segunda-feira, 25 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14660: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (48): Avião amigo ou inimigo!?

MEMÓRIAS DO CHICO, MENINO E MOÇO (CHERNO BALDÉ)

48 - Avião amigo ou inimigo!?

No decurso da guerra colonial na Guiné, a presença de um avião no céu podia engendrar diferentes interpretações na cabeça das pessoas cá em baixo, dependendo do lado da trincheira em que se encontravam. Do lado da trincheira portuguesa, junto dos aquartelamentos, o avião apresentava-se com uma cara amiga e era sempre bem vindo, uma providência divina que tanto podia trazer correio, comida, ou salvar vidas em zonas isoladas e de difícil acesso no mato.

De todos, o mais conhecido terá sido, sem sombra de dúvidas, o helicóptero dos olhos de vidro (Alouette III), cujo som, inconfundível, no meio de todos os ruídos terrestres, começava por nos entrar furtivamente aos ouvidos em forma dum ligeiro zumbido de insecto voador, transformando-se paulatinamente num put-put-put em crescendo para de seguida inundar o espaço com o seu bruaaa infernal que envolvia e barafustava tudo e todos na voracidade das suas potentes hélices, agitando e revolvendo a massa de ar a sua volta.

Aiihh!.., o medo que sentíamos por aqueles que se atreviam a aproximar-se de uma dessas máquinas em movimento. Que dizer do impressionante cenário de ver o Gen. Spínola a descer ou a entrar num desses helis, o corpo firme e hirto como o poilão gigante das nossas savanas, chefe militar e homem-grande que encarnava as nossas ilusões de guerra e de paz. E que dizer, ainda, da espectacular e inesquecível descida de um grupo de tropas especiais (Marcelino da Mata?) de uma coluna de helis em pleno voo, rumo ao Oio. Bravura inabalável de uma juventude indómita ou simples ‘cretinice’ de jovens inocentes!?...

DO 27 em Guileje / Foto de José Neto (2006) /
Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Muito difícil de detectar eram as pequenas avionetas [, DO 27,]  que pela insignificância das hélices ou dos motores e quais finas borboletas esvoaçando ao vento entravam no nosso raio de visão muito antes de ouvirmos o ruído dos motores. Pousavam levemente na pista de terra e de seguida, qual avestruz endiabrada, iniciavam uma corrida desenfreada dando uma volta completa antes de estacar a nossa frente. Em muitas ocasiões, conseguiam surpreender a vigilância dos nossos ouvidos atentos de crianças de guerra.

Já os aviões a jacto [, Fiat G91,] eram mais matreiros, conseguindo sempre fintar-nos pois, quando o som se anunciava repentino e levantávamos os olhos para o céu já eles estavam fora do alcance da nossa visão, mostrando, da forma mais insolente, a negrura do seu traseiro que cuspia fogo e fumo prateado. O destino era invariavelmente o nordeste da Guiné, Canquelefá, Pitche, Buruntuma, onde o inimigo teimava em infiltrar-se perniciosamente.
Para os que se situavam doutro lado da trincheira, o avião, em geral, era sinónimo de terror e constituía o maior perigo com que se podiam confrontar no meio do mato cerrado ou, pior ainda, numa zona aberta como as lálas e bolanhas. Atravessar uma bolanha, naqueles tempos de guerra, podia ser tanto ou mais difícil do que atravessar as águas do Geba ou do rio Corubal a nado.

Todavia, também existiam situações intermédias e menos conhecidas como por exemplo de pessoas que não se situavam em nenhuma das duas trincheiras ou se situavam numa mas que, ao mesmo tempo, por razões diversas eram obrigadas a frequentar, com certa assiduidade, o outro lado da trincheira, em território considerado de zona inimiga.

Os fulas em geral e os fulas forros em particular (magricelas e com pele mais clara), onde quer que se situassem, entravam sempre nesta situação particular e dúbia de não se conformar com as restrições e/ou imposições absurdas da guerra que complicavam, sobremaneira, a prática da sua principal actividade económica que era a pastorícia. E conscientes da impossibilidade real de fazerem compreender aos comandantes e chefes de guerra brancos que a criação de gado bovino não se compadecia com o sedentarismo dos arames farpados e que a divisão do território e a criação de zonas de segurança complicava a vida dos ganadeiros fulas, que frequentemente eram obrigados a violar, de forma escamoteada e silenciosa, as restrições impostas pelas hierarquias militares.

Assim, ainda crianças, éramos preparados a contornar estas ordens de forma a penetrar nas áreas proibidas onde o pasto era mais abundante e favorecia os nossos animais, sobretudo na época das chuvas (de Junho a Novembro). A preparação consistia em ensinar crianças dos 7 aos 12 anos a identificar os possíveis perigos ai existentes e as formas de os abordar.

Relativamente aos perigos do tipo animais ferozes (a onça e o leão) ou a presença de militares (fossem guerrilheiros ou milícias do lado português) a técnica era fugir primeiro e verificar depois, fugir ao menor movimento dos animais e mais tarde verificar o que teria sucedido.
O ruído, o cheiro, o estado dos animais, os excrementos, as marcas no chão e nas folhas das árvores eram sinais que nunca mentiam. Mas, também, acontecia, fugirmos em consequência de um alarme falso motivado pela presença de um animal menos perigoso, como as cobras, giboias ou babuínos que espantavam o gado.


Fiat G91. Foto: Blogue Luís Graça
& Camaradas da Guiné
Uma vez, lembro-me de termos fugido depois de uma agitação dos animais e quando chegamos a casa fomos obrigados a retornar a floresta à procura dos mesmos pois que a justificação dos factos não fora suficiente para convencer a experiência dos mais velhos. No caminho cruzamos com as vacas que regressavam seguindo a sua rota habitual guiadas pela cabecilha da manada reconhecível através dos seus longos chifres compostos em forma de um arco. No mato, homens e animais complementam-se mutuamente, combinando harmoniosamente a razão com o instinto, a coragem com a persistência mas, nós tínhamos sido simplesmente cobardes, fugindo à investida de um porco-de-mato.

