terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16962: (Ex)citações (323): em 1963 já havia um jornal "Nô Pintcha", a stencil... Apanhámos vários exemplares, na Ponta do Inglês, em 28 de janeiro de 1964, com um título de caixa alta: "Os colonialistas também têm mercenários"... Numa foto, via-se um individuo de cabelo comprido, camisa com ramos de flores, calções escuros e sandálias havaianas, a montar uma armadilha... Esse indivíduo era eu (Alcídio Marinho, ex-fur mil at inf, MA, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)


Guiné-Bissau > Bissau > 1975 > Cabeçalho do jornal trissemanário "Nô Pintcha",  ano I, nº 18,  6 de maio de 1975. É apresentado como "órgão do subcomissariado de Estado de Informação e Turismo" e, em princípio, com este formato, foi criado em 1975.  Em 27 de março de 2015 celebrou 40 anos, e é agora bissemanário.

(Imagem: Cortesia de Fundação Mário Soares > Casa Comum >Arquivos > Arquivo de Mário Pinto de Andrade).




1. Comentário do camarada, veteraníssimo, Alcídio [José Gonçalves] Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65), ao poste P16943 (*)


No meu tempo, quando o 3º pelotão da CCAÇ 412 esteve no Xitole de junho a fim de agosto de 1963, um dia na região de Mina, numa tabanca encontrei umas folhas feitas em stencil de um pequeno jornal chamado e intitulado de No Pintcha [, leia-se: Avante, em crioulo].

Nesses panfletos davam noticias sobre a chamada luta de libertação. Mais tarde, depois de estarmos no Enxalé 28 de outubro de 1963 até 25 de janeiro de 1964, fizemos  a nível de Companhia uma operação à Ponta do Inglês, em 28 de janeiro (operação Ponta do Inglês), em que levámos 13 longas horas para chegar ao acampamento inimigo, sendo este depois destruído. 

Aí apareceram diversos desses jornais, onde me foi chamada a atenção por um camarada que a minha fotografia aparecia na 1ª página. O titulo era o seguinte: " Os colonialistas também têm mercenários "Via-se um individuo de cabelo comprido, camisa com ramos de flores, calções escuros e sandálias havaianas, a montar uma armadilha. O individuo da fotografia era eu. O cabelo  andava comprimido, porque eu tinha tido um problema no couro cabeludo e por indicação do nosso médico, dr. Jacinto Botas, e devido ao tratamento, não podia cortar o cabelo.

A minha camisa era azul com folhas e flores amarelas, comprada em Bissau. Os calções eram azuis e tinham sido feitos pelo cabo (alfaiate) Eurico Valpaços Alves.  A foto era, na época, a preto e branco, e foi tirada na zona do Enxalé. (**)

Alguns exemplares foram entregues no Batalhão [de Çaçadores] 506 que os fez chegar a Bissau, onde oficialmente se ficou a conhecer a minha actividade. Um militar sem curso de Minas e Armadilhas, fazia mais estragos que muitas unidades.

Portanto já em 1963 havia um jornal chamado Nô Pintcha

Alcidio Marinho
CCAÇ 412 (1963/65)

________________

Notas do editor:


(*) Vd. poste de 11 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16943: Recortes de imprensa (84): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado por Fernando Delfim Silva e Oscar Oramas ("Nô Pintcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte II

Guiné 61/74 - P16961: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (38): 2 - O amigo Mohammed da Mauritânia


Nómadas no deserto


1. Em mensagem do dia 9 de Janeiro de 2017, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos a segunda história da sua mini-série O meu amigo Mohammed, este da Mauritânia.

Caros amigos
Tal como prometi, junto a segunda das quatro histórias de "O amigo Mohammed".

Grande abraço
JFSilva


Memórias boas da minha guerra

38 - O amigo Mohammed

2 - Da Mauritânia

Corria o ano de 1978 e estava eu a trabalhar na Sociedade de Fundição e Metalurgia, agora denominada de Sofume, nome mais em consonância com as leis do Marketing e com a modernização a que fora submetida. Esta empresa centenária, que fora Escola de Fundição, pertencia a Abílio Pinto de Almeida, quando foi adquirida em 1952 pelos cunhados António F. Alves (meu sogro) e Eugénio Guedes Barbosa, também sócios iguais na empresa “A Juvenil – Passamanarias”.

A Fundição fora implantada em local escavado nas rochas sobranceiras ao rio Douro, na sua margem esquerda, num local chamado de Murça. Ali, mesmo ao lado, já existia outra empresa, a Antiga Fundição de Murça (da família Paiva Freixo).


Zona do cais actual de Crestuma

Nesse tempo (até aos anos 40), Crestuma, talvez devido à sua forte irregularidade geográfica, ainda não tinha estradas, mas beneficiava de uma das melhores vias de transporte – o Rio Douro. Crestuma, apesar de, então, ser a zona mais industrializada de Gaia, tinha os escritórios centrais das suas empresas na cidade do Porto. Ainda hoje se podem ver os sinais desses proprietários nos edifícios da Rua S. João, perpendicular à zona ancoradouro da Ribeira.


Porto - Rua de S. João. Ao fundo o Cais da Ribeira do Porto


Soleira da porta de entrada dos escritórios na Rua S. João

Fascinado pela paisagem e pelo bom gosto de quem o construiu, procurei restaurar o Escritório Técnico, de onde se vislumbrava toda a beleza do rio e seu movimento fluvial. Era lá que eu passava grande parte do meu tempo, enquanto trabalhava.
- Senhor José, está ali um taxista, com um gajo meio preto, que quer falar consigo.

Dirigi-me para eles e após um breve esclarecimento da situação, mandei embora o taxista e voltei para o Escritório, levando comigo o “preto”.

Das suas primeiras palavras, entendi que se tratava de alguém ligado à Guiné e que “arranhava” o crioulo, um pouco melhor que eu. Também dizia alguma coisa em francês.
Mandei-o sentar e fiquei de boca aberta com o que vi.
- José, “a mim misste fogarêro di fero”.

Sempre de pé, desabotoou o casaco, meteu as mãos nos bolsos e começou a tirar deles maços de francos franceses.
- “A mim misste todo patacão di fogarêro”.

E empurrou-me o dinheiro todo. Eram mais de 400 contos! Tentei devolver-lho, mas ele insistia que só queria os fogareiros de ferro fundido e acrescentou:
- José, “tu bom pessoal. A mim tem confiança em bô”.

Curioso, perguntei-lhe para onde ia levar tanto fogareiro e ele respondeu:
- Um carro tem rádio e todo o camelo tem de ter fogarêro.


Fogareiro de ferro fundido

Depois de acertarmos o idioma mais indicado para nos entendermos: um português afrancesado ou um quase-crioulo afrancesado e fiquei a conhecer parte da história deste comerciante a que, na Guiné, chamavam “Jila”.

Soube que desembarcara em Lisboa há três dias, vindo da Mauritânia e que fora encaminhado, via CP, para o Porto. Depois de alguns contactos / informações, meteu-se no táxi e assim chegou à fábrica, em Crestuma. Andava com uma garrafa de água, para bebericar e para molhar as mãos e a cara antes das suas orações. Aliás, mal se apercebeu ter conseguido o seu objectivo, perguntou para que lado era o mar e inclinou-se para os lados de Lever (leste, lado de Meca) e fez as suas rezas a Alá.

Apercebi-me também de que ainda não comera durante esses três dias. Não ia a restaurantes, porque não se sentia seguro de ser servido com comida sem gordura animal (ou porco). Levei-o até Matosinhos e, na espectativa de lhe matar a fome, fomos almoçar ao Restaurante Mauritânia. Surpresa nossa: não encontrámos nada, além do nome, que identificasse ligação àquele país. Pensei que o arroz de marisco, fosse o mais indicado, mas o Mohammed só comeu o arroz.

