Batalhão de Caçadores 4513 no navio Uíge rumo à Guiné.



CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA - GUINÉ, 1973-74

1 - Embarque para a Guiné - 16 de Março de 1973

16 de Março de 1973 (sexta-feira) – Embarque para a Guiné

Estava repleto o navio e os militares alcandoravam-se nos locais mais improváveis, para além de escadórios e da amurada, na ânsia de serem vistos pela multidão de familiares que acenavam do cais. Era uma cena já de todos conhecida, militares e famílias, que ao logo dos anos a viram – e temeram – pela televisão e pelos jornais. No que me toca, e depois de ter perdido de vista o meu pai no cais, apoderou-se de mim uma fria indiferença. Estava ali a começar uma odisseia, uma aventura no desconhecido, mas que haveria de ter um fim, que só podia ser o regresso. Recordo estas sensações porque as preparei antes e me agarrei a elas no momento crucial. Apesar disso, foi no instante em que o bojo do navio se desencostou lentamente do cais, que tive o momento mais penoso e cruel. Não tinha pensado nesse detalhe tão significativo: o brevíssimo instante da separação. Estava quebrado, definitivamente, o fiozinho que ainda me ligava a casa, aos familiares, ao meu país e a uma esperança tola de que, até ao último instante, acontecesse algo de extraordinário, um cataclismo, uma morte bombástica, sei lá..., morreu o Amílcar Cabral e não aconteceu nada, mas podia morrer o Marcelo, cair a Ponte Salazar e o barco ficar ali encalhado!... Nada. Não aconteceu nada. Afinal, estávamos irremediavelmente a partir. E não tinham partido milhares de outros antes de mim? Voltei à realidade. Certo de que a partir desse instante estaria apenas entregue a mim próprio até que tudo terminasse. Soltas as amarras, todas, zarpámos mesmo. Adeus, até ao meu regresso!

Com dois ou três roncos cavernosos e lúgubres, o navio fez-se lentamente ao meio do Tejo e desceu para a foz. Cada vez eram mais imperceptíveis os acenos no Cais da Rocha. (...)

Começava uma aventura que, para muitos, tínhamos consciência disso, não teria regresso. E assim aconteceu. Mas neste momento difícil das nossas vidas, a atenuar a dor da separação rumo ao desconhecido, havia uma coisa muito importante: a curiosidade por África, pelas suas gentes, pelos locais exóticos, pelo clima adverso mas diferente, enfim, pela oportunidade de explorar um continente que ocupava o nosso imaginário desde os bancos da escola, com os nossos exploradores africanos a incitarem-nos à imitação. Pessoalmente, formei esse imaginário muito antes da escola primária, através de um livro que a minha mãe possuía e que me dava a ver. Era o “Almanaque das Missões” (?), cheio de imagens de pretinhos e missionários de branco, jeeps em jangadas a atravessar rios desmedidos. Que saudades tenho desse pequeno livro. Dizia a minha mãe: - "O pretinho da Guiné partiu a caneca, não bebe mais café". Ganhei, assim, uma paixão por África e chegava a sentir nostalgia por uma terra onde nunca tinha estado.

À passagem pelas Canárias impressionou-me o cenário belíssimo das ilhas mergulhadas num crepúsculo vermelho. Fiz um desenho rápido a lápis de cor, mas perdi-lhe o rasto. Foi mansa a viagem. E confortável, para quem, como eu e demais oficiais viajávamos em 1.ª classe. O Uíge era um paquete com boas condições, como um grande hotel flutuante, onde não faltavam “garçons”, empregadas solícitas, bons salões, bares, enfim... (...) 

E nos porões, mais próprios para transportar gado, como se acondicionavam os soldados? Eu mesmo tinha sido incumbido de fazer a inspecção ao navio acompanhado de um dos meus furriéis dias antes do embarque e não gostei dos porões, mas tudo não passava de um proforma e tinha de assinar, até porque, no restante estava tudo muito bem. Fui ver. Quis inteirar-me do modo como ocupavam aquilo, ouvir as suas necessidades, ajudar no que pudesse. Entrei noutro mundo. Abjecto, fétido, insalubre. Não admira que, lá mais para a frente, com a aproximação de clima mais quente, muitos preferissem dormir na coberta do navio, onde, pelo menos, respiravam melhor. Durante o dia era onde todos permaneciam, entre jogos de azar e convívio nem sempre pacífico. Tirando passar alguns momentos em conversa com eles, animando-os, mais nada podia fazer. Era aguentar, que a viajem só duraria seis dias.


20 de Março de 1973 (terça-feira) – Jantar de despedida

Estava quase no fim a viagem e isso era marcado por um jantar de despedida. Não muito diferente dos outros jantares, teve, todavia, algo indefinível que o tornou mais solene. (...) A ementa, impressa a bordo, dizia assim:

"O Capitão de Bandeira, Comandante, Oficiais e restante tripulação do navio apresentam as suas despedidas aos Exmos. Oficiais, assim como a todos os componentes do Contingente Militar desejando muita saúde e as maiores felicidades.

Paquete “Uíge”, 20 de Março de 1973"

Seguiam-se as páginas com a lista completa dos oficiais (e sargentos?) a bordo. (Não sei o que me passou pela cabeça para, muitos anos mais tarde, ter digitalizado a capa da ementa e pequenos fragmentos daquela lista e ter destruído todo o resto).


Paquete Uíge, 20 de Março de 1973, Jantar de despedida. Eu sou o rapaz da esquerda, aí no pequeno corte (foto abaixo). À minha esq.ª está o Alf Torres da 1.ª CCaç (Buba), e à dtª, com a cara sobreexposta, o Alf. Mota da 3.ª CCaç. (A. Formosa). Do outro lado da mesa, dois Alferes do QP. 




