quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16567: Agenda cultural (504): Lançamento do 1.º Volume de "Memórias Boas da Minha Guerra", da autoria do nosso camarada José Ferreira da Silva, dia 14 de Outubro de 2016, pelas 16h30, no Salão Nobre do Mosteiro da Serra do Pilar, na Rua Rodrigues de Freitas, Vila Nova de Gaia, com apresentação do Dr. Alberto Branquinho




1. Em mensagem de ontem, dia 5 de Outubro de 2016, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou um convite a todos os camaradas que possam estar presentes no lançamento do 1.º Volume de "Memórias Boas da Minha Guerra", da sua autoria.

A apresentação do livro, que terá lugar no próximo dia 14 de Outubro de 2016 (sexta-feira), pelas 16h30, no Salão Nobre do Mosteiro da Serra do Pilar, estará a cargo do nosso camarada Dr. Alberto Branquinho, ex-Alf Mil da CART 1689.



C O N V I T E   

Camaradas Editores do Blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné

Teria muito gosto em poder contar com a vossa honrosa presença na apresentação do 1.º volume das "Memórias Boas da Minha Guerra". 

Desde já, grato pela vossa atenção, apresento os melhores cumprimentos. 
José Ferreira 

PS: O acesso ao Quartel é limitado, pelo que é preciso comunicar os nomes dos interessados, assim como a matrícula dos carros para poderem parquear lá dentro. 
Por favor faça a inscrição aqui: https://goo.gl/forms/CRmU1tMBk7esWDF12 (uma por pessoa).
____________

Nota do editor

Último poste da série de 2 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16547: Agenda cultural (497): Lançamento do livro do nosso camarada Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e de amor", com prefácio de Mário Tomé... Dia 20 de outubro, 5ª feira, às 18h00, na Associação 25 de Abril, R Misericórdia, 95, Lisboa

Guiné 63/74 - P16566: Notas de leitura (886): Um"cheirinho" do livro do Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e de amor", a ser lançado 5ª feira, dia 20, na A25A, em Lisboa







Excertos do livro "Guíne: crónicas de guerra e de amor", de Paulo Salgado (Moncorvo: Lema d' Origem, 2016)


Fotos  e texto: © Paulo Salgado (2016). Todos os direitos reservados.


1. O Paulo Salgado, nosso camarada, grã-tabanqueiro de longa data, administrador hospitalar reformado, consultor internacional na área da saúde, com vasta experiência de cooperação na África Lusófona, ex-alf mil cav op esp (CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), escreveu o livro "Guíne: crónicas de guerra e de amor", ublicado em 2016 pela editora Lema d' Origem.

O prefácio é de Mário Tomé, antigo comandante da CCAV 2721.

Como já aqui anunciámos, a sessa de lançamento vai ser a 20 de outubro, 5.ª feira, em Lisboa, na A25A - Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95 (*).

A apresentação estará a cargo do jornalista, poeta e amigo de juventude do autor. Rogério Rodrigues, na Associação 25 de Abril.

O Paulo teve a a gentiliza, aceitando um desafio nosso, de nos mandar uns excertos (fotos e pequenos textos) do seu livro. É um "cheirinho!" da Guiné de ontem e de hoje, que ele tão bem conheceu e conhece. (**)
_____________

Guiné 63/74 - P16565: Inquérito 'on line' (72): Todos iguais mas uns mais iguais do que outros?... Resultado final (n=94 respostas): os ricos, os poderosos e... os famosos andaram comigo na escola (38%), na tropa (26%) e na guerra (17%)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > "Tugas" e "nharros", filhos de um deus menor... A CCAÇ 2590/CCAÇ 12 era constituida por cerca de 60 graduados e especialistas metropolitanos e 100 praças do recrutamento local.... Foi uma das companhia da "nova força africana" criada por Spínola. Nenhum de nós era filho de gente rica, poderosa ou famosa...

A foto fixou a progressão de forças da CCAÇ 12,  em   bolanha abandonada ou lala, no decurso de uma operação, na época das chuvas, no subsector do Xime, de Mansambo ou do Xitole (já não posso precisar)... O sector L1 equivalia em grande parte ao setor 2 do PAIGC, comandado na época por Mamadu Indjai (gravemente ferido em 18/8/1969 e depois substituído por Bobo Keita). Não demos tréguas uns aos outros nesta época... Todo o chão fula estava militarizado...

Foto: em primeiro plano, à esquerda, vê-se o fur mil at nf Arlindo T. Roda, o alf mil at inf op esp Francisco Magalhães Moreira (comandante do 1º Gr Comb e segundo comandante da companhia) e a seu lado, provavelmente sold 82105369 Mamadu Silá (Ap LGFog 3,7), fula, da 2ª secção (habitualmente comandada pelo fur mil at inf Joaquim João dos Santos Pina, natural de Silves)...Em quinto lugar, parece-me ser o comandante do 3º Gr Comb ( alf mil Abel Maria Rodrigues, transmontano, de Miranda do Douro) ou se o saudoso ex- 1º cabo José Marques Alves, de alcunha "Alfredo" (1947-2013), e que pertencia ao 2º Gr Comb. (Natural de Campanhã, Porto, vivia em Fânzeres, Gondomar,  à data da sua morte.)
Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]


1. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"OS FILHOS DOS RICOS E PODEROSOS DE ENTÃO ANDARAM COMIGO"...

Resultados definitivos, com base em  94 respostas (resposta múltipla):


1. Não, não andaram comigo na escola >  36 (38%)

2. Não, não andaram comigo na tropa >  44 (46%)

3. Não, não andaram comigo na guerra >  50 (53%)

4. Sim, andaram comigo na escola >  36 (38%)

5. Sim, andaram comigo na tropa >  25 (26%)

6. Sim, andaram comigo na guerra >  16 (17%)

7. Não sei / não me lembro > 9 (9%)

2. O inquérito 'on line' decorreu entre 28 de setembro e 5 de outubro e não chegou às 100 respostas.  Aqui vão alguns dos primeiros comentários que esta questão suscitou, entre os nossos leitores, camaradas, tanto no blogue como na nossa página do Facebook:


Domingos Robalo: 

(...) O sobrinho do ministro Sá Viana Rebelo e o filho do deputado à Assembleia Nacional falecido no acidente de helicóptero em Mansoa foram meus camaradas na Artilharia (BAC1 / GAC7). O primeiro comandava um pelotão de artilharia, creio que em Canquelifá e o segundo estava em Catió.  Outros "ricaços" e filhos de industriais por lá andavam em pelotões no TO. Obviamente que a maioria eram de origem mais modesta mas nem por isso menos considerados ou desrespeitados. Era assim na Artilharia. 


Rui Castanha: 

(...) Não faço a minima ideia de quem eram, no inicio, os meus camaradas de guerra ou melhor de tropa. Fomos todos iguais e cada um ocupou o seu lugar com as suas responsabilidades. A questão que se deveria ter colocado é se cumpriram ou não o seu papel. (..:)


Mário Vasconcelos:

(...) Durante o serviço militar nunca me preocupou saber a origem daqueles que correspondiam ao esforço praticado. Os laços que nos irmanavam eram de tal modo fortes, que esse aspecto, para mim, era irrelevante. Suponho ser mais admissível dizer que, durante o ensino superior, alguns fossem dessa proveniência. E, portanto, muitos deles devem ter representado a nação em esforço de guerra. Verdadeiramente, não sei quantificar. (...)


