quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16966: Memória dos lugares (357): Ilha de Orango, uma pérola do arquipélago dos Bijagós, num dos sítios mais ameaçados do mundo, devido às alterações climáticas (Foto e legendas: Patrício Ribeiro, Bissau)


Foto nº 1 >  Rio para Anor... e riquíssima avifauna da ilha


Foto nº 2 > Rio para Anor


Foto nº 3 > Vedação para hipopótamos de água salgada, animais que são sagrados para os bijagós... É uma espécie única no mundo


Foto nº 4 > Transporte de um gerador para o hotel


Foto nº 5 >Bar do hotel 


Foto nº 6 > O "repouso do guerreiro!...

Guiné -Bissau  > Região de Bolama / Bijagós > Ilha de Orango >  Hotel de Orango > 6-7 de outubro de 2008 >Viagem pelos hotéis do mato: o Orango Parque Hotel, em  pleno Parque Nacional de Orango  um  projeto de ecoturismo [Ver aqui a excelente página na Net, do hotel, lamentavelmente "apenas" em espanhol e inglês]

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro  (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Poucos (ou nenhum de nós) terão ido à(s) ilha(s) de Orango, no tempo da guerra colonial. Nem sequer a Bubaque, mais conhecida do turista... Orango é a ilha mais afastada do continente, e só a viagem é uma aventura...

As praias do arquipélago dos Bijagós eram só para alguns, privilegiados... O Patrício Ribeiro é "o último dos tugas" na Guiné-Bissau, que por razões sentimentais e profissionais lá vive há 3 décadas... Tem a sabedoria dos "africanistas", sabendo conciliar trabalho e lazer ou, como a gente dizia no nosso tempo, "serviço e conhaque"...

Recorde-se que ele é sócio e diretor técnico da Impar Lda, a empresa que tem levado a energia elétrica, produzida por equipamentos fotovoltaicos, aos mais recônditos sítios da Guiné-Bissau... E este é mesmo um sítio recôndito, de difícil acesso, mas deslumbrante. Uma sugestão para  a tal "viagem da minha vida" que alguns de nós gostariam de poder fazer antes de morrer... [Vd. aqui mais fotos de Orango no Google Imagens.]

Estas fotos de Orango resultam dessas andanças do "pai dos tugas" (como ele é carinhosamente conhecido em Bissau)... Andavam por aqui "adormecidas" nas nossas bases de dados.

Lembremos, entretanto, que a Guiné-Bissau está em segundo lugar na lista dos 10 países mais vulneráveis do mundo, devido às mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global do planeta... A seguir ao Bangladesh e antes da Serra Leoa... Seis desses dez países são africanos... A Guiné-Bissau pode mesmo vir a ser riscada do mapa... num futuro não muito distante... (LG)


Mapa da região de Bolama / Bijagós. Cortesia da Wikipédia. Orango é a mais distante das ilhas.


2. Comentário de hoje,  do Patrício Ribeiro,  a estas fotos com mais de oito anos, a pedido do editor [, o nosso camarada encontra-se ainda em Portugal onde veio passar a quadra festival, em Lisboa; está agora na sua terra natal, Águeda, onde foi  fazer "as podas de janeiro",  estando em vésperas de regressar ao trabalho no fim do mês: está  previsto um almoço de despedida, com os amigos "tugas", no restaurante do costume , em Alcântara];


 Já lá vão alguns anos, desde estas fotos agora editadas.

Iniciei os meus passeios pelas diversas ilhas de Orango em 1995, para ajudar na construção do Parque Natural de Orango, PNO.

É um  local de difícil acesso, a 100 km de Bissau. O transporte faz-se durante 7 horas sem paragem, nas canoas nhomincas, pelo mar.

Uma das minhas maiores surpresas  foi como as pessoas falavam português comigo. Por toda a Guiné-Bissau, é o local onde melhor falam português. Talvez seja porque no dia a dia, só falam o Bijagó, utilizando pouco o crioulo. Ou porque na escola de Iticoga, com mais de 200 alunos, os professores pratiquem o ensino em Português.

A tabanca de Eticoga, é a maior dos Bijagós, tem mais de 100 casas, tem aeroporto, (quando o mato está cortado), uma Casa Museu da Rainha Pampa, Centro de Saúde e a sede do PNO.

Nestes meus anos de viagens, muitas vezes com lama até à cintura, já dormi muitos meses nas ilhas de Orango, a maior parte das vezes, na minha tenda junto a uma praia. E algumas vezes no Hotel Parque de Orango, construído por um amigo em 1998. Um local lindo, de sonho.

Claro que também dormi com os hipopótamos por perto, foi necessário fazer fogueiras para os afastar, na tabanca de Anor e no mato da ilha Orangozinho, com os crocodilos em Imbone, etc. etc.

E agora com zero graus, à lareira na minha tabanca [de Águeda], à espera de regressar a estes lugares quentes .

Guiné 61/74 - P16965: Os nossos seres, saberes e lazeres (195): Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 30 de Agosto de 2016:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a uma passeata em Pedrógão Pequeno e ao Cabril do Zêzere, local onde tenho uma morada.
Hoje saímos da aldeia de Xisto e entrámos numa encosta lateral conhecida por Moinho das Freiras, vamos descer para a albufeira, observar um túnel feito na rocha, projeto de engenharia com vista ao aproveitamento hidroelétrico das águas do Zêzere, projeto abandonado de que só resta este túnel. E vamos em direção à ponte filipina, a ponte do Granada sobrepõe-se à paisagem, é o ponto de ligação-chave sobre o Zêzere, e subimos por uma velha estrada do século XIX sempre a desfrutar a mais formosa jóia da Beira Baixa, como alguns a consideram.
Espero que este incitamento cale fundo no vosso gosto em viajar para conhecer a jóia do Cabril.

Um abraço do
Mário


Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (3)

Beja Santos

Saímos de Pedrógão Pequeno e vamos passear no Vale do Zêzere, um espaço que tem cativado muitos viajantes. Logo Alfredo Keil e Luigi Manini, que percorreram a região de lés-a-lés, e se sentiram deslumbrados. De tal modo, que o leitor está a ver o excerto do pano cenográfico para o IV ato da ópera “Irene”, de Alfredo Keil, tratar-se-á provavelmente da confluência de Ribeira de Pera com o Rio Zêzere, tenho o privilégio de ter esta paisagem para ver de minha casa. Os elogios dos viajantes não são pecos: Sintra da Beira Baixa, panorama de incomparável beleza, a mais formosa jóia da Beira Baixa, etc. Vamos começar pelo Moinho das Freiras até à ponte filipina, da barragem do Cabril já se falou, e depois subimos pela estrada do século XIX até Pedrógão Pequeno.



Já estamos no Moinho das Freiras, avista-se um meandro do Zêzere que se encaminha para Constância. Andam por vezes aqui caiaques, atividade desportiva é coisa que não falta na região. Nesta tarde pontificava o silêncio, e daqui seguimos para o túnel que se escavou na rocha para fazer plataforma nesta margem do rio.



Impõe-se a ponte do Granada, operacional desde 1993, assim se ligaram os concelhos de Pedrógão Grande e da Sertã, graças à ponte mais alta da Península Ibérica, conhecida por IC 8, que assegura a ligação entre a Figueira da Foz e a fronteira de Segura com Espanha. Muitos apelidam a ponte como ponte do Granada, homenagem ao grande escritor e místico Frei Luís de Granada que residiu no Convento de Nossa Senhora da Luz, Pedrógão Grande, junto ao Cabril do Zêzere. Por debaixo do tabuleiro da ponte vemos a ponte filipina.