22 de Março de 1973 (quinta-feira) – Chegada a Bissau

Acordei e senti logo uma estranheza que me sobressaltou. Era o silêncio total. Costumava acordar com o ronronar distante, cavernoso, dos motores do navio. Parámos, pensei. Será que chegámos à Guiné? Dei um salto da cama e fui abrir a cortina da vigia mas, o que vi, deixou-me ainda mais estranho. Julgava que veria um porto, um cais para encostar, mas não, estávamos no meio do mar e à minha frente uma pequena faixa de terra que, pela distância a que nos encontrávamos, não dava para avaliar. Vesti-me e saí precipitadamente, sentindo logo um calor a que não estava habituado. Dirigi-me à amurada a olhar lá para diante aquela faixa de terra rasa, uns poucos edifícios e palmeiras dispersas. Só depois reparei que era quase o único a olhar, espantado, para aquela primeira visão africana, quando alguém, desinteressado, me disse:
- "É a Ilha do Rei, Bissau é do outro lado!".

Desloquei-me para o outro lado do navio, olho em frente, e lá estava Bissau, ainda distante mas já ali. Eram 9h50 locais, 11h50 de Lisboa. Reparei, ainda, que o resto dos passageiros já devia estar ali na amurada desde manhã cedo a observar. Alguns faziam comentários mas, se calhar a maioria, conjecturava em silêncio. Os rostos, curiosos, eram de ânsia e apreensão.

A cidade de Bissau vista dali do navio parecia muito rasa de edifícios, e subia ligeiramente a partir do cais. Tudo o mais, quer olhássemos à esquerda ou à direita, parecia uma fita verde quase ao nível das águas, para trás da qual nada mais se via. O navio continuou fundeado ao largo entre a Ilha do Rei e a cidade. Todo o dia foi passado a bordo e era suposto aí permanecermos até ao transbordo para as lanchas da Marinha que nos levariam a Bolama, nosso primeiro destino. Mas à noite, já atracados à ponte-cais que liga ao porto propriamente dito, convencemos o comandante do Uíge, com a intervenção influente do Cap. B. C. – que conhecia Bissau visto ter feito na Guiné o estágio do seu curso de capitão, antes de regressar à Metrópole para se integrar no nosso Batalhão – convencemos o comandante, dizia, a deixar-nos sair para uma pequena exploração e, se possível, beber uns copos.

Eram precisamente 23h55 quando, pela primeira vez, pisei terra africana.
Sem prazer nem desprazer, embora com alguma curiosidade. Mal tinha dado umas dezenas de passos na ponte-cais e eis que me deparo com uma cena tão lúgubre que jamais esqueci: no ângulo que fazia a ponte-cais com o porto, na escuridão quase total, e nas águas paradas muito abaixo do plano em que me encontrava, vi um amontoado de barcaças imóveis, carregadas de vacas. Numa delas, entre as vacas de pé e sobre montes de cordame, estavam várias urnas dispersas. Fiquei deveras impressionado com a cena macabra, como se fosse a primeira nota de que não estávamos num destino de férias. Logo na primeira vez que punha os pés em terra!... Soube depois que estas barcaças fazem fretes de apoio às Forças Armadas e fornecem os aquartelamentos do interior de quase tudo, incluindo munições. E caixões.

Prosseguindo para a cidade à procura de um bar aberto, mesmo tendo em conta que já passava da meia-noite, surpreendeu-me e desagradou-me a quase ausência de pessoas na rua, o marasmo e a miséria: estivadores que mais pareciam indigentes, dormiam nos bancos da avenida marginal, no chão, nos vãos das portas... Alguns embrulhados em panos ordinários. À nossa passagem pareceu-me ver nas caras dos poucos acordados, indiferença ou hostilidade. Não que esperasse cumprimentos ou festa de recepção, mas, sinceramente, pareceram-me hostis. Só as montras dos estabelecimentos me deixaram bem impressionado. Passaria muito tempo até vir a saber que no comércio de Bissau havia uma diversidade de produtos muito superior ao que se encontrava em Lisboa e a bons preços. E que se compravam aqui livros e discos que, na Metrópole, eram simplesmente proibidos. Mas a oferta era mais vasta: materiais fotográficos, armas de caça, alta-fidelidade, louças, bebidas, quinquilharia chinesa, enfim, quase tudo. Muitos compraram aqui a sua primeira máquina fotográfica das melhores marcas japonesas.

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Guiné 63/74 - P14372: Notas de leitura (692): “As Guerras de Libertação e os Sonhos Coloniais”, organização de Maria Paula Menezes e Bruno Sena Martins, Edições Almedina, 2013 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Maio de 2014:

Queridos Amigos,
Estes ensaios debruçam-se sobre o interdito, o ocultado, o altamente incómodo, no contexto das guerras que travámos em África em tempos de descolonização.
O Exercício Alcora era desconfortável para o regime de Lisboa, mas tornara-se imprescindível, por causa de Angola e Moçambique. A africanização da guerra tinha matizes que importava disfarçar. E veio a descolonização, apareceram novas perplexidades, como a questão da identidade do retornado, o incómodo de associar a violência ditatorial à violência colonial… ocultações de certa historiografia - histórias de sonhos coloniais falhados que continuam a pairar sobre as nossas cabeças .

Um abraço do
Mário


Guerras de libertação, as alianças secretas, um vasto manto de interditos

Beja Santos

“As Guerras de Libertação e os Sonhos Coloniais”, organização de Maria Paula Menezes e Bruno Sena Martins, Edições Almedina, 2013, é um repositório de estudos que, como escreve Boaventura de Sousa Santos no prefácio, “consiste em desvelar o que foi ocultado, tanto pelo que foi dito como pelo que foi silenciado, nas histórias celebratórias e nas memórias autocomplacentes”. Enfim, algo que pertence à sociologia das ausências, silenciamentos que persistem de ambos os lados da contenda. O que aqui se expõe são intrincadas alianças, sobretudo no cone Austral de África, onde a África do Sul jogou a fundo para manter o seu governo racial, atraindo o governo de Lisboa para uma aliança secreta, o Exercício Alcora.