António Rosinha:

(...) Nas grandes aldeias portuguesas, de onde saiam a maioria dos tropas para a guerra, os mais ricos eram o merceeiro, o alfaiate, o cabo da GNR, o mestre escola, e o presidente da junta, porque tinha mais alqueires de terra do que os pobres. Se por acaso algum dos filhos destes ricos quisesse fugir à tropa, estudava, estudava até se formar, e se chumbasse, ia para a Suiça continuar os estudos, e até podia levar uma viola e vir a ser cantautor. No caso dos pobres, quem quisesse fugir à tropa, ia de pedreiro para a França, sem viola... Mas não se diz que o país era de "meia dúzia deles"?  (...) Os filhos de donos de pontas da Guiné, e roças em Angola e machambas de Moçambique, alguns também (não muitos, penso eu) foram estudar ou para a Suíça, ou Inglaterra ou França. No fim apareceram com uma cara "afivelada" de anti-colonialistas, anti-portugueses, mas disfarçavam mal. (...)


Carlos Vinhal:

(...) Na minha Companhia, apareceu em determinada altura um alferes miliciano para substituir o Alferes Couto, vítima mortal de uma mina. Mal chegado, afirmou para quem o quis ouvir, que o seu tempo em Mansabá seria muito curto pois estava à espera que alguém, muito próximo, chegasse a Bissau para manobrar os cordelinhos e o tirar dali. Assim se cumpriu, e assim chegou a Mansabá o Francisco Baptista em sua substituição. (...)


Francisco Baptista:

(...) Pois meu amigo Carlos Vinhal o Francisco Baptista foi das maiores vítimas do compadrio na Guiné. Quando fui substituir esse tal mariola, de boas famílias, sei que tinha um apelido Meneres eu já tinha 17 meses de mato, em Buba. Não protestei pelo destino que me reservaram porque achei que o meu estado psíquico não me iria permitir uma boa adaptação à guerra dos papeis e dos soldadinhos de chumbo dos nossos coroneis e dos seus protegidos. (...)


José Martins:

(...) Sim, andaram por perto, mas em determinada altura afastaram-se. No Jardim Escola, andaram bastantes, que depois foram-se dividindo pelas duas escolas da cidade e das localidades vizinhas.
Na altura do secundário houve nova cisão: os ditos ricos, abastados e agricultoras para o liceu; os remediados para a escola técnica. Na tropa estiveram dois comigo, quer na recruta quer na especialidade de teleimpressor. Eu segui para o CSM. Deles em foi para o QG do Porto, enquanto o outro ficou no regimento, impedido às pocilgas. Quanto pagou ao sargento da pecuária? Não sei, mas deve ter sido bastante. (...)


Hélder Sousa:

(...) Tenho ideia de se falar nisso lá na terra, em que alguns integrantes dos terratenentes se chegaram à frente para defender a integridade da Pátria mas alguns outros houve que foram escapando à mobilização e muito sinceramente já não sei 'fulanizar' esses casos (...)


C. Martins:

Filho de ministro na recruta... não era nada pretensioso... bom camarada e com grande espírito de humor... Num sábado foi o único da sua companhia que não foi de fim de semana, julgo que devido a castigo. Ao apresentar a companhia que era só constituída por ele...meu capitão (oficial dia) companhia pronta...o capitão olha-o de soslaio e diz.. .mande dispersar essa merda... este obedece prontamente...faz meia volta volver.. e dirigindo-se para a parada vazia...berra a plenos pulmões...AAATEEENÇÃO MEERRRDA DISPERSAR...o capitão fez um sorriso amarelo por baixo do seu bigode.

Meu capitão,  tenho uma lagarta na sopa.. resposta do capitão...coma que isso é tudo proteína...pode ser mas.. é "uma merda de proteína"..e afastou delicadamente o prato de zinco. (...)


Luís Graça:

(..) Um grande admirador de Salazar e influente deputado, Cazal Ribeiro, considerado um ultranacionalista, teve um filho, que foi piloto de heli AL III, e que morreu em Angola... Não sei se em combate, se por acidente,,, O caso na época foi muito falado... e provocou comoção nas fileiras do regime, O nosso Dom Duarte Nuno também a fez a tropa e fez uma comissão em Angola... São dois casos, públicos, que me ocorrem à memória. (..)


Valdemar Queiroz:

(...) E, então, os que pagavam para não ir pra guerra ? Sim, houve situações que eu conheci, de Cabos Milicianos com boa classificação na especialidade, ou em pequena rotação, o exemplo das variantes de Artilharia, não mobilizados, que se ofereciam em substituição por troca de dinheiro a outros com classificações mais baixas e mobilizáveis? Os chamados 'mata serviços'. Havia-os cá a 'matar serviços' nos fins de semana, que depois se estendeu à guerra na Guiné, que dava bom dinheiro. Lembro-me do caso no RAP3, Figueira da Foz, de dois de especialidade Munições de Artilharia,  meus conhecidos, um que foi um jogador conhecido de futebol, outro meu ex-colega na Veiga Beirão. O meu ex-colega na Veiga, grande crânio, com excelente classificação, trocou por dinheiro com o futebolista, dum clube conhecido, com baixa nota, para ir pra Guiné. (...)
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 5 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16564: Inquérito 'on line' (71): Os Filhos dos Ricos e Poderosos, incluindo os jogadores de futebol... (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

Vd- também postes anteriores:

29 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16538: Inquérito 'on line' (68): Quando os filhos dos ricos e dos poderosos de então andavam connosco na escola, na tropa e na guerra... Resposta até ao dia 5/10/2016, às 19h44...

30 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16543: Inquérito 'on line' (69): Perguntar não ofende, mas às vezes pode incomodar... Os filhos dos ricos e dos poderosos de então andaram comigo na escola (25%), mas não na tropa (52%) e menos ainda na guerra (56%)... Resultados preliminares (n=44)... Prazo de resposta até 5 de outubro, 4ª feira, às 19h44

4 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16559: Inquérito 'on line' (70): Ricos e pobres, a tropa e a guerra... O caso de um camarada meu do 4º turno de 1971, no CISMI, Tavira , que era alegadamente filho de um grande acionista da Tabaqueira (Henrique Cerqueira , ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã,

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16564: Inquérito 'on line' (71): Os Filhos dos Ricos e Poderosos, incluindo os jogadores de futebol... (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Torres Vedras > Runa > Centro de Apoio Social (CAS) de Runa  >  Obra da Princesa Maria Francisca Benedita >  Instituto de Acção Social das Forças Armadas

Foto: © Mário Gaspar (2016). Todos os direitos reservados


1. Mensagem de Mário Gaspar [ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]

Data: 5 de outubro de 2016 às 01:44
Assunto: Os Filhos dos Ricos e Poderosos


Caros camaradas


Sabem que regressei do Centro de Apoio Social de Runa – do Instituto Social das Forças Armas (IASFA), Ministério da Defesa Nacional. Em suma, regressei de um Lar de Idosos, no meu caso um Lar Militar das Forças Armadas Portuguesas. E "todos os Lares civis ou militares", não são os nossos lares, nestes em princípio, temos a Família presente.

Mas não vou falar de lares…

Discute-se um facto, e é a verdade que flui da minha boca, e os filhos dos ricos e poderosos e então – do nosso tempo de guerra, que não é nunca foi uma brincadeira de criança – falo por mim como Miliciano, esses filhos de ricos e poderosos que andaram na Escola da Câmara e mais tarde num Colégio Sousa Martins, em Vila Franca de Xira estiveram na Recruta na "minha tropa", mas na Especialidade de Atirador não vi nenhum.

Dei os meus primeiros passos no Serviço Militar no dia 3 de Maio de 1965 no Curso de Sargentos Milicianos (CSM), no RI 5, em Caldas da Rainha.

