quinta-feira, 24 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15897: In Memoriam (249): "No Dia da Minha Morte"... A história de amor que o António da Silva Batista (1950-2016) gostaria que eu vos contasse no dia da sua morte... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)






Recorte de jornal: O Comércio do Porto, 18 de setembro de 1974. Gentileza do Mário Miguéis (que nos mandou, em 22/4/2009,  o recorte completo com a reportagem). Este prestigiado jornal diário do Porto deixou de se publicar. Na foto acima, o "morto-vivo" António da Silva Batitsa (1950-2016), na sua terra, Maia,  prestando declarações ao repórter.  O texto da reportagem é de Helena Policarpo, e as fotos de Amadeu Botelho. A nossa gratidão a todos. Este também é um pedacinho da nossa história.


1. Mensagem do José Teixeira, um dos régulo da Tabanca de Matosinhos que tanto acarinhou o António da Silva Batista, no dia da sua morte "verdadeira (já que ele "morreu duas vezes"):

Texto com memórias que recolhi ontem, no velório do corpo do nosso infortunado camarada Batista, com valor histórico e afetivo, não lhe dei título e não sei se deva ser publicado, dado o seu conteúdo, mas vocês, editores, se entenderem que pode ser,  tudo bem!... Acho que o Batista iria gostar de "relembrar" esta história ou gostaria de a ouvir no dia da sua morte, contada por um amigo e camarada da Guiné... É uma bela história de amor que merece ser partilhada com os demais amigos e camaradas da Guiné, onde o Batista morreu uma vez e nasceu outra vez para a vida. (JT):

 - Sou eu! Não se assuste! Sou eu mesmo!
António da Silva Batista, sold at inf,
foto da caderneta militar

Foi assim que o António Batista se dirigiu à Camilinha, uma amiga da namorada que ele tinha deixado na Metrópole, mais propriamente em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, quando embarcou para a Guiné.
- Ó rapaz, não podes ser tu! Eu fui ao teu funeral! - respondeu-lhe a Camilinha, com o coração aos saltos.
- Sou eu mesmo e quero pedir-lhe um favor...
...

- Ele teve um “funeral” como nunca houvera em Crestins, Maia, ai se teve! - disse-me a Camilinha.

Toda a freguesia saiu para o acompanhar ao Cemitério de Moreira da Maia e fizeram-lhe uma campa bem linda. A mãe, coitadinha, não falhou nem um dia na sua visita à campa do filho, até ao dia em que ele lhe apareceu em casa.
- Era uma dor, ver a pobre mulher, magrinha, ela foi sempre muito magrinha, descalça, a fazer aquele caminho e olhe que ainda é longe! - disse um velhinho, que estava ao lado, velho amigo da família do António Batista.
- Pois ele chegou ao pé e a mim assim de surpresa e disse-me:
- "Camilinha! Vim falar consigo, porque sei que você é muito amiga da Lola e eu sei que ela gosta muito de si. Queria pedir-lhe para ir lá dentro e peça-lhe para ela vir consigo cá fora, mas não diga que sou eu que estou aqui".
Ele já devia saber que a Lola lhe guardou respeito enquanto ele esteve na Guiné, foi ao dito funeral quando foi dado como morto e entregaram o corpo à família, em julho de 1972. Depois de fazer o luto que ele lhe mereceu, partiu para outra. À data do seu regresso, em setembro de 1974, a Lola namorava para outro rapaz e estava em vias de casamento.

E continuou a Camilinha:
- Como ele me pediu, fui junto da Lola que estava sentada fora da porta ao sol, descalça, a conversar com umas amigas - era uma tarde de Setembro e estava um lindo dia de sol - e disse à Lola:
- "Anda comigo que está ali uma pessoa que quer falar contigo".
Ela calçou os chinelos e seguiu-me. Quando encarou com ele, ficou muda a olhar, a olhar,  e passados uns segundos correram um para o outro e ficaram ali abraçados. Foi lindo vê-los abraçados, se foi!

E prosseguindo:
- Foi um dia muito lindo, sabe! Ela tinha outro namorado, mas desfez o namoro e voltou para o “morto vivo”. É por este nome que toda a gente o conhece.... Ó Lola, como se chamava o teu marido?...  É que eu nunca sabia o nome dele - rematou a Camilinha -, sempre o conheci pelo “morto vivo”!...
- Chama-se António! António Batista!" - respondeu a Lola, ao meu lado.

A filha do António Batista ouvia em silêncio. As lágrimas teimavam em deslizar pela face, neste dia em que o António Batista faleceu de verdade, depois de um ano de intenso sofrimento.

José Teixeira
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Nota do editor:

Vd. os dois poste anteriores desta série >

24 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.

23 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos

Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Era sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 192/74)... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.


José António Almeida Rodrigues (1950-2016): aqui, no almoço semanal da Tabanca de Matosinhos, em 12/10/2011, cortesia do blogue Coisas da Guiné, do A. Marques Lopes. Era natural do Peso da Régua, e teve no Zé Manuel Lopes, entre outros, um ombro amigo e uma mão solidária.  Companheiro de cativeiro do António da Silva Batista (1950-2016), morreu no mesmo dia, em Vila Real.


1. Mais um triste  (e estranha!) notícia: soubemos pelo Zé Teixeira e pelo Zé Manel Lopes (Josema), que morreu também, ontem, de manhã (?), o José António Almeida Rodrigues, natural da Régua... (Vd. também notícia  na página do Facebook do Zé Manel Lopes)

Estava há 3 meses hospitalizado, em Vila Real. De vez em quando o Zé Manel ia lá visitá-lo. Viveu uma vida de miséria, até que, ultimamente, conseguiu ter uma família de acolhimento. Foi igualmente acarinhado pela Tabanca de Matosinhos, que o chegou a ajudar materialmente. A única foto que temos dele foi tirada pelo A. Marques Lopes, numa das vezes que ele foi almoçar à Tabanca de Matosinhos, levado pelo Zé Manel.

Estranha coincidência: foi companheiro de infortúnio do Batista. E morrem os dois no mesmo dia, ou com horas de diferença. Quando estavam os dois, na região do Boé, decidiu fugir. O Batista não o quis acompanhar. Meteu-se numa piroga, andou vários dias à deriva no Rio Corubal... Acabou por conseguir chegar ao Saltinho (Vd. depoimento do Batista no vídeo abaixo)... 

Sobre ele diz o Juvenal Amado:

"Pertenceu também ao meu batalhão, à CCAÇ 3489, Cancolim, 1972/74, tal como o António da Silva Batista (, este da CCAÇ 3490, com sede no Saltinho). Fugiu da prisão, indo ter ao Saltinho, já o BCAÇ 3872 se preparava para regressar a casa. A vida dele foi dura que esteja em paz finalmente".


2. O Zé Manel Lopes, seu conterrâneo, já nos contou aqui a sua triste história de infortúnio mas ao mesmo tempo de coragem, através de um poste e de troca de mensagens de correio (*):

O José António Almeida Rodrigues nasceu em 1950, na Régua.

Em Junho de 1971 assentou praça no RI 13, Vila Real, sendo três meses depois colocado em Abrantes para formar batalhão. Integrado [, não na 2.ª Companhia do BCAÇ 4518, mas] na CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, partiu para a Guiné na véspera de Natal desse ano.