Começando exatamente com o Exercício Alcora, os coordenadores comentam o historial da aproximação dos regimes brancos minoritários e as colónias portuguesas de Angola e Moçambique, na atmosfera que lhes era adversa: as independências da Zâmbia, do Malawi, do Botswana e o Lesoto e a Swazilândia, entre 1964 e 1968. O Exercício Alcora definia como objetivo central combater o comunismo e os movimentos nacionalistas. Para Ian Smith, chefe do governo rodesiano, a aposta era manter os conflitos centrados a norte do Zambeze: “Quanto mais para norte podermos conter a linha de defesa contra os comunistas, melhor”. Mobilizaram-se dezenas e dezenas de milhares de homens, brancos, para a constituição de brigadas mistas, prontas para intervir em qualquer ponto de Angola e Moçambique, o que estava em causa era a sobrevivência da África Austral.

Não deixa de surpreender como a violência desencadeada por aquela guerra também desce como um manto de silêncio em torno da memória da ditadura, observa outro autor. A guerra tem as suas vítimas, homens e mulheres sujeitos à dor, à perda, à morte, ao exílio ou ao terror. Vítimas porque resistiram aos poderes instituídos, foi o que aconteceu aos presos do Tarrafal. Mas também foram vítimas populações atingidas arbitrariamente por massacres, igualmente foram vítimas as pessoas sujeitas à repressão direta, aos tribunais especiais e a todo um campo de arbitrariedades. E aqui se questiona como em Portugal se tem lidado com a memória da ditadura e da depressão, o tratamento dado à memória da resistência e repressão tem sido alvo de sucessivos equívocos e diferimentos, que se alargam para o campo historiográfico. Para o autor a violência do colonialismo e da ditadura transformaram-se em memórias fracas, com preponderância para a memória do passado ditatorial identificado com um chefe paternal, de laivos autoritários mas vontade desinteressada de servir a Nação.

Noutra abordagem, traça-se a dimensão da questão colonial e da África Austral num contexto de Guerra Fria. Como consequência direta da II Guerra Mundial, deu-se a perda da centralidade da Europa no sistema mundo. A partir de 1960, as potências coloniais acederam a independência de muitos países, com sérias incidências no mapa geopolítico global. Esse mundo modificado equilibrava-se no poder global dos EUA e da URSS e como estas superpotências animavam os movimentos nacionalistas. De facto, estas duas superpotências fizeram coro para a emancipação dos movimentos nacionalistas, o que, como reação, gerou a criação do movimento dos não-alinhados, onde a China não tinha papel inocente. Os EUA tiveram extrema dificuldade em encontrar uma forma diplomática de vigorosa denúncia do apartheid, a África do Sul acabou por se tornar num aliado poderoso no contexto da Guerra Fria.

Entre os grandes interditos e as discussões infindáveis que as guerras de libertação suscitaram temos a problemática dos retornados, a incómoda africanização na guerra colonial e a ligação estrutural entre as guerras civis de Angola e Moçambique associadas ao conflito anterior a que o Exercício Alcora procurava dar resposta. Na verdade, continua na área dos interditos a identidade do retornado e até a análise da especificidade das duas colónias de povoamento, Angola e Moçambique, decisiva para compreender as guerras coloniais, a descolonização e as independências.

O autor do estudo sobre a africanização na guerra colonial recorda que existia uma tradição de participação de africanos no exército colonial português desde a segunda metade do século XIX, para apoiar a penetração no interior de África. E esclarece que “Em 1961, ano do início da guerra colonial, o Exército Português dispunha em África de unidades locais organizadas nos mesmos moldes das unidades europeias”. Esta africanização progressiva assentou em unidades regulares do exército, unidades especiais e unidades de milícias. E observa: “Estes três tipos de forças desempenharam papéis muito diferentes na guerra e sofreram tratamento diferente das novas autoridades com as independências. As unidades regulares faziam parte de uma tradição de serviço militar estabelecida desde o início da moderna colonização portuguesa e, apesar do seu incremento durante a guerra colonial, não sofreram um impacto maior do que aquele que é produzido em situações normais de conflito. As unidades de milícia, implantadas nas regiões de origem dos seus elementos, também integravam as estruturas administrativas e não motivaram reações de violência que tivessem excedido as disputas locais”. As grandes tensões sobre a violência focaram-se nas forças especiais africanas, foram elas que sobretudo motivaram a reação brutal dos novos poderes instalados, reação que foi um misto de vingança ou ajuste de contas mas também a procura de um bode expiatório para os fracassos internos, na perspetiva de que essas antigas forças atiçassem movimentos de insubordinação. Lembra-nos também o autor que a partir de 1970 estas tropas especiais conheceram variantes e escreve:  
“Na Guiné, Spínola procurou, a partir das experiências de milícias e explorando extinções étnicas, criar um exército africano nacional à imagem do exército português, estruturado em companhias agrupadas em batalhões.
Em Angola, a africanização teve como objetivo aumentar a capacidade operacional das forças portuguesas e a sua autonomia de forma a criar condições políticas e militares para atrair um dos movimentos – a UNITA – e elementos dos outros. Os Flechas serão o conceito mais específico deste tipo de tropas. A africanização tinha como objetivo político a atração de guerrilheiros e dirigentes nacionalistas, especialmente no Leste e Sudeste do território.
Em Moçambique, apesar da grande percentagem de recrutamento local, a formação de tropas africanas autónomas não só foi mais tardia, como estas foram integradas na manobra convencional de Kaúlza de Arriaga, sem explorar todas as suas especificidades de conhecimento do terreno e de ligação às populações.
No final da guerra, os três teatros de operações apresentavam realidades distintas (…) Em comum, os três teatros de operações apresentavam uma realidade onde o avanço das forças de guerrilheiros dos movimentos de libertação deparava com a oposição de dezenas de milhares de militares locais acionados pelas autoridades coloniais. Em 1974, quando ocorreu o 25 de abril, a tendência da africanização das forças ia no sentido de transformar a guerra colonial em três conflitos internos nos três teatros de operações”.