No mesmo Curso estiveram Rui Rodrigues e  Gervásio,  entre outros, jogadores da Académica de Coimbra. E Peres, este julgo também ser já jogador do Sporting Clube de Portugal, e o "famoso", "poderoso" de facto, Simões do Benfica, Campeão Europeu,  e que fez parte dos heróis do Futebol na Seleção Portuguesa, terceira classificada no Campeonato do Mundo de Futebol, em 1966.

Este acontecimento se dá quando eu – nunca fui voluntário – tive de "prestar provas para o Curso de Rangers, em Lamego".

Muitos os Milicianos recusaram frequentar o mesmo, ainda fiz parte da Equipa de Natação que representava o RI 14, em Viseu, no Campeonato da Região Militar, na Piscina, em Tomar. O Comandante deste Regimento que chefiava os nadadores era o conhecido também ex.futebolista da Académica de Coimbra, que venceu uma Taça de Portugal, o então Tenente-Coronel Faustino.

Nadei contra "nadadores civis federados", militares que representavam as suas Unidades. Julgo que também esses estavam no grupo dos "poderosos". Continuei por não ser voluntário, e por sorteio da vida, saiu-me ir frequentar o XX Curso de Minas e Armadilhas, na Escola Prática de Engenharia, em Tancos. 

Aí há a excepção, encontra-se o Aspirante Miliciano Oliveira Duarte, outro dos "poderosos". No meu conceito incluo estes que falei, nunca os culpando por estarem no grupo. Oliveira Duarte, jogador já do Sporting Clube de Portugal,  foi vítima de um jogo de "poderosos", estes sim "poderosos e «cunhas»", destes mesmos Militares que se livraram da guerra. 

Oliveira Duarte teve de partir para Angola, mas sendo "poderoso", frequentou o Curso de MA e lá foi para o grupo de futebol, livrou-se da guerra – perdeu, como nós todos,  tempo – e nós não só tempo – lembrar que nos ofertavam por estarmos em zonas de guerra. 

Ainda outros Desportistas, e não só do Futebol, caiu-lhes na sorte terem frequentado outras Especialidades, e atractivas e não foram à guerra.

Curioso, e é bom lembrar que os Milicianos na Guiné recebiam, julgo que ate fins de 1968 ou 1969 inclusive, menos verba mensal que os dos mesmos postos em Angola e Moçambique. Dizem estarmos mais junto à metrópole.

Estive na frente de um outro grupo que lutou para que o aumento de tempo que consta nas Cadernetas Militares ou Documentos que referissem o mesmo. E esse aumento é de 100%. Considerando que as horas de trabalho normal é de 8 horas, se nos encontrávamos de Serviço 24 horas, seriam 400%. Pois eu nem me contaram os 100%.

Nós somos, neste caso os não poderosos. Senhores com o nome de baptismo Cunha conheço… Mas esses "poderosos cunhas", vi por aí. Até na entrada em alguns "lares" e incluo todos, os "poderosos cunhas" estão presentes.

Quero lembrar um outro grupo que bem podia servir para dar a opinião, desconheço se foi ou não analisado: O Caso dos Nossos Capitães Milicianos que após terem cumprido o Serviço Militar e terem regressado a casa e frequentarem finais de Cursos Académicos são chamados e foram Camaradas não só, como nós na Guiné como noutras frentes de guerra.

Abraço a todos

Mário Vitorino Gaspar

NOTA: Em breve enviarei um texto - com fotos da minha autoria - sobre este Centro de Acção Social de Runa - CAS de Runa. Lembro, por curiosidade que fui chamado, e para entrar num outro "corredor da morte", este o "Centro de Acção Social do Porto", mas recusei, embora considere ter outras condições, muito embora numa zona dentro do Porto um pouco abandonada. Comércio fechado e casas abandonadas. Com outra qualidade de vida. Regressarei logo que tratar de uma infecção na boca.

______________

Guiné 63/74 - P16563: Os nossos seres, saberes e lazeres (178): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Antes de me lançar nesta deambulação montenegrina não tinha a menor ideia do que significava Kotor, nada conhecia das maravilhas arquitetónicas de uma fortificação medieval com sucessivas alterações até ao século XIX, muralhas que envolvem um velho núcleo urbano que conheceu o esplendor marítimo, várias ocupações, com particular relevo para a Sereníssima República de Veneza e o império austro-húngaro. Para os aficionados da arquitetura militar, não há pitéu maior: 4,5 km de muralha com uma largura que varia entre os 2 e os 16 metros, Kotor tem belas portas, torres, palácios e templos religiosos. E a beleza da baía não é insuperável porque continua pelos sítios espetaculares com Perast. Chovia que Deus dava mas guardei recordações indeléveis. Já passei por várias fronteiras já saí do comboio para o autocarro e do autocarro para o comboio, agora tomo novamente o autocarro e vou par outro Património da Humanidade, Dubrovnik.

Um abraço do
Mário


Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (3)

Beja Santos


De vez em quando apanho livros no lixo, melhor dito recolho livros abandonados. Tenho um vizinho que larga no vidrão resmas de publicações relacionadas com teatro, algumas delas com indiscutível valor histórico, levo-as para casa, limpo-as e depois entrego-as na Biblioteca do Teatro Nacional D. Maria II. Este livro da Jugoslávia foi recolhido na Feira da Ladra entre cacos de vidros e molduras podres. Data de 1978, fala de um país que já não existe, o tal país dos eslavos do Sul, constituídos por sérvios, croatas, eslovenos, albaneses, macedónios, montenegrinos e minorias onde constam húngaros, eslovacos, gregos e muito mais. De Belgrado já se falou, era a capital dessa república federativa que exalou o último suspiro com a partida do Montenegro, em 2006. A viagem que fui fazer de comboio até Sutomore, no extremo do Montenegro, tem amplos sinais essa república federativa inexistente: não quero exagerar, terão sido pelo menos cinco quilómetros desde que partimos de Belgrado a ver comboios em decomposição, abandonados em carris onde cresce a vegetação. Uma viagem cheia de peripécias, com trânsito para autocarros devido a obras, passámos de autocarro por Podgorica, voltámos ao comboio até Bar e daqui Sutomore, debaixo de uma chuva diluviana, deu para ouvir o marulhar do Adriático e de manhã cedo apanhar transporte para Kotor, sempre com chuva inclemente.




Segundo o guia da Jugoslávia que recolhi do lixo, datado de 1978, Kotor tinha 5 mil habitantes, 4 km de muralhas e em grande parte devia a sua imponência à época veneziana, mas encontram-se vestígios da colonização grega, por aqui andaram romanos, godos e bizantinos. Kotor caiu nas mãos dos austríacos e pertenceu ao império austro-húngaro até 1918. Em 15 de Abril de 1979 um tremendo abalo de terra arruinou a povoação e a maior parte dos habitantes desertou. Tudo mudou quanto Kotor foi reconhecido pela UNESCO como Património da Humanidade. Há sobejas razões para tal, é um ponto de encruzilhada que marca o esplendor marítimo montenegrino, a arquitetura assinala a presença veneziana e austríaca. Ruas estreitas marcadas pela antiguidade, panorâmicas sem rival de uma muralha que sobe em direção às cumeadas, belos templos religiosos. Felizmente que passei dois dias em Kotor, mesmo sob as ameaças da chuva.




Património da Humanidade pelo encontro de civilizações pelas igrejas medievais, pelos palácios sumptuosos, pelas marcas indefetíveis da República de Veneza, pela esplendorosa catedral alvo de restauros sucessivos desde o século XVII, pelos relevos da baía, ruas e ruelas contratando com as escadarias que os levam até ao forte de S. João, a 260 metros de altura.




