quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15436: Os nossos seres, saberes e lazeres (130): Um dia na Berlenga, a pensar no princípio do mundo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2015:

Queridos amigos,
Há visitas em excursão que têm o pendor de se tornarem inesquecíveis, mesmo quando são breves.
Ardia de curiosidade por conhecer a Berlenga, via-a praticamente todos os dias a partir da Foz do Arelho, nos dias límpidos, com aquelas pequenas adjacências que são as Estelas e os Farilhões.
Não viajei à procura de um lugar mágico, tinha visto muitas fotografias sobre as suas belezas e recordo-me de há muitos anos ter folheado uma revista, presumo que a Panorama, que mostrava a altíssima qualidade da decoração da pousada instituída pelo SNI.
Mal chegamos à ilha e percecionamos as diferenças: os tons do granito, as rugosidades de todos aqueles rochedos, tudo aquilo parece uma miniatura de um território aberto ao mar e em que o próprio mar é um ecrã total. E depois a guia, com o seu entusiasmo, galvanizou-nos, aquele pedaço de terra é o que resta do que terá sido a separação dos continentes, há não sei quantos milhões de anos. E o resultado é aquele pequeno paraíso árido onde aparece uma fortaleza digna de um épico de cinema, em suma, passei ali um dia muito feliz e partilho-o convosco.

Um abraço do
Mário


Um dia na Berlenga, a pensar no princípio do mundo

Beja Santos



O programa era proposto pela associação mutualista do Montepio, a que pertenço, um dia na Berlenga, passeio guiado e almoço ao ar livre. Pelas 10h da manhã, todos a postos junto da fortaleza, ou forte, ou forte-prisão de Peniche, o incontornável monumento dos tempos em que aqui e na Berlenga se vivia em permanente vigilância contra corsários de vária proveniência, bem como havia que atemorizar os navios espanhóis durante a Guerra da Restauração. As marcas dessa fortaleza abaluartada estão à vista, bem como no soberbo polígono irregular da fortaleza da Berlenga. Tudo mete respeito. Foi depois prisão, por aqui andaram bóeres foragidos e daqui fugiu Álvaro Cunhal e outros comunistas, em 1960, uma invasão das arábias, história para filme. A Avenida do Mar traz-nos até aqui, ao monumento n.º 1 de Peniche.


Deve ser o cabo dos trabalhos urbanizar à volta da fortaleza mastodôntica. A última vez que aqui vim foi para assistir a uma apresentação de arqueologia subaquática, a equipa que na Praia da Papôa, junto a Peniche, desceu aos restos do galeão S. Pedro de Alcântara que se afundou bem perto de terra. Trazia ouro e prata às carradas que Madrid esperava na maior aflição, estava ali o seu orçamento de Estado. Levaram quase tudo e os arqueólogos mostraram, orgulhosos, os resultados da expedição. Andou ali à volta e agradou-me esta mistura de jardim zen, com palmeira e flores. Já chegou a guia, toca a avançar para o porto.




E pronto, uma última imagem dessa mastodôntica fortaleza. Vamos abandonando Peniche, são 40 minutos até à Berlenga, mar calmo, grande nitidez no céu, e registo dois apontamentos desta rugosidade da rocha, aqui acaba a parte continental de Peniche, se bem que haja uma freguesia que tutela os interesses do arquipélago das Berlengas. Viagem sem sobressaltos, como não conheço a Berlenga Grande, as Estelas e os Farilhões, estou ansioso, nunca pus os pés no nosso arquipélago mais vizinho da Europa Continental.




À entrada do porto, somos recebidos por este imponente rochedo cor salmão, mais adiante temos o bairro dos pescadores, gracioso à distância e perto, anunciam que temos meia hora para andar a monte, o restaurante já fechou, tinha lido uma publicação que o dito assentava no resto do Mosteiro dos Jerónimos, vieram os frades e creio que aguentaram umas boas décadas, ou não aguentaram a solidão ou fartaram-se da pirataria, foram-se embora. Como é tudo a subir e está prometido que a guia, uma bióloga entusiasta, começará a incursão lá bem em cima, aproveito e vou à praia, água mais turquesa não conheço, por ali andavam banhistas contentes, nem eles podem imaginar que é o último dia da estação balnear, amanhã haverá forte ondulação, ventos sibilantes, nenhum barco aqui amarará. Aproveitem o dia, fico-me pela contemplação.