De leitura obrigatória para quem estuda o fenómeno colonial português.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14359: Notas de leitura (691): “As Mulheres e a Guerra Colonial”, por Sofia Branco, A Esfera dos Livros, 2015 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14371: Manuscritos(s) (Luís Graça) (50): Na hora da tua morte...



Na hora da tua morte
por Luís Graça



De rio em rio
se alcança a foz
e se galga o mar.
Vais na torrente,
a bracejar.


De mar em mar
se vai ao longe:
p’ra naufragar,

no oceano, largo e profundo,
ou p’ra encalhar,
no cabo do mundo

De estrela em estrela
navegas por toda a parte,
à boleia dos sonhos
que te venderam 
a preço de saldo.

D
o planeta ao planetário
vai um salto:
há apenas uma tela,
a separar-te 
do desastre humanitário.


Na deriva da vida
segues em contramão,
como um cavalo com o freio nos dentes,
fora da estrada,
sem seguro de acidentes.
num louco tropel.

Daqui para a frente,
vais pouco confiante e nada crente,
como num carrossel:
já não é caminhada,
já não é jogging,
é picada armadilhada,
é alucinação.


Preferes nada saber de astrofísica,
muito menos de metafísica.
Seria bom saberes algo mais 
de economia.


Porque um dia,
vão-te cobrar a portagem,
no fim da viagem
ou numa qualquer paragem,
técnica,
quando o teu planeta azul
perder o contrato de concessão
ou a simples licença de habitação.


Um dia,
faça chuva ou faça sol,
vais ser despojado do teu corpo,
desalojado do teu habitáculo,
como a lagosta ou o caracol.


Quem te prometeu um tabernáculo,
ergonomicamente correto,
digno de um deus maior, 
nada sabia de ergonomia
e muito menos era arquiteto.


A
final,
não passas de um animal terrestre,
numa terra que não é tua:
na melhor das hipóteses,
és um erro de casting
do criador…

Alguém te há de lembrar
que não passas de um simples hóspede,
e que o hóspede e o peixe
ao fim de três dias… fedem,
como assegura o provérbio popular.


Na tua aldeia,
na hora da tua morte,
tocará o sino,
a finados.

Alguém então quererá
dizer uma última palavra:
fostes um bom homem,
mas à tua porta não bateu a sorte.


Ninguém, por certo, perguntará
p'los teus sonhos... de menino.


Lisboa, março de 2015


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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P14370: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (26): Letra (em crioulo e português) e vídeo da canção "Djiu di Galinha", de José Carlos Schwarz (Helena Pinto Janeiro / António Estácio)

1. Mensagem da investigadora, da FCSH/Universidade NOVA de Lisboa,  Helena Pinto Janeiro

Data: 12 de março de 2015 às 11:46
Assunto: Letra de "Djiu di Galinha", registo áudio e vídeo do cantor (*)

Caro Luís Graça,

Muito obrigada. Entretanto consegui, com a preciosa ajuda da musicóloga Alda Goes, a letra, agora só falta a tradução do crioulo... Foi retirada do LP "Djiu di Galinha", gravado com Miriam Makeba e editado postumamente (1978). Aqui vai:

Djiu di Galinha
Djiu di Galinha ai
Djiu di Galinha
N'disjau ai djiu di Galinha

Manera que piscatures ta pera mare
assim tambe que n'ta pera dia de riba
Manera que labradures ta tchora tchuba
assim tambe que n'ta tchora bu falta.


Envio também um link para uma gravação áudio que tem o interesse suplementar de ser acompanhada de um vídeo do cantor [3' 20'']

https://www.youtube.com/watch?v=46AOuVNmb3M

[Publicado a 22/01/2013 por Vital Sauane, com a legenda: "José Carlos Schwarz em 1976 com Miriam Makeba, o primeiro vídeo encontrado deste famoso musico Guineense".. LG]
Obrigada

Helena Pinto Janeiro

2. Mensagem do nosso camarada António Estácio, guineense, nado e criado no chão de papel, em Bissau, ex-alf mil em Angola (1970/72), escritor, a quem pedidmos a tradução desta letra para português ("António,  aqui tens a letra da 'Djiu di Galinha'... Podes traduzir ?... Vou pedir também ao Manuel Amante da Rosa  e ao Mário Dias, gente que como tu bebeu a água do Geba"):


Monte Real, Palace Hotel> 26 de junho de 2010 > 
V Encontro Nacional  da Tabanca Grande > 
O António Estácio
Data: 15 de março de 2015 às 10:38
Assunto: Letra de "Djiu di Galinha", registo áudio e vídeo do cantor (**)

Meu Caro Luís Graça:

Estimo-te bem pelo e-mail que me enviaste e cuja leitura procurei fazê-la agora.

Como tu deves saber,  não é fácil fazê-la, mas vamos lá tentar.

Ilha das Galinhas
Ilha das Galinhas, ai,
Ilha das Galinhas
Deixai-me, Ilha das Galinhas.

Tal como  os pescadores esperam a maré,
Assim, também eu aguardo o dia de voltar.
Tal como  os lavradores, choram p'la chuva, 
Assim, também eu choro a sua falta.