O Mohammed tinha as suas origens ligadas aos mandingas do Mali e do grupo etno-linguístico Mandê. Como nómadas e de religião animista, foram vencidos pelos berberes que lhes incutiram a religião muçulmana.

Trabalhou regularmente como “Jila”, entre Bissau e Nouakchott. Mostrou conhecer Bambadinca, Fá Mandinga, Bafatá, Gabu e Canquelifá. Também conhecia bem as casas comerciais Gouveia, a Ultramarina, a Correia, Taufik-Saad, etc. Casou com uma jovem de uma tribo de nómadas, onde, actualmente, já deve ocupar lugar de responsabilidade.

O Mohammed confessou os dois principais objectivos imediatos: comprar outra mulher e ter outro filho. Talvez por isso, ele olhava tanto para as mulheres. Porém, ele considerava que as portuguesas eram quase todas doentes. Para ele, uma mulher magra não era conveniente para a reprodução. Pelo contrário, quando via uma mulher “tipo baleia”, ele arregalava os olhos a brilhar e exclamava:
 - “Muié bonita”!

Para ele, que era um “fivelinhas” de menos de 40 Kgs, uma mulher “bonita” teria que pesar mais de 100 Kg.

O Mohammed não parava de dizer “Portugal manga di verde, bonito”. Resolvi ir dar uma volta com ele pelo Minho.

Depois de visitarmos o monte da catedral de Santa Luzia, em Viana do Castelo, parámos num bar uns 200 metros mais abaixo. Fomos beber qualquer coisa, enquanto saboreávamos aquela paisagem deslumbrante. Uns minutos depois, ele saiu e pôs-se a rezar, de costas para Viana do Castelo e virado para o Monte de Santa Luzia. Por coincidência, estava curvado, quando, um homem que passava, lhe estendia uma esmola. O Mohammed, alheio ao gesto, curvara-se de novo. Ao aproximar-me, ouvi o homem, ainda de mão estendida, a dizer-lhe:
- Tome lá. Levante-se e deixe-se disso.

Quando lhe propus comermos um arroz de frango “à maneira”, ele não se pôs de fora, mas confessou que não podia aceitar, uma vez que o animal teria que ser morto por ele ou pelo seu superior religioso. Pedi então à minha sogra que cedesse uma galinha para o sacrifício. E foi sob a sua orientação que lhe proporcionámos as condições “logísticas” e religiosamente exigíveis para a “execução”.

Ainda o estou a ver na eira, de cócoras, com as mangas do casaco arregaçadas, os cotovelos pousados nos joelhos e com os braços e mãos a moverem-se tipo guindaste na doca, deslocando-se, manuseando a faca e “executando devidamente” a galinha. Tudo isto diante de duas bacias de água, uma quente e outra fria, as quais utilizava, com intervalos de rezas para Alá, cuspindo, de vez em quando, para o lado.

A minha santa sogra, pensando tratar-se de alguma bruxaria, benzia-se repetidamente e ia rezando/murmurando/contestando em voz baixa. O homem consolou-se com o frango cozido. Nem parecia o mesmo.

No dia seguinte, só falava no desejo de uma sopa de legumes. Como teria que ser sem gordura animal, procurei um “Caldo Verde”. Só o encontrei no terceiro Restaurante em que procurei. Mandei retirar a “tora” (rodela de chouriço) da malga dele. Porém, o Mohammed receou tanta pureza e recusou a sopa. O empregado, parecendo compreender a situação, ofereceu-se logo para trazer outra sopa, garantidamente sem chouriço ou outras carnes. O Mohammed olhou-me para eu lhe dar a confiança de que necessitava. E tudo correu bem.
- “Muito bom sopa! Pode cumê más”?

No final, depois do café, ainda sugeri um licor. Sem álcool, claro.
O mesmo empregado trouxe dois pequenos copos com um licor cor-de-rosa.
- “Muito bom bebida”! – gabava o Mohammed.

Na despedida, o empregado dizia-me:
- Não se preocupe com este tipo de pecados. O que interessa é que o homem fique com a consciência tranquila e o corpo satisfeito. E se o Alá me quiser foder a mim, que o fiz pecar, tem que vir aqui, a Matosinhos.

Pensando ter cumprido a sua missão, o Mohammed pediu-me se o levava a Aveiro, onde queria ficar. Ele insistia no “Stella Maris”. Fiquei a saber que se tratava de um Clube da Gafanha da Nazaré, em Ílhavo, muito frequentado pelos tripulantes de empresas que pescavam na costa da Mauritânia.
Quando lá chegámos fiquei surpreendido com o ambiente amistoso que me dispensaram. Apercebi-me de que o Mohammed já havia falado bem de mim. Comeu-se bom peixe e bebeu-se bom chá. Se o chá embebedasse, eu não teria conseguido sair dali.

Silva da Cart 1689
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Nota do editor

Poste anterior de 30 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16895: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (37): 1 - O amigo Mohammed da Guiné

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16960: (Ex)citações (322): não havia "praias de Biombo" para todos, em fim de comissão... Contavam-se pelos dedos os "oásis de paz", os "pequenos paraísos": Ondame, Varela, Contuboel, Cansissé, Bafatá, Bubaque...


Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Foi na fonte de Semba Uala, que os nossos corpos se retemperaram de energias abaladas. Também, com exasperados desejos, se buscavam encontros de encantos.

Foto (e legenda): © Idálio Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > “Sintra de Bafatá”. Caminho que ia de junto do Mercado até à Mãe d’Água e casa do comandante do Esquadrão. Todo o percurso era ensombrado, como os caminhos da mata de Sintra. Na foto, o Fernando Gouveia, à civil.

Foto  (e legendas) © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Zona da Mãe d’Água, também chamada “Sintra de Bafatá”, onde havia umas mesas para piqueniques e que, de vez em quando, a esposa do comandante Esquadrão organizava uns almoços dançantes em que eram convidados além dos alferes, e penso que alguns furriéis (16 B), todas as meninas casadoiras de Bafatá, libanesas e outras.

[O Fernando Gouveia não quis identificar o Esquadrão, mas o último do seu tempo, foi o Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71, cujo comandante era o cap cav Fernando da Costa Monteiro Vouga; reformou-se como coronel, e é autor de diversos livros sob o nome de Costa Monteiro].

Foto  (e legendas) © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste > Contuboel > A dolce vita dos dois primeiros meses de comissão... Luís Graça (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11), em passeio pelo Rio Geba, em junho ou julho de 1969: Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba... Nunca soube quem nos tirou esta foto... fabulosa. Levei 40 anos a tentar recordar-me do nome do barqueiro...

Foto  (e legendas) © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Do José Nascimento, ex-fur mil da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) publicámos há dias um poste com fotos do destacamento de Ondame e praia de Biombo, a que ele chamou "um pequeno paraíso, um oásis de paz" (*)... Aqui passou os últimos meses da sua comissão, tendo escrito o seguinte sobre este lugar:

"Adeus, meu pequeno quartel do Biombo, adeus a este pequeno paraíso por onde a guerra não passou, adeus aos mais belos tempos desta parte da minha juventude, parto para a Metrópole, mas deixo aqui o meu coração".

Era um "pequeno paraíso", um "oásis de paz", para quem, como ele,  tinha vindo do "inferno do Xime"... Foi uma bela prenda de fim de comissão... Só que não havia "praias de Biombo" para todos...