"A sua Companhia foi destacada para Cancolim, dela faziam parte um alferes, natural de Lamego, que me disseram ser actualmente professor, e que não consegui ainda contactar, o alferes João Pacheco Miranda, atualmente correspondente da RTP no Brasil" - acrescenta o Zé Manuel Lopes.

Seis meses depois de chegar ao TO da Guiné, o José António é feito prisioneiro pelo PAIGC. O contexto em que foi apanhado ainda estava por esclarecer, segundo mail de 4 de março de 2011, do Zé Manel Lopes. "Tive conhecimento de várias versões e era importante saber a verdade dos factos para reabrir o processo dele".

É levado para Conacri. Em 1973, após o assassinato de Amílcar Cabral [, que foi em 20 de janeiro desse ano,] é enviado para a região do Boé, no nordeste da província portuguesa da Guiné. Com ele estavam mais 7 camaradas.

"Durante quase um ano a sua casa foi em Madina do Boé", diz o Zé Manel (Para sermos mais rigorosos, provavelmente, na região ou imediações, perto do Rio Corubal, já que o PAIGC nunca ocupava efetivamente os quartéis abandonados pelas NT, alvos fáceis da aviação).

Em 7 de Março de 1974, "aproveitando um momento em que a vigilância abrandou", o José António tomou a direcção do rio para tentar a fuga.

E se o intentou, bem o conseguiu. "Andou 9 dias ao longo do Corubal, até encontrar dois nativos que andavam numa plantação junto ao rio. Um deles, de motorizada, levou o José António até ao Saltinho. Depois foi transportado para Aldeia Formosa, para ser levado para Bissau. Como naquele tempos difíceis a via aérea já não reunia muitas condições de segurança, devido aos Strela, foi transportado em coluna até Buba e daí, de LDG, para Bissau".

No mail de 4/3/2011, o Zé Manel Lopes confirma: "Após 9 dias de fuga pelo mato ao longo do Rio Corubal, é encontrado por dois nativos que o levam até ao Saltinho"...  (Portanto, a fuga terá sido a pé, e não de piroga, o que seria mais arriscado...).

Confessa o Zé Manel Lopes, seu contemporâneo na Guiné [, foto  à esquerda,  ex-fur mil, CART 6250, Mampatá, 1972/74, ] que, "apesar de ser meu conterrâneo, na altura não o reconheci, quando tal me foi comunicado pelo cabo do SPM de Aldeia Formosa, Camilo, também natural da Régua".

E acrescenta: "Após o regresso em agosto de 1974, procurei saber da sua situação. Levava uma vida muito complicada, pois se tornou pouco sociável (como muitos de nós). Não teve uma retaguarda, ou seja, um suporte familiar que o protegesse. Os conflitos eram frequentes. Internado várias vezes, de onde fugia sempre que podia (tornou-se um hábito)"... Seria mais tarde colocado numa casa de acolhimento onde viveu os últimos anos da sua vida e onde era bem tratado...

Este antigo prisioneiro de guerra (, situação que o exército nunca lhe terá reconhecido,)  sobrevivia com uma pensão de incapacidade de apenas 246 €, o que de facto era insuficiente para o seu sustento, concluía o Zé Manel que aproveitava, na ocasião, para "agradecer publicamente à família que o recolheu, especialmente à D. Juvelinda, que com tanto carinho o tratava".

A revolta do nosso amigo e camarada Zé Manel vai mais longe: por incrível que pareça, até do miserável suplemento especial de pensão que anualmente era atribuído a antigos combatentes (150 € / ano), o José António apenas recebia 75 €, pois, como fora capturado com apenas 7 meses de Guiné, o tempo que passou, quase 3 anos, como prisioneiro, não lhe foi considerado!!!

Quem eram os seus companheiros de cativeiro ? Aqui vai a lista, segundo o Zé Manel:

(i) o nosso morto-vivo António da Silva Batista, da Maia;

(ii) Manuel Vidal, de Castelo de Neiva;

(iii) Duarte Dias Fortunato, de Pombal;

(iv) António Teixeira, da Lixa;

(v) Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, do Porto;

(vi) Virgílio Silva Vilar, da Vila da Feira;

e (vii) Jacinto Gomes, de Viseu.

 Acrescentava o Zé Manel Lopes no seu mail de 4/3/2011:

(...) Viveu até há muito pouco tempo em condições absolutamente miseráveis e numa situação psicológica deplorável. Contudo graças aos esforços do Magalhães,  um ex furriel que também esteve na Guiné e vivia perto da local onde ele habitava e que conseguiu sensibilizar a drª. Maria José Lacerda, vereadora da Câmara Municipal da Régua", através dos Serviços de Assistência Social conseguiu-se um lar de acolhimento para o José António.

(...) "Atualmente a qualidade de vida de José António é muitíssimo melhor. Já fui visitá-lo e de uma das vezes foi comigo o seu companheiro de prisão, o Batista, o nosso 'morto-vivo' da Tabanca de Matosinhos. Como foi bonito!"...

(...) "Contudo é preciso saber se é possível melhorar a reforma de José António, ou se tem direito a algo mais como ex-prisioneiro de guerra, pois com apenas 243,32 € por mês, só por muito boa vontade e graças ao elevado espírito de humanismo e solidário da senhora que tem o lar de acolhimento,  ele lá pode continuar. E quero aqui agradecer publicamente a essa senhora que tão bem tem tratado o nosso camarada e tanto tem contribuído para a sua recuperação. E, acreditem, pela primeira vez o vi feliz, bem tratado, a conversar, a sorrir e com sentido de humor, o que me deixou feliz também a mim.

(...) Também gostaria de organizar um encontro na Régua com os oito camaradas que foram prisioneiros na região do Boé. Deixo os meus contactos" (...)


3. Comentário do editor:

Como diriam os romanos, RIP - Requiescat in Pace, Zé António!... Que a terra da tua pátria te seja leve, pobre camarada, valente soldado!... (**)



III Encontro Nacional da Tabanca Grande > Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > Depoimento do António da Silva Batista (1950-2016) sobre o tempo de cativeiro, em Conacri e depois na região do Boé (1972/74). Aqui se relata também a fuga do  José António, em março de 1974.

Vídeo (5' 43''): Alojado no You Tube > Luís Graça (2008)
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Notas do editor:

(*) Vd poste de 18 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8920: Banco do Afecto contra a Solidão (15): O caso do José António Almeida Rodrigues, ex-prisioneiro de guerra (entre Junho de de 1971 e Março de 1974): uma história de coragem e de abandono (José Manuel Lopes)

(**) Último poste da série > 23 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos

Guiné 63/74 - P15895: Parabéns a você (1052): Braima Djaura, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 19 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Março de 2016 Guiné 63/74 - P15885: Parabéns a você (1050): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

quarta-feira, 23 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos


Cópia da 2.ª via da caderneta militar do António da Silva Baptista (1950-2016)

Segunda via da caderneta militar do nosso camarigo António da Silva Baptista, emitida a 4 de Junho de 1987 (!), treze anos depois do seu regresso a casa, vindo do cativeiro...

Nascido a 15 de março de 1950, na freguesia da Moreira, concelho da Maia, foi incorporado no RI 13 a 26 de Julho de 1971, tendo passado à disponibilidade em 25 de Novembro de 1974...