António J. Estácio

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Notas do editor:


domingo, 15 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14369: Meu pai, meu velho, meu camarada (43): Foi um grande homem, sempre pronto a ajudar, principalmente os pobres (Mário Vitorino Gaspar)

 


1. Em mensagem do dia 3 de Março de 2015, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), enviou-nos este texto de homenagem a seu Pai Joaquim Dias Gaspar.



Meu Pai, meu Velho, meu Camarada


Meu Pai

(… ) “Pai. Quero que saibas,
cresce uma luz fina sobre mim que sou sombra,
luz fina a recordar-me de mim,
ténue, sombra apenas.”

José Luís Peixoto


O meu pai, Joaquim Dias Gaspar, nasceu na aldeia de Casegas, concelho da Covilhã. Era um dos nove irmãos. Família de padeiros – trabalho fulcral da família – e depois de um trabalho árduo, iam crianças ainda, a pé, meu pai e meus tios frequentemente à Covilhã, transportar grandes quantidades de carvão para ser vendido, visto terem nascido numa terreola muito pobre. Os seus habitantes viviam do trabalho na agricultura, na pastorícia, da venda do carvão, eram almocreves e trabalhavam noutros ofícios. Mas a fonte principal de trabalho vinha da emigração para outros países, procurando igualmente trabalho nas colónias portuguesas.

A partir do século XX começaram muitos dos seus habitantes a trabalhar nas Minas da Panasqueira, isto devido procura do volfrâmio, para as ligas metálicas do armamento, motivado pela 2.ª Grande Guerra Mundial, muito embora esta empresa mineira tenha iniciado a laboração em fins do século XIX.

Três dos meus tios emigraram para a América, trabalhando na construção dos caminhos-de-ferro. Aqueles que emigravam, normalmente voltavam à sua terra natal, comprando com o dinheiro amealhado, terrenos de cultivo, pinhais e construindo as suas casas no povoado. Foi o sucedido com estes meus tios. O meu pai tinha três irmãs que viveram sempre na aldeia. Os outros partiam para Lisboa e arredores, e sendo padeiro analfabeto, meu pai, ainda criança, partiu no comboio a caminho do Poço Bispo, onde trabalhava um irmão. Como era um óptimo trabalhador, esteve com outros patrões – e os tempos eram difíceis para se conseguir sobreviver sem emprego – mas nunca esteve desempregado.

Casou-se, e enviuvou, a mulher faleceu com a tuberculose, não tendo filhos da mesma.

Trabalhava no Poço de Bispo e conheceu a minha mãe, filha de um abastado comerciante, ficando a morar numa casa que dava para o apeadeiro dos Olivais, onde nasceram os meus irmãos, na freguesia de Santa Maria dos Olivais.

E um dia, o meu pai, que se encontrava na padaria onde trabalhava, foi confrontado por um cauteleiro amigo, que lhe queria vender jogo, era o único vício que tinha: comprava uma cautela por semana, e àquele cauteleiro. Este insistiu, insistiu, e o meu pai sempre a recusar.

Meu Pai, Mãe, irmãos e eu (Bebé)

E um dia, o meu pai, que se encontrava na padaria onde trabalhava, foi confrontado por um cauteleiro, que lhe queria vender jogo, era o único vício que tinha: comprava uma cautela por semana, e àquele cauteleiro. Este insistiu, insistiu, e o meu pai sempre a recusar. Vestia ainda roupa de trabalho, calça e casaco branco. Foi para casa descansar. Depois de dormir e regressar ao trabalho, surgiu o cauteleiro, que lhe diz baixinho:
- Senhor Joaquim tem a sorte grande!

O meu pai respondeu:
- Como posso ter a sorte grande se a cautela que me vendeu está branca?

O cauteleiro retorquiu:
- Então veja no seu bolso!

É quando o meu pai vê que realmente tinha uma cautela dobrada no bolso do casaco.
- Tem aí a sorte grande! – Disse o cauteleiro.

E era verdade, o meu pai ganhara o primeiro prémio da lotaria. Falou com o patrão – o Castanheira de Moura, um industrial com sucesso – e este deu-lhe sociedade. Mas, porque não recebia lucros, decidiu depois de analisar a situação, propor a venda da quota e trabalhar por conta própria. Teve de solicitar a um amigo um empréstimo monetário e tomou de trespasse uma padaria em Sintra. Não tinha clientela, mas como bom trabalhador e com a ajuda da minha mãe – que se encontrava grávida – conseguiu diminuir a dívida.

Mas estávamos em plena 2.ª Guerra Mundial e havia dificuldades em comprar farinha, que não era fornecida pelas moagens em quantidades exigidas. O meu pai comprou uma mula e uma carroça, e percorria toda a zona saloia procurando moleiros que lhe vendessem tal preciosidade.
Nasci eu.
Um outro industrial, invejando o sucesso do meu pai, fez queixa às autoridades. O meu pai tinha de comparecer em tribunal. Revoltado, faltou. Trespassou a padaria em Sintra e foi para À-dos-Loucos, no alto de Alhandra, tendo de seguida tomado de trespasse uma padaria em Alhandra, com pouca clientela.

Como a minha mãe herdara uma quinta em À-do-Barriga, concelho de Arruda dos Vinhos, dividia a sua vida, trabalhando na padaria – que progredia de dia para dia – e na quinta, onde trabalhava o resto do tempo. Era um industrial analfabeto mas em progressão, e pouco tempo lhe restava para descansar. Entretanto, eu com doze anos, ensinei-lhe a ler e a escrever, tendo feito o exame da 3.ª classe, comprou um carro e construiu uma vivenda na quinta. No dia que comprou o carro, comprou lotaria na Rua Arco da Bandeira, junto ao cinema Animatógrafo, tendo-o acompanhado. Entretanto viu-se obrigado a entrar para uma Sociedade por quotas, no Concelho de Vila Franca de Xira, depois de nós, os três filhos, nos termos recusado a fazermos a vida como industriais de panificação. A vida foi dura, para um padeiro duro, beirão e analfabeto, que teve sempre com ele uma mulher – a minha mãe, e minha heroína – que inteligente como era lutou com ele.