Os países separaram-se mas a história comum é indelével. Passeando pelo porto de Kotor, o viajante encontra um monumento aos heróis da resistência aos ocupantes alemães. A vários títulos, foi um período dramático, já com a envolvente da guerra civil, basta recordar o ditador croata e os seus crimes ferozes. A escassos quilómetros de Kotor encontra-se Perast que no guia jugoslavo de 1978 tinha 500 habitantes, hoje a população é largos milhares, mais beleza inexcedível, mais tradição marítima, pois aqui houve um estaleiro naval imponente, o Czar Pedro O Grande enviou aqui gente para se preparar para fazer grandes armadas. Na baía encontramos duas ilhas, qualquer delas de tirar o fôlego. O dia estava nublado, o viajante acha que o leitor tem direito à comparação entre uma imagem de cariz romântico e a luminosidade que se pode desfrutar num dia claro e ameno, o que este bilhete-postal assegura, a tal ponto que dá vontade de viajar já para o Montenegro. A visita está feita, vamos mudar de país, segue-se para a Croácia, que tem no seu extremo mais Património da Humanidade, Dubrovnik.

(Continua)
____________

Notas do editor:

[1] - Poste anterior de 28 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16531: Os nossos seres, saberes e lazeres (176): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (2) (Mário Beja Santos

Último poste da série de 30 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16539: Os nossos seres, saberes e lazeres (177): 28 segundos de fama, adrenalina e felicidade de avô... Cernache, Coimbra, o meu primeiro vídeo de um salto em paraquedas... (Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho e Bambadinca, 1970/72)

Guiné 63/74 - P16562: (De)Caras (47): Ainda o enigma dos ferimentos de Mamadu Indjai [N'Djai] e a missão do Bobo Keita na mata do Fiofioli (Jorge Araújo)


Mamadu Indja (ou N'Djai), "herói e vilão", membro dos  serviços de segurança e chefe da guarda do secretariado do PAIGC, "ainda em convalescença", numa rara (e desfocada) foto, em Conacri, s/d, (c. 1973)... Recuperada de fotograma de vídeo da RTP, série "A Guerra", de Joaquim Furtado, 2007  (com a devida vénia...). Trata-se do episódio do assassinato do Amílcar Cabral e da prisão de Aristides Pereira.

[E, a propósito, diga-se que a série "A Guerra" é um trabalho ciclópico, sério e honesto de investigação, feito pelo Joaquim Furtado e a sua equipa, da RTP, que merece todo o nosso apreço e reconhecimento, independentemente de inevitáveis falhas, erros, omissões  e contradições. Isto,  sim, é verdadeiro  "serviço público". É pena que os vídeos não estejam disponíveis "on line", no sítio institucional da RTP, para o público lusófono em geral e os ex-combatentes em particular, e andem por aí pirateados... Vd. aqui a lista com resumo das 4 séries, em 42 episódios, transmitidos pela RTP, de 2007 a 2013, disponibilizada  por  http://www.macua1.org/guerrajf/aguerra.html ] (LG)




O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: 


(i) nasceu em 1950, em Lisboa; 
(ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 
(Xime e Mansambo, 1972/1974); 
(iii) é doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009),  
 em Ciências da Actividade Física e do Desporto;
(iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), 
Portimão, Grupo Lusófona; 
(v) coordena o ramo de Educação Física e Desporto, 
da Licenciatura em Educação Física e Desporto.


Mensagem do Jorge Araújo com data de 3 do corrente:

Caro Camarada Luís,

Bom dia.

Na sequência da leitura da acta da reunião do Conselho de Guerra, realizado em Conacri, em maio de 1970, permitiu-me chegar a novos dados sobre o tema em epígrafe. (*)

Porque acrescentam mais alguma coisa ao já divulgado, tomei a iniciativa de os organizar em nova narrativa, que anexo. (**)

Boa semana.

Um abraço, Jorge Araújo.



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE: AINDA O EMIGMA DOS FERIMENTOS DE MAMADU INDJAI [N’DJAI] E A MISSÃO DE BOBO KEITA NA MATA DO FIOFIOLI



1. INTRODUÇÃO

A presente narrativa tem por base fontes de informação «(d)o outro lado do combate» (título utilizado igualmente no projecto dos médicos cubanos, ainda não concluído), onde novos factos considerados fiáveis, nomeadamente no que concerne ao enigma relacionado com os ferimentos em combate do comandante Mamadu Indjai [N’Djai], nos permitem ficar mais próximo da verdade e que, pelo seu valor sócio-histórico, decidimos partilhá-los convosco.

Em simultâneo, e no desenvolvimento da investigação que continuamos a fazer, daremos conta também de outros acontecimentos relevantes tendo Bobo Keita (1939-2009) por protagonista, na medida em que entre ambos existem pontos em comum, de que um exemplo é o de terem sido nomeados comandantes da Frente da Mata do Fiofioli, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, cada um em tempo diferente, no mínimo entre os anos de 1969 e 1970.



2. O CASO DE MAMADU INDJAI  


Como foi referido no P16506 (*), ficou provado que Mamadu Indjai era responsável pela segurança pessoal de Amílcar Cabral (1924-1973), não se sabendo desde quando foi tomada tal decisão, e que em 19/20 de janeiro de 1973 é acusado de ter estado envolvido no assassinato do secretário-geral do PAIGC, vindo a ser executado alguns dias depois por esse motivo.

Disso dá-nos conta Beja Santos no seu espaço «Notas de leitura: Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral» onde cita:

[…] “Cabral avisou o então responsável pela sua segurança para que tomasse precauções. Ele era Mamadu N’Djai [Indjai], herói nacional, comandante da Frente Norte, três vezes ferido em combate e, de [naquele] momento, em Conacri, precisamente em convalescença do seu último ferimento” (P11001).

Valoriza-se nesta passagem o facto de Mamadu Indjai ter sido ferido três vezes ao longo da sua actividade de combatente na guerrilha. Não se sabe, porém, quando, como e onde terão acontecido as duas primeiras, bem como a dimensão de cada episódio, aceitando-se que a última vez [a terceira] seja a ocorrida durante o ano de 1972.

Entretanto, com a ajuda do nosso amigo Cherne Baldé, a quem agradecemos, ficámos a saber que Mamadu Indjai era um Guineense, do grupo etnolinguístico Biafada, natural do sector de Injassane (Ndajassane), ao norte de Buba, região de Quínara. Soube, através de um antigo combatente, que Mamadu Indjai foi um dos mais antigos elementos da guerrilha. As suas acções/tarefas/missões consistiam na sabotagem de telecomunicações e vias de comunicação através de abatizes, factos realizados num tempo anterior ao início da guerra [comentário ao P16519].

Pelo exposto conclui-se que Mamadu Indjai contabilizou uma experiência de guerra de mais de uma década. Durante esta fracção de tempo, sofreu ferimentos em combate no decurso da “Op Nada Consta”, em 18 de agosto de 1969. Porém, fica-se sem saber se esta foi a primeira ou a segunda vez.

Nesta data, o cmdt Mamadu Indjai foi gravemente ferido ao fim da tarde, depois da acção inicial de grupos de paraquedistas do BCP 12 que efectuaram um heli-assalto de surpresa a uma base IN de que resultou a sua destruição, a captura do roqueteiro Malan Mané e do seu RPG2 e de outras baixas (P23 + P2683).

De acordo com a última informação elaborada por Torcato Mendonça [que também lá estava], parte do grupo de Mamadu Indjai cairia numa emboscada montada pelo 3.º Gr Comb da CART 2339 (Carlos Marques dos Santos),  no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da ponte sobre o Rio Bissari.

Durante essa noite ouviu-se no rádio, e de forma clara, os apelos do IN para tentarem ajudar a saída para Conacri [ou Boké, que ficava mais perto] do cmdt Mamadu Indjai.