O Baptista fez parte do lote de 7 prisioneiros portugueses (, pós-operação Mar Verde, de 22/11/1970), entregues pelo PAIGC às NT em 14 de Setembro de 1974, em Aldeia Formosa. Era sold at inf, pertenceu à  CCAÇ 3490 (Saltinho) do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74).

Imagem reproduzida, com a devida vénia, do blogue do nosso camarada Sousa de Castro, CART 3494 & Camaradas da Guiné)...


António da Silva Batista, em 21/7/2007.
Foto de João Santiago (2007)
1. A notícia chegou-nos hoje de manhã pelo Zé Teixeira. O António  da Silva Baptista, o nosso querido "morto-vivo do Quirafo", acaba de nos deixar...  Desta vez, a notícia, infelizmente, é verdadeira!... É a sua segunda e derradeira morte! (*)

Vivia ultimamente com a filha, que tinha um café em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, e estava doente.  Já há muito que não aparecia na Tabanca de Matosinhos, às quartas-feiras. Sofria de cancro dos pulmões, facto que nunca partilhou com os amigos. Nos últimos dias a situação agravou-se até ao momento... Tem outra filha que vive na Alemanha.

O corpo está em câmara ardente na capela de Santa Cruz do Bispo.  O funeral é amanhã,  5.ª feira, às 15h45, na igreja matriz de Santa Cruz do Bispo, seguindo depois para o crematório de Matosinhos... Estes dados foram-nos dados e confirmados pelo Zé Teixeira e o Álvaro Basto (que sempre o acarinharam nestes últimos anos da sua vida; foram, de resto, o Álvaro Basto e o Paulo Santiago quem o trouxeram até à Tabanca Grande, em julho de 2007).

Ainda há uma semana, a 15 do corrente, a malta lhe tinha mandado os parabéns pelo seu aniversário, os seus 66 anos!... O nosso camarada e editor Luís Graça escreveu-lhe, com o seu sentido humor de caserna, o seguinte:

"Grande Silva!... Passaste, pelas minhas contas, dois aniversários natalícios, nas 'regiões libertadas' do PAIGC, em 1973 e 1974... Certo? Foste dado como morto pelas NT e 'enterraram-te vivo'...  Ao fim de dois anos e meio, 'ressuscitaste'... Não haverá muitas histórias como a tua, no decorrer da nossa guerra em África... O que mais te desejo é que gozes, o mais que puderes, este teu dia de aniversário... E que a saúde não te vá faltando. 
Um alfabravo fraterno, 
Luís Graça".

Uma quinzena de camaradas, só no blogue, tirando a nossa página do Facebook, tinham-lhe desejado votos de saúde, que era o que ele mais precisava.


Maia > Moreira > Cemitério local > Foto do Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, mostrando o soldado António da Silva Batista, a visitar a sua própria campa, depois do regresso do cativeiro. O título da notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide pode ler-se: "À memória de António da Silva Batista. Faleceu em combate na província da Guiné em 17-4-1972".

A foto, de má qualidade, foi feita pelo nosso camarada Álvaro Basto, com o seu telemóvel, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, e remetida ao Paulo Santiago. O Álvaro Basto, ex-fur mil enf da CART 3492 (Xitole, 1971/734), mora em Leça do Balio, Matosinhos.

Foto: © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados.


2. Recorde-se que o  António da Silva Batista, ex-sold at inf da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, foi dado como morto na terrível emboscada do dia 17 de abril de 1972, em Quirafo, junto ao Corubal... Viria a ser libertado pelo PAIGC em setembro de 1974. A sua história  teve alguma triste notoriedade, até mediática, pelo insólito.  A RTP, por ex., no seu programa "Memórias da Revolução", chamou-lhe o "soldado morto-vivo", e associou-o às efemérides de setembro de 1974:

(...) O soldado António Silva Baptista, combatente na Guiné-Bissau durante a Guerra Colonial, no seguimento de um ataque do Partido Africano para a Independência da Guiné Bissau (PAIGC) a tropas portuguesas, foi dado morto pelas autoridades portuguesas, tendo a sua família realizado um funeral em sua memória. Em boa verdade, António Silva Baptista foi prisioneiro do PAIGC, tendo sido libertado em setembro de 1974. Esta história, devido à sua natureza caricata, alcançou bastante notoriedade em Portugal. (...)

Temos mais de quatro de dezenas referências (*) ao nosso camarada que agora nos deixa de vez.

O nosso pobre camarada morreu, de facto, duas vezes, tendo sido "vítima de um processo kafkiano", no dizer do nosso editor Luís Graça: primeiro, morreu, não fisicamente, mas militar e socialmente; depois, roubaram-lhe a memória, roubaram-lhe os dias e as noites que passou no cativeiro!

O seu nome passa hoje a figurar na lista (já longa, 43!) dos camaradas e amigos da Guiné, grã-tabanqueiros e grã-tabanqueiras, que "da lei da morte se foram libertando". (Vd. lista alfabética da Tabanca Grande, na coluna do lado esquerdo!)...

À família, à viúva, às duas  filhas e demais família, apresentamos as  sentidas condolências da Tabanca Grande,  bem como aos camaradas da sua companhia e aos amigos que com ele mais de perto conviveram, nomeadamente os da Tabanca de Matosinhos.  (**)


Maia > 21 de Julho de 2007 > O encontro com o António da Silva Batista (ao centro); à esquerda, o Álvaro Basto, ex-fur mil enf da CART 3492, Xitole, 1971/74) ; à direita, o Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)

Foto: © João Santiago (2007). Todos os direitos reservados.


Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial >  17 de abril de 2009 > Ao centro, a Cidália Ferreira, viúva de António Ferreira,  e, à sua direita, o António da Silva Baptista, também natural da Maia (e que já tinha tido,  até setembro 1974, jazigo com o seu nome e data de falecimento)...  Estiveram presentes nesta cerimónia outros camaradas nossos como o Zé Teixeira e o António Pimentel (à esquerda, na foto)  e o Paulo Santiago, que veio acompanho da sua filha, Maria Luís Santiago (, que foi quem tirou a foto). À direita na foto vê-se, de perfil, a filha do António Ferreira e da Cidália, mais a nossa amiga Cátia Félix, que está entre ela e o Paulo. Por detrás do Paulo, e segundo informação do José Teixeira, está o Sulimane Baldé, régulo de Contabane, que vive no Saltinho, e à data dos acontecimentos pertencia ao Pelotão do Santiago (,o Pel Caç Nat 53). Há ainda mais dois camaradas nossos: o António Barbosa, de barbas, de Gondomar; e o Santos Oliveira, de boina e óculos escuros.

Foto: © Maria Luís Santiago / Paulo Santiago (2009). Todos os direitos reservados [Legenda: LG, Paulo Santiago e José Teixeira]



 III Encontro Nacional da Tabanca Grande > Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > Depoimento do António da Silva Batista (1950-2016) sobre o tempo de cativeiro, em Conacri e depois na região do Boé (1972/74)

Vídeo (5' 43''): Alojado no You Tube > Luís Graça (2008)
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Notas do editor:

(*) Vd. aqui alguns dos postes publicados com referência ao António da Silva Batista:

22 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)


(...) Caído numa emboscada com o seu grupo de combate, foi feito prisioneiro e levado para as prisões do PAIGC, primeiro em Conacri e depois na região do Boé; o Exército deu-o como morto, tendo alguém (que não o alf mil médico Azevedo nem o fur mil enf Basto) passado uma falsa certidão de óbito.