Na véspera da minha partida, com destino à Guiné – pelas 24 horas do dia 10 de Janeiro de 1967 – quando me despedia da minha mãe, e contra tudo o que pensava, a minha mãe manteve-se serena, e pela primeira e única vez vejo o meu pai chorar. Julgava que ele não tinha lágrimas, e que simplesmente lhe jorrava no corpo o suor, sobre as massas, quando enfiava pazadas de pão no forno. Mas o meu pai chorou, e eu como combatente… Chorei para o interior. Sofreram os 22 meses da minha comissão.

Anos depois, no Hospital de Santa Maria – após operação à próstata – perguntou-me:
- Quando estiveste na Guiné sofreste, não sofreste? - Sabes que no dia que foste com o pai comprar o carro me saiu um prémio grande na lotaria?

Calei-me. Ele foi um grande homem, sempre pronto a ajudar, principalmente os pobres que não lhe podiam pagar o pão. Um dia, meu pai pediu que ficasse na padaria. Estava no interior e vi um pobre tirar um pão de dezassete tostões do balcão e deixei que ele o levasse. Disse ao meu pai e respondeu-me:
- Era um pobre não faz mal.

A minha mãe morreu, e passado não muito tempo, meu pai foi-lhe fazer companhia.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14354: Meu pai, meu velho, meu camarada (42): 1.º Cabo Manuel de Assunção Peres (1912-1997), meu sogro, que fez tropa em Elvas... Um dia, quando teve uma curta licença para férias, foi a pé até Castro Verde (, o que em linha reta são mais de 200 km)... (José Colaço)

Guiné 63/74 - P14368: Libertando-me (Tony Borié) (8): Retire da Terra o que é necessário para viver e nada mais

Oitavo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.



Gostávamos muito de Aveiro, talvez fosse normal, pois creio que era a única cidade que pensávamos que conhecíamos, ou talvez fosse daquela camioneta verde e amarela, com assentos forrados a cabedal, que esperava pelo comboio na estação e, nos levava à praia da Costa Nova.

O comboio, “o nosso comboio”, num dia de verão levou-nos de novo à cidade de Aveiro, nessa altura usámos um bilhete pago pelo Governo de Portugal, íamos “para a tropa”, mais propriamente para o “Quartel de Sá”, que por acaso até ficava perto da estação ferroviária. Aqui começámos aquele treino fatigante, tanto física como mentalmente, os instrutores, alguns até eram pessoas preparadas, que utilizavam linguagem e maneiras, que seguíamos, fazendo com que aqueles exercícios e aulas de mentalização, fossem executadas com alguma facilidade.

Para nós, tudo ia sendo normal até aos exercícios finais, tirando claro, aquele instrutor que tinha vindo de uma comissão de serviço em Angola, que nos exemplificava na aula de combate como se devia matar, para uma morte lenta, rápida ou assim-assim, em que nos colocava uma faca no pescoço, com os olhos “vidrados de raiva” e dizia: “tens que matar aqueles filhos da puta assim”, passando adiante, veio “uma semana de campo”, onde nos faltou as instalações do “Quartel de Sá”, que embora as nossas casernas fossem umas antigas “cavalariças”, pelo menos tinham paredes e telhado.


Fomos para as “Gafanhas”, que era para o lado sul da cidade de Aveiro, havia aquelas senhoras que com um açafate à cabeça, andavam por ali vendendo “sandes e pirolitos” aos militares, nós no segundo ou terceiro dia, com algum apetite, queríamos comprar duas ou três sandes, para comer e guardar e, a senhora disse-nos, com uma expressão que demonstrava alguma repreensão: “leva só o que precisas neste momento, deixa alguma coisa para os outros”.

Aquela senhora parecia-nos uma pessoa simples, “do povo” e, que grande lição nos estava a dar. Anos mais tarde, lemos algures “The 10 Indian Commandments”, onde um desses mandamentos diz precisamente o que essa simples pessoa nos disse, que é, mais ou menos, “Retire da Terra, o que é necessário para viver, e nada mais”.

Havia muitas “Gafanhas”, era a da “Encarnação”, da “Ria”, do “Juncal”, de “Mira”, de “Áquem” ou de “Além”, mas nós éramos um dos militares em treino, que estão naquela fotografia onde também lá estavam muitos, que não nos lembra o nome, mas eram irmãos e companheiros, onde alguns já devem de estar algures, talvez no “Além”. Já agora, a título de curiosidade, aqui vai a tradução, também mais ou menos, dos “The 10 Indian Commandments”, que nós tentamos seguir, mas não é fácil, neste mundo, além de outras coisas, muito controverso.


1 - A Terra é a nossa Mãe, cuide dela.
2 - Honrar todas as nossas relações.
3 - Abra o seu coração e alma para o Grande Espírito.
4 - Toda a vida é sagrada, trate todos os seres com respeito.
5 - Retire da Terra o que é necessário para viver, e nada mais.
6 - Faça o que precisa ser feito para o bem de todos.
7 - Dê constantes graças ao Grande Espírito para cada dia.
8 - Fale a verdade, mas apenas para o bem nos outros.
9 - Siga os ritmos da natureza.
10 - Aproveite a viagem da vida, mas não deixe pistas.

Tony Borie, Março de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14334: Libertando-me (Tony Borié) (7): Temos que lá voltar

Guiné 63/74 - P14367: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (25): Motorizadas versus Motos... A minha potente Yamaha 200, que me custou 16 contos (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74)



Guiné > Bissalanca > BA 12 > c. 1972/74 > A moto, Yamaha, de 200 cc,  do nosso camarada António Martins de Matos, ex-tenente pilav (BA12, 1972/74), hoje ten gen pilav ref, membro da nossa Tabanca Grande.