(i) Contuboel

Falando de "oásis de paz", eu só conheci um, em junho/julho de 1969, quando fomos (a CCAÇ 2590, meia centena de "tugas") dar a instrução de especialidade e a IAO aos nossos soldados do recrutamento local (uma centena), formando mais tarde a CCAÇ 12... Esse sítio chamava-se Contuboel (região de Bafatá). E havia um corredor Bafatá - Contuboel - Sonaco, "livre da guerra", nessa altura...

Em Contuboel funcionava nessa época um Centro de Instrução Militar... E num raio de 15 km eu achava que se podia ainda andar desarmado... Fizemos a IAO com cartuchos... de pólvora!

2. Será que havia outros pequenos paraísos e oásis de paz no TO da Guiné, ao longo dos anos de guerra em que lá estivemos? Parece que sim, alguns já aqui foram referidos (e documentados) no nosso blogue:

(ii) Susana / Varela / Praia de Varela (no Cacheu)

Ainda há dias encontrei o antigo comandante da CCAÇ 1791, que hoje deve ser coronel reformado, o então cap inf António Maia Correia, pai de uma amiga e colega minha. Só temos uma referência sobre esta companhia, que também fez a Op Lança Afiada, em março de 1969, no setor L1 (Bambadinca). Acabou a comissão (abril / agosto de 1969) em Susana, e o antigo comandante disse-me que, como prémio, cada pelotão passou um mês em Varela, que era "a Sintra da Guiné"...

Antes de Susana, a CCAÇ 1791 / BCAÇ 1933 passou por Encheia, Contuboel, Geba, Empada, Biambe, Bula, Bambadinca...

(iii) Cansissé

Outro oásis de paz terá sido Cansissé, pelo menos para quem vinha do "inferno de Gandembel", como foi o caso da CCAÇ 2317:

Ver aqui os postes do Idálio Reis:

2 de agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P954: Cansissé, terra de mil encantos (Parte II) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

(iv) Bafatá

Tirando os Bijagós (onde não havia sinais de guerra), com destaque para Bubaque..., não haveria muitos mais "oásis de paz" na Guiné, durante a guerra... Talvez Bafatá, no tempo do Fernando Gouveia (1968/70):

Vd.poste de de 12 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12434: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (10): A Mãe d'Água ou a 'Sintra de Bafatá', local aprazível e romântico onde se realizavam almoços dançantes para os quais se convidavam os senhores alferes, alguns furriéis e as moças casadoiras

Mas os nossos camaradas, nossos leitores,  talvez saibam de outros "secretos paraísos", "oásis de paz", perdidos pela pequena e bela Guiné do nosso tempo... Vamos lá desenterrar essas memórias (**)..
.  

Guiné 61/74 - P16959: XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 29 de Abril de 2017 (1): Primeiras informações

Palace Hotel Monte Real (Termas de Monte Real) > 16 de Abril de 2016 > XI Encontro Nacional da Tabanca Grande
Foto de família © Miguel Pessoa


XII ENCONTRO DA TERTÚLIA DA TABANCA GRANDE

DIA 29 DE ABRIL DE 2017

PALACE HOTEL DE MONTE REAL


Camaradas e Amigos Grã-Tabanqueiros:

O tempo passa tão depressa que quase não damos por ele. 
Feita em devido tempo a pré reserva no Palace Hotel de Monte Real, entrado que foi o 2017, há que começar a organizar o XII Encontro Nacional da Tertúlia do nosso Blogue que terá lugar no próximo dia 29 de Abril. 

O Joaquim Mexia Alves, que tem a incumbência de no terreno preparar tudo de molde a que nada falhe, enviou-nos os preços do almoço, das dormidas e ementa para este ano.

A novidade, menos agradável para quem paga, mas quanto a nós aceitável, é que o preço proposto para o almoço e lanche é de 35,00€, mantendo-se inalterados os preços das estadias.

Quando dizemos aceitável, não estamos a falar em nome da carteira de cada um, mas em função dos preços até agora praticados. Recordemos:

III Encontro Nacional - 2008 - Quinta do Paul - Ortigosa - 29,00€
IV Encontro Nacional - 2009 - Quinta do Paul - Ortigosa - 31,00€

Em 2010, para o V Encontro Nacional, a Quinta do Paul propôs-nos novo agravamento, pelo que, por sugestão do Joaquim Mexia Alves, nos transferimos com armas e bagagens para o Palace Hotel das Termas, onde nos propuseram o valor 30,00 euros para o almoço e lanche, com ocupação do salão pela tarde e noite dentro. Acrescia ainda a comodidade de, por um pouco mais, em relação ao preço da estadia na Pensão Santa Rita, podermos pernoitar no próprio Hotel. Também na estadia nos é cobrado um valor inferior ao praticado por este belíssimo hotel.

Recordemos ainda que entre 2010 e 2016, organizámos 7 Encontros Nacionais no Palace, sempre com o mesmo preço, 30,00 euros.

Resumindo:
Preço do almoço e lanche - 35,00€ (adultos)
Crianças até aos 12 anos - 18,00€
Alojamento single - 50,00€
Alojamento duplo - 60,00€  

As inscrições serão abertas oportunamente.

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EMENTA
XII Convívio Tabanca Grande 
DATA: 29 de Abril - Sábado 
Nº DE PAX: 180/200 

Aperitivos – Terraço Sala D Diniz (em caso de mau tempo será no Hall D Diniz) – 13H00 

Saladinha de Polvo 
Salada de Bacalhau 
Salada de Atum 
Salada de feijão-frade com orelha grelhada 
Salada de Ovas 
Meia desfeita de bacalhau 
Salgadinhos variados 
Presunto fatiado 
Meia concha de mexilhão com vinagreta 
Tortilha de camarão 
Pezinhos de coentrada 
Choquinhos fritos à Algarvia 
Joaquinzinhos de escabeche 
Sonhos de bacalhau 
Coxas de frango fritas à nossa moda 
Cogumelos salteados c/ bacon 
Guisado de dobrada 

Almoço – Sala D Diniz – Menu Servido - 14H00

Sopa Rica de Carne 
Lombo Recheado com alheira com batata no forno e legumes 
Pudim de Pão e maçã collis de caramelo e refresco de baunilha

Lanche – Sala D Diniz – Buffet – 17H30/19H00 

Roast Beef 
Carnes frias com molho tártaro 
Enchidos da região grelhados 
Queijos variados 
Charcutaria variada 
Azeitonas com laranja e orégãos 
Franguinho assado
Batata Chips 
Salada de tomate
Salada de alface Salada de cenoura
Salada de Pepino 
Mesa de sobremesas 

Bebidas nas refeições: Vinho branco e tinto ‘Fontanário de Pegões’
Vinho Verde (Branco e Tinto) 
Água mineral, sumos de laranja e cerveja 
Café e digestivo nacional 

Valor por pessoa adulto - 35,00€ 
Criança até aos 12 anos - 18,00€

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Os organizadores
Luís Graça
Joaquim Mexia Alves
Miguel Pessoa
Carlos Vinhal
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Guiné 61/74 - P16958: Estórias cabralianas (94): 1º Cabo Monteiro, pedicure: "Ó meu alferes, olhe-me só essas unhas dos pés, essas enxadas! Venha cá!"... (Jorge Cabral)

1. Estórias cabralianas (94) > 1º Cabo Monteiro, pedicure...

por Jorge Cabral

[, ex-alf mil art. cmdt Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969-1971]

Já é a segunda vez que o nosso editor me pergunta o que faz um Comandante de Destacamento.
– Olha, não sei… Não comanda, aguenta. Aliás, já te disse, que não é a função que faz o Homem, mas o Homem que faz a função…

Entre os meus militares metropolitanos, há o homem mais habilidoso que conheci, o Monteiro. Foi ele que construiu o forno e desmontou e montou o gerador. Ora uma vez, ainda em Fá, olhando as minhas unhas dos pés, chamou-me
– Oh, Meu Alferes, olhe-me essas enxadas! Venha cá!