Em função dos diferentes relatos acima, considera-se historicamente válido o nome da “Op Nada Consta”, enquanto a “Op Anda Cá”, referida no P9011, não faz o mínimo sentido naquele contexto, pois nunca existiu [Torcato Mendonça].

Aproximadamente nove meses depois destes ferimentos, Mamadu Indjai considerou-os, de facto, graves, referindo-se a eles na Reunião do Conselho de Guerra (alargado), realizada entre 11 e 13 de maio de 1970, em Conacri, na presença de altos dirigentes do PAIGC, incluindo o seu líder, Amílcar Cabral.

A propósito dessa ocorrência, no final da sessão da noite do primeiro dia dos trabalhos, Mamadu Indjai fez uma intervenção, a qual ficou exarada em acta, de cujo conteúdo dá-se conta abaixo [p 11], bem como a sua fonte.



Citação:
(1970-1970), "Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34125 (2016-10-01).


Transcrição da intervenção de Mamadu Indjai, manuscrita por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra

Mamadu N’Djai (Indjai) – Agradeceu à Direcção do Partido o grande apoio que lhe deu para salvar a sua vida. Está pronto para retomar o trabalho, em qualquer momento. Pede uma missão entretanto, para não estar mais parado.

Amílcar Cabral – Esclareceu que ele não esteve parado. Convalescença não é estar parado. Podemos mandá-lo, por exemplo a Koundara [território da Guiné-Conacri, conforme imagem abaixo], “onde pode dar uma ajuda aos camaradas”.

(interrompeu-se a reunião às 00h00. Continua amanhã (12 de maio) às 16h30 da tarde. Nota: Amílcar propõe que depois de amanhã toda a gente deve preparar-se e quinta-feira partir).








3. O CASO DE BOBO KEITA


Sobre o estado de saúde de Mamadu Indjai e da sua posterior e natural substituição pelo comandante Bobo Keita (1939-2009-01, em Lisboa), Luís Graça, no seu espaço «Manuscrito(s): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível», cita:

 “Depois do ferimento grave de Mamadu Indjai, "operado de urgência na zona 7", o Amílcar Cabral não sabia quem o deveria substituir... O Bobo Keita ofereceu-se, em Boké, para substituir o Mamadu Indjai "por 15 dias", por sugestão de Amílcar Cabral... Acabou por lá ficar nove meses, ou seja, até ao fim do 1.º semestre de 1970... A "zona 7 (...) ficava nas regiões de Xime, Bambadinca e Xitole", diz o Bobo Keita, nas suas memórias "De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita", de Norberto Tavares de Carvalho, edição de autor, 2011, 303 pp. (P16444).

Por outro lado, Beja Santos, em nova «Notas de leitura: De campo em Campo, de Norberto Tavares
de Carvalho»: refere:

[…] “Bobo Keita é um guerrilheiro da Frente Norte, anda por Binta e Guidage, a base era Sambuia. Em junho de 1968 é ferido e evacuado para Moscovo e depois regressa [quando?] à frente Norte. No ano seguinte (1969), frequentou seminários em Conacri e depois foi para a [ex] Jugoslávia. No regresso [agosto de 1969?], ofereceu-se para ficar nas regiões do Xime, Bambadinca e Xitole, aqui passou nove meses [provavelmente até finais de maio de 1970?], vinha substituir provisoriamente [?] Mamadu Indjai.

Sobre o Bobo Keita temos 15 referências
no nosso blogue (incluindo
 transcrições das suas memórias)
Reorganizou a quadrícula: “a primeira medida que tomei no Leste foi acabar com a base central [em Mina / Fiofioli ] onde se concentrava toda a guerrilha e que daí procedia a longas marchas para ir atacar os quartéis.

Além disso, na base central concentravam-se as milícias e havia uma certa confusão. Existia também o risco de que qualquer ataque do inimigo pudesse causar muitas baixas na base, devido a tamanha promiscuidade. Formei três destacamentos [?] e um comando móvel.

Da análise às informações divulgadas por Bobo Keita, Beja Santos acrescenta: trata-se de “um relato com muitos altos e baixos. (…) Há notoriamente silêncios, beliscadelas e sentimentos feridos. (…) Estes comandantes recebiam documentação, mas nunca a invocam e muito menos a exibem. O que nos leva permanentemente a questionar como é que se vão cozer todas estas peças constituídas por depoimentos que mais ninguém valida” (P9137).

Daí que a expressão: “acabou por lá ficar nove meses, ou seja, até ao fim do 1.º semestre de 1970” diz-nos pouco; é ambígua, pois não refere o(s) motivo(s) da sua saída: foi de sua iniciativa ou foi decidida superiormente… imposta?

As respostas a estas interrogações fomo-las encontrar na acta da Reunião do Conselho de Guerra acima referida, e que seguidamente se apresentam:




Transcrição da intervenção de Amílcar Cabral, manuscrita por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra, sobre Bobo Keita

[…] Quanto a Xitole-Bafatá há um problema a resolver com bastante urgência. Parece que Bobo [Keita] com António Fiaz [Gomes] a coisa não está bem. Informa-se que Bobo nunca está lá, faz daquela fronteira [Leste] como uma fronteira do Senegal. Diz que não pára lá. Vamos investigar. Pede a Osvaldo [Vieira] que se encarregue de saber da situação neste Sector, que é um Sector-Chave para nós. Sobre Bafatá-Gabú (Sul) fizemos algumas operações, passaram o rio. Pensa que Baro Seidá só é que deve ficar lá. […]




Transcrição das intervenções de Osvaldo Vieira, Pedro Pires e Amílcar Cabral, manuscritas por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra, sobre a situação no Sector 2 (Leste)

Osvaldo Vieira (1938-1974) – Informa sobre a situação no Sector 2. António Fiaz [Gomes] está aborrecido com Bobo [Keita]. Bobo criou uma situação incómoda, porque combinou um encontro com os camaradas mas ele, Bobo, não apareceu. Refere que Mamadu [Cassamá], na frente Leste [viria a morrer em Copá, em 07 de janeiro de 1974 - P16317], os outros camaradas não queriam lá a sua presença. Ele faz lá reuniões. Foi em três bigrupos. Os camaradas levados por José Sambú recusaram-se a seguir as indicações de Mamadu. […]

Pedro Pires (n. 1934) – Fala sobre a situação de Bafatá-Gabú (Sul). Humberto tem lá dois bigrupos mas confronta-se com dois problemas: as distâncias e o rio [Corubal]. Ele está um bocado em baixo. Sobre a questão dos bigrupos há um problema: é que os comandantes não estão à altura, querem só estar fora. Isso não pode ser. Refere o exemplo do Papa-Soares. Humberto lamenta-se que não foi ouvido e está abatido.

Amílcar Cabral (1924-1973) – Quanto ao Humberto, de facto põe-se o problema da distância. Há ou não há população. São os próprios combatentes que têm de transportar o material. Explica como proceder em relação ao Humberto. Humberto está abatido porque não queria sair da reinança de Quinara. Ele não tem razão para afirmar que houve acusações injustas. “Há que mudar os comandos dos bigrupos ou mesmo os bigrupos. Devem agir rápido para evitar encrencas entre António Fiaz [Gomes] e Bobo Keita”. Refere o caso de Luís Gomes.

Infere-se deste último parágrafo que Bobo Keita (1939-2009), enquanto comandante de um bigrupo instalado na região da Mata do Fiofioli foi substituído na sequência da decisão tomada na Reunião do Conselho de Guerra de 11 e 13 de maio de 1970, e por este omitido no seu livro de memórias.



Nota: Para a elaboração deste texto foram utilizadas como fontes bibliográficas o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné [ou blogue da Tabanca Grande]  e portal «Casa Comum – Fundação Mário Soares», com a devida vénia, de acordo com as seguintes referências:




Instituição:
Fundação Mário Soares

Pasta: 07073.129.004

Título: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry

Assunto: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, de 11 a 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral.

Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai

Secretário: Vasco Cabral

Data: Segunda, 11 de Maio de 1970 - Quarta, 13 de Maio de 1970

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios 1960-1970.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: ACTAS
___________


(**) Último poste da série > 2 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16549: (De)caras (46): Ainda sobre a morte do alf mil Linhares de Almeida (1942-1967), nascido em Bissau e sepultado em Vila Nova da Barquinha (Domingos Gonçalves, ex-alf mil inf, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

Guiné 63/74 - P16561: Ser solidário (199): saúdo a Associação dos Filhos e Viúvas dos Antigos Combatentes das Forças Armadas Portuguesas, com sede em Bissau, e ofereço os meus préstimos (Joaquim Sabido, advogado, Évora; ex-alf mil art, 3.ª CART / BART 6520/73 e CCAÇ 4641/73, Jemberém, Mansoa e Bissau, 1974)

1. Comentário de Joaquim Sabido, com data de 20/6/2016, ao poste P16213 (*):


[foto à direita: Joaquim Sabido, ex-alf mil art, 3.ª CART / BART  6520/73 e CCaç 4641/73, Jemberém, Mansoa e Bissau, 1974);  hoje, advogado, a viver em Évora; é nosso grã-tabanqueiro desde 24/8/2010; tem uma dezena de referências  no nosso blogue]

Meus Camaradas;

Estranho ver esta notícia sem que até agora tenha sido objecto de qualquer comentário.

Por outro lado, compreendo que à "velhice" este tema lhes diga pouco. seguramente que tem mais que ver com os "periquitos", como eu, que vivenciamos a situação em que, assobiando para o lado, deixámos os Camaradas Guineenses que integraram a nossa "tropa".

De facto, quer as elites políticas quer as militares, à época, ignoraram pura e simplesmente estes Camaradas.

Ainda agora, sempre que me recordo desta actuação, sinto-me incomodado e envergonhado pela forma como tratámos e nos descartámos destes Portugueses nascidos na então Colónia ou Província - como se queiram - da Guiné.

Tive oportunidade de conversar com alguns deles, que faziam parte do celebérrimo e eficaz grupo do Sr. Ten Coronel Marcelino da Mata. Compreendi a sua enorme apreensão relativamente ao que iria acontecer. Textualmente, ouvi-os afirmar - como que em premonição - que: "agora vai no Morés e corta cabeça". Isto mesmo. E a maioria deles não se enganou.

E os mutilados e estropiados e/ou mutilados da Guerra, alguns em cadeiras de rodas, que já se encontravam a receber uma pensão do Estado Português ?. Nem quero imaginar o que lhes terá acontecido.

Com alguma emoção, saúdo esta recém-criada Associação. Que seja bem vinda e que possa, pelo menos, contribuir para reparar essa enorme injustiça que todos nós fizemos a estas pessoas.

Desde já me voluntario e me disponibilizo para ajudar em tudo o que possa. Nunca me debrucei sobre a questão jurídica e do que possa ser devido para minorar o sofrimento por que estas Viúvas e Filhos dos Combatentes Guineenses das FAP. Já que reparar esta situação é, de todo, impossível.

O Idrissa, ou o presidente da Associação dos Filhos e Viúvas dos Antigos Combatentes das Forças Armadas Portuguesas, AFVCFAP - que nos enviem o estatuto ou pacto pelo qual se rege a Associação e podermos então analisar qual é o objecto da mesma e ao que se propõe.

Um Abraço
Joaquim Sabido

Évora
_____________

Notas  do editor:

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16560: Ser solidário (198): Associação dos Filhos e Viúvas dos ex-Combatentes das Forças Armadas Portuguesa na Guiné-Bissau quer estabelecer parceria com a Liga dos Combatentes (Idrissa Iafa, jornalista da Rádio Pindjiguiti)


Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > Outubro de 2016 > Encontro entre a Associação dos Filhos e Viúvas dos ex-Combatentes das Forças Armadas Portuguesa na Guiné-Bissau com filhos e viúvas do sector de Buba.

Foto de Idrissa Iafa, Facebook (2016) ( com a devida vénia...)

1. Mensagem que nos chegou através do nosso amigo  Idrissa Iafa, jornalista da Rádio Pindjiguiti  com data de hoje, às 15h23 


Guiné-Bissau, Bissau

04/10/2016

Exmo. Senhor

Tenente General Joaquim Chito Rodrigues.
 Presidente de Liga dos Combatente.


Assunto: informação

Senhor Presidente

Viemos pelo presente informar, primeiramente,  da existência da Associação dos Filhos e Viúvas dos ex-Combatentes das Forças Armadas Portuguesa na Guiné-Bissau (*), com objetivo estabelecer uma parceria [com] a vossa Liga dos Combatentes.

A Associação dos Filhos e Viúvas dos ex-Combatentes das Forças Armadas Portuguesa na Guiné-Bissau que foi fundada 18 de novembro do ano 2014, e foi legalizada no dia 31 de maio do ano ]de} 2016. e publicado na boletim oficial no dia 13 de junho do mesmo ano.

E neste momento esta organização dos filhos e viúvas conta com mais de 300 associados e temos como objetivo zelar pela união dos interesses comuns dos filhos e viúvas dos combatentes, dedicação no acompanhamento da remuneração dos ex-combatentes e elaborar e executar projetos sociais em vários domínios para solidarizar com os nossos pais das forças armadas portuguesa.

Nestes momentos os nossos pais se encontra muito velhos e outros já morreram sem ter uma casa pelo menos e os filhos ficam sem ter condições financeiras para estudar.

Sem mais assunto, agradecemos pelo tempo disponibilizado na leitura desta pequena Carta. (**)

Obrigado [pela] boa compreensão

Atentamente

O presidente,

Suleimane Camara

Contatos:

[telef] 00245 955559707

Guiné 63/74 - P16559: Inquérito 'on line' (70): Ricos e pobres, a tropa e a guerra... O caso de um camarada meu do 4º turno de 1971, no CISMI, Tavira , que era alegadamente filho de um grande acionista da Tabaqueira (Henrique Cerqueira , ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74)



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Quartel da Atalaia > Antigo CISMI, hoje Regimento de Infantaria nº 1 (desde 2008)


Foto: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados


1. Comentário de Henrique Cerqueira [,  ex-fur mil,  3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, BiambeBissorã, 1972/74; vive no Porto]:

De princípio não achei lá muito interesse neste tema. No entanto e por força das visualizações do poste acabei por me lembrar de um caso relacionado que se passou no ano de 1971 em Tavira.

Então era o seguinte: quando estávamos no curso de sargentos em Tavira no 4º turno de 1971 e como quem lá passou se lembrará que era mais que frequente os instruendos serem praxados com várias idas às salinas para fazerem exercícios de ordem unida e outros, para belo prazer dos instrutores. Sim, porque de instrução não se tratava.

Mas o maior prazer dos instrutores era gozarem com o pessoal nas formaturas de almoço pois que eram tantas as idas às salinas que não havia fardamento que chegasse para estarmos em ordem nessas formaturas e daí era constante os castigos por falta de atavio.

É então que determinado dia um dos nossos camaradas de instrução, que por sinal se dizia ser filho de gente rica e que o seu pai era o dono da Tabaqueira, resolveu ir para a formatura de almoço completamente cheio de lama mal cheirosa ao ponto de mais parecer uma estátua de barro.

Não sei se era por ser rico ou não, o que é certo é que nesse dia a malta teve direito a mais um tempinho para se limpar.