Foto (e legenda): © António Martins de Matos (2015). Todos os direitos reservados



1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos:

Data: 14 de março de 2015 às 21:49
Assunto: Motorizadas versus Motos


A propósito do P14365 (*)

Só na BA12 havia 4 destas, mais velozes que o vento, o problema eram os mosquitos, moscardos e correlativos a esborracharem-se no capacete.(**)
Abraço

AMM
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14365: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (24): Seria imperdoável não falar das motorizadas Suzuki, a marca nº 1, de então, sem desprimor para a Honda, e que o meu primo, Costa Pinheiro, vendia aos montes em Bissau (Carlos Pinheiro, ex-1.º cabo trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70)


(**) Vd. poste de 25 de setembro de  2010 > Guiné 63/74 – P7035: FAP (51): A noite mais perigosa da minha guerra (António Martins de Matos)

(...) Voltando ao combate da Bissalanca, uma verdade indiscutível é que depois de uma sardinhada é sempre necessário uma bebida forte, branca de preferência, sem a qual a digestão se torna lenta e difícil.

Lá para o fim do repasto o 1º Cabo Hélder, um dos meus mecânicos do Fiat G-91, chamou-me a um canto para que provasse a aguardente especial que a família lhe tinha mandado lá da terra.

Apenas saído desta prova e já o nosso amigo e futuro bloguista Victor Barata, não querendo ficar mal visto perante o pessoal das aeronaves de caça (sempre as rivalidades), me apresentou um medronho de primeira.

E depois foi o Miguel e o Mário, e o Correia, igualmente Cabos da Linha da Frente e a quem eu todos os dias confiava a vida ao entrar para um Fiat-G91 por eles devidamente abastecido, municiado e inspeccionado, cada um deles a tentar demonstrar que os bagaços das suas terras eram bem melhores que os restantes.

Por volta da meia-noite a batalha estava terminada, o inimigo completamente destroçado, era tempo de ir dormir, que no dia seguinte e apesar de ser domingo, a outra guerra continuava.

Só que depois de ter passado quase 1 ano a dormir no “Biafra” da Base, a minha cama estava agora a uns bons dez kilómetros de distancia, tinha passado a viver em Bissau, as razões que me levaram a fazer a troca foram duas, o ter constatado que nos últimos seis meses só tinha jantado “francesinhas” e, já que vivia na base, estar permanentemente de serviço, com alvorada às 05:30 (... já que moras na base ficas de alerta!!).

O regresso a casa não tinha qualquer problema, já que tinha como meio de transporte a minha moto, uma bela, potente e roxa Yamaha 200 a 2 tempos, comprada com 16 notas da Metrópole, ali para os lados do que chamávamos a Av. da Liberdade (a que ia do Palácio do Governador ao cais).

Cabe aqui um outro parêntesis para informar que a primeira vez que andei de moto foi no dia que a fui buscar ao stand.  Ao pretender saber como se metiam as mudanças o vendedor tão assustado ficou que não ma queria vender, só as D. Marias entregues ali mesmo e no momento o descansaram.

“Ó homem deixe-se de merdices, abra lá a porta do stand e saia-me da frente”, e assim entrei na confusão do trânsito de Bissau.

Voltando à história, ainda estive uma meia hora recostado naquelas grandes valas que existiam na Base para escoar a água das chuvas, a ver se conseguia contar as estrelas, que a maior parte delas não parava de oscilar.

A ideia era tentar alinhar os gyros e decidir se havia de me meter ao caminho ou não, o problema não era o balão, que nesse tempo não existia, nem as estrelas aos saltos mas sim o estranho caso da estrada estar a ficar ondulada, tipo jibóia (e não me venham cá dizer que não há jibóias na Guiné, que eu até as vi).

Após profunda meditação e analisando os prós e os contras, resolvi meter-me ao caminho. Lembro-me apenas de sair à porta de armas e de algum tempo mais tarde ter passado junto a um ou dois quartéis que existiam à beira da estrada, poucas referências para o trajecto de cerca de dez quilómetros.

Enquanto circulava de gás à tábua o meu pensamento não parava de me alertar para que ao chegar ao destino tinha que travar, travar... travar. E assim aconteceu, para além dos mosquitos, moscardos e correlativos a esborracharem-se com fragor no capacete, consegui fazer o percurso sem bater em nada nem em ninguém (ou não fosse eu um piloto de caça).

A terceira referência da viagem foi a porta do meu apartamento onde, a travar, a travar, acabei por vir a bater já muito devagarinho, mas ainda assim com algum estrondo. E tão contente fiquei de ter chegado (e parado) que nem sequer me lembrei que, como passo seguinte, tinha de pôr os pés no chão, trambolhão da moto abaixo, a 0km/h.

Na manhã seguinte fui voar com um braço todo entrapado e umas pastilhas para as dores, tomadas numa auto-medicação bem à revelia do médico, que um dos ombros estava em mau estado.

Felizmente que foi um dia muito calmo, acabei por só fazer uma missão, 40 minutos de voo, 2 bombas de 750 libras algures na Guiné, mais 2 buracos dos grandes, os que sabiam que os continuávamos a apoiar devem-nas ter ouvido... os outros certamente que não.

Hoje, passados 37 anos o vício das motos ficou, trambolhões só dei mais um, também a 0 km/h. E ficou a saudade dos bons momentos passados na Base da Bissalanca. (...)