Mais complicado em tudo isso eram, certamente, os aviões que apareciam de repente e aos quais não havia formas de comunicar para que soubessem que não éramos os “bandidos” que eles procuravam e que a nossa presença ali, em território inimigo, se explicava pela simples razão de que éramos pastores e vivíamos do pasto e estávamos a lutar pela sobrevivência dos nossos animais, única riqueza do nosso povo. Nesses casos, a nossa única esperança era que, mesmo que o avião nos tivesse visto, o que era uma forte probabilidade, não tivesse motivos suficientes para voltar atrás e perscrutar e muito menos para assumir uma posição de ataque contra nós, pobres pastores presos na lógica destruidora de uma guerra sem fim. O que se recomendava fazer nesse caso era procurar um abrigo qualquer, um buraco de baga-baga ou então dissimular-se nos arbustos, ficar quieto e esperar. Sobretudo não olhar para cima porque, diziam, a testa podia reflectir a luz do sol e denunciar a vossa presença.

Em virtude desta situação dúbia e muito complicada e ao longo da guerra perderam-se muitas cabeças de gado que as populações não podiam reclamar junto das autoridades militares tanto do lado da guerrilha como do lado português, e que muitas vezes era considerado “butin de guerre” pelas razões aqui expostas. Algumas vezes as perdas eram inestimáveis podendo incluir os próprios pastores, surpreendidos em plena floresta, porque se as milícias do lado português contentavam-se com o espólio dos animais, os guerrilheiros procuravam levar não só os animais mas também os jovens pastores a fim de engrossar as suas fileiras.

Heli Al III. Foto de Humberto Reis (2006) /
Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Mas, felizmente, e aqui digo “djarama abion” ou melhor “Djarama djoma abion” porque aquilo que mais temíamos no mato, fazendo sol ou chuva e às vezes durante a noite e seguindo incansavelmente os trilhos dos nossos animais, nunca chegou a acontecer, pelo menos connosco, isto é ser alvo de um fogo amigo no interior de um território inimigo. Se calhar porque os aviões eram mais inteligentes que os morteiros ou obuses, que na nossa linguagem de crianças chamávamos “abus” o que, se calhar, não estava longe da verdade, isto é “abuso de morteiro” ou fogo amigo transformado em fogo inimigo."

Notas:
Tradução das palavras em língua fula:
'Djarama abion' = obrigado avião.
'Djarama djoma abion' = obrigado ao dono do avião (tradução directa) o que em português quererá dizer - obrigado aos (nossos) pilotos de avião.

Bafatá, Maio de 2015
Cherno Abdulai Baldé

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Observ - As fotos que não são do nosso blogue, foram enviadas  pelo Cherno Baldé, seleccionadas da Net, sem indicação da fonte.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13500: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (47): Retrato de uma família - A guerra, a pobreza e a presença dos soldados portugueses

Guiné 63/74 - P14659: Filhos do vento (32): Festival Rotas e Rituais, 2015: 22 de maio > Conferência "Filhos da Guerra": apontar o dedo ou dar a mão para ajudar? (Hélder Sousa / João Sacôto)

1. Comentário de Hélder Sousa [, ex-fur mil de trms TSF (Piche e Bissau, 1970/72), ribatejano, engenheiro técnico, residente em Setúbal, membro da Tabanca Grande desde abril de 2007 e nosso colaborador permanente]:


Um conjunto de circunstâncias felizes permitiram-me ter estado presente. (*)

Gostei e não gostei.

Gostei da exposição fotográfica que serviu de 'motor de arranque' ao evento. É um conjunto de fotografias de grande categoria, com rostos expressivos, com paisagens e enquadramentos que nos fazem reviver e pensar. ´[É da autoria de Manuel Pedrosa

Gostei das explicações que foram dadas para a exposição e também, já agora, do que foi oferecido aos visitantes: cachupa, bolo de gengibre, bebida de manga com hortelã, camarão frito...






O festival Rotas & Rituais 2015, dedicada este ano aos 40 anos da descolonização e da independência dos países africanos de expressão oficial portuguesa, está a decorrer em Lisboa, até ao dia 29 de maio. Ver aqui a página oficial.






Lisboa > Cinema São Jorge > Festival Rotas & Rituais, 2015 > 21 de maio de 2015 > "No foyer do Cinema São Jorge, Manuel Roberto mostra-nos as caras de 'Filhos do Vento', filhos que a guerra colonial fez nascer e depois esqueceu" (Fotos e legenda da página do Facebook do festival, reproduzidas aqui, no nosso blogue, com a devida vénia).[Sobre o Manuel Roberto, ver aqui a sua página pessoal no Facebook]

Gostei do facto de a Conferência ter tido uma razoável assistência, várias dezenas de presenças.
Gostei das intervenções dos membros do Painel: da Catarina, com o enquadramento justificativo e explicativo do que a motivou e também de como se emocionou com a sua viagem à Guiné (para nós isso já não constitui 'novidade'); da intervenção da Professora Margarida; do nosso camarada Luís Graça, que perspectivou, quanto a mim, o assunto (e as designações que têm vindo a causar algum 'desconforto' entre camaradas) em moldes correctos; a intervenção do ponto de vista do "direito" por parte de Rafael Reis.

Não gostei da forma como algumas intervenções da assistência, no período das questões, deturparam as ideias que foram expressas.