O Batista foi contabilizado entre o monte de cadáveres desmembrados e calcinados, que ficaram na picada do Quirafo e levados - os restos - para os balneário do Saltinho. Quem tomou essa decisão, de ânimo leve? O capitão da CCAÇ 3490, do Saltinho? O comandante do BCAÇ 3872, de Galomaro? No mínimo, há aqui descuido, incompetência, grosseira insensibilidade, desumanidade!...

O Exército (e a PIDE/DGS que deve ter interceptado as cartas que ele enviava do cativeiro para a família, através da Cruz Vermelha…) nunca mais quis saber dele… E a prova é que o mantiveram na lista dos mortos… durante muito tempo… Hoje, felizmente, já não consta, pelo menos, da lista (oficiosa) dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes...


A odisseia do Batista, no pós-25 de Abril, do Porto a caminho de Lisboa, munido de um certidão de óbito (!), gastando tempo, dinheiro e emoções para recuperar a sua identidade (como vivo!) e a sua dignidade (como português, homem, cidadão e militar!) é outro processo kafkiano!...

Amigos e camaradas: este caso, mesmo passados muitos anos, deveria incomodar-nos a todos e sobretudo indignar-nos! Como ao Paulo Santiago, que aqui escreveu: "Filhos da puta!... Roubaram-lhe, na caderneta militar, os 27 meses de cativeiro!"...

O Exército ainda deve uma reparação, mesmo que seja meramente simbólica e moral, ao nosso camarada António da Silva Batista, a quem eu proponho que aceite figurar na nossa lista de amigos e camaradas da Guiné!

É o gesto mais elementar de solidariedade que nós, todos nós, podemos ter para com ele, acarinhando-o e ajudando-a lidar melhor com uma vida passada feita de pesadelos. Espero que o Paulo e o Álvaro possam fazer-lhe chegar esta singela homenagem do nosso blogue, e que ele a aceite! (..)

Guiné 63/74 - P15893: O nosso livro de visitas (188): José Rodrigues Cardoso, alf mil, CCS/BCAV 8320/72, cmdt do Pel Rec Info (Bula, 1072/74), residente em Tabuaço


Guiné > Região de Cacheu > Bula > CCS/BCAÇ 8320/72 (Bula, 1972/74) > Casa dos geradores > O fur mil Olhero vendo os estragos causados por um míssil. O Leonel Olhero, ex-fur mil cav, e nosso grã-tabanqueiro, pertencia ao EREC 3432 (Panhard), 1971/73.

Foto: © Leonel Olhero (2012). Todos os direitos reservados [Edição: CV]

1. Mensagem do nosso leitor e camarada José Cardoso, com data de 14 de fevereiro último:

Passo a apresentar-me:

Chamo-me José Rodrigues Cardoso, fui Alferes Miliciano da CCS do BCav 8320 no período de 72/74, em Bula, para onde fui em rendição individual em setembro de 1972, na qualidade de Comandante do Pelotão de Reconhecimento e Informações [[Pel Rec Info], onde passei a desempenhar também as funções de Adjunto do Oficial de Operações e posteriormente o de Oficial de Operações, por doença do então titular Sr Capitão Moás.

Só recentemente tomei conhecimento da existência deste blogue, por alguma indisponibilidade de tempo, o que não acontece agora por ter passado recentemente à situação de reformado.

Resido em Tabuaço, pequeno concelho da Região do Douro onde desde já me disponibilizo para receber qualquer camarada que comigo tenha estado na Guiné.

Fui informado que é costume realizar-se um almoço anual pelo que lá estarei este ano onde tenciono levar a Historia da Unidade da qual fui co-autor.
Para todos um grande abraço

José Cardoso


2. Resposta do editor Carlos Vinhal, com data de 17 do corrente:

 Caro camarada José Cardoso:

Primeiro que tudo peço que aceites as minhas desculpas por só hoje estar a comunicar contigo. Costuma-se dizer que quem toca vários instrumentos ao mesmo tempo não é perfeito em nenhum. Eu sou um caso.

Se quiseres participar no nosso XI  Encontro Nacional farás o favor de confirmar para mim. Tens aqui os pormenores.

Quanto à tua adesão à tertúlia da Tabanca Grande, onde com prazer te receberemos, para cumprir as formalidades mínimas tens de enviar uma foto actual e outra dos gloriosos(?) tempos de Guiné. Se possível tipo passe, se não, nós cá nos arranjaremos.

É costume, a título de jóia, contar uma pequena história pessoal ou colectiva, acompanhada, ou não, por uma ou várias fotos.

Já sabemos quem és, que posto e especialidade tiveste, unidade a que pertenceste, etc. Poderás no entanto acrescentar outros elementos que julgues necessários para que te possamos conhecer melhor.

Posto isto, com renovado pedido de desculpa, fico à espera das tuas próximas notícias, inclusive, a tua possível inscrição no nosso Convívio de 16 de Abril, acompanhado se assim o quiseres. (Mas não te atrases, que já temos cerca de centena e meia de inscrições, e o limite da sala são 200 lugares!).

Recebe um abraço do camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Último poste da série > 5 de fevereiro de  2016 > Guiné 63/74 - P15706: O nosso livro de visitas (187): Bom Ano Novo Chinês - Kung Hei Fat Choi ! 新年快樂!恭喜發財!Happy Chinese New Year ! (Virgílio Valente, em Macau; ex-alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74)

Guiné 63/74 - P15892: Inquérito 'on line' (49): Pifos não eram comigo, só por duas vezes! (Manuel Joaquim, ex-Fur Mil da CCAÇ 1419)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 15 de Março de 2016:


Pifos não eram comigo, só por duas vezes!

Noite feliz com copos

Não devo estar muito errado se disser que o vinho, a cerveja, o whisky e o gin foram minhas companhias diárias nos meus tempos de guerra na Guiné. Boas companhias, diga-se, já que só por duas vezes as nossas relações descambaram para a bebedeira. Uma na noite de Natal de 1966 e outra, uma semana depois, na passagem para 1967.

Daquela passagem de ano não me lembro de nada, directamente. Sei do tamanho da piela por uma frase que encontrei numa carta para a namorada: “Entrei [em 1967] com uma grandessíssima bebedeira. Não, não te atemorizes, meu amor, que não é para continuar. Não sou alcoólico, longe vá o agoiro”.
Se desta bebedeira não me ficou memória, da que apanhei na já referida noite de Natal ainda guardo lembranças, não muitas.

Tudo se passou na messe de sargentos, num edifício exterior ao quartel de Mansabá (a uns 100m). A coisa começou a “encher” durante o jantar do dia 24 e só parou a altas horas da madrugada.


Fotos 1 e 2 - Após o jantar, todos juntos ao fundo da sala para tirar a desejada foto, memória do último Natal passado na Guiné. Entretanto decidi testar a qualidade do meu equilíbrio apesar da “noite” ainda só estar no princípio. ©Manuel Joaquim

Finalizado o jantar, o tempo foi passando em clima de festa serena. Os camaradas confraternizavam, não só entre si mas também com as bebidas, sendo a cerveja a rainha da festa. A certa altura começou a debandada de uma boa parte deles para o quartel mas ainda ficaram os suficientes para encher o espaço do bar.