Sítio pedregoso e alcantilado, tudo rocha viva, como se a natureza tivesse feito um contrato para que estas penedias apontam-se para um abismo, pergunta-se como é que estas oliveiras e sobreiro enraízam na pedra árida. E o escritor Roberto Pedroso das Neves acrescenta: “E lá no fundo, a mais de 200 metros, nas profundezas do abismo, entre as duas margens alcantiladas e estreitas rola, vertiginosamente, impetuoso e rugidor, de rocha em rocha, sobre um leito alvinitente de granito, o rio mais novo de Portugal”. O escritor e jornalista Raul Proença também foi surpreendido pela grandiosidade paisagística do sítio, e escreveu no seu Guia de Portugal, considerando-o como “um dos textos mais arrogantes de toda a Europa, no seu genéro”.


Vista do tabuleiro da ponte filipina em direção à barragem do Cabril. Esta ponte estava concluída no início do século XVII, prenda do rei espanhol. Por aqui se caminhava para Pombal, via Ansião ou para a Lousã, por Castanheira de Pera, mas também se pode imaginar ir para Sertã, Oleiros, Proença-a-Nova, Vila Velha de Ródão, Castelo Branco. O leito do rio está calmo, sombreado pelos altos penedos, as cores da vegetação refletem um dia acalorado.



Só a ponte filipina do Cabril justifica a viagem, venha-se do Minho e Trás-os-Montes ou lá do fundo Algarvio. Esta é a ponte do Cabril, construída em granito, monumento nacional. Reza o livro “Jóia do Cabril, Pedrógão Pequeno”, de Aires Henriques e Ema Cruz, “A sua construção teve lugar cerca de 50 metros acima do lugar onde outrora existiu uma outra, de tabuleiro em madeira e de um só arco, atribuído aos romanos, e de que hoje apenas restam os silhares em granito, submersos a cerca de 7 metros de profundidade do nível superior das águas da albufeira da Bouça”.


Em 1860, os caminhos foram melhorados com empedrado em basalto, restam imensos vestígios, até então o trajeto fazia-se a pé, de burro a cavalo. Resta acrescentar que até meados de 1954, data da inauguração da barragem do Cabril, a ponte filipina foi durante séculos o único ponto de passagem, por léguas em redor entre as terras a Ocidente e a as terras da Raia e Beira Baixa.



Em jeito de despedida, deixam-se duas imagens do Cabril do Zêzere, maravilha da natureza, o Zêzere correndo em alvo leito de granito, sítios admiráveis são estes até chegar à ponte filipina, vindo do Moinho das Freiras e caminhando depois pela estrada com a lembrança de por aqui andaram animais de carga em terreno tão áspero e abrupto.
Findou aqui o passeio, mostrada a modesta morada onde contemplo o Penedo do Granada, a formosa aldeia de Xisto, e agora o esplendor do Cabril do Zêzere, embevecimento de qualquer viajante. Prepare-se para estas panorâmicas e miradouros, igrejas e capelas e, sobretudo a paisagem rochosa e agreste do majestoso Cabril. Como se diz em gíria comercial, volte sempre.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16944: Os nossos seres, saberes e lazeres (194): Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P16964: Inquérito de 'online' (99): "Alguma vez votaste, em eleições legislativas, antes do 25 de Abril de 1974 ?"... Precisam-se pelo menos 100 respondentes até 3ª feira, dia 24, às 11h34


Foto: Assembleia da República / Palácio de São Bento (cortesia do sítio da CM Lisboa)


I. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 

"ALGUMA VEZ VOTASTE 
EM ELEIÇÕES LEGISLATIVAS, 
ANTES DO 25 DE ABRIL DE 1974?"


1. Não estava recenseado, pelo que nunca votei 
2. Estava recenseado, mas nunca votei 
3. Estava recenseado e votei, pelo menos uma vez 
4, Não sei / não me lembro


Resposta.  até 24/1/2017, 3ª feira, até às 11h34, diretamente no blogue, ao canto superior esquerdo (*).


II. É a pergunta desta semana: quantos de nós, camaradas, estavam incluídos no tal milhão e oitocentos mil recenseados, que constavam dos cadernos eleitorais do Estado Novo, até ao 25 de Abril de 1974, podendo exercer o "direito de voto" nas eleições legislativas para a Assembleia Nacional (e apenas nestas) ?... Ou seja, apenas um em cada cinco portugueses!

Depois das eleições para a Presidência da República de 1958, por sufrágio universal, a Constituição (de 1933) foi alterada, passando a lei a prever que que o supremo magistrado da Nação passasse a ser eleito por um colégio eleitoral restrito de 602 membros.

Esses membros eram os seguintes: (i) deputados da Assembleia Nacional; (ii) membros da Câmara Corporativa;  (iii) representantes das estruturas administrativas dos territórios ultramarinos;  e (iv) representantes das câmaras municipais.

Lê-se no sítio oficial da Presidência da República Portuguesa, na nota biográfica de Américo Tomás: "O Colégio Eleitoral é o resultado das eleições de 1958. Foi criado para evitar situações problemáticas para o regime, como a hipótese de vir a ser eleito um candidato da oposição".

Recorde-se que em 1958, em eleição fraudulenta, Américo Tomás foi eleito com 75% dos votos (contra 25% do general Humberto Delgado), o que correspondia a 758 998 votos e 236 528 votos, respectivamente, para cada um dos candidatos....

O total dos recenseados nos "cadernos eleitorais" do Estado Novo, nas últimas eleições, as de 1973 eram cerca de 1 milhão e 800 mil para uma população de  pouco mais de 8,6 milhões, ou seja, pouco mais de 20%.

Compare-se esse número com o total de recenseados, para as primeiras eleições livres, em 25/4/1975, as eleições para a Assembleia Constituinte: mais de 6,7 milhões de eleitores (numa população de pouco mais de 8,7 milhões), o que equivale a 88,5% do total.

Nas eleições legislativas de 26/10/1969, eu estava há já cinco meses na Guiné  e exerci o meu direito de voto... Votei em branco mas não sei o que fizeram ao meu voto...

Recorde-se (para os mais novos...) que ante do 25 de Abril, o direito de voto era muito restrito, não era "um homem, um voto": só podiam votar: (i) os chefes de família (excluindo-se as mulheres e os filhos maiores que viviam com os pais); (ii) os indivíduos  com um grau de instrução igual ou superior a 4 anos e proprietários (excluíam.se  os analfabetos e os pobres...). O  recenseamento era administrativo e prestava-se a grandes arbitrariedades. Eram excluídos, administrativamente, dos cadernos eleitorais, muitos dos opositores ao regime... Enfim, a campanha eleitoral era de um mês, com muitos constrangimentos e intimidações para os da "oposição"... As assembleias de voto e as urnas eram controladas e manipuladas, não havia fiscalização, não havia partidos, não havia "tempos de antena"..
.
Em suma, um português podia morrer pela Pátria mas podia não ter direito de voto nas eleições para a Assembleia Nacional... 

No TO da Guiné, numa  companhia como a minha (a CCAÇ 2590/ÇÇAÇ 12), com de cerca de 60 militares metropolitanos graduados e especialistas, creio que só havia três camaradas inscritos nos cadernos eleitorais e, portanto, com direito de voto, ou seja 5%:  (i) eu (fur mil armas pesadas inf); (ii) o cmdt da companhia (o capitão de infantaria Carlos Brito, hoje cor ref);  e (iii) o  1º cabo apontador de armas pesadas inf, que pertencia ao 1º Gr Comb, o  José Manuel Quadrado (infelizmente já falecido), o "Alentejano", como era conhecido na caserna. Quantos aos restantes 100 portugueses, as praças guineenses, da CCAÇ 12, nem pensar, não tinham, capacidade eleitoral; eram todos analfabetos, com exceção do 1º cabo José Carlos Suleimane Baldé (o único que, teoricamente, poderia votar, se estivesse recenseado...).

Na CCAÇ 2590, em 60 homens (metropolitanos)  só 3 estavam  recenseados nos cadernos eleitorais, o que é mais baixo (5%) do que a média nacional (20%). Pode ser que noutras companhias a proporção fosse maior.