Por exemplo, em determinado momento o nosso camarada Jorge Cabral fez uma explanação sobre o seu entendimento de como surgiram casos como o que motivava a Conferência, terem nascido crianças em resultado de relações entre militares portugueses, metropolitanos em comissão de serviço, e mulheres guineenses.


Em nenhum momento sugeriu que seriam relações suportadas por situações do tipo de prostituição, antes pelo contrário, foi sublinhado que, no "nosso tempo",  esse tipo de 'actividade' tem indicações em Bissau, no "Cupilon", no "Chez Toi" e também houve referências a Bafatá, mas nada mais.

E não é que algumas outras intervenções, por "distracção", por ignorância, por "cartilha tipo cassete", por maldade, tentaram 'fazer passar' a ideia que os militares portugueses 'descartavam' os filhos por alegarem que eles seriam fruto de prostituição e não poderiam, naquela altura, assumir a paternidade ?!

Felizmente que uma guineense, com grande nível, ajudou a colocar as coisas na verdadeira perspectiva, mas lá que fiquei a 'desgostar' da forma como ainda hoje, em vez de se procurar encontrar a solução possível para a situação dessas pessoas "sem Pai", se faça mais foco na procura de 'culpabilidades' impossíveis de determinar.

Mas valeu a pena!
Hélder S.

2. Sobre este tema também comentou o João Sacôto (*) 

[ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)]

Infelizmente, não estive presente, porém é, para mim, fácil entender a opinião do Hélder Valério, no que toca às coisas de que não gostou. Também não gosto de ouvir certas correntes de opinião que insistem em culpabilizar sistematicamente os comportamentos de jovens em vivências tão incomuns e extraordinárias. Direi mais, esses comportamentos teriam sido muito diferentes se vividos pelos mesmos em tempo de paz mas afastados do seu ambiente habitual?


3. Novo comentário do Hélder Sousa (*):

Meus amigos, motivado pela observação do Gabriel,  ainda acrescento mais alguns aspectos, sendo certo que o cerne da questão não é mais do que saber se aquelas crianças de então, adultos de hoje, têm direito a conhecer o progenitor e, já agora, por extensão, se têm direito à nacionalidade portuguesa [, tema que esta semana é objecto de uma sondagem do blogue].

Começando pelo fim a resposta só pode ser sim. 

Então não é verdade que eles são portugueses por nascimento, na medida em que isso ocorreu em território sob administração portuguesa? Isso só vale quando convém para diabolizar o que se quiser? Este aspecto é uma questão do Direito e competirá ao Estado (aos Estados) resolver.

Agora, se os progenitores (estou sempre a distinguir 'progenitor' de 'pai') estão ou não em condições de assumir essa paternidade, isso é muito mais complicado.

É uma decisão, uma atitude, do foro íntimo e, se não foi tomada antes, dificilmente poderá ser tomada agora. Já muita água correu debaixo das pontes....

E nem sabemos (nem poderemos saber e, na realidade, também só poderemos especular) os motivos porque antes não foi feito. Admito que em alguns casos até possa ter havido desconhecimento da gravidez, mas também sabemos de vários outros que não foi assim e aqui entraram outros preconceitos a funcionar.

Quanto a mim, este assunto tem estas duas vertentes: a 'nacionalidade' e a 'paternidade'.

Lateralmente às vezes leva-se a discussão para outros aspectos como o da sexualidade desbragada, da violação, etc., e sempre centrados nos jovens militares metropolitanos mas, propositadamente, ou não, omitem-se outras 'abordagens, como a dos relacionamentos de soldados africanos 'deslocados' territorialmente. 

Além disso também se poderia inquirir, tal como o Gabriel indica, como seria um relacionamento "em tempo de paz", como é que se passa agora com os "cooperantes". Como é que os jovens metropolitanos de então se relacionavam nas suas aldeias e vilas. Como haviam tantos "filhos de pais incógnitos" por essas terras.

Hélder S.
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Nota do editor:


Vd. também  poste de 21 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14642: Agenda cultural (400): Conferência "Filhos da Guerra", Festival Rotas & Rituais, 2015, Lisboa, Cinema São Jorge, 6ª feira, 22, 19h30... Participantes: Catarina Gomes (moderadora), Margarida Calafate Ribeiro (Os netos que Salazar não teve), Luís Graça (Que guerra se conta aos filhos?) e Rafael Vale e Reis (Filhos do vento: direito ao conhecimento das origens genéticas?)... Entrada gratuita... Às 18h, inauguração de exposição sobre o tema

Guiné 63/74 - P14658: Notas de leitura (717): O Império Português (1825-1890): Ideologia e Economia (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Junho de 2014:

Queridos amigos,
É costume nas incursões que fazemos sobre o século XIX guineense descurar o pano de fundo que foi a deslocação do império luso-brasileiro para terras africanas e para o Índico.
Houve planos imperiais, como o de Sá da Bandeira, que não tiveram êxito. Mas o fim do comércio negreiro e das reexportações brasileiras exigiram uma resposta que teve apoiantes e uma onda cética. Em torno desta evolução do império português o investigador Valentim Alexandre escreveu um ensaio que julgo dever ser objeto da nossa reflexão.
A Guiné, enquanto tudo isto se passa, não tem existência constitucional e há mesmo que aspire a que seja entregue a uma companhia majestática, não passava da Guiné de algumas praças e presídios.
Foram coisas que aconteceram.

Um abraço do
Mário


O Império Português (1825-1890): Ideologia e Economia

Beja Santos

Na altura em que estava a preparar com Francisco Henriques da Silva o livro “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, senti claramente que havia um vazio a preencher, uma cena a iluminar, um contexto a esclarecer: a transferência da ideia imperial finda a presença portuguesa no Brasil para as paragens africanas. A moldura achada para as explicações oitocentistas na Guiné socorreu-se da Convenção Luso-Francesa, de 1886, decorrente da Conferência de Berlim, de 1884-1885, é formalmente conveniente mas após ler um importante artigo do investigador Valentim Alexandre sobre o império português oitocentista, publicado na revista Análise Social no nº 169, 2004, considero que este trabalho é esclarecedor de como a Guiné e as outras parcelas africanas foram encaradas pelas elites portuguesas.
Por isso dou como vantajoso aqui resumir as linhas de força do artigo de Valentim Alexandre e cujo título encima esta recensão.