E munido de uma enorme tesoura da cozinha, cortou-me as unhas…tarefa que acumulou durante toda a comissão. Foi louvado, claro, embora eu tenha omitido aquele mérito…

Jorge Cabral

P.S. O Monteiro já morreu. Imagino-o no Céu, de tesoura na mão à minha espera:
– Venha cá,  Meu Alferes, não se apresente assim a São Pedro…
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Nota do editor:

Último poste ds série > 8 de janeiro de 2017 >Guiné 61/74 - P16930: Estórias cabralianas (93): Porra, meu Alferes, não sabia que os Turras também tinham Mãe!?! (Jorge Cabral)

(...) NI-OI, NI-OI, NI-OI… Continuamos Amigos e Cinéfilos, Dalila.Tu vês filmes, eu, entro neste, tragicomédia que nunca mais acaba…

Desta vez houve guerra, dois mortos em Salá, mesmo junto a um limoeiro. O milícia Demba pisou uma mina reforçada e desapareceu da cintura para baixo. Os gajos abriram fogo e o meu soldado Guiro de rajada lerpou um turra, de pistola à cinta.
- NI-OI, NI-OI,NI-OI… - berrava o turra. (...) 

Guiné 61/74 - P16957: Notas de leitura (920): “O fim da guerra na Guiné”, por Carlos Alberto G. Martinho, Chiado Editora, 2015 (Mário Beja Santos)

Data de publicação: Maio de 2015
Número de páginas: 220
ISBN: 978-989-51-2877-8
Colecção: Bíos
Género: Biografia
Fonte: Chiado Editora (com a devida vénia...)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Carlos Martinho estagiou em Angola como alferes em 1971, em Gago Coutinho e fez a sua comissão na Guiné entre Março de 1972 a Julho de 1974, comandou Os Fantasmas da Bolanha. Manifestou-se como opositor antes de partir para a guerra, rendeu Salgueiro Maia em Guidage, fez parte do cerco ao Palácio do Governador, depois de anunciado o 25 de Abril em Lisboa.
É uma narrativa que nos deixa um travo amargo na boca, de tão esquematizado e em estilo de relatório é o seu depoimento que arranca muito bem com descrições da sua infância numa aldeia na região do Fundão. Terá tido o privilégio de ver grandes mudanças, mas o seu esquematismo é tão rígido que nem lhe deve ter ocorrido que gostaríamos de saber mais da sua passagem por Binta, Guidage e Bigene, que teríamos também curiosidade em que ele escrevesse aquela atmosfera de Bissau com algumas explosões, no primeiro trimestre de 1974, e saber também mais sobre o clima explosivo das tais unidades que queriam imediatamente entregar os quartéis ao PAIGC, di-lo mas não desenvolve. Ora ele foi um protagonista e não mero figurante, perdeu esta ocasião única de deixar um depoimento para a História.

Um abraço do
Mário


O fim da guerra da Guiné, por Carlos Alberto G. Martinho

Beja Santos

O autor, formado em engenharia mecânica pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa, foi, entre 1972 a 1974, capitão miliciano e comandou a CCAV 3568, que atuou na Guiné. Chama à sua narrativa “Histórias de um capitão miliciano e do seu estágio em Angola e das suas origens em Silvares, na Beira Baixa”. Mas essencialmente “O fim da guerra na Guiné”, por Carlos Alberto G. Martinho, Chiado Editora, 2015, é um documento-relatório, que aparece esquematizado por etapas cronológicas, e onde a ênfase é posta no período de Abril de 1972 a Junho de 1974, vamos ver esta CCAV a operar no Olossato, em Quinhamel, em Binta, Bigene e Guidage.

Fala-se da sua infância em Silvares, concelho do Fundão, da pastorícia da região, da emigração da família para a Venezuela, onde ele passou uma parte da sua meninice. Depois do pai ter vendido os seus negócios em Caracas, a família instala-se em Lisboa. Conta episódios da sua juventude, do seu internamento no Colégio Outeiro de S. Miguel, na Guarda e esmiúça a vida e a situação de muita pobreza na aldeia de Silvares. Foi irregular na sua vida universitária e daí ter sido chamado para Mafra antes da conclusão do curso. Participou em manifestações contra o regime. Ainda pensou em desertar mas o pai pediu-lhe para o não fazer. Fez recruta e especialidade em Mafra, entre Outubro de 1970 e Março de 1971, e noutra fase o curso de capitães que concluiu em finais de 1971. Segue-se a descrição do estágio que entretanto fizera na região de Gago Coutinho.

Sempre minucioso na apresentação das suas sinopses, descreve a origem e a formação da CCAV 3568, a sua chegada ao Cumeré, a promessa feita por Spínola de que se acaso a sua companhia se portasse bem no Olossato, ao fim de um ano regressaria a Bissau, veremos adiante que a promessa não foi cumprida.

Estamos agora no Olossato, localidade muito próxima de Bissorã (sede de batalhão), a ligação era feita por picada, com todas as cautelas, atravessava-se um rio secundário, aí estava um destacamento na Ponte do Maqué, a cerca de 4 quilómetros. Descreve a população do Olossato e respetivas etnias. Ficamos a saber que os trabalhos agrícolas da população eram realizados principalmente na Bolanha de Fanjonquito a cerca de 3 quilómetros do Olossato. A primeira ocorrência é de índole disciplinar, o soldado Adão Teixeira embriaga-se repetidas vezes e sempre fazendo uns disparos para o ar com G3. Há também um primeiro-sargento que se mantinha diariamente alcoolizado. Ilustra a delicadeza da vida na Ponte do Maqué com as obrigações diárias de tirar e pôr minas e armadilhas. Em 18 de Maio de 1972, Marcelino da Mata e dois soldados adjuntos chegam ao Olossato vestidos e armados como guerrilheiros e partiram com as milícias para a zona de Suntuariá, regressaram cedo com dois homens, oito mulheres e três crianças. No Olossato iniciaram-se os interrogatórios. O capitão Martinho foi surpreendido com gritos e acorreu à sala do interrogatório, e explica assim a situação:

“Vi esta cena: no meio da sala, um dos homens capturados tinha o braço sobre um pedaço do tronco de uma árvore e Marcelino da Mata estava a bater com outro pau sobre este braço. Gritei imediatamente para pararem com aquilo e perguntei ao alferes o que se estava a passar. O alferes disse-me que aquele homem saberia onde estava o inimigo. Dei ordens para parar com esta situação e informei que não permitiria qualquer tortura. O primeiro-sargento Marcelino da Mata quando se despediu de mim na pista de aviação, para entrar na DO, disse-me: meu capitão, não costumo fazer estas cenas, porque nas operações que faço com os meus homens, por ordem do comando-chefe de Bissau, não trago prisioneiros”.

A população capturada foi entregue em Bissorã. Em 25 de Maio, numa flagelação ao Olossato, o capitão Martinho é ferido com gravidade, uma das mãos fora atravessada por estilhaços da RPG-7, corria o risco de perder dois dedos. Em Julho desse mesmo ano, na picada entre Olossato e Bissorã, explode uma mina anticarro numa Berliet. A cerca de 6 quilómetros de Bissorã a viatura foi pelos ares:

“Todos nós fomos cuspidos da viatura pelos ares, de tal forma que até o meu relógio e a Medalha de Nossa Senhora de Fátima que trazia ao pescoço se perderam para sempre no mato. Um dos soldados ficou gravemente ferido e foi evacuado".