Posso, por outro lado,  estar aqui a cometer uma injustiça, omitindo mais alguém, mas julgo que não, embora, para além do capitão QP, os restantes graduados do quadro, os dois segundos sargentos de infantaria, o José Martins Rosado Piça e Alberto Martins Videira também devessem, em princípio, estar recenseados. O 1º sargento de cavalaria Fernando Aires Fragata  ainda estava connosco: irá depois ingressar na antiga Escola Central de Sargentos, sita em Águeda, para frequentar o curso que dava a promoção a oficial do SGE. Alguns de nós, milicianos chegámos a dar-lhe explicações: português, matemática, etc.

Vamos lá responder a este inquérito. Precisamente de chegar pelo menos às 100 respostas.


III. Comentários sobre o tema (**):

(i) Carlos Vinhal

[Nasceu a 27 de Março de 1948 em Vila do Conde; vive em Leça da Palmeira, Matosinhos. aposentado da Administração dos Portos do Douro e Leixões SA; foi Fur Mil Art MA,  CART 2732 Mansabá, entre Abril de 1970 e Março de 1972; é coeditor do nosso blogue]

(...) Confesso a minha pouca importância dada à política de então, e até nem sei quando se adquiria o direito a votar. Seria aos 21 anos, coincidente com a aquisição da chamada maioridade?

Só me lembro do recenseamento no pós 25 de Abril e de ter votado pela primeira vez na minha vida (?) no dia 25 de Abril de 1975, quando até fiz parte de uma mesa de voto como escrutinador, acabando também por secretariar, já que o secretário nomeado me passou a pasta.

Não sei se era "lenda", mas dizia-se que os "votos" dos funcionários públicos que não votavam eram descarregados automaticamente nas listas do regime. De qualquer modo até 1975,  fui funcionário público assalariado de carácter permanente,  logo não devia contar para o número dos ditos "votantes".


(ii) António J. Pereira da Costa

[Coronel art ref, ex-alf art  da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art  e cmdt  das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)]

(...) Sobre a inscrição dos militares profissionais no "caderno eleitoral" admito que tenha sido obrigatória. Porém, na década de 60, esse uso terá caído em desuso. Nos períodos eleitorais que apanhei na tropa, fui brindado com "prevenções" e nunca dei que os profissionais saíssem do quartel para cumprir o "dever cívico".

Nunca estive inscrito e nunca fui convidado/obrigado a inscrever-me. Às vezes fico com a ideia de que, para a maioria dos militares daquele tempo, a política era uma coisa menor que se tinha de aturar e mais nada...

(...) Sobre as eleições recordo as "chapeladas" feitas com os votos dos legionários que estavam de prevenção e, por isso, não podiam ir às mesas de voto. Então os comandantes levavam os respectivos votos que entravam para as urnas e depois... era só contar.

Ouvi, outro dia, dizer que o embaixador inglês em Lisboa comentava o dito do Salazar (eleições tão livres como na livre Inglaterra), em relação às eleições portuguesas do pós-guerra, que daquelas só conhecia as da Polónia.

Enfim, passou-se...
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Guiné 61/74 - P16963: Parabéns a você (1195): Luís Rainha, ex-Alf Mil COM, CMDT do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16951: Parabéns a você (1194): Maria Ivone Reis, ex-Cap Enfermeira Paraquedista (1961/1974)

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16962: (Ex)citações (323): em 1963 já havia um jornal "Nô Pintcha", a stencil... Apanhámos vários exemplares, na Ponta do Inglês, em 28 de janeiro de 1964, com um título de caixa alta: "Os colonialistas também têm mercenários"... Numa foto, via-se um individuo de cabelo comprido, camisa com ramos de flores, calções escuros e sandálias havaianas, a montar uma armadilha... Esse indivíduo era eu (Alcídio Marinho, ex-fur mil at inf, MA, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)


Guiné-Bissau > Bissau > 1975 > Cabeçalho do jornal trissemanário "Nô Pintcha",  ano I, nº 18,  6 de maio de 1975. É apresentado como "órgão do subcomissariado de Estado de Informação e Turismo" e, em princípio, com este formato, foi criado em 1975.  Em 27 de março de 2015 celebrou 40 anos, e é agora bissemanário.

(Imagem: Cortesia de Fundação Mário Soares > Casa Comum >Arquivos > Arquivo de Mário Pinto de Andrade).




1. Comentário do camarada, veteraníssimo, Alcídio [José Gonçalves] Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65), ao poste P16943 (*)


No meu tempo, quando o 3º pelotão da CCAÇ 412 esteve no Xitole de junho a fim de agosto de 1963, um dia na região de Mina, numa tabanca encontrei umas folhas feitas em stencil de um pequeno jornal chamado e intitulado de No Pintcha [, leia-se: Avante, em crioulo].

Nesses panfletos davam noticias sobre a chamada luta de libertação. Mais tarde, depois de estarmos no Enxalé 28 de outubro de 1963 até 25 de janeiro de 1964, fizemos  a nível de Companhia uma operação à Ponta do Inglês, em 28 de janeiro (operação Ponta do Inglês), em que levámos 13 longas horas para chegar ao acampamento inimigo, sendo este depois destruído. 

Aí apareceram diversos desses jornais, onde me foi chamada a atenção por um camarada que a minha fotografia aparecia na 1ª página. O titulo era o seguinte: " Os colonialistas também têm mercenários "Via-se um individuo de cabelo comprido, camisa com ramos de flores, calções escuros e sandálias havaianas, a montar uma armadilha. O individuo da fotografia era eu. O cabelo  andava comprimido, porque eu tinha tido um problema no couro cabeludo e por indicação do nosso médico, dr. Jacinto Botas, e devido ao tratamento, não podia cortar o cabelo.

A minha camisa era azul com folhas e flores amarelas, comprada em Bissau. Os calções eram azuis e tinham sido feitos pelo cabo (alfaiate) Eurico Valpaços Alves.  A foto era, na época, a preto e branco, e foi tirada na zona do Enxalé. (**)

Alguns exemplares foram entregues no Batalhão [de Çaçadores] 506 que os fez chegar a Bissau, onde oficialmente se ficou a conhecer a minha actividade. Um militar sem curso de Minas e Armadilhas, fazia mais estragos que muitas unidades.

Portanto já em 1963 havia um jornal chamado Nô Pintcha

Alcidio Marinho
CCAÇ 412 (1963/65)

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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 11 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16943: Recortes de imprensa (84): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado por Fernando Delfim Silva e Oscar Oramas ("Nô Pintcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte II

Guiné 61/74 - P16961: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (38): 2 - O amigo Mohammed da Mauritânia


Nómadas no deserto


1. Em mensagem do dia 9 de Janeiro de 2017, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos a segunda história da sua mini-série O meu amigo Mohammed, este da Mauritânia.

Caros amigos
Tal como prometi, junto a segunda das quatro histórias de "O amigo Mohammed".

Grande abraço
JFSilva


Memórias boas da minha guerra

38 - O amigo Mohammed

2 - Da Mauritânia

Corria o ano de 1978 e estava eu a trabalhar na Sociedade de Fundição e Metalurgia, agora denominada de Sofume, nome mais em consonância com as leis do Marketing e com a modernização a que fora submetida. Esta empresa centenária, que fora Escola de Fundição, pertencia a Abílio Pinto de Almeida, quando foi adquirida em 1952 pelos cunhados António F. Alves (meu sogro) e Eugénio Guedes Barbosa, também sócios iguais na empresa “A Juvenil – Passamanarias”.

A Fundição fora implantada em local escavado nas rochas sobranceiras ao rio Douro, na sua margem esquerda, num local chamado de Murça. Ali, mesmo ao lado, já existia outra empresa, a Antiga Fundição de Murça (da família Paiva Freixo).


Zona do cais actual de Crestuma

Nesse tempo (até aos anos 40), Crestuma, talvez devido à sua forte irregularidade geográfica, ainda não tinha estradas, mas beneficiava de uma das melhores vias de transporte – o Rio Douro. Crestuma, apesar de, então, ser a zona mais industrializada de Gaia, tinha os escritórios centrais das suas empresas na cidade do Porto. Ainda hoje se podem ver os sinais desses proprietários nos edifícios da Rua S. João, perpendicular à zona ancoradouro da Ribeira.