Chegado ao Brasil em 1807, D. João VI, então príncipe regente, decretou a abertura dos portos brasileiros aos navios das nações amigas, o que veio pôr fim ao regime de exclusivo comercial de que a metrópole até então beneficiara. Com este gesto, começou a desagregação do império luso-brasileiro que terá o seu clímax com a declaração de independência do reino americano. A economia portuguesa ficou severamente abalada devido à quebra da reexportação dos produtos coloniais brasileiros. Com o Brasil independente, Portugal perdia igualmente importância no contexto internacional. É nesta atmosfera que houve que repensar o destino dos vários territórios dispersos pelo mundo, restos dos antigos sistemas, até então as relações com estas possessões eram muito ténues. Acresce dizer que as colónias de África continuaram ligadas sobretudo ao Brasil pelo tráfico negreiro que irá manter números elevados, embora ilegalizado, até 1851. É sabido que não há uma referência explícita à Guiné na constituição liberal, fala-se exclusivamente em Cacheu e Bissau, usam-se termos avulsos para falar desta região como Senegâmbia, “rios da Guiné”, sabe-se perfeitamente que a soberania de Lisboa pouco mais era do que nominal.

À luz dos desenvolvimentos mais recentes da historiografia, sabe-se que logo no primeiro período liberal (1820-1823) surgiu a ideia de construir um novo império em África, cedo se conjeturou a necessidade de proteção de uma potência mais poderosa, indispensável para evitar a absorção pela Espanha. Incentivaram-se os negociantes da Praça de Lisboa a estabelecer laços mercantis diretos com as colónias africanas, mas nada aconteceu. A seguir à guerra civil, os liberais retomaram o plano imperial, tiveram em Sá da Bandeira o seu principal ideólogo. Os projetos de consolidação do domínio territorial não tiveram sequência, por carência de recursos. Só a partir de 1851 se criaram condições mais favoráveis para o desenvolvimento do projeto colonial, consolidou-se o domínio territorial pela ocupação, em Angola, de toda a linha de costa a norte da foz do Rio Congo e, em Moçambique, do litoral entre o Rio Rovuma, a norte, e a baía de Lourenço Marques, a sul. Era um plano muito caro a Sá da Bandeira, nas suas palavras as possessões garantiriam o acesso a mercados vantajosos, Portugal seria abastecido em géneros de que carecia e iriam aparecer empregos na navegação e correlativos.

A ideologia colonial tem pois duas componentes principais: a reformulação do mercado imperial e a visão de que o império é um testemunho das glórias do passado, esta missão histórica civilizadora era uma das matrizes da identidade nacional.

Forma-se a Companhia União Mercantil, teve desde o início uma existência precária. Como escreve Valentim Alexandre, o plano de consolidação e de modernização do sistema imperial encontrou oposição dos núcleos coloniais em África, que se mantinham diretamente interessados na escravatura e no tráfico de escravos, estes núcleos estavam fortemente apoiados pelo aparelho administrativo. Enfim, o plano imperial de Sá da Bandeira falhou quase por completo. Tudo começa a mudar devido a fatores exógenos devido à economia do café e à exportação de oleaginosas em Moçambique e a partir de 1870 começa a corrida para o continente africano, a saga dos exploradores; em 1875, funda-se em Portugal a Sociedade de Geografia de Lisboa. Andrade Corvo usa a ideia imperial com o objetivo supremo de quebrar o isolamento, de abrir Portugal à civilização e ao progresso. Corvo ambicionava uma política de concertação para a delimitação das fronteiras em África. Enceta-se a liberalização mercantil, concede-se grande parte da Zambézia a Paiva de Andrada, conclui-se com a Grã-Bretanha um tratado sobre Goa, Lisboa tinha todo o interesse em que o governo inglês construísse um caminho-de-ferro ligando o porto de Mormugão à rede ferroviária britânica.

Este projeto colonial é questionado pelos céticos, caso de Rodrigues de Freitas que não esconde as suas dúvidas de que o país está a agir erradamente em esperar de além-mar maiores riquezas, maior glória para Portugal e recursos para saldar todas as dívidas. O nacionalismo radical irá triunfar: a maior parte da África central pertencia a Portugal por direito histórico, estamos a ver o caminho que as coisas irão ter entre a Conferência de Berlim e o Ultimo Inglês de 1890. Se por um lado a Conferência de Berlim reforçou em Portugal a corrente dos que defendiam a necessidade de investir em África, o ultimato irá ser habilmente aproveitado pelos republicanos que chamarão a si o populismo imperial e as pulsões nacionalistas. As instituições monárquicas sentiram-se ameaçadas não só pela tentativa de revolta no Porto em 31 de janeiro de 1891 como pela crescente influência britânica na chamada área do mapa cor-de-rosa. Esta crise levou os partidos monárquicos a serrarem fileiras e a procurar uma rápida solução com o confronto com a Grã-Bretanha – solução a que se chegou pelo Tratado de 11 de junho 1891. Que acalmia trouxe este tratado? Ficava sob a soberania britânica a margem a oeste do lago Niassa bem como a região planáltica do interior da África Central. Objetivamente, os limites fixados representavam para Portugal uma forte expansão, concedendo-lhe vastos territórios onde não se detinha até então qualquer poder ou influência. Mas a perceção que no país se teve dos factos e da solução encontrada foi outra: na memória coletiva ficou a ideia de um vasto império perdido em finais do século XIX por imposição da Grã-Bretanha.