Ando por ali às voltas cheio de apetite, são carapaus na grelha e uma boa salada, beberica-se um Ermelinda de Freitas que vem em box, e o pão é muito gostoso. Prometeram café que não veio, quem veio foi a bióloga que pôs os excursionistas em movimento. Com o hálito a saber a carapau grelhado, atiro-me para as alturas, a bióloga está radiante, explica que as Berlengas decorrem de uma fratura que aconteceu há não sei quantos milhões de anos, e fico de boca aberta quando ela diz que isto é o resto dos restos do continente americano, até me aflijo, um dia um louco lá nos States demonstra que isto é solo norte-americano, vem a VIII Esquadra e apoderam-se do arquipélago.




Começou a subida para as alturas, aprendi que estou numa fratura, que esta biosfera está salvaguardada, que desapareceu o sardão, isto enquanto vejo lagartixas em movimento, oiço e ando para ali pasmado, registei o Bairro dos Pescadores de cima para baixo, um pormenor da costa e depois o farol, bem gostava de subir lá a cima, deve ser uma panorâmica de estalo.





Prossegue a dissertação empolgante sobre a fauna e a flora, a raridade deste maciço granítico, houve alguém que teve o desplante de perguntar se não trataria, afinal, de uma erupção vulcânica, a bióloga protestou, isto é mesmo fratura, por aqui é só granito, umas ervas rasteiras e umas aves, tudo mais é uma beleza arrasadora. E é, punha à prova que as minhas artroses nos joelhos estão controladas, vamos descer cerca de 200 degraus enquanto nos encaminhamos para o prato de substância desta visita, a fortaleza cujo alvo principal era deitar barcos espanhóis abaixo. Parece que não deitou um só, mas ficou-nos este património que eu contemplo extasiado.




Vou dando passinhos prudentes, estes caminhos que levam à fortaleza exigem muito cuidado, mas é tudo muito belo e eu escondo os meus receios parando aqui e acolá, e passado o susto de derrapar e me estatelar nas rochas, enfrento a entrada da fortaleza, ali se invoca o regente de D. Pedro, irmão de Afonso VI que lhe tirou a coroa e a mulher. Há anos, muitos, li que o SNI aqui construiu uma pousada, vi fotografias, os decoradores foram nomes sonantes do modernismo português, consta que foi tudo roubado, agora quem aqui quiser passar férias tem que trazer tudo e mais alguma coisa. Esse turismo não me interessa, o que me está a deixar especado são estas rugosidades, estas concavidades, a tonalidade da água, a envolvente da fortaleza e a sua imponência. Veremos mais adiante.




Batemos as palmas quando a bióloga anuncia que não precisamos de subir, vem uma embarcação buscar-nos. É nessa circunstância que procuro captar o que há de verdadeiramente impressionante nesta fortaleza que eu nunca suspeitei existir tal como ela me aparece diante dos olhos. Espero motivar-vos a virem até cá!



Estamos na última etapa, melhor, na penúltima, agora vamos passear no meio das grutas e recambiados para o porto, regressamos na mesma embarcação, já não está o tempo ensolarado da manhã, e não se trata da frescura da tarde, é o tal anúncio que o tempo está a mudar. Foi um dia inesquecível, daqueles como ir a Olivença, ao Castelo de Almeida e a Freixo de Numão, descer o Guadiana, por exemplo. É um país muito belo, quando se viaja em grupo é tudo formalidades ao princípio, estamos a medir-nos uns aos outros, depois do almoço começam os comentários, a partilha de comes, os pequenos desabafos. Nisso, somos únicos. E ainda bem. O passeio chegou ao fim, já estou a pedir mais.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15409: Os nossos seres, saberes e lazeres (129): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15435: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (31) (2): Dia 24 de Abril de 1974, corte da estrada Nhala-Buba

1. Continuação da 31.ª Memória1 do nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviada ao nosso Blogue no dia 26 de Novembro passado.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

31 - Dias 23 e 24 de Abril de 1974 (2)


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

ABR74/24 – Forças da 2.ª CCAÇ/4513, em reconhecimento à zona do pontão rebentado, detectaram o local onde estava instalado o GR IN, que montou segurança aos elementos que destruíram o pontão e pelos vestígios encontrados estimou-se o GR IN em 40 elementos, que após a acção, retiraram em direcção ao Unal.