Porto - Rua de S. João. Ao fundo o Cais da Ribeira do Porto


Soleira da porta de entrada dos escritórios na Rua S. João

Fascinado pela paisagem e pelo bom gosto de quem o construiu, procurei restaurar o Escritório Técnico, de onde se vislumbrava toda a beleza do rio e seu movimento fluvial. Era lá que eu passava grande parte do meu tempo, enquanto trabalhava.
- Senhor José, está ali um taxista, com um gajo meio preto, que quer falar consigo.

Dirigi-me para eles e após um breve esclarecimento da situação, mandei embora o taxista e voltei para o Escritório, levando comigo o “preto”.

Das suas primeiras palavras, entendi que se tratava de alguém ligado à Guiné e que “arranhava” o crioulo, um pouco melhor que eu. Também dizia alguma coisa em francês.
Mandei-o sentar e fiquei de boca aberta com o que vi.
- José, “a mim misste fogarêro di fero”.

Sempre de pé, desabotoou o casaco, meteu as mãos nos bolsos e começou a tirar deles maços de francos franceses.
- “A mim misste todo patacão di fogarêro”.

E empurrou-me o dinheiro todo. Eram mais de 400 contos! Tentei devolver-lho, mas ele insistia que só queria os fogareiros de ferro fundido e acrescentou:
- José, “tu bom pessoal. A mim tem confiança em bô”.

Curioso, perguntei-lhe para onde ia levar tanto fogareiro e ele respondeu:
- Um carro tem rádio e todo o camelo tem de ter fogarêro.


Fogareiro de ferro fundido

Depois de acertarmos o idioma mais indicado para nos entendermos: um português afrancesado ou um quase-crioulo afrancesado e fiquei a conhecer parte da história deste comerciante a que, na Guiné, chamavam “Jila”.

Soube que desembarcara em Lisboa há três dias, vindo da Mauritânia e que fora encaminhado, via CP, para o Porto. Depois de alguns contactos / informações, meteu-se no táxi e assim chegou à fábrica, em Crestuma. Andava com uma garrafa de água, para bebericar e para molhar as mãos e a cara antes das suas orações. Aliás, mal se apercebeu ter conseguido o seu objectivo, perguntou para que lado era o mar e inclinou-se para os lados de Lever (leste, lado de Meca) e fez as suas rezas a Alá.

Apercebi-me também de que ainda não comera durante esses três dias. Não ia a restaurantes, porque não se sentia seguro de ser servido com comida sem gordura animal (ou porco). Levei-o até Matosinhos e, na espectativa de lhe matar a fome, fomos almoçar ao Restaurante Mauritânia. Surpresa nossa: não encontrámos nada, além do nome, que identificasse ligação àquele país. Pensei que o arroz de marisco, fosse o mais indicado, mas o Mohammed só comeu o arroz.

O Mohammed tinha as suas origens ligadas aos mandingas do Mali e do grupo etno-linguístico Mandê. Como nómadas e de religião animista, foram vencidos pelos berberes que lhes incutiram a religião muçulmana.

Trabalhou regularmente como “Jila”, entre Bissau e Nouakchott. Mostrou conhecer Bambadinca, Fá Mandinga, Bafatá, Gabu e Canquelifá. Também conhecia bem as casas comerciais Gouveia, a Ultramarina, a Correia, Taufik-Saad, etc. Casou com uma jovem de uma tribo de nómadas, onde, actualmente, já deve ocupar lugar de responsabilidade.

O Mohammed confessou os dois principais objectivos imediatos: comprar outra mulher e ter outro filho. Talvez por isso, ele olhava tanto para as mulheres. Porém, ele considerava que as portuguesas eram quase todas doentes. Para ele, uma mulher magra não era conveniente para a reprodução. Pelo contrário, quando via uma mulher “tipo baleia”, ele arregalava os olhos a brilhar e exclamava:
 - “Muié bonita”!

Para ele, que era um “fivelinhas” de menos de 40 Kgs, uma mulher “bonita” teria que pesar mais de 100 Kg.

O Mohammed não parava de dizer “Portugal manga di verde, bonito”. Resolvi ir dar uma volta com ele pelo Minho.

Depois de visitarmos o monte da catedral de Santa Luzia, em Viana do Castelo, parámos num bar uns 200 metros mais abaixo. Fomos beber qualquer coisa, enquanto saboreávamos aquela paisagem deslumbrante. Uns minutos depois, ele saiu e pôs-se a rezar, de costas para Viana do Castelo e virado para o Monte de Santa Luzia. Por coincidência, estava curvado, quando, um homem que passava, lhe estendia uma esmola. O Mohammed, alheio ao gesto, curvara-se de novo. Ao aproximar-me, ouvi o homem, ainda de mão estendida, a dizer-lhe:
- Tome lá. Levante-se e deixe-se disso.

Quando lhe propus comermos um arroz de frango “à maneira”, ele não se pôs de fora, mas confessou que não podia aceitar, uma vez que o animal teria que ser morto por ele ou pelo seu superior religioso. Pedi então à minha sogra que cedesse uma galinha para o sacrifício. E foi sob a sua orientação que lhe proporcionámos as condições “logísticas” e religiosamente exigíveis para a “execução”.

Ainda o estou a ver na eira, de cócoras, com as mangas do casaco arregaçadas, os cotovelos pousados nos joelhos e com os braços e mãos a moverem-se tipo guindaste na doca, deslocando-se, manuseando a faca e “executando devidamente” a galinha. Tudo isto diante de duas bacias de água, uma quente e outra fria, as quais utilizava, com intervalos de rezas para Alá, cuspindo, de vez em quando, para o lado.

A minha santa sogra, pensando tratar-se de alguma bruxaria, benzia-se repetidamente e ia rezando/murmurando/contestando em voz baixa. O homem consolou-se com o frango cozido. Nem parecia o mesmo.

No dia seguinte, só falava no desejo de uma sopa de legumes. Como teria que ser sem gordura animal, procurei um “Caldo Verde”. Só o encontrei no terceiro Restaurante em que procurei. Mandei retirar a “tora” (rodela de chouriço) da malga dele. Porém, o Mohammed receou tanta pureza e recusou a sopa. O empregado, parecendo compreender a situação, ofereceu-se logo para trazer outra sopa, garantidamente sem chouriço ou outras carnes. O Mohammed olhou-me para eu lhe dar a confiança de que necessitava. E tudo correu bem.
- “Muito bom sopa! Pode cumê más”?

No final, depois do café, ainda sugeri um licor. Sem álcool, claro.
O mesmo empregado trouxe dois pequenos copos com um licor cor-de-rosa.
- “Muito bom bebida”! – gabava o Mohammed.

Na despedida, o empregado dizia-me:
- Não se preocupe com este tipo de pecados. O que interessa é que o homem fique com a consciência tranquila e o corpo satisfeito. E se o Alá me quiser foder a mim, que o fiz pecar, tem que vir aqui, a Matosinhos.

Pensando ter cumprido a sua missão, o Mohammed pediu-me se o levava a Aveiro, onde queria ficar. Ele insistia no “Stella Maris”. Fiquei a saber que se tratava de um Clube da Gafanha da Nazaré, em Ílhavo, muito frequentado pelos tripulantes de empresas que pescavam na costa da Mauritânia.
Quando lá chegámos fiquei surpreendido com o ambiente amistoso que me dispensaram. Apercebi-me de que o Mohammed já havia falado bem de mim. Comeu-se bom peixe e bebeu-se bom chá. Se o chá embebedasse, eu não teria conseguido sair dali.

Silva da Cart 1689
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Nota do editor

Poste anterior de 30 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16895: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (37): 1 - O amigo Mohammed da Guiné

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16960: (Ex)citações (322): não havia "praias de Biombo" para todos, em fim de comissão... Contavam-se pelos dedos os "oásis de paz", os "pequenos paraísos": Ondame, Varela, Contuboel, Cansissé, Bafatá, Bubaque...


Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Foi na fonte de Semba Uala, que os nossos corpos se retemperaram de energias abaladas. Também, com exasperados desejos, se buscavam encontros de encantos.

Foto (e legenda): © Idálio Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > “Sintra de Bafatá”. Caminho que ia de junto do Mercado até à Mãe d’Água e casa do comandante do Esquadrão. Todo o percurso era ensombrado, como os caminhos da mata de Sintra. Na foto, o Fernando Gouveia, à civil.

Foto  (e legendas) © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Zona da Mãe d’Água, também chamada “Sintra de Bafatá”, onde havia umas mesas para piqueniques e que, de vez em quando, a esposa do comandante Esquadrão organizava uns almoços dançantes em que eram convidados além dos alferes, e penso que alguns furriéis (16 B), todas as meninas casadoiras de Bafatá, libanesas e outras.

[O Fernando Gouveia não quis identificar o Esquadrão, mas o último do seu tempo, foi o Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71, cujo comandante era o cap cav Fernando da Costa Monteiro Vouga; reformou-se como coronel, e é autor de diversos livros sob o nome de Costa Monteiro].

Foto  (e legendas) © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste > Contuboel > A dolce vita dos dois primeiros meses de comissão... Luís Graça (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11), em passeio pelo Rio Geba, em junho ou julho de 1969: Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba... Nunca soube quem nos tirou esta foto... fabulosa. Levei 40 anos a tentar recordar-me do nome do barqueiro...

Foto  (e legendas) © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Do José Nascimento, ex-fur mil da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) publicámos há dias um poste com fotos do destacamento de Ondame e praia de Biombo, a que ele chamou "um pequeno paraíso, um oásis de paz" (*)... Aqui passou os últimos meses da sua comissão, tendo escrito o seguinte sobre este lugar:

"Adeus, meu pequeno quartel do Biombo, adeus a este pequeno paraíso por onde a guerra não passou, adeus aos mais belos tempos desta parte da minha juventude, parto para a Metrópole, mas deixo aqui o meu coração".

Era um "pequeno paraíso", um "oásis de paz", para quem, como ele,  tinha vindo do "inferno do Xime"... Foi uma bela prenda de fim de comissão... Só que não havia "praias de Biombo" para todos...

(i) Contuboel

Falando de "oásis de paz", eu só conheci um, em junho/julho de 1969, quando fomos (a CCAÇ 2590, meia centena de "tugas") dar a instrução de especialidade e a IAO aos nossos soldados do recrutamento local (uma centena), formando mais tarde a CCAÇ 12... Esse sítio chamava-se Contuboel (região de Bafatá). E havia um corredor Bafatá - Contuboel - Sonaco, "livre da guerra", nessa altura...

Em Contuboel funcionava nessa época um Centro de Instrução Militar... E num raio de 15 km eu achava que se podia ainda andar desarmado... Fizemos a IAO com cartuchos... de pólvora!

2. Será que havia outros pequenos paraísos e oásis de paz no TO da Guiné, ao longo dos anos de guerra em que lá estivemos? Parece que sim, alguns já aqui foram referidos (e documentados) no nosso blogue:

(ii) Susana / Varela / Praia de Varela (no Cacheu)

Ainda há dias encontrei o antigo comandante da CCAÇ 1791, que hoje deve ser coronel reformado, o então cap inf António Maia Correia, pai de uma amiga e colega minha. Só temos uma referência sobre esta companhia, que também fez a Op Lança Afiada, em março de 1969, no setor L1 (Bambadinca). Acabou a comissão (abril / agosto de 1969) em Susana, e o antigo comandante disse-me que, como prémio, cada pelotão passou um mês em Varela, que era "a Sintra da Guiné"...

Antes de Susana, a CCAÇ 1791 / BCAÇ 1933 passou por Encheia, Contuboel, Geba, Empada, Biambe, Bula, Bambadinca...

(iii) Cansissé

Outro oásis de paz terá sido Cansissé, pelo menos para quem vinha do "inferno de Gandembel", como foi o caso da CCAÇ 2317:

Ver aqui os postes do Idálio Reis:

2 de agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P954: Cansissé, terra de mil encantos (Parte II) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

(iv) Bafatá

Tirando os Bijagós (onde não havia sinais de guerra), com destaque para Bubaque..., não haveria muitos mais "oásis de paz" na Guiné, durante a guerra... Talvez Bafatá, no tempo do Fernando Gouveia (1968/70):

Vd.poste de de 12 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12434: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (10): A Mãe d'Água ou a 'Sintra de Bafatá', local aprazível e romântico onde se realizavam almoços dançantes para os quais se convidavam os senhores alferes, alguns furriéis e as moças casadoiras

Mas os nossos camaradas, nossos leitores,  talvez saibam de outros "secretos paraísos", "oásis de paz", perdidos pela pequena e bela Guiné do nosso tempo... Vamos lá desenterrar essas memórias (**)..
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Guiné 61/74 - P16959: XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 29 de Abril de 2017 (1): Primeiras informações

Palace Hotel Monte Real (Termas de Monte Real) > 16 de Abril de 2016 > XI Encontro Nacional da Tabanca Grande
Foto de família © Miguel Pessoa


XII ENCONTRO DA TERTÚLIA DA TABANCA GRANDE

DIA 29 DE ABRIL DE 2017

PALACE HOTEL DE MONTE REAL


Camaradas e Amigos Grã-Tabanqueiros:

O tempo passa tão depressa que quase não damos por ele. 
Feita em devido tempo a pré reserva no Palace Hotel de Monte Real, entrado que foi o 2017, há que começar a organizar o XII Encontro Nacional da Tertúlia do nosso Blogue que terá lugar no próximo dia 29 de Abril. 

O Joaquim Mexia Alves, que tem a incumbência de no terreno preparar tudo de molde a que nada falhe, enviou-nos os preços do almoço, das dormidas e ementa para este ano.

A novidade, menos agradável para quem paga, mas quanto a nós aceitável, é que o preço proposto para o almoço e lanche é de 35,00€, mantendo-se inalterados os preços das estadias.

Quando dizemos aceitável, não estamos a falar em nome da carteira de cada um, mas em função dos preços até agora praticados. Recordemos:

III Encontro Nacional - 2008 - Quinta do Paul - Ortigosa - 29,00€
IV Encontro Nacional - 2009 - Quinta do Paul - Ortigosa - 31,00€

Em 2010, para o V Encontro Nacional, a Quinta do Paul propôs-nos novo agravamento, pelo que, por sugestão do Joaquim Mexia Alves, nos transferimos com armas e bagagens para o Palace Hotel das Termas, onde nos propuseram o valor 30,00 euros para o almoço e lanche, com ocupação do salão pela tarde e noite dentro. Acrescia ainda a comodidade de, por um pouco mais, em relação ao preço da estadia na Pensão Santa Rita, podermos pernoitar no próprio Hotel. Também na estadia nos é cobrado um valor inferior ao praticado por este belíssimo hotel.

Recordemos ainda que entre 2010 e 2016, organizámos 7 Encontros Nacionais no Palace, sempre com o mesmo preço, 30,00 euros.

Resumindo:
Preço do almoço e lanche - 35,00€ (adultos)
Crianças até aos 12 anos - 18,00€
Alojamento single - 50,00€
Alojamento duplo - 60,00€  

As inscrições serão abertas oportunamente.