E assim chegamos a 10 de Agosto em que Olossato sofre um ataque violentíssimo, durante cerca de 75 minutos, felizmente não houve acidente de maior. Dois militares morreram por acidente, tinha havido uma banalização dos procedimentos de minar e desminar diariamente perto de Ponte de Maqué, um furriel também morrerá mais tarde num destes tipos de acidentes. Em Maio de 1973, morre o soldado Carlos Viegas por falta de evacuação da Força Aérea, estava-se nesse momento a viver um período dramático na utilização dos mísseis terra-ar Strella. Deduz-se deste relato que a operação mais importante que esta companhia viveu foi a sua participação na Operação Empresa Titânica, entre 27 e 28 de Fevereiro de 1973, na região do Morés. Dá-se então a rendição da CCAV 3568 pela CART 6254, o capitão Martinho e os seus homens vão para Quinhamel, é sol de pouca dura, rapidamente são convocados por Spínola, têm que marchar rapidamente para Guidage.

Estamos em Junho de 1973, chega a Binta e começam os patrulhamentos e a recolha dos corpos das nossas forças, mortas em combate. Ocorre a operação “Abertura rutilante", de 16 de Julho a 17 de Agosto, para a abertura da picada Binta-Guidage. A sua companhia fica em Bigene. Descreve os factos relevantes em Bigene e Guidage. Comanda 250 homens, a sua companhia e a CCAÇ 19, formado essencialmente por tropa africana. Descreve Guidage:

“O quartel estava muito danificado. No meu gabinete tinha caído uma granada de morteiro 82 e o refeitório dos soldados também se encontrava num estado lastimável. Os soldados dormiam nos abrigos fortificados e até nas valas”. E escreve mais adiante: “Foi através dos militares da CCAÇ 19 e do pelotão de artilharia que se soube do local do enterro dos nossos militares, com a sua identificação inscrita num papel introduzido numa garrafa de cerveja. Na sequência do ataque, foi apenas improvisado um cemitério naquela localidade”.

Em Outubro saiu de Guidage e foi para Bigene, só em Dezembro é que é colocado na região de Bissau. Em 26 de Abril, é informado de que houve um golpe de Estado em Portugal. No dia seguinte, o comandante de COMBIS pergunta-lhe se aderiu ao espírito da revolução, responde afirmativamente. E diz mais: “Havia comandantes de batalhões do interior do território e capitães, sobretudo do quadro, que pressionavam para se entrar em negociações diretas com o PAIGC".

Faz parte das unidades que cercaram o palácio do governador Bettencourt Rodrigues, que não aderiu ao 25 de Abril. A sua comissão está praticamente no fim.
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Nota do editor

domingo, 15 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16956: Blogpoesia (489): "Piano mendigo..."; "Só o sonho é livre..." e "Afónica a catatónica...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros durante a semana ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Piano mendigo…

Piano tristonho, desiludido da vida,
Sentou-se cansado na borda da estrada,
Pedindo esmola.

Passou uma harpa, de crista empinada.
Tocando vaidosa.
O mendigo pediu.
Ela avançou.
Nem olhou para o lado.

Veio um violoncelo,
Cismando na pauta,
Corcunda.
De olhos no chão.

O mendigo pediu.

Ele rugiu.
Seguiu preocupado.
Com uma corda partida.

Depois um oboé,
Vaidoso,
Todo encantado,
Reluzindo ao sol.

Mendigo pediu.
Ele nem ouviu
E seguiu indiferente.

Depois, veio um jumento.
Trazia uma bateria impante,
Escarranchada nas costas.

Mendigo pediu.
O burro zurrou.
A batuta assustou-se e caiu.
Calada, sem ela, partiu.

Por fim, um violino aflito,
Entoando vibrante,
Um concerto sozinho.
Perdera a orquestra.

Mendigo pediu.

O violino parou.
Sentou-se a seu lado.
Convidou o piano.
Formaram um dueto,
Para sempre amigos…

Ouvindo um piano e orquestra
Berlim, 14 de Janeiro de 2017 
10h2m
JLMG

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Só o sonho é livre...

Aquela candura branca e alvinitente
desapareceu.
Cobria o chão e era um regalo divinal.
Agora, tudo é lama negra e sórdida.

Bastou subir uns degraus do calor a escala.
E a fealdade tomou conta.

Tudo é efémero na natureza.
Só o sonho é livre.
Não há calor
nem temperatura baixa
que o apague...

Bar dos Motocas, arredores de Berlim,
12 de Janeiro de 2017
10h51m
JLMG

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Afónica e catatónica...

Ao cabo de milénios de desenvolvimento,
desde os tempos da pedra lascada
até à arrogante viagem ao espaço,
com sputnics e foguetões,
após revoluções e convulsões,
com genocídios e gazocâmaras;

Dos colossos piramidais, lá no oriente
e nas ameríndias
que ninguém sabe bem ao certo;
das barragens arrasadoras
para fabrico da energia eléctrica,
e das maquiavélicas centrais nucleares
que ameaçam matar o mundo;

Das tenebrosas lucubrações filosóficas
que nos arrasam de confusões estéreis;

E das macabras religiões mortíferas
que tudo arrasam
em nome do amor aos deuses;

Quando a ciência,
faminta de tanto saber,
quase implodiu
e não conseguiu eliminar a morte;

E as artes se baralharam,
com tantos estilos,
sacrificando a beleza à fealdade;

Eis que uma onda,
afónica e catatónica,
num terrível tsunami,

secou-lhe a esperança
e afogou inteira a humanidade...

Berlim, 12 de Janeiro de 2017
8h4m
JLMG
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16931: Blogpoesia (488): "A existência..."; "Pelas portas milenares das catedrais..." e "Vaidade...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P16955: Manuscrito(s) (Luís Graça) (110): Relembrando os nomes de dois portugueses para quem tenho uma palavra de apreço cívico e de gratidão, Mário Soares (1924-2017) e Catanho de Menezes (1926-1985)... bem como as eleições legislativas de 26/10/1969 e o meu voto em branco, em Bambadinca...


Fundação Mário Soares (FMS) > Mário Alberto Nobre Lopes Soares (1924-2017)  > Imagens > Foto; Lisboa, rua dos Fanqueiros, sede da CEUD - Comissão de Unidade Democrática, 25 de outubro de 1969, na véspera das eleições legislativas para a Assembleia Nacional: da esquerda para direita, Raul Rego (1913-2002), Joaquim Catanho de Menezes (1926-1985) e Mário Soares (1924-2017)

(Com a devida vénia à FMS)


1. Em 3 de agosto de 1968, Salazar tinha caído da cadeira, no Forte de Santo António, no Estoril. Em 27 de setembro o seu antigo delfim, Marcelo Caetano,  vem substituí-lo na Presidência do Conselho de Ministros. 

Nos primeiros meses de 1969 há ainda quem acredite na "primavera marcelista" e nas propostas de renovação da elite política dirigente... Estou na tropa, nas Caldas Rainha, no RI 5, a fazer a recruta,  e a pensar, desde os 14 anos de idade, desde 1961, na "minha" guerra do ultramar... O que me haveria de  calhar em sorte? Angola, Guiné, Moçambique? Venha o diabo e escolha... E, sobretudo, há uma questão, de longa data, que me persegue, a mim, tal como a outros jovens da minha geração, e que é um "problema de consciência": qual a legitimidade daquela guerra? e até quando aquela guerra que vai exaurindo vidas e cabedais?... Em 1961, tive a premoniçãpo de que aquela guerra ia sobrar para mim, mas estou longe de sonhar que iria parar à Guiné...