Guiné 63/74 - P14366: Parabéns a você (875): António da Silva Baptista, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3490 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série > 14 de março de  2015 > Guiné 63/74 - P14360: Parabéns a você (874): Leopoldo Correia, ex-Fur Mil Art da CART 564 (Guiné, 1963/65)

sábado, 14 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14365: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (24): Seria imperdoável não falar das motorizadas Suzuki, a marca nº 1, de então, sem desprimor para a Honda, e que o meu primo, Costa Pinheiro, vendia aos montes em Bissau (Carlos Pinheiro, ex-1.º cabo trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70)

Susuki, motorizada AS 50 Maverick 1969  (Fonte: Susuki Cicles, com a devida vénia...)

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1. Mensagem, com data de ontem, de Carlos Pinheiro  [, ex-1.º cabo trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70; vive em Torres Novas]

Camarigo Luís Graça


Falar de uma coisa, neste caso motorizadas, que nunca foi a minha especialidade, pode parecer um atrevimento, mas lembro-me bem de todas essas motorizadas de que fala o texto (*)  mas onde ainda faltam, entre outras, as ILO e as Zundap, mas acho que devo falar das Suzuki que ajudei a vender em Bissau.

O meu parente, Costa Pinheiro, estabelecido em Bissau desde os princípios dos anos 50 (**), importava e vendia de tudo, desde o alfinete ao camião.

E a Suzuki era a menina dos olhos de ouro de Bissau, sem desprimor para a Honda que era também uma grande máquina.

Mas a Suzuki vendia-se aos montes,  como aliás tudo o que meu parente representava se vendia bem porque era tudo de qualidade afiançada.
Carlos Pinheiro

Era a Toyota, a Sony, a JVC Nivico, as louças da Prago Export, os discos da Ansónia, a BIC, a Colgate Palmolive, a Max Factor, os tapates da Issing Trading, os relógios Seiko, as máquinas fotográficas Fujica e tanta coisa mais.

Mas a Suziki era de facto uma máquina entre tantas máquinas boas.

Tenho pena mas não tenho fotos daquelas máquinas, mas lembrei-me de dar só este lamiré já que nos postes não vi ninguém falar das Suzukis e, quanto a mim, seria imperdoável esquecermo-nos daquelas pequenas bombas.

Um abraço
Carlos Pinheiro

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Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 13 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14358: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (23): precisam-se imagens de motorizadas de 50 cc , made in Portugal (Alma, Pachancho, Vilar Cucciolo, Famel, Macal, Sachs e Casal), ou nas ex-colónias (como a Fabimotor e a Ulisses, ambas angolanas)... Para edição de livro dos CTT.

(**) Vd. poste de 20 de abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8138: Memória dos lugares (152): A cidade de Bissau em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)

(...) Mas na Avenida principal [, Av da República], do porto ao Palácio do Governo, também havia o “Bento”, café e esplanada característica da cidade a que vulgarmente nós, os militares, chamávamos de “5ª Rep.” já que o Quartel-general só tinha 4 Rep’s, 4 Repartições. (...)

(...) Para a malta, ali era portanto a 5ª repartição onde quem chegava do mato se encontrava com os residentes, onde se trocavam informações e onde, se dizia, que essas informações vadiavam ali dum lado para o outro do conflito. Ao lado do “Bento” mais para o interior, era a Bolola, onde esteve o Serviço de Material, depois transferido para Brá, e onde era o Cemitério que ainda guarda os restos mortais de muitos camaradas nossos.

Nessa avenida estavam talvez as maiores casas comerciais. Por exemplo a “Casa Gouveia”, da CUF, que vendia ali de tudo e que tudo comprava o que os naturais produziam, principalmente a mancarra (...), o Banco Nacional Ultramarino, o banco emissor da Província, o Cinema UDIB e ao lado uma boa gelataria, mais acima a Pastelaria, Padaria e Gelataria Império, assim baptizada por estar já na Praça do Império onde se situava o Palácio do Governo e Associação Comercial.

Também era nessa Avenida que estava a Sé Catedral, templo de linhas tão simples quanto austeras.
(...) A caminho de Brá e da “SACOR”, havia um local chamado “Benfica” onde havia um café com o mesmo nome e onde se apanhavam os transportes para os vários quartéis daquela zona como eram o Hospital Militar 241, o Batalhão de Engenharia 447, os Comandos, os Adidos e mais à frente a BA 12 e o BCP 12.

Mas havia outros estabelecimentos dignos de recordação. A casa de fados “Nazareno”, mais tarde rebaptizada de “Chez Toi”, a “Meta” com as suas pistas de automóveis eléctricos, e como novidade também apareceu naquela altura “O Pelicano”, café-restaurante construído pelo Governo e explorado por privados, com uma belíssima vista sobre o Geba e avenida marginal.

Na Avenida Arnaldo Shulz, que ligava a Estrada de Santa Luzia à tal SACOR, a caminho de Brá, sempre ao lado do Cupelão [ou Pilão], estava o Comando Chefe das Forças Armadas à esquerda de quem subia, um pouco mais abaixo, os Bombeiros Voluntários de Bissau num grande quartel nessa altura muito bem equipado, a Cruz Vermelha, estes do lado direito e até a Sede local da PIDE, que nessa altura já se chamava DGS, também do lado direito mas já junto ao Largo do Colégio Militar.

Era uma avenida nova, como se fosse uma circular urbana onde as boas vivendas também começaram a aparecer.

No princípio da Avenida que ia para Santa Luzia, antes de se chegar ao Hospital Civil, estava o Grande Hotel, nome pomposo do melhor estabelecimento hoteleiro da cidade. O resto era pensões, algumas de quinta escolha.

Mas o comércio de Bissau não era constituído só por cafés, restaurantes e tascas. Havia de tudo. E há nomes que não se esquecem. Para além da Casa Gouveia, o maior empório daquele então Província Ultramarina, como então se dizia, a Casa Pintosinho, a Taufik Saad, a Costa Pinheiro, e muitas outras vendiam de tudo, são nomes que ficaram para sempre na memória. (...)