Das minhas memórias: 

24 de Abril de 1974 – (quarta-feira). Corte da estrada Nhala-Buba

Ouvira-se na noite anterior uma explosão potente e não longínqua na direcção de Buba. Pensámos logo na estrada. Mas não tínhamos ninguém no mato e era já tarde, não havia pressa. Não recordo quem seguiu de manhã para o local mas, quando cheguei de Unimog, com pessoal que nem era do meu grupo, já havia uma equipa a trabalhar e já tinham retirado do buraco da estrada uma viatura da Engenharia. Tanto quanto recordo, a viatura vinha de Buba a grande velocidade e sem escolta. A estrada estava cortada em toda a sua largura. Concluiu-se que o condutor, naquela grande recta, não se apercebera a tempo do corte na estrada e batera com a cabina no fundo da cratera, tendo morrido. Estranhamente, a HU não faz qualquer alusão a este acidente nem à morte do condutor. Mas também as fotografias que possuo não esclarecem nesse sentido. A menos que o condutor já tivesse sido evacuado quando eu cheguei. E eu devo ter chegado muito tarde porque nem sequer estava de serviço, como se pode ver pela farda n.º 2 que envergava. A verdade é que sempre recordei este acidente com a morte do condutor e as dúvidas só surgiram, quarenta anos depois, ao conhecer a História da Hnidade. Mas a HU vale o que vale e a minha memória ainda menos. Seguem-se algumas fotografias desse episódio.

Foto 21 - 24 de Abril de 1974 – Recta na direcção de Buba, fotografada no local da sabotagem. 

Foto 22 - 24 de Abril de 1974 – Desvio a contornar o corte da estrada. 

Foto 23 - 24 de Abril de 1974 – Cratera no meio da estrada. 

Foto 24 - 24 de Abril de 1974 – Viatura da Engenharia já retirada da cratera. 

Foto 25 - 24 de Abril de 1974 – Eu, junto da viatura sinistrada. 

Foto 26

Foto 26 e 27 - 24 de Abril de 1974 – Preparação para içar a viatura. Seria depois rebocada para Buba. 

Foto 28 - 24 de Abril de 1974 – O meu regresso a Nhala com uma secção de pessoal (não sei de que grupo) que me acompanhara. 

(continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

1 - Vd. poste de 1 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15432: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (31) (1): Dia 23 de Abril de 1974, visita do General Bettencourt Rodrigues a Nhala

Guiné 63/74 - P15434: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (15): A Rádio Libertação e a inconfundível voz da "Maria Turra", a locutora, angolana, de origem caboverdiana, Amélia Araújo, hoje com 81 anos e a viver em Cabo Verde


Amélia Araújo gravando os trabalhos da I Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau para a Rádio Libertação, na "região libertada do Boé". Data:  23 e 24 de setembro de 1973.

Fonte: Antena Um / Fundação Mário Soares / Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral (Com a devida vénia...)


Amélia Araújo aos microfones da Rádio Libertação, a rádio do PAIGC, a emitir a partir de Conakry.  Teve início em julho de 1967. Data da foto: c. 1967.

Com 81 anos, Amélia Araújo vive hoje em Cabo Verde. A sua voz pode ser aqui recordada no ficheiro áudio (10' 18'') do portal DW - Deutsche Welle ("Rádio Libertação: Fala o PAIGC").

Fonte: Antena Um / Fundação Mário Soares / Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral (Com a devida vénia...)