Lembro-me perfeitamente que esse camarada, do qual não me lembro do seu nome, era muito irreverente já para a época, inclusivamente vivia em Tavira com sua mulher e filho e esta era de igual modo irreverente ao ponto de tanto o nosso camarada (filho de rico) como a mulher raparem o cabelo e assim ele já evitava as carecadas e ela por sua vez se solidarizava com o marido,  criando ao mesmo tempo um certo estilo de revoltosos com o sistema, o que para a época era já preciso ter muita coragem.

Na altura eu admirei este casal e em especial o nosso camarada que devia ser mesmo filho de pai rico, mas isso só nos trouxe vantagem.

Espero que este camarada esteja bem e que se ainda for rico tanto melhor para ele e que saiba que foi bom estar com ele na tropa em Tavira.

Esta estória vale o que vale assim como o tema em questão.

Um abraço a todos.
Henrique Cerqueira


2.  Comentário do editor:

Henrique, obrigado pelo teu contributo!... Afinal são histórias como esta que acabas de contar, que justificam o aparecimento deste tema, objeto do inquérito que está a decorrer até 4ª feira... Não há estudos sérios, académicos, sobre esta matéria, de modo a podermos responder à pergunta (legítima): os mancebos portugueses da nossa geração eram todos iguais face à obrigação de cumprir o serviço militar e, em caso de guerra, de defender a Pátria?

Tens boa memória em relação à tua passagem pelo CISMI,  em Tavira. Tu és do 4º turno de 1971, eu passei por lá no 4º trimestre de 1968... Mas as praxes eram as mesmas e havia alguns instrutores que usavam e abusavam do seu poder... Era natural que houvesse irreverência, resistência e até contestação (, dentro dos limites do RDM...) em relação a algumas práticas mais violentas, ou de violência gratuita...

Simplesmente não é irreverente, contestatário e resistente (ativo) só quem quer, mas também quem quer e pode... A liberdade tem um preço e os portugueses sabem disso, ao longo dos séculos e dos diversos regimes políticos. Alguns pagaram um preço bem alto pelo exercício da liberdade: prisão, tortura, morte, exílio, etc. Não vale a pena exemplificar....

Há vezes os exemplos (de irreverência, contestação, resistência...) vêm de dentro, da própria elite dirigente, dos seus filhos ou enteados...

Enfim, era interessante saber o resto da tua história: o alegado filho do dono da Tabaqueira cumpriu o resto da tropa, foi ou não mobilizado para o Ultramar, e, se sim, para onde, para que serviço, etc. ?

Permito-me, no entanto, fazer uma chamada de atenção: quem era o dono da Tabaqueira em 1971? A CUF... E a CUF,  de quem era ? Dos ricos e poderosos Mello... Não sei se tinham filhos e sobrinhos em idade militar na época (1961/74)...Mas não estou a ver um dos filhos (ou sobrinhos) dos Mello no CISMI, em Tavira, em 1971... 

A CUF era só... o maior grupo económico português!... Além disso, o mundo era vasto e largo, para as nossas elites. Con certeza que entre os 200 mil refractários da época havia ricos e pobres... É um número impressionante, num milhão de mancebos em idade militar, 20% foram refractários... 800 mil foram parar a Angola, Guiné e Moçambique.

Tens aqui o "historial da Tabaqueira", de acordo com os seus donos atuais, a poderosíssima multinacional Philip Morris International (, passe a publicidade).

A Tabaqueira, criada em 1927 por Alfredo da Silva, era a empresa líder do mercado nacional, produzia e vendia marcas de cigarros, nossas conhecidas, como Provisórios, Definitivos, Águia, Kentucky, 20 20 20, High-life, Porto, Ritz, Sintra, Monserrate ou Kayak. A sua concorrentes era a INTAR (sucessora da Companhia Portuguesa de Tabacos), responsável por marcas como Estoril, Kart ou Marialvas. 

Em 13 de maio de 1975, a Tabaqueira e a INTAR foram nacionalizadas. A empresa pública Tabaqueira - Empresa Industrial de Tabacos, E.P., criada a 30 de Junho de 1976, resultou da fusão,   numa única empresa,  de  A Tabaqueira, SARL e da INTAR - Empresa Industrial de Tabacos, SARL. (Estas duas empresas tabaqueiras detinham praticamente a totalidade do mercado nacional de cigarros).

Henrique, será que o teu camarada de 1971, no CISMI, Tavira, estaria ligado, por laços familiares, a esta INTAR?

3. Resposta do Henrique Cerqueira:

Bom quanto ao facto do meu camarada ser ou não ser filho do dono da Tabaqueira, eu não sei confirmar. O que na verdade era o que corria no meio da malta.  É um facto que esse meu camarada "ostentava" meios e comportamentos de pessoa abastada, embora isso não impedia que ele fosse um camarada de tropa e que provavelmente nem tivesse necessidade de se impor perante os camaradas menos "abonados" em dinheiro,  entenda-se...

Eu não fazia parte dos seus amigos que privavam com ele, mas a impressão que tinha dele era de admiração pelo seu comportamento, visto que ele tinha a "chancela" de menino rico e filho do tal empresário.

Havia por lá uns "pardais",  armados em ricos,  e alguns futebolistas mais ao menos (re)conhecidos e que, esses, sim,  davam o seu ar de importantes e,  como diz o António Rosinha,  uma de novos ricos. Lá se iam safando,  isso sim.

Um abraço antes que me espalhe ao comprido,  que este espaço é de fraternidade e não de más línguas. 
____________

Guiné 63/74 - P16558: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (19): Ainda a definição de literatura da Guerra Colonial ... e a crítica do filme "Cartas da Guerra"

 
1. Em mensagem de 30 de Setembro de 2016, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos o seu ponto de vista acerca da literatura e cinema dedicados à Guerra Colonial para integrar a sua série: "A Minha Guerra a Petróleo".



A Minha Guerra Petróleo (19)

Ainda a definição de literatura da Guerra Colonial

Aqui há uns posts atrás, o Branquinho levantou uma questão pertinente que se prende com a definição de literatura da “Guerra Colonial”. Poderá parecer uma questão secundária, mas só agora, já que, para o futuro, ela deverá ser claramente estabelecida, sob pena de se tomarem obras sérias por refugo e vice-versa. E já agora, tendo em conta a recente estreia do filme “Cartas da Guerra”, parece-me oportuno estabelecer o que se deverá entender por Cinema “da Guerra Colonial”. Podemos também juntar-lhe o teatro sobre o mesmo tema, embora esta forma de arte não tenha tido a “guerra” como tema, por razões que será difícil concluir.

Tenho para mim que estas três formas de arte: literatura, cinema e teatro revestem características documentais – registo, tratamento objectivo e exposição à consideração do espectador/leitor de factos ocorridos – que não estão presentes noutras, o que lhes permite serem mais aptas para a reanálise e reconstituição do sucedido num dado momento histórico. O Livro descreve detalhadamente os factos ocorridos, enquanto o Cinema mostra-os. E, enquanto o primeiro deixa ao leitor uma liberdade de interpretação, o segundo, através da imagem móvel, permite uma maior latitude de interpretação. Quer isto dizer que o espectador dá mais de seu na interpretação e apreciação de um filme do que o leitor de uma obra literária ou até (porque não) poética. Ambos estão sempre disponíveis para a consulta, o que não sucede com o teatro – essencialmente efémero – em que cada representação é sempre uma nova narrativa, quase sempre melhor a cada exibição… Mas o teatro, por si só merece uma análise mais detalhada.

O Branquinho[1] começa por apresentar uma premissa que também considero fundamental para a definição do que é "literatura da guerra colonial" e à qual dou o meu acordo total: deixando de lado toda e qualquer postura política ou ideológica.