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EMENTA
XII Convívio Tabanca Grande 
DATA: 29 de Abril - Sábado 
Nº DE PAX: 180/200 

Aperitivos – Terraço Sala D Diniz (em caso de mau tempo será no Hall D Diniz) – 13H00 

Saladinha de Polvo 
Salada de Bacalhau 
Salada de Atum 
Salada de feijão-frade com orelha grelhada 
Salada de Ovas 
Meia desfeita de bacalhau 
Salgadinhos variados 
Presunto fatiado 
Meia concha de mexilhão com vinagreta 
Tortilha de camarão 
Pezinhos de coentrada 
Choquinhos fritos à Algarvia 
Joaquinzinhos de escabeche 
Sonhos de bacalhau 
Coxas de frango fritas à nossa moda 
Cogumelos salteados c/ bacon 
Guisado de dobrada 

Almoço – Sala D Diniz – Menu Servido - 14H00

Sopa Rica de Carne 
Lombo Recheado com alheira com batata no forno e legumes 
Pudim de Pão e maçã collis de caramelo e refresco de baunilha

Lanche – Sala D Diniz – Buffet – 17H30/19H00 

Roast Beef 
Carnes frias com molho tártaro 
Enchidos da região grelhados 
Queijos variados 
Charcutaria variada 
Azeitonas com laranja e orégãos 
Franguinho assado
Batata Chips 
Salada de tomate
Salada de alface Salada de cenoura
Salada de Pepino 
Mesa de sobremesas 

Bebidas nas refeições: Vinho branco e tinto ‘Fontanário de Pegões’
Vinho Verde (Branco e Tinto) 
Água mineral, sumos de laranja e cerveja 
Café e digestivo nacional 

Valor por pessoa adulto - 35,00€ 
Criança até aos 12 anos - 18,00€

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Os organizadores
Luís Graça
Joaquim Mexia Alves
Miguel Pessoa
Carlos Vinhal
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Guiné 61/74 - P16958: Estórias cabralianas (94): 1º Cabo Monteiro, pedicure: "Ó meu alferes, olhe-me só essas unhas dos pés, essas enxadas! Venha cá!"... (Jorge Cabral)

1. Estórias cabralianas (94) > 1º Cabo Monteiro, pedicure...

por Jorge Cabral

[, ex-alf mil art. cmdt Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969-1971]

Já é a segunda vez que o nosso editor me pergunta o que faz um Comandante de Destacamento.
– Olha, não sei… Não comanda, aguenta. Aliás, já te disse, que não é a função que faz o Homem, mas o Homem que faz a função…

Entre os meus militares metropolitanos, há o homem mais habilidoso que conheci, o Monteiro. Foi ele que construiu o forno e desmontou e montou o gerador. Ora uma vez, ainda em Fá, olhando as minhas unhas dos pés, chamou-me
– Oh, Meu Alferes, olhe-me essas enxadas! Venha cá!

E munido de uma enorme tesoura da cozinha, cortou-me as unhas…tarefa que acumulou durante toda a comissão. Foi louvado, claro, embora eu tenha omitido aquele mérito…

Jorge Cabral

P.S. O Monteiro já morreu. Imagino-o no Céu, de tesoura na mão à minha espera:
– Venha cá,  Meu Alferes, não se apresente assim a São Pedro…
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Nota do editor:

Último poste ds série > 8 de janeiro de 2017 >Guiné 61/74 - P16930: Estórias cabralianas (93): Porra, meu Alferes, não sabia que os Turras também tinham Mãe!?! (Jorge Cabral)

(...) NI-OI, NI-OI, NI-OI… Continuamos Amigos e Cinéfilos, Dalila.Tu vês filmes, eu, entro neste, tragicomédia que nunca mais acaba…

Desta vez houve guerra, dois mortos em Salá, mesmo junto a um limoeiro. O milícia Demba pisou uma mina reforçada e desapareceu da cintura para baixo. Os gajos abriram fogo e o meu soldado Guiro de rajada lerpou um turra, de pistola à cinta.
- NI-OI, NI-OI,NI-OI… - berrava o turra. (...) 

Guiné 61/74 - P16957: Notas de leitura (920): “O fim da guerra na Guiné”, por Carlos Alberto G. Martinho, Chiado Editora, 2015 (Mário Beja Santos)

Data de publicação: Maio de 2015
Número de páginas: 220
ISBN: 978-989-51-2877-8
Colecção: Bíos
Género: Biografia
Fonte: Chiado Editora (com a devida vénia...)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Carlos Martinho estagiou em Angola como alferes em 1971, em Gago Coutinho e fez a sua comissão na Guiné entre Março de 1972 a Julho de 1974, comandou Os Fantasmas da Bolanha. Manifestou-se como opositor antes de partir para a guerra, rendeu Salgueiro Maia em Guidage, fez parte do cerco ao Palácio do Governador, depois de anunciado o 25 de Abril em Lisboa.
É uma narrativa que nos deixa um travo amargo na boca, de tão esquematizado e em estilo de relatório é o seu depoimento que arranca muito bem com descrições da sua infância numa aldeia na região do Fundão. Terá tido o privilégio de ver grandes mudanças, mas o seu esquematismo é tão rígido que nem lhe deve ter ocorrido que gostaríamos de saber mais da sua passagem por Binta, Guidage e Bigene, que teríamos também curiosidade em que ele escrevesse aquela atmosfera de Bissau com algumas explosões, no primeiro trimestre de 1974, e saber também mais sobre o clima explosivo das tais unidades que queriam imediatamente entregar os quartéis ao PAIGC, di-lo mas não desenvolve. Ora ele foi um protagonista e não mero figurante, perdeu esta ocasião única de deixar um depoimento para a História.

Um abraço do
Mário


O fim da guerra da Guiné, por Carlos Alberto G. Martinho

Beja Santos

O autor, formado em engenharia mecânica pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa, foi, entre 1972 a 1974, capitão miliciano e comandou a CCAV 3568, que atuou na Guiné. Chama à sua narrativa “Histórias de um capitão miliciano e do seu estágio em Angola e das suas origens em Silvares, na Beira Baixa”. Mas essencialmente “O fim da guerra na Guiné”, por Carlos Alberto G. Martinho, Chiado Editora, 2015, é um documento-relatório, que aparece esquematizado por etapas cronológicas, e onde a ênfase é posta no período de Abril de 1972 a Junho de 1974, vamos ver esta CCAV a operar no Olossato, em Quinhamel, em Binta, Bigene e Guidage.

Fala-se da sua infância em Silvares, concelho do Fundão, da pastorícia da região, da emigração da família para a Venezuela, onde ele passou uma parte da sua meninice. Depois do pai ter vendido os seus negócios em Caracas, a família instala-se em Lisboa. Conta episódios da sua juventude, do seu internamento no Colégio Outeiro de S. Miguel, na Guarda e esmiúça a vida e a situação de muita pobreza na aldeia de Silvares. Foi irregular na sua vida universitária e daí ter sido chamado para Mafra antes da conclusão do curso. Participou em manifestações contra o regime. Ainda pensou em desertar mas o pai pediu-lhe para o não fazer. Fez recruta e especialidade em Mafra, entre Outubro de 1970 e Março de 1971, e noutra fase o curso de capitães que concluiu em finais de 1971. Segue-se a descrição do estágio que entretanto fizera na região de Gago Coutinho.

Sempre minucioso na apresentação das suas sinopses, descreve a origem e a formação da CCAV 3568, a sua chegada ao Cumeré, a promessa feita por Spínola de que se acaso a sua companhia se portasse bem no Olossato, ao fim de um ano regressaria a Bissau, veremos adiante que a promessa não foi cumprida.