Cheguei a  Bissau a 29 de maio de 1969. A 2 de junho ia rio Geba acima, numa LDG, a caminho do leste... Depois de passar menos de dois meses no CIM de Contuboel, a dar instrução a tropas africanas, sou colocado em  Bambadinca, no setor L1, eu e os meus camaradas da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12...

Em Bambdinca  eu recebia, por assinatura, o Comércio do Funchal e o Notícias da Amadora, dois jornais ligados à "malta do reviralho"... Nem sempre chegavam regularmente ao meu SPM... Julgo que edições houve que terão sido apreendidas, mas já não posso confirmar... Era uma imprensa feita por gente nova, e que desafiava o sistema, sabendo inclusive fintar os "coronéis", os homens do "lápis azul" que faziam a censura (agora rebatizada "exame prévio"), o mesmo é dizer, decidiam o que os portugueses podiam ler (na imprensa escrita), ouvir (na rádio) e ver (na televisão)...

Recordo-me, em Bambadinca,  das eleições, já distantes, de 26/10/1969, em pleno "consulado marcelista", em que concorriam duas listas da oposição democráticas, a CDE e a CEUD, contra a lista oficial do partido único, a Acção Nacional Popular, herdeira da União Nacional.

Estava na Guiné, em Bambadinca, há já cinco meses... Tenho bem presente essa data porque numa companhia de cerca de 60 militares metropolitanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, só eu, o capitão de infantaria Carlos Brito e o alentejano José Manuel Quadrado (1947-2016), 1º cabo apontador de armas pesadas, é que estávamos recenseados nos cadernos eleitorais. (Posso estar aqui a cometer uma injustiça, omitindo mais alguém, mas julgo que não, embora os restantes graduados do quadro, os dois segundos sargentos,  também devessem, em princípio, estar recenseados; um deles, o sargento Piça, de quem me tornaria grande amigo, tratava-me bonacheiramente como "o soviético" por ser do "reviralho")...

Creio que o candidato pelo círculo da Guiné era o Pinto Bull, acusado na época, pelo PAIGC, de ser um "colaboracionista"... Morreu já em 2005, de certo modo injustiçado. Na época, no meu diário, acusei-o, apressadamente, de ser um Tchombé.

Nas eleições legislativas de 1969, votei em branco, claro, mas votei. Os resultados foram, naturalmente "desastrosos" para os democratas: a lista oficial da ANP arrecadou cerca de 88% dos votos (981.263 votos, menos de um milhão), a CDE cerca de 10,3% e a CEUD 1,5%... Ah!, havia ainda a Comissão Eleitoral Monárquica (que teve pouco mais de 0,1%)... Os votos inválidos foram também da ordem de um milhar (0,09%),

Em, suma, ao todo, votaram cerca de 1 milhão e 115 eleitores (62,5% do total dos recenseados nos fraudulentos e desatualizados cadernos eleitorais do Estado Novo, que eram pouco mais de 1 milhão e 800 mil. Compare-se esse nº com, o total de recenseados, para as primeiras eleições livres, a seguir ao 25 de Abril, as eleições para a Assembleia Constituinte: mais de 6,7 milhões de eleitores!


2. Não tenho a certeza de quando me recenseei, se em 1968, quando fiz 21 anos, ou se ainda em  1965, quando a oposição democrática levantou, pela primeira vez, o "tabu da guerra colonial"... Caiu o Carmo e a Trindade, foi um terramoto!... A oposição democrática retirou-se da corrida nesse ano já distante de 1965 (, o mesmo acontecendo em 1973).

Participei, nessa época, com 18 anos, a nível local, na minha primeira campanha eleitoral que foi abortada logo pela desistência da oposição, e o terror da repressão. Convivi, nessa época, com alguma regularidade com o sempre combativo e corajoso Catanho de Menezes, advogado da família do Humberto Delgado, amigo íntimo de Mário Soares, e futuro cofundador do PS, em 1973, precocemente desaparecido depois do 25 de Abril e hoje miseravelmente esquecido: tem apenas o nome de uma avenida na minha terra, Lourinhã...

Na biblioteca dele, no solar da família, no Toxofal, tinha acesso, pela primeira vez, em 1965, a títulos da imprensa estrangeira como o Le Monde ou o Nouvel Observateur ou as obras, em português e francês, que foram importantes para a minha formação cívica e intelectual. Adorava lá ir, ao Toxofal, "saber as últimas", ler os jornais e, mais do que isso até, ter acesso a uma biblioteca completa de uma velha e conceituada família republicana. Os livros forravam as pedras de alto a baixo, do gabinete de trabalho do Catanho de Menezes,  e era isso que me fascinava, até mais do que as notícias da "resistência antifascista" ...

Muito raramente temos aqui falado destes factos, e nomeadamente da campanha eleitoral" de 1969 (mas também das "eleições" de 1965 e de 1973)... Penso que temos esse dever de memória, porque para alguns de nós essas campanhas eleitorais e a pouca liberdade que era dada momentaneamente às "oposições"  foram uma verdadeira escola de educação cívica, cidadania e formação da consciência política...

Confesso que nunca vi o Mário Soares no Toxofal de Baixo, nem o Catano de Menezes me convidaria para estar com ele ou com outras figuras gradas da oposição democrática... Eu era ainda um "miúdo", em 1965, e havia fortes preocupações com a segurança... Tinha acabado, uns meses antes, de dar o nome para a tropa...

Nem sei se alguma vez o Mário Soares foi à Lourinhã, a não ser em campanha eleitoral, em 1969. Sei que a CEUD fez uma sessão no cinema local, em outubro de 1969.O presidente da Câmara Municipal de então, o João "Paradas", como a gente lhe chamava, tinha sido aluno do Colégio Moderno, e portanto amigo ou conhecido do Mário Soares. Homem da confiança do regime, teve no entanto o "fair play" de assistir à sessão de propaganda da CEUD numa sala que não levaria mais do que 200 lugares sentados. Soube, mais tarde, que futuros destacados militantes socialistas locais, do 26 de abril, ficaram então escondidos na "casa da máquina de projeção", ouvindo as intervenções de Mário Soares, Catanho de Menezes e demais candidatos da CEUD..

Mesmo em outubro de 1969, no "outono" do marcelismo, nem toda a gente se sentia livre para dar a cara... Era preciso coragem física e moral... E essa qualidade, estes dois homens, aqui evocados, Catanho de Menezes e Mário Soares, sempre a tiveram... Lembro-me do dia em que estive, como meu amigo José António, em Toxofal, em setembro de 1965, na véspera do Catanho Meneses e o Mário Soares partirem para Espanha para se inteirarem do caso Humberto Delgado. Ambos serão presos pela PIDE.

Depois de ir para a tropa e para a guerra, nunca mais vi nem contactei o Catanho de Meneses. Veio o 25 de abril e as suas diversas encruzilhadas, fui para Lisboa, nunca mais estive com ele, entretanto já dirigente do PS.

Nunca fui um homem de partido(s), mas tenho uma dívida de gratidão, tanto para com o Catanho de Menezes, meu conterrâneo, umas das primeiras pessoas com quem, em 1965, discuti os aspetos políticos da guerra colonial, bem como para com Mário Soares, enquanto português, e combatente pela liberdade. Disse isso, de resto, à sua  filha, no velório da sala do capítulo dos Jerónimos. E o que lhe transmiti era sincero, não era retórica.