Das cinco definições que apresenta considero a primeira (todo e qualquer escrito sobre a guerra) demasiado vaga, aberta e imprecisa. Nela cabe tudo, até os estudos científicos ulteriores, de qualquer tipo, sempre necessários sobre uma guerra ou outro qualquer facto histórico. Convirá que seja mais precisa, de modo a que o que se define seja claramente caracterizado, pois, de outro modo não valerá a pena sequer esboçar a definição. Com efeito, a guerra pode ser abordada, especialmente por estudiosos, segundo diversos ângulos, hoje ou em qualquer outro momento do futuro. Pode ser também abordada de modo algo fantasioso, o que, se não houver aviso prévio, poderá induzir o leitor a interpretações erróneas e opiniões inexactas. Bem bastam as que surgirem, com o passar dos anos!

Também não considero relevantes as três seguintes definições que propõe, considerando que todos ou quase todos sofremos a guerra à distância, bastando para tal sermos portugueses, vivendo ou não em Portugal. Igualmente era suficiente sermos portugueses para que sofrêssemos a guerra nos espaços de guerra ou longe dos espaços de guerra. Se, para escrevermos sobre a guerra, basta termos sido portugueses num momento histórico, teremos de concordar que, mesmo tendo vivido nos espaços de guerra, tudo não passará de uma recordação que, por vezes, não vai muito para além do “ouvi dizer que”. Tratar-se-á de uma evocação da memória, mas que não se fundamenta na experiência directa do facto. A “Guerra Colonial” será assim, mais uma envolvente, mais um elemento caracterizador do ambiente que enquadra a história que o autor quer narrar. Cabem neste caso as histórias das mulheres que esperaram os maridos ou namorados, as mães e pais que sofreram com a partida e tiveram ou não a alegria do regresso ou as experiências dos que residiam nos “TO daquelas PU”.

E resta a última, que considero a mais válida pela autenticidade do relato, mesmo prevendo que cada um de nós terá a “sua” verdade, expressa na narrativa que apresentar. É dado adquirido que, o modo como se viu e viveu uma dada situação e o respectivo relato posterior, podem estar marcados pela subjectividade. Isto pode criar dúvidas ou até suspeitas sobre se as coisas terão mesmo ocorrido assim e serve, muitas vezes, de argumento para que a respectiva credibilidade seja diminuída. Porém, não é menos verdade que o abuso do recurso a esse tipo de argumento não é nada conveniente. Chamo a vossa atenção para a grande coincidência entre as descrições do mesmo facto ou situação que se viveu e que está bem patente em muitos posts do blog, escritos por vários camaradas que viveram a mesma situação. É por isso que considero que literatura de guerra colonial é aquela escrita feita somente por quem fez a guerra. Às outras, falta a experiência vivida que nada pode substituir, mesmo que o narrador se esforce muito.

Esclareço que não pretendo vedar a ninguém o direito de escrever sobre a “guerra”, mas não haja dúvidas, de que uma coisa é fazer a guerra outra coisa é sofrer (de vários modos) com a guerra. E muito mais se o que se pretende é transmitir informação sobre o sucedido. A literatura baseada no "consta que" ou no "ouvi dizer" é deficiente e nunca poderá ser aceite nem em relação a esta guerra, a outra qualquer ou a um dado facto histórico.

Fico satisfeito quando encontro estudos sobre a “guerra”, mas não podemos tomar um estudo científico como literatura. Venham eles, objectivos e bem elaborados para que tenhamos (ao menos agora) uma perspectiva do que sucedeu!

Nada nos impede de escrever um romance sobre a guerra colonial. Porém, para além da trama que fica toda ao critério do escritor (ou até cineasta e dramaturgo) tem de haver um escrúpulo muito grande, de forma a criar um ambiente autêntico onde a acção se passe. É assim que se escreve bem e não faltam exemplos no nosso país e na literatura estrangeira. Quem escreve sobre o passado deverá ter sempre realizado previamente um estudo sobre o ambiente onde a acção decorre. Sei que esse trabalho é cansativo, especialmente se for detalhado e preciso. Ainda não escrevemos nada e já nos fartámos de ler e consultar fontes. Estas actuam sobre quem escreve como linhas a não transpor, sob pena de se faltar à verdade e, consequentemente, transmitir informação falsa a quem ler o livro ou vir o filme. É como pôr soldados romanos a combater os lusitanos, usando relógios de pulso. Nada nos impede mas, se calhar não era bem assim…

Voltando agora ao cinema, chamo a atenção dos camaradas para a reconstituição de ambientes feita pelos cineastas das séries inglesas que passam na TV. É um exemplo a seguir. No que respeita à literatura poderia citar, “Guerra e Paz”, “Adeus às Armas” e tantos outros que acabaram por se eternizar, principalmente pela veracidade de tudo o que rodeia a história que o leitor “devora”.

 E acabei por vir ter ao filme “Cartas da Guerra”! Não conheço o realizador, mas vejo cinema há alguns anos. Também não sei nada de música, mas não sou surdo. E só por estas duas frases já podem ver que não gostei, mesmo nada do filme. 

Poderia perder-me em pormenores técnicos como a voz da artista que fala em voz off e que, ou necessita de regressar ao Conservatório para aprender a dizer, ou o som da sua voz foi mal captado. Por mim, desmobilizei de tentar entender o que ela dizia. Não conheço as cartas que estão na base do filme e não estive nunca em Angola.

E ditas estas “declarações de interesses” passemos àquilo que mais me desagradou, por forte suspeita de falta à verdade. Chamo a atenção dos camaradas para o fardamento utilizado, as viaturas – aquela do Unimog 1300 com as guardas levantadas e o pessoal sentado daquele modo – os oficiais com a pistola “à banda” dentro do quartel, aquele quartel… que parecenças terá com aqueles em vivemos? Em suma: a reconstituição dos ambientes está – em minha opinião – imprecisa, mesmo que tal se deva à falta de meios.

Achei, no mínimo ridículo aquela cena em que os militares progridem numa área alagada com o terreno seco ao lado. Mas o pior é o médico com a G-3 e a bolsa de primeiros socorros a tiracolo. Conheci quatro médicos em companhias operacionais, dois deles viveram mesmo no aquartelamento da companhia e nem sequer tinham arma distribuída. Nunca vi nenhum deles com a bolsa a tiracolo, embora possa aceitar que se deslocassem a aldeias para exercerem a sua arte. Aceito que as intenções do realizador tenham sido as melhores, (é óptimo que alguém vá pegando este tema) mas os resultados não foram nem sequer modestos.

Parece-me portanto que deveremos considerar como “literatura da Guerra Colonial” os textos e só estes produzidos por ex-combatentes. Aqueles textos em que a guerra esteja presente, como elemento enquadrante da acção dos personagens, serão uma forma de literatura obviamente válida, mas não me consta que os escritores americanos (por exemplo) escrevam sobre a Guerra do Viet-Nam ou a da Coreia, quando escrevem um romance cuja acção se passa nos Estados Unidos, naquelas alturas e a elas façam referências.

Em relação ao cinema entendo e dou o máximo valor ao modo como o realizador “descreve” o ambiente em que a acção decorre reconstituindo o que as personagens veriam, os utensílios que usavam, o modo como vestiam, enfim tudo o que permita que quem vê o filme se sinta dentro da cena.

Podemos considerar que as “Cartas da Guerra” poderão ser um filme sobre a Guerra Colonial, mas não creio que tenha prestado um grande serviço à divulgação e à manutenção da respectiva memória.
____________

Notas do editor

[1] - Vd poste de 2 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16440: Contraponto (Alberto Branquinho) (54): Literatura da guerra colonial, o que é?

Poste anterior da série de 29 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16248: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (18): Resposta ao Manuel Luís Lomba