E a Guiné? A Guiné continuará à deriva, sonha-se com empresas majestáticas que lhe tragam desenvolvimento, escassos contingentes militares sustêm temporariamente as incursões e as rebeliões de várias etnias que conseguem confinar a presença portuguesa a um número restrito de praças e presídios. Era grande a indiferença pela Senegâmbia, mas Honório Pereira Barreto consegue firmar acordos na região do Casamansa e definir uma fronteira que se irá perder com a Convenção Luso-Francesa de 1886.

Para Valentim Alexandre é inútil tentar explicar uma realidade complexa com uma expansão colonial portuguesa pelo recurso a uma única chave interpretativa, é preciso saber cruzar os direitos históricos, o mercantilismo e o populismo imperial para perceber que o império africano teve fortíssimas razões idealismo e mercantilismo, o império africano do século XIX foi feito com alma e avidez de negócios, à sombra dos mesmíssimos princípios de desenvolvimento, modernidade e progresso com quem ainda hoje funcionamos.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14646: Notas de leitura (716): Guiné-Bissau. um País Adiado, por Manuel Vitorino, Orfeu (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 24 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14657: Filhos do vento (31): Festival Rotas e Rituais, 2015: 22 de maio > Conferência "Filhos da Guerra": vídeo com a intervenção de Rafael Vale e Reis, especialista em bioética e direito da família ("Filhos do Vento: direito ao conhecimento das origens genéticas ?")



[ Pode-se aumentar o volume de som, clicando na imagem, em baixo, à direita]


1. Lisboa,  Cinema São Jorge, Festival Rotas e Rituais, 2015 > 22 de maio: conferência "Filhos da Guerra". Intervenção de Rafael Vale e Reis ("Filhos do Vento; direito ao conhecimento das origens genéticas ?")

Na mesa, da esquerda para a direita:

(i) Catarina Gomes (jornalista do Público, organizadora e moderadora do painel);

(ii) Margarida Calafate Ribeiro (professora e  investigadora-coordenadora no Cen­tro de Estu­dos Soci­ais da Uni­ver­si­dade de Coim­bra, autora dos  livros "África no femi­nino: as mulhe­res por­tu­gue­sas e a Guerra Colo­nial" (2007); "Uma his­tó­ria de regres­sos: impé­rio, Guerra Colo­nial e pós-colonialismo" (2004);  e ainda, em con­junto com Roberto Vec­chi,  "Anto­lo­gia da memó­ria poé­tica da guerra colo­nial" (2011); entre 2007 e 2011, coor­de­nou o pro­jecto "Os filhos da guerra colo­nial: pós-memória e representações");

(iii) Luís Graça (na qualidade de editor do blogue Luís Graça &  Camaradas da Guiné);

(iv) e Rafael Vale e Reis (especialista em bioética e direito da família, Universidade de Coimbra).(*).

Rafael Vale e Reis é assis­tente con­vi­dado da Facul­dade de Direito da Uni­ver­si­dade de Coim­bra e inves­ti­ga­dor do Cen­tro de Direito Bio­mé­dico da Facul­dade de Direito, da Uni­ver­si­dade de Coim­bra. Inte­gra a equipa do Obser­va­tó­rio Per­ma­nente para a Adop­ção no âmbito do Cen­tro de Direito da Famí­lia da Facul­dade de Direito de Coim­bra. É autor de "O Direito ao Conhe­ci­mento das Ori­gens Gené­ti­cas", publi­cado em livro pela Coim­bra Edi­tora em 2008.)(**).

Dos camaradas e amigos da Tabanca Grande, estiveram presentes, além do nosso editor, a Maria Alice Carneiro (que fez este vídeo), o Jorge Cabral, o Hélder Sousa, o Mário Gaspar, e o José António Viegas, algarvio. O  Jorge Cabral e o Mário Gaspar fizeram ntervenções no fim,

2. Sobre este tema, está a decorrer uma sondagem, desde hoje. A pergunta é: 

OS "NOSSOS FILHOS DA GUERRA" DEVERIAM PODER TER ACESSO À NACIONALIDADE PORTUGUESA

A resposta é dada através de uma escala de Likert (Vd. coluna do lado esquerdo, ao alto):

1. Discordo totalmente

2. Discordo

3. Não discordo nem concordo /Não sei

4. Concorrdo

5. Concordo totalmente

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Guiné 63/74 - P14656: Convívios (685): A Magnifica Tabanca da Linha - Encontro de 21 de Maio de 2015 - Resumo das ocorrências (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), Amanuense da Magnífica Tabanca da Linha, em efectividade de serviço, com data de 21 de Maio de 2015:

Exmas Senhoras, Exmos Senhores, Magnifico Público,
Por indicação do Sobrenatural, em corroboração da instrução Prévia do Exmo Senhor Comandante Rosales, tenho a subida honra de vos apresentar um brevíssimo resumo das ocorrências deste dia no restaurante Caseiro, bastante dissimulado numa arquitectura de abrigo, com um reforçado buraco para os antigos combatentes, dotado com boa iluminação artificial sem o ruído do gerador, que geralmente não permitia ouvir as saídas das morteiradas, comprometendo a chegada em ordem dos atacados, em vez dos lançamentos cegos para a vala dos surpreendidos com a primeira explosão, um equipamento do tipo bunker, sem as graciosas vistas para o mar de outras paragens, e com dificuldades óbvias de arrumação em caso de reforço da tropa.

Não havia vegetação em redor, mas a amesendação era "à séria", com alvas toalhas de linho, cristais cintilantes e restantes alfaias em termos. Pelo meio-dia já a força se agrupava no exterior do recinto da batalha, num curioso convívio, onde cada um se oferecia voluntariamente (a esta hora já terei alguns atentos leitores a questionar: então, se eles se ofereciam, haviam de ser o quê? Voluntários, não é?) para dar inicio à refrega.