Foram dois homens que a política e a amizade uniram: a única vez que estive pessoalmente com Mário Soares, foi numa exposição fotográfica sobre a guerra colonial, na sede da sua fundação; fiz questão então de lhe falar no nome do meu conterrâneo (e amigo), o Catanho Menezes, que o Mário Soares muito estimava e admirava.
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CATANHO DE MENEZES (1926 – 1985)

(i) Joaquim José Catanho de Menezes nasceu em 11 de Julho 1926, em Toxofal de Baixo, concelho da Lourinhã;

(ii) era filho de Hyde Odila Ribeiro Catanho de Menezes e do advogado João Catanho de Meneses, que foi ministro da Justiça e do Interior em dois governos da I República;

(iii) era também sobrinho do coronel Hélder Ribeiro, deputado e ministro de várias pastas durante a I República;

(iv) licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, e exerceu advocacia nesta mesma cidade, ao mesmo tempo que geria a  exploração agrícola da família no Toxofal de Baixo, Lourinhã;

(v) foi sempre um público e notório oposicionista;

(vi) interveio como advogado em numerosos julgamentos políticos, dos quais se destacam os casos do 11 de Março e do "Golpe de Beja";

(vii) participou activamente na candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República (1958), tendo pertencido à sua comissão de juventude;

(viii) nas eleições para a Assembleia Nacional de 1961, 1965 e 1969, apoiou activamente as listas da oposição democrática: em 1965, foi candidato na lista da oposição por Lisboa;  em 1969, destacou-se no âmbito da CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática), pertencendo à sua Comissão Coordenadora;

(ix) foi preso pela PIDE em setembro de 1965, quando se dirigia para Espanha, com Mário Soares, J. Pires de Lima e Raul Rego, para acompanhar o processo de inquérito aberto pela justiça espanhola sobre o assassinato do general Humberto Delgado;

(x) aderiu à Acção Socialista Portuguesa (ASP); e virá a ser um dos fundadores do Partido Socialista (PS), em Bad Munstereifel, na Alemanha, em abril de 1973;

(xi) após o 25 de Abril de 1974, foi membro da Comissão Nacional e do Secretariado Nacional do PS (1974);

(xii) foi também deputado à Assembleia da República, na legislatura com início em 1976;

(xiii) faleceu em Lisboa a 3 de Junho de 1985;

(xiv) tem o seu nome numa das artérias principais da sua terra, Lourinhã.

Fontes;

 Fundação Mário Soares > Casa Comum> Arquivos > Joaquim Catanho de Menezes

Facebook > Antifascistas da Resistência > 15 de setembro de 2015 > Catanho de Menezes (1926-1985)
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Nota do editor:

Último poset da série > 8 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16932: Manuscrito(s) (Luís Graça) (109): Pôr do sol em “trompe l´oeil”

sábado, 14 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16954: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (9): cenas do quotidiano do destacamento de Mato Cão


Foto nº 1 


Foto nº 1 A 


Foto nº 1 B




Foto nº 3


Foto nº 3A

Guiné >Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74) >  Aspetos da vida do dia a dia do destacamento: (i) cortar lenha com a motoserra; (ii) passatempo dos soldados,

Fotos (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Ediçãor: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Luis Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro, que foi alf mil da CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/73) e do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)

Lisboeta, com família materna na Lourinhã, hoje bancário aposentado, cicloturista, o  Luís Mourato Oliveira esteve na Guiné, em rendição individual de 1972  1074... Foi o último comandante do Pel Caç Nat 52. Ele irá terminar a sua comissão em Missirá e extinguir o pelotão, em agosto de 1974. 

Em meados de 1973 (por volta de julho), veio de Cufar, no sul, região de Tombali, para o CIM de Bolama, para fazer formação antes de ir comandar, em agosto, o Pel Caç Nat 52, no setor L1, zona leste (Bambadinca), região de Bafatá. 

Publicam-se mais algumas fotos do tempo em que o alf mil Luís Mourato Oliveira passou no destacamento de Mato Cão: (i) a cortar lenha com moto-serra (fotos nºs 1 e 2) : (ii) passatempos dos soldados do pelotão, nas horas vagas (foto nº 3).

A missão principal do destacamento do Mato Cão era proteger as embarcações que circulavam no Rio Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca. As condições de alojamento e segurança eram precárias.

Sobre o Mato Cão, que era um lugar mítico, temos já mais de 70 referências... Pertencia ao subsetor do Xime. Por lá passaram diversos camaradas nossos, membros da Tabanca Grande...
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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16953: Notas de leitura (919): "Noites de Insónia na Terra Adormecida", por Tony Tcheka (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se do primeiro livro individual de poesia de Tony Tcheka editado pelo INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 1996. De seu nome próprio António Soares Lopes Júnior, exerceu funções em lugares prestigiados da comunicação e foi presidente da Associação de Jornalistas da Guiné-Bissau. É indubitavelmente um dos poetas mais completos da sua geração: lírico, denunciador e crítico de um país à deriva que nem respeitou os seus combatentes vitoriosos, contemplando, sofredor, a criança subnutrida e sem esperança, é um dos poetas mais surpreendentes da lusofonia, uma voz que afirma que a literatura guineense está viva. Pena é que nenhum editor português se abalance a publicar poesia de tão elevada qualidade.

Um abraço do
Mário


Noites de insónia na terra adormecida, por Tony Tcheka

Beja Santos

Em “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, Fronteira do Caos, 2014, houve a preocupação de dar uma sinopse da literatura da Guiné-Bissau e intitulámo-la “Uma literatura de alentos e desalentos, uma tumultuosa viagem à procura da identidade”. Na génese, Amílcar Cabral e Vasco Cabral revelaram uma poesia de inconfundível matriz portuguesa. No pós-independência impuseram-se outros nomes: Hélder Proença, Agnelo Regalla, António Soares Lopes Júnior ou Tony Tcheka, José Carlos Schwartz, entre outros, exaltadores da luta e dos sonhos, portadores da ingenuidade dos amanhãs que cantam, dececionados com a multiplicidade dos desastres. O leitor tem à sua mercê uma sinopse da tese de doutoramento de Moema Parente Augel com a epígrafe “O desafio do escombro”, aí encontrará de forma caleidoscópica as grandes manifestações desta poesia tantas vezes eivada de crioulidade:
https://books.google.pt/books?id=TkP6NAsbQskC&pg=PA15&lpg=PA15&dq=moema+parente+augel+desafio+do+escombro&source=bl&ots=d5SZnGl7iR&sig=_j73LPrVp34Vh98t8BksextcXKk&hl=pt-PT&sa=X&ved=0CB4Q6AEwAGoVChMIqs7zyJL3yAIVy4kaCh0-LwEj#v=onepage&q=moema%20parente%20augel%20desafio%20do%20escombro&f=false

A mesma Moema Parente Augel apresenta este livro de Tony Tcheka, adiantando o seguinte:
é um escritor com maturidade literária onde transparece, pela forma e pela linguagem, uma grande criatividade e inesperada ousadia na expressão poética; são versos de amor em que o poeta lança mão do crioulo mais próximo dos sentimentos do coração, dirigindo-se ao seu amor na linguagem, universal dos namorados; os temas sociais são igualmente preponderantes, nomeiam-se os males sociais e podemos apercebermo-nos quanto aos motivos da inquietação poética, ele vai anotando os diferentes indícios de dificuldades económicas do povo guineense; e trata-se igualmente de uma grande natividade poética onde se fala guinéu: lalas e bolanhas, tabanca e morança, arrozais, palmeiras, mangueiros e poilões, tambores, o korá e os djidius. E a estudiosa conclui: “Um Tony Tcheka multifacetado, emocionado pela sorte das crianças e dos sofredores, denunciando as injustiças sociais e a hipocrisia. É uma poesia brava, a lírica de Tony Tcheka”.