1. Estas duas fotos são do portal Casa Comum / Documentos Amílcar Cabral (*), mas foram primeiro visualizadas no programa "Canções da Guerra",  realizado por Luís Marinho, com produção de Joana Jorge e transmissão na Antena Um (todos os dias, de 2ª a 6ª feira, às 14h55)...   

Um dos episódios recentes deste programa da Antena Um foi justamente sobre a Rádio Libertação, o seu papel, na propaganda e contrapropaganda do PAICG. Não se pode fazer a história desta rádio sem falar da "Maria Turra", a angolana, de origem caboverdiana,  Amélia Sanches Araújo,  que lhe deu voz e alma de 1967 a 1974...  Aderiu ao PAIGC em janeiro de 1964.  Com mais quatro guineenses, a Amélia Arújo  foi enviada por Amílcar Cabral para uma formação de nove meses na União Soviética. Em maio de 1967 a União Soviética entrega ao PAIGC, através do seu embaixador em Conacri, uma estação de rádio.

Esse episódio (do programa "Canções da Guerra") pode ser revista no portal da RTP, e aqui:


Antena 1 > Canções da Guerra > Rádio Libertação

"A Guiné foi a mais dura das três frentes de guerra em África. E também aqui a Rádio teve grande importância.

"O PAIGC tinha uma emissão de Rádio a partir de Conakri. Era a Rádio Libertação.

"Uma das suas vozes mais emblemáticas era a de uma mulher: Amélia Araújo, conhecida no lado da tropa portuguesa por Maria Turra." [Este link remete para um poste do nosso blogue, justamente com a história desta mulher que alguns de nós confundiam com a mulher do Amílcar Cabral] (**)


Amélia Araújo, em 2014, em Cabo Verde.
Foto de DW - Deutsche Welle / Madalena Sampaio
(Com a devida vénia...)
2. Além das duas fotos, acima reproduzidas, o portal da RTP disponibiliza, na íntegra o testemunho de Amélia Araújo, à Antena 1 [em data que não é referida]:

Ficheiro áudio, 6' 53'': A Amélia Araújo explica como funcionava a rádio do PAIGC, com escassos meios técnicos, até 1969/70, altura em que receberam, da ajuda sueca, equipamento moderno, potente...[Na realidade. esse sofisticado equipamento, sueco, pedido por Amílcar Cabarl em 1971, só chegaria em meados de 1972; aqui a entrevistad está equivocada quanto às datas; até 1972 operaram com equipamento soviético]. (***)

Havia emissões em português e  crioulo, e algumas línguas vernáulas, como o balanta, o fula, o mandinga, o beafada, etc. A rádio, para além de manter os combatentes informados, nas três frentes (sul, norte e leste), foi um importante veículo de desenvolvimento e difusão do crioulo, bem como de recolha e divulgação do património musical da Guiné e de Cabo Verde...O programa também fazia contrapropaganda, dirigindo-se aos soldados portugueses, e fazendo questão de sublinhar que a guerra travada pelo PAIGC não era contra o povo português mas contra o colonialismo português. (Sinopse: LG)

Outros Links:

A Rádio Libertação e a Voz, Maria Turra – A história [Texto do portal DW - Deutsche Welle, da autoria de Madalena Sampaio, com data de 22/9/2014, e onde se reproduzem também as duas fotos acima com a "Maria Turra"].

Há mais vídeos e ficheiros áudio disponíveis, no portal Media > RTP > Canções da Guerra, direta ou indiretamente relacionados com a Rádio Libertação.


3. Mais alguns exemplos de documentação constante do portal Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral, referente à Rádio Libertação:

(i) Reunião sobre a Rádio do PAIGC, de 21/6/1966: listagem dos tópicos debatidos, definição dos programas, horários e idiomas (1 página);

(ii) Declaração assinada por Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, comprovando a recepção de uma estação de emissão rádio enviada pela Embaixada da URSS [, em Conacri], com data de 20/5/1967 (em francês);

(iii) Mensagem de Ano Novo de Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, emitida pela Rádio Libertação, no dia 1 de Janeiro de 1971 (27 pp.) (em francês).