Cheguei e ouvi um conjunto de piropos, quando S. Exa. me entregou um precioso ramo de flores, com a intenção de fazer a entrega em cerimónia que treinámos durante a semana, a um jovem casal que, nesta data, comemora 48 aninhos de amor renovado. Aproveito, para sublinhar que S. Exa. o Senhor Comandante Rosales presta muita atenção a situações desta ordem que, segundo ele, são o sal da vida e o cimento da nossa ligação de camaradagem. Se ele o diz, quem sou eu para o contestar?!!!


 O jovem casal, Irene e Carlos, que no dia 21 de Maio perfizeram 48 anos de matrimónio

O dia apresentava-se soalheiro, como os cartazes turísticos são vezeiros a anunciar, mas o pessoal, ainda cedo, decidiu proteger-se no grande abrigo, e reservar-se para o combate eminente. Alguns mais confiantes trouxeram as mulheres, não fossem elas duvidar do heróico cônjuge em defesa de coisas cuja explicação não cabe aqui. Vieram e viram, sentiram o cheiro dos ingredientes... e deram uma ajudinha. Nada como a presença das senhoras no campo de batalha, onde deram uma conveniente nota de alegria.

Assim, garantidas a forma anímica e a forma física, limpámos o IN num fechar de olhos. Uns gostaram do arroz de peixe, outros elogiaram a carne das maminhas, e às sobremesas não se registaram discrepantes. A pinga da Ermelinda correspondeu às necessidades tácticas, No final, orgulhoso pelo rumo dos acontecimentos, S. Exa. abriu um sorriso quase "monaliso" e deixou escapar a conclusão: com esta estratégia e o pessoal bem disciplinado, não há bichos que nos façam frente. Só o gerente do abrigo, que no final se obstinou a receber uma contrapartida para o estrago constatado. O Manuel Joaquim aproveitou para impressionar a Sra Maria Luís, que não veio porque não a queremos connosco, e vai enviar-lhe uma factura de arromba. Ela que se cuide porque este pessoal é do género de, quanto mais teso, mais estragos provoca na circunstância, cabendo àquela funcionária estender a mão na estranja para equilíbrio das contas internas. Só o grande sábio, com a experiência de velho estroina e professor perseguido pela bufaria da época, é que se lembrou de marcar pontos em mais um terreiro de luta, e com antecipado sucesso, está bem de ver.
Os gajos da A.T. ainda vão colocar-se em sentido quando lhe virem a declaração do IRS.



 









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Notas finais:

Lembram-se de um antigo combatente cacimbado pelos efeitos maoístas ter sugerido deslocar-se a minha casa para fazer as suas inscrições em cada evento que desejasse participar? Lembram-se? Pois, nunca o fez. Não é que tenha tido o interesse de saber onde é a minha morada, ou que tenha feito qualquer outra diligência no mesmo sentido. que nunca teve. Então agora dei em bufo? Também não. O que sugiro, se S. Exa o Senhor Comandante der o seu beneplácito, é que o dito combatente de cultura sínica, para comprovar as futuras inscrições, passe a exibir a minha resposta de confirmação aos seus mails de inscrição.
Não é pedir muito, acho eu.​ S. Exa. ajuntou um comentário cheio de acuidade: "sobre o AGA, valeu a pena ter aparecido, porque é um espectáculo vê-lo saborear e comer" - magister dixit.​

Em breve, depois do entusiasmo suscitado por esta festa, proponho fazer um inquérito de cotejo entre o Caseiro e Oitavos, confrontado vantagens e desvantagens. Mas outros horizontes podem abrir-se para Julho.

Abraços fraternos
JD
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Notas do editor

Selecção e publicação das fotos da responsabilidade do editor

Último poste da série de 23 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14652: Convívios (684): Rescaldo do Encontro do pessoal do BCAÇ 2885, ocorrido no passado dia 16 de Maio, em Arganil (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P14655: Libertando-me (Tony Borié) (18): Os carapaus em molho de escabeche da Ti'Glória

Décimo oitavo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




Os carapaus em molho de escabeche, da Ti’Glória!

Estavam lá num “mosqueiro”, que era um pequeno armário, com duas portas com rede na frente, para se manterem livres dos insectos, principalmente moscas, num canto da taberna, um pouco acima da “cartola de cinco almudes”, que era uma pipa pequena, a quem a Ti’Glória pedia muitas vezes ao nosso pai Tónio, dizendo: ...vê se arranjas um tempo para vir aqui “encanteirar a cartola.” - que era mudar a pequena pipa, o que a mãe Joana, “torcia o nariz”, e não gostava, pois na sua mente, pensava que o pai Tónio, não ia só lá “encanteirar a cartola".

Bem, vamos em frente, os carapaus que estavam no referido “mosqueiro”, às vezes dias, quanto mais tempo melhor, eram fritos em azeite verde, temperados com vinagre, sal e pimenta, umas folhas de árvore de louro, cebola, e às vezes até com pimentos verdes, tudo frutos da quinta do pai da Ti’Glória, a quem nós, entre outras coisas, tínhamos por tarefa verificar e ir avisá-la, quando o seu pai, que era o maior lavrador da aldeia, deixava a samarra, com pele de raposa na gola, pendurada em alguma árvore, ou no muro do poço, que por lá existia, porque nesse momento a Ti’Glória, lá ia muito sorrateiramente aliviar a grossa carteira de algumas notas do banco de Portugal.

Os carapaus deviam de vir da lota da cidade de Aveiro, ou talvez de Matosinhos, mas quem os lá vinha trazer era um peixeiro de Mourisca do Vouga, numa carroça puxada por um “macho”, que devia de ser um cavalo arraçado de burro, ou vice-versa.