Vejamos as suas lembranças familiares em “Carta ao pai amigo”:
Que saudades pai/Que nostalgia e dor/lembrar-te/Como o tempo não passa/sem ti/Que saudade trago/do calor do teu olhar/amigo/penetrando em mim/envolvendo/acariciando/as minhas traquinices/Que saudade do som melódico/do teu violão… /Fecho os olhos/e vejo os teus dedos/calcando as cordas do velho banjo/que estremecia/no “monte cara”/dos teus braços/São acordes/que ainda hoje, sublimam o meu canto/Ainda trago comigo a melodia/das tuas palavras de Homem das Ilhas/vertical e frondoso/como o poilão/desta Guiné/que tanto amaste/e fizeste tua… /Ah! Mas como o tempo não passa sem ti/E como senti tua partida/lá longe… /para além do sonho/onde o sono se eterniza.

Tony Tcheka não é alheio aos amanhãs que cantam, e em 1973 a sua melodia fala pelas trombetas do futuro, no poema “Guiné”:
De longe/entre as sete colinas/vejo-te/mulher grande/sofredora/e meiga/Imagino-te/suave/como quem diz amor/balbuciando temor/Sinto-te sombra minha/protegendo as minhas ibéricas noites/Esta ausência demorada/faz-me ver o Geba/subindo sobre o Tejo/Imagino-te/mulher-mãe/gente adulta/renascendo como companheira do mundo novo.

Em 1993, a lírica revela amargura no seu poema “Povo adormecido”:
Há chuvas/que o meu povo não canta/há chuvas/que o meu povo não ri/Perdeu a alma/na parede alta do macaréu/Fala calado/e canta magoado/Vinga-se no tambor/na palma e no caju/mas o ritmo não sai/Dobra-se sob o sikó/como o guerreiro vergado/cala o sofrimento no peito/O meu povo/chora no canto/canta no choro/e fala na garganta do bombolon/Grei silêncio/quebrado/nas gargalhadas de Kussilintra/em quedas de água/moldando pedras/esfriando corpos/esculpidos/no corpo do bissilão.

Não poucas vezes Tony Tcheka enuncia com exaltação os guerreiros que acabaram sentindo-se traídos, deram a vida pela independência e a independência não lhes trouxe nada de novo. Como no poema “Batucada na noite”, refere a cidade que não dorme, com corpos inflamados que se saracoteiam, indiferentes à triste condição em que se encontra o país. É uma poesia, tal como refere Moema Parente Augel, carregada de lágrimas, de desilusão, tanta amargura que se estende, aliás, a toda a África sofredora. O poeta também reage, e convida a sua companheira a cantarem a nova madrugada, em que as crianças deixarão de ter a barriga grande de fome, e embriaga-se nos grandes sonhos dos dias da luta armada, assim tecendo o futuro:
vem, Companheira/vamos a Komo rebuscar a força/para não desfalecermos depois da/caminhada/vamos a Komo beber na fonte/onde bebeu a última gota/o primeiro guerrilheiro sem-nome que/caiu… 

A última coletânea de poemas do livro dá pelo nome de “Canto menino”, canta-se a vida que se estampa no sorriso aberto das crianças que têm o pranto a fome, são filhos da miséria, e aí o poeta socorre-se da universalidade no poema “Chamo-me menino”:
Sou a criança pobre/de uma rua sem nome/de um bairro escuro/de covas fundas/em garganta/fatalmente magra/carente de pão/e sem muita ambição/Sou filho da miséria/escancarada/enteado da vida/entreaberta/Sofro de raquitismo/por comer com os olhos/enquanto na garganta/destilam bolas de saliva.

E, mais adiante, dá-nos num magnífico poema intitulado “Mininu di kriason” a imagem do abandono e da deriva da criança e do país:
Nunca teve berço/já sobreviveu um terço/da vida que não tem/Ei-lo nos becos da cidade/esquivando-se ao cassetete/ou livrando-se lesto ao tabefe/factura de mil traquinices/Ziguezagueia pelos cantos/enquanto aguardo/uma tigela de cuntango/que se não aparece/é na cabaça da Tia Mandjendja/o banquete que apetece/E depois a corrida/mais uma esquivadela/Djondjon – mininu di kriason/não tem criação.

Um grande poeta que devia ter as portas abertas em toda a lusofonia.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16935: Notas de leitura (918): O tráfico de escravos nos rios de Guiné e ilhas de Cabo Verde (1810-1850), por António Carreira (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P16952: Banco do Afecto contra a Solidão (21): o lar onde estive... (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

1. Mensagem do Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68

Data: 14 de setembro de 2016 às 02:28 

Assunto: O LAR ONDE ESTIVE

Camaradas

Estou em casa, portanto saí do Lar. Não era o local adequado para  acabar os meus dias. 

O livro que lancei, com o título "O Corredor da Morte", tem a ver com  este período que passei num local isolado. Longe da civilização, tive  saudades da barulhenta cidade.

Cheguei a levantar-me às 02H00, fazer a barba, tomar banho e vestir-me.  Dava umas voltas e tomava o pequeno-almoço às 09H00. Seguia para o Bar  e passados que eram 30 minutos desapareciam todos recolhendo aos seus  quartos – talvez para verem programas de TV. Eu aguentava até o almoço às 12H30.

Voltava ao Bar que fechava por não haver ninguém.  Lanche pelas 16H00 e era esperar pela hora de jantar, às 18H30. Todos  dispersavam, ficava no Bar que já estava fechado, ligava a TV e tinha de ir para o quarto para me darem os comprimidos de antes de  deitar-me.

Por vezes surgiam umas Senhoras que fui conhecendo. Com jogava às  cartas, bebíamos café da máquina. Ela adormecia com as cartas na mão.

Torres Vedras estava a uns 12/13 quilómetros e só via céu e montes. Como também nunca me entendi com o senhor com quem compartilhava o  quarto – um T1, mas tinha somente uma parte de um T0.

Tinha conversas interessantes com Senhoras viúvas de Oficiais  militares, simpáticas e com idades que andavam nos 90 anos.

Uma, a Senhora Fernanda – com a doença do Alzheimer – conversava  comigo perguntando constantemente como me chamava.  O marido um Capitão carrancudo… Vi que se ria vendo a paciência que tinha com a esposa. Professora Primária, Santa Catarina, Lisboa, declamava e bem, um poema  seu que falava do desgosto de nunca ter tido filhos.
Como gostavam de mim, quando disse à Assistente Social que decidira  regressar a casa, pediu-me que pensasse bem por achar que podia ajudar  Residentes do Lar. Estive lá, para lhe fazer a vontade, mais 5 dias.

E foi o que sucedeu, não esqueço os diálogos que tive com a Senhora  que escreveu um poema "Ao filho que nunca teve". Pedi-lhe que me desse  o poema escrito. Escrevo-lhe brevemente.

Agarrei-me ao computador, tudo errado.  Continuei a reescrever o livro, mas nada sai. Mas acabou por ser uma experiência positiva. Logo me arrependi daquilo que fizera. Terei de  dar-lhe a volta, ia sair asneira.

Poesias nascem e morrem… Escrevo esta experiência que tive no Lar.

Encontrei-me com camarada da minha Companhia, José Salvador Pinto  Aires que contactou o Blogue.

Abraço,
Mário.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P16951: Parabéns a você (1194): Maria Ivone Reis, ex-Cap Enfermeira Paraquedista (1961/1974)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16939: Parabéns a você (1193): Bernardino Parreira, ex-Fur Mil Inf da CCAV 3365 e CCAÇ 16