Estamos agora no Olossato, localidade muito próxima de Bissorã (sede de batalhão), a ligação era feita por picada, com todas as cautelas, atravessava-se um rio secundário, aí estava um destacamento na Ponte do Maqué, a cerca de 4 quilómetros. Descreve a população do Olossato e respetivas etnias. Ficamos a saber que os trabalhos agrícolas da população eram realizados principalmente na Bolanha de Fanjonquito a cerca de 3 quilómetros do Olossato. A primeira ocorrência é de índole disciplinar, o soldado Adão Teixeira embriaga-se repetidas vezes e sempre fazendo uns disparos para o ar com G3. Há também um primeiro-sargento que se mantinha diariamente alcoolizado. Ilustra a delicadeza da vida na Ponte do Maqué com as obrigações diárias de tirar e pôr minas e armadilhas. Em 18 de Maio de 1972, Marcelino da Mata e dois soldados adjuntos chegam ao Olossato vestidos e armados como guerrilheiros e partiram com as milícias para a zona de Suntuariá, regressaram cedo com dois homens, oito mulheres e três crianças. No Olossato iniciaram-se os interrogatórios. O capitão Martinho foi surpreendido com gritos e acorreu à sala do interrogatório, e explica assim a situação:

“Vi esta cena: no meio da sala, um dos homens capturados tinha o braço sobre um pedaço do tronco de uma árvore e Marcelino da Mata estava a bater com outro pau sobre este braço. Gritei imediatamente para pararem com aquilo e perguntei ao alferes o que se estava a passar. O alferes disse-me que aquele homem saberia onde estava o inimigo. Dei ordens para parar com esta situação e informei que não permitiria qualquer tortura. O primeiro-sargento Marcelino da Mata quando se despediu de mim na pista de aviação, para entrar na DO, disse-me: meu capitão, não costumo fazer estas cenas, porque nas operações que faço com os meus homens, por ordem do comando-chefe de Bissau, não trago prisioneiros”.

A população capturada foi entregue em Bissorã. Em 25 de Maio, numa flagelação ao Olossato, o capitão Martinho é ferido com gravidade, uma das mãos fora atravessada por estilhaços da RPG-7, corria o risco de perder dois dedos. Em Julho desse mesmo ano, na picada entre Olossato e Bissorã, explode uma mina anticarro numa Berliet. A cerca de 6 quilómetros de Bissorã a viatura foi pelos ares:

“Todos nós fomos cuspidos da viatura pelos ares, de tal forma que até o meu relógio e a Medalha de Nossa Senhora de Fátima que trazia ao pescoço se perderam para sempre no mato. Um dos soldados ficou gravemente ferido e foi evacuado".

E assim chegamos a 10 de Agosto em que Olossato sofre um ataque violentíssimo, durante cerca de 75 minutos, felizmente não houve acidente de maior. Dois militares morreram por acidente, tinha havido uma banalização dos procedimentos de minar e desminar diariamente perto de Ponte de Maqué, um furriel também morrerá mais tarde num destes tipos de acidentes. Em Maio de 1973, morre o soldado Carlos Viegas por falta de evacuação da Força Aérea, estava-se nesse momento a viver um período dramático na utilização dos mísseis terra-ar Strella. Deduz-se deste relato que a operação mais importante que esta companhia viveu foi a sua participação na Operação Empresa Titânica, entre 27 e 28 de Fevereiro de 1973, na região do Morés. Dá-se então a rendição da CCAV 3568 pela CART 6254, o capitão Martinho e os seus homens vão para Quinhamel, é sol de pouca dura, rapidamente são convocados por Spínola, têm que marchar rapidamente para Guidage.

Estamos em Junho de 1973, chega a Binta e começam os patrulhamentos e a recolha dos corpos das nossas forças, mortas em combate. Ocorre a operação “Abertura rutilante", de 16 de Julho a 17 de Agosto, para a abertura da picada Binta-Guidage. A sua companhia fica em Bigene. Descreve os factos relevantes em Bigene e Guidage. Comanda 250 homens, a sua companhia e a CCAÇ 19, formado essencialmente por tropa africana. Descreve Guidage:

“O quartel estava muito danificado. No meu gabinete tinha caído uma granada de morteiro 82 e o refeitório dos soldados também se encontrava num estado lastimável. Os soldados dormiam nos abrigos fortificados e até nas valas”. E escreve mais adiante: “Foi através dos militares da CCAÇ 19 e do pelotão de artilharia que se soube do local do enterro dos nossos militares, com a sua identificação inscrita num papel introduzido numa garrafa de cerveja. Na sequência do ataque, foi apenas improvisado um cemitério naquela localidade”.

Em Outubro saiu de Guidage e foi para Bigene, só em Dezembro é que é colocado na região de Bissau. Em 26 de Abril, é informado de que houve um golpe de Estado em Portugal. No dia seguinte, o comandante de COMBIS pergunta-lhe se aderiu ao espírito da revolução, responde afirmativamente. E diz mais: “Havia comandantes de batalhões do interior do território e capitães, sobretudo do quadro, que pressionavam para se entrar em negociações diretas com o PAIGC".

Faz parte das unidades que cercaram o palácio do governador Bettencourt Rodrigues, que não aderiu ao 25 de Abril. A sua comissão está praticamente no fim.
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Nota do editor

domingo, 15 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16956: Blogpoesia (489): "Piano mendigo..."; "Só o sonho é livre..." e "Afónica a catatónica...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros durante a semana ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Piano mendigo…

Piano tristonho, desiludido da vida,
Sentou-se cansado na borda da estrada,
Pedindo esmola.

Passou uma harpa, de crista empinada.
Tocando vaidosa.
O mendigo pediu.
Ela avançou.
Nem olhou para o lado.

Veio um violoncelo,
Cismando na pauta,
Corcunda.
De olhos no chão.

O mendigo pediu.

Ele rugiu.
Seguiu preocupado.
Com uma corda partida.

Depois um oboé,
Vaidoso,
Todo encantado,
Reluzindo ao sol.

Mendigo pediu.
Ele nem ouviu
E seguiu indiferente.

Depois, veio um jumento.
Trazia uma bateria impante,
Escarranchada nas costas.

Mendigo pediu.
O burro zurrou.
A batuta assustou-se e caiu.
Calada, sem ela, partiu.

Por fim, um violino aflito,
Entoando vibrante,
Um concerto sozinho.
Perdera a orquestra.

Mendigo pediu.

O violino parou.
Sentou-se a seu lado.
Convidou o piano.
Formaram um dueto,
Para sempre amigos…

Ouvindo um piano e orquestra
Berlim, 14 de Janeiro de 2017 
10h2m
JLMG

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Só o sonho é livre...

Aquela candura branca e alvinitente
desapareceu.
Cobria o chão e era um regalo divinal.
Agora, tudo é lama negra e sórdida.

Bastou subir uns degraus do calor a escala.
E a fealdade tomou conta.

Tudo é efémero na natureza.
Só o sonho é livre.
Não há calor
nem temperatura baixa
que o apague...

Bar dos Motocas, arredores de Berlim,
12 de Janeiro de 2017
10h51m
JLMG

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Afónica e catatónica...

Ao cabo de milénios de desenvolvimento,
desde os tempos da pedra lascada
até à arrogante viagem ao espaço,
com sputnics e foguetões,
após revoluções e convulsões,
com genocídios e gazocâmaras;

Dos colossos piramidais, lá no oriente
e nas ameríndias
que ninguém sabe bem ao certo;
das barragens arrasadoras
para fabrico da energia eléctrica,
e das maquiavélicas centrais nucleares
que ameaçam matar o mundo;

Das tenebrosas lucubrações filosóficas
que nos arrasam de confusões estéreis;

E das macabras religiões mortíferas
que tudo arrasam
em nome do amor aos deuses;

Quando a ciência,
faminta de tanto saber,
quase implodiu
e não conseguiu eliminar a morte;

E as artes se baralharam,
com tantos estilos,
sacrificando a beleza à fealdade;

Eis que uma onda,
afónica e catatónica,
num terrível tsunami,

secou-lhe a esperança
e afogou inteira a humanidade...

Berlim, 12 de Janeiro de 2017
8h4m
JLMG
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16931: Blogpoesia (488): "A existência..."; "Pelas portas milenares das catedrais..." e "Vaidade...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P16955: Manuscrito(s) (Luís Graça) (110): Relembrando os nomes de dois portugueses para quem tenho uma palavra de apreço cívico e de gratidão, Mário Soares (1924-2017) e Catanho de Menezes (1926-1985)... bem como as eleições legislativas de 26/10/1969 e o meu voto em branco, em Bambadinca...