Fotos 3-4-5 - Ficaram bastantes para continuar a festa. ©Manuel Joaquim

A certa altura da noite, alguém começou a cantar uma canção de natal e surgiu logo a ideia de se fazer uma fogueira para continuar o convívio à volta dela. Não havendo madeiro de natal para queimar, serviram para o efeito as embalagens de madeira. A fogueira durou enquanto se não esgotou o repertório de canções natalícias (muitas!) ou então enquanto houve caixotes para queimar!


Fotos 6-7 -  Canções de Natal à volta da fogueira ©Manuel Joaquim

Esta “cerimónia natalícia” foi um dos poucos momentos felizes que passei na Guiné. Talvez os “copos” tivessem culpa de me sentir tão bem mas aquela nostalgia do Natal dos tempos de infância, a muita saudade dos nossos entes queridos, a beleza do momento dada pelas nossas vozes entoando aquelas canções numa bela comunhão colectiva à volta da fogueira, tudo isto até me fez esquecer o local onde estávamos e o perigo que corríamos todos os dias.
Mas a “magia” durou pouco tempo. Ao dar por isso, em vez de me ir deitar voltei para o bar da messe e entrei na função de bebedor. O cerimonial começou com a queima ritual de capas de palha que envolviam um certo tipo de garrafas, já não me lembro qual.

Foto 8 - Cerimónia ritual da queima da palha. Apelo à participação dos presentes no sacrifício de bebidas alcoólicas. ©Manuel Joaquim

Como mestre celebrante só podia ter um tipo de comportamento, o de dar exemplo activo de participação no cerimonial. Apesar de no início do acto já estar de “meia pipa” creio que cumpri bem e não durou muito tempo até eu encher o vasilhame. Fui de “caixão à cova”!

Foto 9 - “De caixão à cova”. ©Manuel Joaquim

A memória não me ajuda na descrição e por isso, para continuar, tenho de me servir do relato feito em carta, datada do dia seguinte e escrita no local dos acontecimentos, relato este merecedor de alguma confiança na verdade do seu teor. Eis o que diz o documento:
“A noite de Natal cá se passou. Uma barulheira infernal, bebedeiras a torto e a direito, noite em branco, choros, convulsões, maluqueiras, gritos histéricos, socos, cabeças partidas e mesas, copos, cadeiras a que aconteceu o mesmo. Bem, isto não foi Natal. Foi carnaval e do bom. Alegria falsa, no entanto. Se na noite de 24 para 25 ainda “alinhei” na coisa, ontem já não o consegui fazer. Era demais. A alma estava tão triste!... E continua.”

Mas que grande forrobodó! Tão grande como a “piela” que apanhei.
Pouco me lembro do acontecido e creio que se não tivesse as fotos não o conseguiria reconstituir minimamente, nem com o apoio deste relato sobre o qual não sei bem o que dizer.
Não me lembro da maior parte dos factos referidos na carta mas uma coisa sei; sei que não foi mentira porque nunca menti nas cartas que dirigi à minha namorada. Se por vezes não lhe queria dizer a verdade sobre alguma coisa, então não lhe falava sobre o assunto.

Mas a leitura deste relato trouxe-me a imagem do 1º sarg. da CCaç.1419, bem zangado, a queixar-se dos estragos provocados na messe de sargentos por uma “panelada” nocturna mas não sei se foi no Natal ou no fim do ano. Além de alguns pratos partidos e talheres tortos, havia panelas amolgadas por terem servido de instrumentos de percussão, tendo uma ou outra ficado inutilizada para a função devido a amolgadelas profundas, uma delas (a grande da sopa) com umas perfurações que a inutilizaram para todo o serviço. Quando aconteceu isto, foi na noite natalícia ou na passagem de ano? Em certas localidades ainda hoje há o costume de bater panelas e tachos velhos para saudar um novo ano. Se também foi o que sucedeu em Mansabá, não sei. Estava com a tal “grandessíssima bebedeira” e se calhar também fui um dos que andaram a bater com as panelas.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Março de 2016 Guiné 63/74 - P15887: Inquérito 'on line' (48): Bebedeira colectiva durante um assalto ao bar do Zé D'Amura (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546); O pifo monumental do "Jeová" no Domingo de Ramos de 1969 (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381)

Guiné 63/74 - P15891: Convívios (733): Encontro do pessoal da CCAÇ 412 (1963/65), dia 14 de Maio de 2016, na Mealhada (Alcídio Marinho, ex-Fur Mil)



1. A pedido do nosso camarada Alcídio Marinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65) damos a conhecer o próximo Encontro do pessoal da sua Unidade, a levar a efeito no próximo dia 14 de Maio de 2016, na Mealhada, que comemora este ano os 51 anos do seu regresso à Metrópole. 

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Março de 2016 Guiné 63/74 - P15883: Convívios (732): Almoço do pessoal da CCAÇ 2317, dia 4 de Junho de 2016, em Espinho (Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo Atirador de Infantaria)

terça-feira, 22 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15890: Agenda cultural (470): Apresentação do livro "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem", da autoria de Juvenal Amado, levada a efeito no dia 19 de Março de 2016, na sua terra natal, Alcobaça

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de hoje, 22 de Março de 2016, com o rescaldo da apresentação do seu livro "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem", levada a efeito no passado sábado, dia 19 de Março, em Alcobaça:

Caros camaradas 
No Sábado vivi mais uma jornada inesquecível de camaradagem, amizade e emoções à flor da pele. 
Desde o aparecimento, para um abraço, do António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CArt 3492, que há bem pouco tempo teve a coragem de vir até nós com a sua luta contra o cancro, do António Murta que veio da Figueira da Foz, ao Jero e a vários combatentes, alguns meus conhecidos como o José Lourenço, companheiro das andanças pelo o Porto com o Zé Cafezinho. 
Na mesa, o nosso camarada Belarmino Sardinha foi o meu suporte quando a voz me falhava. Um agradecimento muito grande ao José Alberto Vasco, que viveu na mesma rua que eu, e que por diferença de dois ou três anos já nem à tropa foi. À Rádio Cister, na pessoa de Piedade Neto, ao Jornal Alcoa, Região de Cister e Tinta Fresca, o meu mais profundo agradecimento. 
Também gostei de ver na plateia várias senhoras que provam que o meu livro acabou por tocar as pessoas para além do foro militar. É bom voltar à nossa terra e ver o carinho que ainda têm por nós. 
Vou mandar algumas fotos bem como um texto e depois mandarei todas para os arquivos do blogue. 

Juvenal Amado

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Marta
Pode ser um nome de paz ou de guerra.
Marta também será um nome feliz ou de sofrimento.
Eu conheço diversas Martas como Marias. Terão uma vida por de trás da imagem que lhes conhecemos. Respeitar a suas identidades, respeitar o que é de mais intimo, é no fundo um direito de qualquer ser humano, que não escolhe a praça publica para espalhar a sua vida em panfletos.
Mas eu conheço uma Marta, que sofre dos efeitos colaterais de uma guerra em que nós participamos há muitos anos. Era bebé quando o mundo dela passou a ter um pesadelo, hoje conhecido por stress pós-traumático, de que sofrem muitos ex-combatentes.
Essa Marta ama e assim sofre duplamente.
É uma heroína que trava uma guerra sem fim à vista há mais de quarenta anos. Uma guerra em que nunca houve vitórias, nem intervalos, mas com muitas derrotas antecipadas.
E esta Marta merece que a conheçamos.
A sua tragédia e a sua coragem são um exemplo. Serena, doce e sentida, é a confirmação de que por baixo de águas calmas de um lago, se agitam por vezes forças que nos querem aniquilar.
Mas ela combate com poesia nessa luta desigual. Nega-se a combater com as mesmas armas com que é agredida. Devolve a agressão com amor e escreve, com os dedos dormentes e o peito a sangrar.