(...) A Maria Turra era (é, porque está viva, em Cabo Verde) Amélia Araújo, natural de Angola, casada com o cabo-verdiano José Araújo, esse já falecido.  (...)

A mulher do dr. Manuel Boal - outro natural de Angola - era Maria da Luz (Lilica) Boal, nascida em Tarrafal de Santiago. Essa,  sim, dirigiu a Escola Piloto em Conacri, trabalhou nos manuais escolares, etc. (...)


Tanto os Araújo como os Boal estavam em Portugal em 1961 e fizeram parte do grupo que, nesse ano, fugiu de Portugal, com o apoio de oganizações protestantes, do qual muitos se foram juntar aos movimentos de libertação dos respectivos países. O dr. Boal começou por se juntar em Leopoldville ao MPLA para, mais tarde, quando este foi forçado a saír da cidade, ir ter com a mulher a Dakar e colaborar com o PAIGC.

Quanto ao dr. Mário Pádua - que desertou do Exército colonial em Angola e veio a ser médico do PAIGC, no Hospital de Ziguinchor, onde tratou o soldado Fragata - não sei se era casado na altura. (...)

(***) Vd. poste de 9 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13865: Da Suécia com saudade (45): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte VI): Para além de meios de transporte automóvel (camiões e outras viaturas Volvo, Gaz, Unimog, Land Rover, Peugeot, etc.), até uma estação de rádio completa, móvel, foi fornecida ao movimento de Amílcar Cabral, sempre para fins "não-militares"... (José Belo)

(...) "Em 1971 Amilcar Cabral pediu o fornecimento de uma estação de rádio montada em dois camiões Mercedes Benz...também fornecidos pela Suécia. (...)

"Em 19 de Setembro 1972, dois transmissores (e o material de estúdio respectivo) começaram a funcionar desde o Norte da Guiné [leia-se: Senegal], com programas também para Cabo Verde.

"Os técnicos responsáveis por estas transmissões foram treinados na companhia sueca Swedtel." (...)

Guiné 63/74 - P15433: Parabéns a você (994): Herlânder Simões, ex-Fur Mil Art da CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15429: Parabéns a você (993): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Guiné, 1969/71)

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15432: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (31) (1): Dia 23 de Abril de 1974, visita do General Bettencourt Rodrigues a Nhala

1. Em mensagem do dia 26 de Novembro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

31 - Dias 23 e 24 de Abril de 1974 (1)


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

ABR74/23 – Pelas 08h00 chegou a A. FORMOSA Sua Excelência o General e Comandante-Chefe, acompanhado pelo seu Chefe do Estado-Maior COR. HUGO DA SILVA, Comandante do BENG TEN-COR MAIA E COSTA e Ajudante de Campo, a fim de visitarem a frente de trabalhos da estrada A. FORMOSA-BUBA. Depois de serem prestadas as honras do estilo, Sua Excelência percorreu demoradamente o aquartelamento, apreciando as obras em curso. Depois de um briefing no Gabinete de Operações, e acompanhado pelo Comandante e 2.º Comandante do Batalhão e restante comitiva, deslocou-se à frente de estrada e ao aquartelamento de NHALA. [Sublinhado meu]. Na frente de trabalhos reuniu-se com o pessoal de Engenharia, o qual felicitou pelo trabalho desenvolvido. Após esta visita regressou a A. FORMOSA, onde almoçou, seguindo depois do mesmo para BISSAU. (...).

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Apontamento: O General Bettencourt Rodrigues.

O General Bettencourt Rodrigues foi um militar brilhante e teve uma carreira longa e preenchida de altos cargos, ensombrada apenas por um final inesperado e sem glória, quem sabe, por preferir manter-se coeso com os seus ideais a aderir ao Movimento das Forças Armadas que acabara de depor o governo de Lisboa. Por via deste desfecho, nunca saberemos que impacto teria a sua acção na administração da Guiné e no evoluir da guerra que, naquela época e nalguns sectores, atingia estádios decisivos e preocupantes, mormente no meu Sector S-2, (com informações ainda muito secretas mas alarmantes sobre os planos do PAIGC), como mais tarde darei conta.