A Ti”Glória era para nós uma segunda mãe Joana, nós andávamos por ali, limpávamos a frente da taverna de qualquer lixo, como cápsulas das garrafas de laranjada, latas vazias das sardinhas de conserva, até garrafas vazias de pirolitos, e claro, restos de “piriscas” de cigarros, não deixávamos encostar as bicicletas à porta da taverna, às vezes os clientes mais rudes ofereciam logo uma “lambada”, mas tudo passava, porque sabíamos que ao fim do dia a Ti’Glória nos dava um maravilhoso pitéu, que era um papo-seco com cinco ou seis figos secos dentro.

Bons tempos e, talvez esses figos, ou esses “carapaus fritos em molho de escabeche nos tivessem dado vitaminas para vivermos até aos dias de hoje, neste mundo moderno, onde não existem mais tavernas.

O que é isso tavernas?

Hoje são restaurantes típicos, tudo confeccionado de acordo com as novas leis de consumo, um prato de carapaus deve de ter lá tudo, menos carapaus.

Vamos a um desses mercados modernos, que chamam muito pomposamente “Shopping Center”, depois das pessoas andarem de loja em loja, a verem, a gastarem o que têm e que não têm, já um pouco cansados, deparam com uma área muito grande, para as pessoas comerem e, o que existe lá, a começar pelos equipamentos dos empregados, feitos com material reciclado, de cores berrantes, feitas à base chumbo, a comida é, Tacos e Enxiladas, do México; Pizza, da Italia; Hamburgueres, não sei de que país; Souvlaki ou Gyros, da Grécia; Kung Pao Chicken, que é uma espécie de galinha frita com mel, da China, e mais um sem número de comida, nada feito na altura, tudo vem da arca frigorífica, feita de acordo com as tais novas regras, com químicas e conservantes, onde as batatas fritas, se espera dois minutos, ficam rijas, parecendo pequenas peças de plástico.

Que saudades temos dos “carapaus fritos em molho de escabeche” da Ti’Glória, da “cartola de cinco almudes” de onde tirava o vinho, por meio de uma torneira de madeira, que por sinal “chiava”, ou seja, fazia um pequeno ruído ao abrir e fechar, servindo os clientes por uma “picheira” de barro vermelho, que nunca tinha sido lavada, era “enchaugalhada” ou seja balançada com uma pequena porção de vinho, que era única e simplesmente jogado no chão, num canto da taverna.

A nossa esposa e companheira, quer ir a Portugal, mais propriamente ao Santuário de Fátima, “cumprir uma promessa”, nós, não sabemos de que é a “promessa”, já a mãe Joana, cinquenta anos atrás, tinha feito também uma promessa de ir ao Santuário de Fátima agradecer a dádiva de o filho ter regressado vivo da guerra do Ultramar, é uma fé e, principalmente nós, os emigrantes, ainda vivemos um pouco da fé, talvez a vamos acompanhar, temos saudades entre outras coisas, dos “carapaus fritos em molho de escabeche”, iguais aos que a saudosa Ti’Glória fazia.

Tony Borie, Maio de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14624: Libertando-me (Tony Borié) (17): Fisherman’s Wharf, o Cais dos Pescadores de S. Francisco

Guiné 63/74 - P14654: Agenda culltural (404): Há 110 anos a Rainha D. Amélia inaugurava o museu mais visitado do país e que tem hoje uma coleção única no mundo, em grande parte devido ao facto de Lisboa não ter conhecido as duas terríveis grandes guerras do séc XX; dias 23 e 24 de maio, abre o novo museu dos coches... Entrada gratuita neste fim de semana...



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > O teto do antigo picadeiro real, transformado há 110 anos em Museu Nacional dos Coches, por iniciativa da Rainha Dona Amélia, de origem francesa, casada com o D. Carlos I...


Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Um dos três coches que fizeram parte da embaixada de D. João V ao papa > O coche dos "Oceanos" > Pormenor da decoração (1)



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Um dos três coches que fizeram parte da embaixada de D. João V ao papa >  O coche dos "Oceanos" > Pormenor da decoração (2)



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Um dos três coches que fizeram parte da embaixada de D. João V ao papa >  Coche da Coroação  de Lisboa > Pormenor da decoração (1) >   O escravo africano



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Um dos três coches que fizeram parte da embaixada de D. João V ao papa > Coche da Coroação  de Lisboa > Pormenor da decoração (2) > O  escravo africano e a sua infame grilheta...





Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 >


Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Uma "viatura de estado" > reinado de D. João V > Sabe-se, pelo "livrete", que fez diversas viagens a Viena... No total, terá 80 mil km.


Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Uma "viatura de estado" > Detalhe >  Roda de trás, decorada com os signos do Zodíaco.


Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Uma "viatura de estado" > Detalhe >  Roda da frente, para "piso de chuva"...



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 O coche mais antigo, uma autêntica preciosidade... Pertenceu ao rei Filipe II...



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > O coche do Filipe II

Fotos (e legendas): © Luís Graça  (2015). Todos os direitos reservados


1. Do sítio do Expresso, "on line", com a devida vénia, reproduz-se um excerto > 12/5/2015 > Novo Museu dos Coches é inaugurado mesmo com obra inacabada, por Beatriz Cardoso Alves

 (...) A obra do novo Museu dos Coches está dada como concluída há cerca de dois anos e meio, mas o edifício está longe de ter todas as suas valências a funcionar. No espaço expositivo (...),  a museografia não existe e as infraestruturas complementares, como a cafetaria, o restaurante, a ponte pedonal e a biblioteca vão permanecer fechadas até estarem verdadeiramente terminadas daqui a uns meses.