Palhaço Triste

Não choveu hoje, e povo saiu à rua…
Houve desfile, carros alegóricos
Muitos confétis, serpentinas…
Sátiras previsíveis, inocentes brincadeiras…
Música de Carnaval, e algodão das feiras…

Foram algumas horas
Em que levei os teus netos a brincar…
Até chegaram a dançar…
Uma pediu pipocas, outro um balão…
Divertimo-nos? Talvez, entre a multidão…
Por escassos momentos,
Esquecidos… na confusão…

Levámos mais de uma hora para sair da praia
Lanchámos pelo o caminho…
Adiámos o que pudemos,
Esse regresso de mansinho…
E… voltámos… ao INFERNO!

Lá continuavas, amuado, enresinado,
Preparado para abalroar tudo e todos...
No teu caminho.
Horas antes
Teus olhos de fogo enraivecidos…
Teus braços fortes vencidos
Tinham desejado a morte
Aos mais queridos…
E que mais pai,
Fizeste tanto mal aos que te amam
Por causa desses fantasmas
Que te enganam
Te consomem…
Sinto a tua falta…
E nunca te tive!
Maldita seja, essa guerra…
Que em ti vive

(AO MEU PAI)
E todas as vitimas do stress pós traumático de guerra.
MARTA LUÍS do seu livro POESIA FORA DE MÃO

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A Marta conhece Homens a quem a Tropa Desfez. Destruiu e o deixou irremediavelmente perdido para os seus mais queridos, bem como para toda a sociedade. Não é culpado é uma vítima das circunstâncias, dos caminhos e veredas da vida.
Resta-me desejar-lhe que consiga levar a bom porto tudo o que anseia e que merece.

19 de Março 2016 - Dia do Pai
Em Alcobaça na Biblioteca Municipal aconteceu emoção, carinho, reencontro de muitos amigos e muita poesia.
Obrigado a todos
JA

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António Murta, António Eduardo Ferreira, Amadeu, Jero e Xavier

A Mesa com o José Vasco e o Belarmino Sardinha

António Eduardo Ferreira de costas

Eu e o meu cunhado. Dois combatentes e grandes amigos

Dois desconhecidos

Marta a ler um poema do meu livro, mas uma grande surpresa

Marta Luís, Piedade Neto, eu e o José Vasco

Palavras para quê? Pai e Filha no Dia do Pai
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Nota do editor

Vd. postes de 13 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15851: Agenda cultural (468): Juvenal Amado apresenta o seu livro "A Tropa Vai Fazer de Ti um Homem! (Guiné 1971-1974)", na sua terra, Alcobaça, na Biblioteca Municipal, sábado dia 19 deste mês, às 16h00. Além do alcobacense José Alberto Vasco, o livro será apresentado também por Belarmino Sardinha, nosso grã-tabanqueiro
e
18 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15873: Agenda cultural (469): Apresentação do livro "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem", da autoria de Juvenal Amado, levada a efeito no dia 16 de Março de 2016, na Tertúlia semanal da Tabanca de Matosinhos

Guiné 63/74 - P15889: Notas de leitura (821): Micropoemas do livro "Haikus do Japão e do Mundo" (Lisboa, Gradiva, 2016): seleção e oferta do autor, António Graça de Abreu, para os nossos grã-tabanqueiros

Antonio Graça de Abreu, escritor, poeta,
sinólogo, nosso camarada, com a sua esposa;
 foi alf mil, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa 
e Cufar, 1972/74]; é membro sénior  da nossa 
Tabanca  Grande, e ativo colaborador do 
nosso  blogue com mais de 170 referências.
1. Mensagem de Antonio Graça de Abreu

Data: 12 de março de 2016 às 15:35
Assunto: FEMINA
                      
Pela cópula entre homem e mulher, o yin e o yang obtêm o que necessitam, céu e terra conhecem paz e tranquilidade.

Anónimo, Clássico da Paz e Tranquilidade, dinastia Tang (619-907)

Se não trazem amantes para os quartos,
as vidas dos anjos não passam de um sonho.
                                                           
Li Shangyin (813-858)

Grave e leda no gesto, e tão fermosa
Que se amansava o mar de maravilha.

 Camões, Os Lusíadas, Canto VI, 21




Meus caros camaradas da Guiné:

Quando abríamos a vida em pleno para uma vida sexual activa e esfuziantemente bonita (tínhamos 21/23 anos),e em nós crepitava o fogo natural que os deuses nos concederam
para amar e entrar no feminino,
evanescente e mágico,
enviaram-nos para uma guerra, que não era nossa.

Vivemos durante dois anos, no calor e na metralha dos dias,
com a ausência da mulher amada,
a quase castração de amar,
o refugo do sexo.

Regressámos um dia.
E tínhamos, nem todos, à nossa espera a mulher,
companheira, tolerante e amiga,
que, pós Guiné, nos foi acompanhando,
ao longo de décadas e décadas de sinuosa vida,
que envelheceu connosco
e que, eleitos, entre os nossos combatentes e camaradas da Guiné,
continua a ser a almofada segura a que nos encostamos,
o corpo a que nos abraçamos,
ainda no desvairo final dos dias,
a mulher que nos sabe amar.
Essa será a companheira de sempre.
Em breve, partiremos para o aconchego dos deuses,
para o canto do Céu,  do vazio e do nada.
Com a certeza de termos amado,
de termos sido amados.
Ou então, de termos delapidado o amor na carícia sublime e falsa
em corpos de jade,
de mármore,
de carne serena ou exaltante,
perfumada, acariciante e breve.
Em corpos que jamais foram nossos,
e eram e são também os nossos corpos.
Muitas mulheres entraram, e saíram,
e voltaram a entrar nas nossas vidas.

Ex-combatente da Guiné, peço ao Luís Graça
que publique estes meus mini-poemas,
com imagens, sensibilidades, encantamentos,
sobre o erotismo suave, a lascividade perfumada.
Os poemas já têm seis anos de idade, mas são eternos.
E tenho para o meu novo livro, ainda este mês, com a Ed. Gradiva,
mais 200 poemas sobre as meninas/mulheres,
eternas companheiras,
a mais fantástica criação inteligente de Deus,
as figurações e fadas que povoam as nossas vidas.
Se valer a pena, dar-vos-ei notícias.

Abraço,
António Graça de Abreu


2. Comentário do editor:

Concordámos em não publicar o "power point" na medida em que o António não tinha a certeza sobre a autoria dos créditos fotográficos... As imagens foram recolhidas na Net por uma amiga. Não podem ser publicadas no nosso blogue, por causa da proteção da propriedade intelectual e do consequente risco de violação dos termos de utilização deste espaço que o Google nos concede.

A vida é feita de compromissos e de respeito pelos direitos dos outros...Os poemas e as fotos são belíssimos, os poemas são do António mas as fotos não. Em contrapartida o nosso camarada arranjou-nos uma alternativa... Os nossos leitores não ficam defraudados.  Obrigados pela compreensão de todos, e pela generosidade do autor. Os editores.