O General Bettencourt Rodrigues não precisa de grandes apresentações. Ainda assim, relembro alguns dados biográficos. [Fonte Wikipédia para factos e datas]. José Manuel Bettencourt Rodrigues [Bettencourt, na Wikipédia], (Funchal, 5 de Junho de 1918 – Lisboa, 28 de Abril de 2011).

- Em 1939 concluiu o Curso de Infantaria da Escola do Exército como 1.º classificado.
- Em 1951 concluiu o Curso de Estado-Maior com a classificação “Distinto”.
- Até à sua promoção a general em 1972, sucederam-se os cursos e as distinções, numa carreira militar notável, tendo sido também Ministro do Exército (1968-1970) e adido militar e aeronáutico junto da Embaixada de Portugal em Londres.
- Em 21 de Setembro de 1973 (a História da Unidade do BCAÇ 4513 refere 29 de Setembro a chegada à Guine), toma posse como Governador-Geral e Comandante-Chefe do Comando Territorial e Independente da Guiné.
- Em 26 de Abril de 1974 foi preso no Forte da Amura (Bissau), por militares do MFA.
- Em 14 de Maio de 1974 passou à situação de reserva por despacho da Junta de Salvação Nacional.


Das minhas memórias: 

23 de Abril de 1974 – (terça-feira) - A visita do General.

A visita do General Bettencourt Rodrigues a Aldeia Formosa e a Nhala foi, provavelmente, a última que fez na Guiné na qualidade de Comandante-Chefe. Pareceu-me uma pessoa muito acessível, afável e atenta aos problemas que lhe eram colocados. Mas foi a impressão de um contacto muito breve.

Nas imagens que mostrarei a seguir, “reportagem” que não é de todo exaustiva, pode notar-se uma certa ausência de tropa em Nhala, pela mesma razão da ocorrida aquando da visita da Cilinha, mas que não referi no relato que dela fiz. Essa ausência deve-se ao que a História da Unidade do BCAÇ 4513 expressa sem rodeios:

“ABR74/23 – (...). Em virtude da visita de Sua Excelência o Comandante-Chefe, foi montado na estrada A. FORMOSA-BUBA um dispositivo especial de segurança, com forças da 1.ª CCAÇ, 2.ª CCAÇ, 3.ª CCAÇ/4513, CART 6250”.

Como última nota referente a este dia, diz ainda o seguinte a História da Unidade: “Pelas 22h30 GR IN destruiu um pontão da estrada alcatroada BUBA-NHALA em região XITOLE 2 G 7-39”.

Mas o senhor General já não ouviria o grande estouro, recatado em Bissau para onde regressou após ter almoçado em A. Formosa. No final deste poste mostrarei algumas imagens colhidas no local, no dia seguinte à sabotagem, 24 de Abril de 1974.


Fotografias da visita do General Bettencourt a Nhala comentadas ao jeito de legendas



Foto 1 - 23 de Abril de 1974, Aldeia Formosa - O General Bettencourt Rodrigues recebe honras militares, ladeado à sua esquerda pelo Major Dias Marques, 2.º Comandante do BCAÇ 4513. [Fotografia inestimável do camarada Fernando Costa, com a devida vénia].

Foto 2 - 23 de Abril de 1974, Nhala - Chegada do General Bettencourt Rodrigues às imediações do aquartelamento, descendo a base recente da estrada nova. Na frente do jeep, preparando-se para descer, o Comandante do Batalhão 4513, Ten-Cor Carlos Alberto Ramalheira.

Foto 3 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Depois das honras militares o General cumprimenta o CMDT de Nhala, Capitão Braga da Cruz, da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Atrás de si, o Oficial de Dia, Alf Mil Campos Pereira.

Foto 4 - 23 de Abril de 1974, Nhala – A comitiva dirige-se para o aquartelamento. À esquerda da imagem o Coronel Hugo da Silva, Chefe do Estado-Maior, cumprimenta o Oficial de Dia. Em primeiro plano, de Kalashnikov, o Tenente Ajudante de Campo. E guarda-costas, pareceu-me.