Mesmo assim, as portas abrem ao público dia 23 de maio, data em que há 110 anos a Rainha D. Amélia inaugurou o museu mais visitado do país. “A estrutura precisa de ser utilizada, para que se perceba quais podem ser os seus defeitos e para que o possa ser acionado o seguro que todas as grandes obras mantêm durante cinco anos” avançou Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura, em conferência de imprensa.

O novo museu receberá a visita de 350 mil pessoas por ano, estima ainda Barreto Xavier. Mas para o chefe da pasta da Cultura este limite será ultrapassado dada a riqueza da coleção que “vários especialistas classificam como única no mundo”.

O museu que custou entre cerca de 40 milhões de euros, verba proveniente das contrapartidas do Casino de Lisboa através do Ministério da Economia e do Turismo de Portugal, tem um orçamento anual que ascende a 2,7 milhões de euros, dos quais 500 mil virão diretamente do Estado. Estima-se que o restante seja proveniente da receita de bilheteira e do apoio mecenático da Fundação Millennium BCP. (...)

Do núcleo de Vila Viçosa vieram para a capital 26 coches, que completam a coleção já exibida em Lisboa, tornando, tornando possível observar todo o acervo do século XIX num só espaço, e permitindo ainda fazer um percurso pela história dos transportes reais desde o século XVII até ao século XIX, atravessando seis mil metros quadrados de área expositiva.

O antigo museu vai permanecer aberto ao público no Picadeiro Real do Palácio de Belém, onde se mantêm em exposição todos os instrumentos utilizados naquele espaço. Lá dentro, seis coches e berlindas guardam a memória do primeiro museu. Também visitável, o Picadeiro Real será associado ao novo edifício num bilhete só ou em separado, ou seja, o visitante pode optar por visitar um ou os dois espaços. No fim de semana de abertura, dias 23 e 24 de maio, a entrada é gratuita.  (...)

2. No sítio do Museu dos Coches, pode ler-se:

(...) Situado próximo do rio Tejo, na zona ocidental de Lisboa, o Museu Nacional dos Coches ocupa uma área onde estavam localizadas as antigas Oficinas Gerais do Exército.

O Picadeiro Real, edifício que fazia parte do Palácio Real de Belém, hoje a residência oficial do Presidente da Republica, mantem-se visitável como núcleo expositivo do Museu. (...)


Foi discutível a aplicação destes 40 milhões de euros, do "jogo sujo" do casino, neste projeto. Mas já que está feito (, há mais de dois anos),  é pouco compreensível que não tenha sido inaugurado com todas as suas valências)... Acho que os portugueses (e os lisboetas em particular) se vão reconciliar com o novo edifício do museu dos coches (que tem a assinatura de um Pritzker) tal como se reconciliaram com o o edifício do CCB (o "bunker do Cavaco", como foi  injustamente apodado)... E já não vamos discutir porque é que a cultura (e o património cultural) não tem direito a a um ministério... E muito menos ainda por que é que  Portugal (e Lisboa em particular, que ganha cerca de 2 milhões de euros por dia com o turismo!) não tem um museu dos descobrimentos, um museu da da arte de construção naval (agora que foi reabilitado o Cais da Ribeira!), não tem um museu dos judeus, dos cristãos-novos e da inquisição, não tem um museu da escravatura...  

Não temos sequer sequer um museu condigno da guerra colonial e da descolonização!... Não falamos de núcleos museológicos locais e regionais acarinhados pelos ex-combatentes e pelas autarquias locais (por ex., o de Vila Nova de Famalicão). O do forte do Bom Sucesso (entregue  à Liga dos Combatentes) é uma caricatura, que nos envergonha!... Portugal lida mal com o seu passado, as suas glórias e os seus fantasmas!... É uma pena, camaradas e amigos!...

3. O projeto arquitetónico do novo museu é do brasileiro Paulo Mendes da Rocha em parceria com o português Ricardo Bak Gordon. Paulo Mendes da Rocha foi galardoado em 2006 com o Prémio Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial, equivalente ao Prémio Nobel.

O Expresso diz que vai haver este fim de semana festa de arromba, com entradas gratuita e muita animação... As fotos que publico acima são de uma visita recente, de 3 de maio, ao velho espaço expositivo... Temos a maior coleção de coches do mundo, devido em grande parte ao facto de Lisboa não ter conhecido, no séc. XX, nenhum guerra... E também devido ao papel da Rainha D. Amélia, fundadora do mês.

Quis partilhar isto com os camaradas que nunca chegaram a visitar o velho museu (que faz parte do edifício do Palácio de Belém). O seu recheio está agora mais rico (com os 26  coches de Vila Viçosa), dividido entre dois edifícios vizinhos... O novo edifício vai ser visitado também pela sua arquitetura ímpar. Devemos amar, conhecer, proteger e divulgar aquilo que é nosso, incluindo o nosso património cultural,,, (LG)

PS - Horário e preçário: o museu abre às 10h e até às 18h (última entrada às 17h30).

Hoje há visitas de borla para o povo... Claro que é o pior dia para lá meter o bedelho...A bicha à volta do novo edifício deve dar dar várias voltas ao quarteirão (que, de resto, pertencia à tropa)... A partir de amanhã, os bilhetes custarão 6 euros para o novo edifício, 4 euros para o edifício do antigo Picadeiro Real... Espero que haja redução de 50% para os séniores... Os ex-combatentes da guerra colonial, esses, não tem quaisquer privilégios... De resto, por é que deveriam de ter qualquer pequena, que fosse, atenção ? O país há muito que os esqueceu, e para as suas elites dirigentes (nomeadamente a classe política) são um estorvo no caminho da história... 
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Guiné 63/74 - P14653: Parabéns a você (909): Rui Gonçalves Santos, ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14645: Parabéns a você (908): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)