3. Mensagem de hojem do Antonio Graça de Abreu, com data de hoje

 Meu caro Luís:

Obrigado pelo teu cuidado. As imagens são de facto da Net, não sei de onde. Não fui eu que fiz o "power point", mas uma amiga. Por isso será melhor não colocar imagens, não vá o Google implicar.

Mas mando-te mais minipoemas da lascividade perfumada, cheios de erotismo suave.

Sem imagens, encaixam na bloguepoesia e já lá dizia o Camões, no canto IX de Os Lusíadas:

"Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
mas julgue-o quem não pode experimentá-lo."




Capa do livro. Cortesia da Gradiva  (vd. aqui página doFacebook):

"Recorrendo a uma forma poética de origem japonesa (haiku),
onde se valoriza a objectividade,
o autor apresenta um conjunto de poemas
que levam o leitor a viajar por locais distintos,
no Oriente e no Ocidente".


4. Figurações e fadas

E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.

Luís de Camões

“Não escrevas poemas de amor, são os mais difíceis.”

Rainer Maria Rilke (1875-1926)


267

Vim para ouvir
as palavras sagradas do monge budista,
mas penso na mulher de seda e rosmaninho.
Meu ser desliza na brisa
ao encontro da voluptuosidade faiscante
dos braços da minha amante.

278

Encontrar bom porto
nas mil enseadas
do teu corpo.

293

Chegamos à casa da aldeia.
Sob a cama, o criquilar de um grilo
saúda os amantes.

294

Mostrar-me-ás os caminhos do Tao,
yin e yang tatuados no teu ombro.
Depois, enlaçados, avançaremos para a noite.

295

Que sede!
O meu balde de prata
desce célere para o teu poço de jade.

296

As minhas mãos nos teus seios,
montículos de seda cor de rosa,
tépidos flocos de neve.

297

Perfeitíssimos
os teus seios.
E duas framboesas.

298

A seda dos teus seios
no molde dos meus dedos.
Hoje não vou lavar as mãos.

299

Entro no teu jardim.
Aberta para mim,
uma flor de marfim.

300

A tua roupa
esconde música celestial.
Dispo-te.

333

No duplo jade do teu corpo,
teus seios de fruta e avelã.
Meus lábios em viagem.

334

Para eu viajar em ti
entreabres a flor
adormecida no teu ventre.

335

Acaricio
o teu monte de jade,
fresco como musgo verdejante.

301

Beijos, carícias rendadas
dos meus lábios,
música sumptuosa no teu corpo.

302

Nua. Com os lábios teço,
na perfeição do teu corpo,
um vestido de ternura.

303

Partir-te ao meio,
embrulhando cada metade em mim.
Comer-te.

304

É sexo, é amor,
é poesia.
Todo o teu corpo é magia.

307

Que perfeição!
Limpa e pura, 
a água do teu banho.

308

Crisântemos na água do teu banho.
A tua nudez limpa
e perfumada.

310

Uma flor na névoa.
O teu pequeno pavilhão de cereja
abre-se para mim, como um livro.

311

Sou um hífen à solta
pousado
no mel do teu ventre.

312

Adormeces
no canto
silencioso dos meus braços.

325

Vasco Graça Moura fala
de “perfumes da penumbra da mulher.”
Quem sou eu para desejar
fragrâncias de um corpo jovem
para o grito dos dias 
e os silêncios da lua?

355

Meu desatino,
empilhar na volúpia da memória
os meus amores de outrora.

356

Sempre a mulher inexistente.
Beijo o vazio,
até sangrar a polpa dos meus lábios.





Poemas do meu novo livro Haikus do Japão e do Mundo, Lisboa, Gradiva Ed., 2016 [, coleção Cantares de Amigo, preço de capa , c. 15 €], saído da tipografia há três dias.

Com um abraço do António Graça de Abreu.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15888: (Ex)citações (305): A nossa Força Aérea viveu alguns dias de grande confusão com o aparecimento dos mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 21 de Março de 2016:

Amigo Carlos
Faço votos para que te encontres de boa saúde junto dos teus, pois se há coisas boas na vida a saúde é a principal.
A propósito do comentário feito pela camarada Manuel Joaquim ao último poste(*) que enviei, em que me pedia para esclarecer melhor o que se tinha passado para que os nossos feridos naquela tarde estivessem em Cobumba à espera do heli para serem evacuados e ele não apareceu, entendi que talvez fosse melhor enviar mais um poste sobre o assunto para esclarecer melhor o que se passou naquele dia.

Depois do almoço, alguns camaradas nossos que pertenciam a dois pelotões da nossa Companhia e a uma Secção de Armas Pesadas, que estavam instalados junto às primeiras tabancas logo a seguir ao rio Cumbijã, vinham a fazer o trajeto de Unimog 404 para o local onde “moravam” os outros dois grupos da Companhia, o Comando e quase toda a formação, que ficava junto a outras tabancas a poucas centenas de metros.

Já perto do arame que circundava o sítio para onde se deslocavam, junto a umas casas que a nossa Companhia estava a construir para a população, rebentou uma mina anticarro, de que resultaram quatro feridos a precisar de ser evacuados.

O estado em que ficou a viatura que acionou a mina

Feito o pedido de evacuação, como era normal, fomos informados que a mesma ia ter lugar, os feridos foram levados e colocados em macas no local onde os helicópteros costumavam aterrar, isto por volta das duas da tarde. O tempo foi passando e o barulho do heli, que todos esperávamos, não se fez ouvir. Já quase noite, recebemos ordens para levar os feridos para Cufar pelo rio Cumbijã, o que viria a acontecer, viagem que para além do nosso pessoal em três sintex que tínhamos na Companhia, contou com o reforço dos fuzileiros que estavam no Chugué, não muito longe de Cobumba.

Já noite chegou a Cufar um Noratlas para fazer a evacuação. Dos feridos, alguns voltaram à Companhia, mas pelo menos um ficou tão maltratado que não mais voltou, não sei o que o futuro lhe terá reservado… Chamávamos-lhe periquito porque tinha uns meses a menos que nós na Companhia, mas poucos, camarada sempre bem disposto gostava de dizer que era o Trinitá Cowboy Insolente.

Perguntava o Manuel Joaquim qual a razão para que aquilo tenha acontecido, tal situação ficou a dever-se aos dias de grande confusão que a nossa Força Aérea estava a viver, com o aparecimento dos mísseis Strela que até então eram desconhecidos, pelo menos para muitos de nós que em tal nunca tínhamos ouvido falar.

Foram muitos os dias difíceis que vivemos em Cobumba, mas aquele foi o que mais impacto negativo teve. Para além dos feridos e da sua não evacuação, do ponto de vista psicológico foi arrasador, o que nos levava a perguntar, mas onde é que nós chegamos se já não podemos contar com uma evacuação se tal for necessário? …

Durante algum tempo não tivemos abastecimento de frescos por helicóptero como algumas vezes acontecia. Nesse período houve um dia em que uma das refeições foi arroz com marmelada…
Passado aquele tempo de maior confusão, as evacuações voltaram a ser feitas dentro do tempo normal.
Tivemos mais uma situação em que três camaradas nossos foram evacuados, dos quais dois viriam a falecer mas não foi por falta de apoio aéreo.