Foto 5 - 23 de Abril de 1974, Nhala – No centro do aquartelamento o General dialoga com o Cmdt de Nhala.

Foto 6 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Detalhe da fotografia anterior.

Foto 7 - 23 de Abril de 1974, Nhala – O Tenente guarda-costas aproveita para ler uma carta chegada da Metrópole, quero crer. Porquê? Porque o envelope é debruado pelo tracejado característico do correio aéreo.

Foto 8 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Por uma mania que ainda uso quando calha, fechei num círculo visitantes e anfitriões. De bigode, fitando-me, o Major Dias Marques, que percebeu a maldade, (inocente, diga-se), parece pensar: Lá está este gajo outra vez com as suas maluqueiras...

Foto 9 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Após inspecção ao depósito de géneros (com cão a sair), da responsabilidade do Fur Mil Vaguemestre Sebastião Oliveira.

Foto 10 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Diálogo à porta do Cmdt de Companhia, com a presença de um homem grande que deve ser um “notável” da tabanca, mas que não recordo.

Foto 11 - 23 de Abril de 1974, Nhala – O homem grande dialoga com o General através do intérprete atrás de si. O rapaz à direita parece rir-se do português do homem grande ou do dialecto do General.

Foto 12 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Outro homem grande chega-se à conversa, enquanto começam a aparecer as mulheres da tabanca com ar decidido.

Foto 13 - 23 de Abril de 1974, Nhala - Começa o ajuntamento popular movido pela curiosidade e pelo tributo de honra ao homem grande da tropa. Manga de ronco.

Foto 14 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Já não vai haver hipótese de reunir no gabinete. Tudo irá a “despacho” ali à porta.

Foto 15 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Esta bajudinha linda, indiferente à atenção devida ao General, fixa-se na minha objectiva, entre curiosa e apreensiva, não podendo imaginar, nem eu, que um dia a mostraria ao mundo e que, nessa altura (agora), já teria mais de quarenta anos.

Foto 16 - 23 de Abril de 1974, Nhala – O diálogo prossegue e nosso cabo vai assegurando o entendimento das esquisitas falas, sob o olhar atento do Sr. Tenente guarda-costas.

Foto 17 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Continua a chegar população. Ou melhor: mulheres e crianças, quase só. As palmas vibram, secas, e a mulher grande dança como um tornado. Manga de ronco.

Foto 18 - 23 de Abril de 1974, Nhala – As visitas preparam-se para partir. Ao volante do jeep, o Cmdt do Batalhão Ten-Cor Carlos Ramalheira e, ainda a subir, à esquerda, o Cmdt de Operações do BCAÇ 4513, Capitão Cerveira. De cigarro, à direita, o Coronel Hugo da Silva. No jeep de trás o resto da comitiva, apenas se reconhecendo ao volante o Major Dias Marques.

Foto 19 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Tudo a postos trocam-se os últimos cumprimentos. Ao fundo, a messe de sargentos com alguns deles a assistir às despedidas.

Foto 20 - 23 de Abril de 1974, Nhala – A comitiva saindo de Nhala rumo a A. Formosa. No jeep de trás, reparo agora, segue o intérprete africano que, afinal, já acompanhava o General Bettencourt.

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Últimos 10 postes da série de:

22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15139: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (21): De 2 a 25 de Setembro de 1973

29 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15174: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (22): De 09 a 23 de Outubro de 1973

6 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15207: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (23): De 27 de Outubro a 12 de Novembro de 1973

13 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15244: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (24): De 14 de Novembro a 22 de Dezembro de 1973

20 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15271: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (25): De 6 a 26 de Janeiro de 1974

27 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15297: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (26): De 29 de Janeiro a 26 de Fevereiro de 1974

3 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15320: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (27): De 01 a 31 de Março de 1974

10 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15348: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (28): De 01 a 7 de Abril de 1974

17 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15376: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (29): De 08 a 16 de Abril de 1974
e
24 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15404: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (30): Abril de 1974