A guerra na Guiné, com o passar dos anos, sobretudo com a introdução dos Strela, sofreu uma alteração radical, o que leva alguns camaradas que por lá passaram antes de tal acontecer a ter alguma dificuldade em entender como tudo mudou desde o seu tempo. Mas é certo que mudou e muito!

Para além dos terríveis mísseis, quase todo o armamento do IN era melhor que o nosso, possuíam um canhão sem recúo que quando se ouvia a saída, o rebentamento já estava a acontecer. Nós tínhamos dois na Companhia que depois de lançarem algumas granadas ficavam a necessitar de reparação, eles tinham o RPG, nós tínhamos a Bazuca arma completamente ultrapassada, apenas dois exemplos.

Um dos motivos para que as coisas se tornassem tão complicadas naquele sítio, como noutros, foi porque enquanto alguns locais foram abandonados pelas nossas tropas, outros muito difíceis vieram a ser ocupados, aquele calhou-nos a nós. Era um local onde os homens novos durante dias não se viam e, quando estavam, com o aproximar da noite abalavam…

As pessoas mais velhas estavam sempre por ali, algumas delas tinham estado ao serviço do PAIGC como carregadores de material de guerra, recordo-me do Miranda que dizia ter ir de vez em quando ao Xitole levar material.

Havia várias crianças, o filho do chefe da tabanca andava na escola do PAIGC em Pericuto, povoação próxima de nós, não sei qual seria a frequência de alunos.

Os mais velhos, que moravam na tabanca, passavam muitos dos dias próximo de um abrigo existente debaixo de um mangueiro, situação que nos servia de aviso para o que estaria para acontecer. Se algumas vezes nada de anormal ocorria, outras era a confirmação, embora sem escolher horário…

António Eduardo Ferreira.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 16 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15866: Blogoterapia (276): Porque continuamos a falar da guerra que vivemos na então província da Guiné? (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493)

Último poste da série de 29 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15810: (Ex)citações (304): Duas Actas e a mesma evidência: Não foram os soldados a falhar na Guerra da Guiné!... (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703)

Guiné 63/74 - P15887: Inquérito 'on line' (48): Bebedeira colectiva durante um assalto ao bar do Zé D'Amura (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546); O pifo monumental do "Jeová" no Domingo de Ramos de 1969 (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381)

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 11 de Março de 2016:

Prezado Luís Graça:
Naquele tempo também eu me habituei a gostar de Whisky, misturado com a água Perrier.
A bebedeira era, em certos casos, um problema complicado, quer entre os soldados, quer entre os graduados.
Envio a descrição sumária de uma bebedeira, a que chamo quase colectiva, que teve lugar em Bissau, na breve passagem da Companhia pela cidade, por alturas do NATAL DE 1967.

Um abraço amigo para todos
Domingos Gonçalves


Bissau, 20/12/1967

À noite, o pessoal quase todo, fez um assalto ao bar do Zé D'Amura. A intenção era esgotar-lhe todas as bebidas finas que ele tivesse no estabelecimento.
Os empregados foram trazendo para as mesas marisco, passarinhos fritos, cerveja fresca ....
E tudo foi acabando...

Depois, foi a vez do whisky, do gin, dos brandys ...

Experimentou-se de tudo quanto o estabelecimento possuía, para vender. No fim, compraram-se as últimas garrafas, ou o que delas restava, para beber no quartel, em ambiente esfuziante, todos aqueles líquidos que transportam as pessoas para outros mundos. Para um estado de espírito onde tudo quanto é mau se esquece.
Onde a vida parece que fica pintada cor de rosa.

É a paixão da bebedeira. Talvez a tentativa de esquecer a realidade que circunda a vida de cada um de nós.
Mas é só uma libertação momentânea, e passageira. A realidade nunca tarda a aparecer de novo.

E uns de cada vez iniciámos o regresso ao aquartelamento, que ficava a poucas dezenas de metros.
Os mais embriagados, sem que os empregados a tal se opusessem, talvez por receio, foram levando as cadeiras em que estavam sentados, e a que se agarravam para não cair.
Mas, uma após outra, foram-nas abandonando, ao longo da rua, pois, apesar de serem leves, já não podiam com elas.

E ainda há quem afirme que as bebidas alcoólicas dão força!

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2. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) com data de 11 de Março de 2016:

Luís e Carlos.
Junto uma estória verdadeira que como vosso desafio veio ao de cima no sótão da minha memória.

Abraços.
Zé Teixeira


Vinho do Porto em Domingo de Ramos

Numa bela tarde de Domingo, no domingo de Ramos de 1969, estava em Buba a saborear uns bons copos (não havia cálices) de vinho do Porto, na companhia de dois conterrâneos. O saboroso néctar tinha sido levado por um deles no regresso de férias à Guiné.

Passou por nós o “jeová”, um soldado da minha Companhia que, alegando que a sua religião não o permitia, se recusava a usar a G3. Era um tipo muito esquisito este “jeová”. Muito fechado em si. Não bebia qualquer tipo de bebidas alcoólicas, quase não comunicava com os colegas e não reagia às provocações mais ou menos atrevidas e “ofensivas” de alguns camaradas, por ser um dos elos mais fraco da Companhia.
Era contido na comida e ninguém lhe conhecia amizades junto da população.
Ofereci-lhe um copo e ele desdenhosamente respondeu:
- Na minha terra lavamos os pés com essa “surrapa” - e foi-se embora.

Pareceu ao grupo que o “jeová” merecia uma lição e fui encarregado de o trazer até ao cantinho onde costumávamos acoitar, dentro da arrecadação para saborear uns petiscos cozinhados por um de nós – o Mário.
Ao fim da noite apareci com ele e logo lhe foi oferecido um copo de vinho do Porto que ele acabou por aceitar e gostou. Pediu outro e outro... e outro e nós a vermos a garrafa a ficar vazia.
Levantou-se de repente e foi embora a cambalear, notando à distância que não ia sozinho.

No outro dia de manhã, o cozinheiro foi procurar-me à enfermaria. O “jeová” estava a dormir num banco da cozinha, onde era auxiliar, e dormia tão profundamente que ninguém o conseguia acordar. Apenas eu e os meus dois amigos de outra Companhia, sabíamos o que lhe tinha acontecido.
Fiquei preocupado ao verificar que e o "jeová” estava no sono de Baco, ou seja, em coma alcoólico e ali ficou “dormindo” o dia inteiro, a noite seguinte e só “acordou” já o sol ia alto no terceiro dia.

Ninguém ousou pensar que estava sobre o efeito de álcool, pois sempre tinha sido abstémio. Confesso que estava a entrar em pânico e já estava a pensar em tentar dar-lhe um reconstituinte alimentar à colher, quando ele felizmente “acordou” pediu um copo de água e adormeceu, agora um sono verdadeiro que durou pouco tempo.
Quando acordou, levantou-se e foi à vida dele.

Calou-se para sempre sobre os copos de vinho do Porto que bebeu e continuou abstémio, que eu saiba, até ao fim da comissão. E o segredo ficou entre nós...
Não sei se chegou aos ouvidos de algum superior, mas se chegou, ninguém se preocupou.

Zé Teixeira
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Nota do editor:

Último poste da série de 17 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15869: Inquérito 'on line' (47): Apanhei um "pifo de caixão à cova", uma, duas, três ou mais vezes... confessam 65 em 100! (Resultados finais)