Fundação Mário Soares (FMS) > Mário Alberto Nobre Lopes Soares (1924-2017)  > Imagens > Foto; Lisboa, rua dos Fanqueiros, sede da CEUD - Comissão de Unidade Democrática, 25 de outubro de 1969, na véspera das eleições legislativas para a Assembleia Nacional: da esquerda para direita, Raul Rego (1913-2002), Joaquim Catanho de Menezes (1926-1985) e Mário Soares (1924-2017)

(Com a devida vénia à FMS)


1. Em 3 de agosto de 1968, Salazar tinha caído da cadeira, no Forte de Santo António, no Estoril. Em 27 de setembro o seu antigo delfim, Marcelo Caetano,  vem substituí-lo na Presidência do Conselho de Ministros. 

Nos primeiros meses de 1969 há ainda quem acredite na "primavera marcelista" e nas propostas de renovação da elite política dirigente... Estou na tropa, nas Caldas Rainha, no RI 5, a fazer a recruta,  e a pensar, desde os 14 anos de idade, desde 1961, na "minha" guerra do ultramar... O que me haveria de  calhar em sorte? Angola, Guiné, Moçambique? Venha o diabo e escolha... E, sobretudo, há uma questão, de longa data, que me persegue, a mim, tal como a outros jovens da minha geração, e que é um "problema de consciência": qual a legitimidade daquela guerra? e até quando aquela guerra que vai exaurindo vidas e cabedais?... Em 1961, tive a premoniçãpo de que aquela guerra ia sobrar para mim, mas estou longe de sonhar que iria parar à Guiné...

Cheguei a  Bissau a 29 de maio de 1969. A 2 de junho ia rio Geba acima, numa LDG, a caminho do leste... Depois de passar menos de dois meses no CIM de Contuboel, a dar instrução a tropas africanas, sou colocado em  Bambadinca, no setor L1, eu e os meus camaradas da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12...

Em Bambdinca  eu recebia, por assinatura, o Comércio do Funchal e o Notícias da Amadora, dois jornais ligados à "malta do reviralho"... Nem sempre chegavam regularmente ao meu SPM... Julgo que edições houve que terão sido apreendidas, mas já não posso confirmar... Era uma imprensa feita por gente nova, e que desafiava o sistema, sabendo inclusive fintar os "coronéis", os homens do "lápis azul" que faziam a censura (agora rebatizada "exame prévio"), o mesmo é dizer, decidiam o que os portugueses podiam ler (na imprensa escrita), ouvir (na rádio) e ver (na televisão)...

Recordo-me, em Bambadinca,  das eleições, já distantes, de 26/10/1969, em pleno "consulado marcelista", em que concorriam duas listas da oposição democráticas, a CDE e a CEUD, contra a lista oficial do partido único, a Acção Nacional Popular, herdeira da União Nacional.

Estava na Guiné, em Bambadinca, há já cinco meses... Tenho bem presente essa data porque numa companhia de cerca de 60 militares metropolitanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, só eu, o capitão de infantaria Carlos Brito e o alentejano José Manuel Quadrado (1947-2016), 1º cabo apontador de armas pesadas, é que estávamos recenseados nos cadernos eleitorais. (Posso estar aqui a cometer uma injustiça, omitindo mais alguém, mas julgo que não, embora os restantes graduados do quadro, os dois segundos sargentos,  também devessem, em princípio, estar recenseados; um deles, o sargento Piça, de quem me tornaria grande amigo, tratava-me bonacheiramente como "o soviético" por ser do "reviralho")...

Creio que o candidato pelo círculo da Guiné era o Pinto Bull, acusado na época, pelo PAIGC, de ser um "colaboracionista"... Morreu já em 2005, de certo modo injustiçado. Na época, no meu diário, acusei-o, apressadamente, de ser um Tchombé.

Nas eleições legislativas de 1969, votei em branco, claro, mas votei. Os resultados foram, naturalmente "desastrosos" para os democratas: a lista oficial da ANP arrecadou cerca de 88% dos votos (981.263 votos, menos de um milhão), a CDE cerca de 10,3% e a CEUD 1,5%... Ah!, havia ainda a Comissão Eleitoral Monárquica (que teve pouco mais de 0,1%)... Os votos inválidos foram também da ordem de um milhar (0,09%),

Em, suma, ao todo, votaram cerca de 1 milhão e 115 eleitores (62,5% do total dos recenseados nos fraudulentos e desatualizados cadernos eleitorais do Estado Novo, que eram pouco mais de 1 milhão e 800 mil. Compare-se esse nº com, o total de recenseados, para as primeiras eleições livres, a seguir ao 25 de Abril, as eleições para a Assembleia Constituinte: mais de 6,7 milhões de eleitores!


2. Não tenho a certeza de quando me recenseei, se em 1968, quando fiz 21 anos, ou se ainda em  1965, quando a oposição democrática levantou, pela primeira vez, o "tabu da guerra colonial"... Caiu o Carmo e a Trindade, foi um terramoto!... A oposição democrática retirou-se da corrida nesse ano já distante de 1965 (, o mesmo acontecendo em 1973).

Participei, nessa época, com 18 anos, a nível local, na minha primeira campanha eleitoral que foi abortada logo pela desistência da oposição, e o terror da repressão. Convivi, nessa época, com alguma regularidade com o sempre combativo e corajoso Catanho de Menezes, advogado da família do Humberto Delgado, amigo íntimo de Mário Soares, e futuro cofundador do PS, em 1973, precocemente desaparecido depois do 25 de Abril e hoje miseravelmente esquecido: tem apenas o nome de uma avenida na minha terra, Lourinhã...

Na biblioteca dele, no solar da família, no Toxofal, tinha acesso, pela primeira vez, em 1965, a títulos da imprensa estrangeira como o Le Monde ou o Nouvel Observateur ou as obras, em português e francês, que foram importantes para a minha formação cívica e intelectual. Adorava lá ir, ao Toxofal, "saber as últimas", ler os jornais e, mais do que isso até, ter acesso a uma biblioteca completa de uma velha e conceituada família republicana. Os livros forravam as pedras de alto a baixo, do gabinete de trabalho do Catanho de Menezes,  e era isso que me fascinava, até mais do que as notícias da "resistência antifascista" ...

Muito raramente temos aqui falado destes factos, e nomeadamente da campanha eleitoral" de 1969 (mas também das "eleições" de 1965 e de 1973)... Penso que temos esse dever de memória, porque para alguns de nós essas campanhas eleitorais e a pouca liberdade que era dada momentaneamente às "oposições"  foram uma verdadeira escola de educação cívica, cidadania e formação da consciência política...

Confesso que nunca vi o Mário Soares no Toxofal de Baixo, nem o Catano de Menezes me convidaria para estar com ele ou com outras figuras gradas da oposição democrática... Eu era ainda um "miúdo", em 1965, e havia fortes preocupações com a segurança... Tinha acabado, uns meses antes, de dar o nome para a tropa...

Nem sei se alguma vez o Mário Soares foi à Lourinhã, a não ser em campanha eleitoral, em 1969. Sei que a CEUD fez uma sessão no cinema local, em outubro de 1969.O presidente da Câmara Municipal de então, o João "Paradas", como a gente lhe chamava, tinha sido aluno do Colégio Moderno, e portanto amigo ou conhecido do Mário Soares. Homem da confiança do regime, teve no entanto o "fair play" de assistir à sessão de propaganda da CEUD numa sala que não levaria mais do que 200 lugares sentados. Soube, mais tarde, que futuros destacados militantes socialistas locais, do 26 de abril, ficaram então escondidos na "casa da máquina de projeção", ouvindo as intervenções de Mário Soares, Catanho de Menezes e demais candidatos da CEUD..

Mesmo em outubro de 1969, no "outono" do marcelismo, nem toda a gente se sentia livre para dar a cara... Era preciso coragem física e moral... E essa qualidade, estes dois homens, aqui evocados, Catanho de Menezes e Mário Soares, sempre a tiveram... Lembro-me do dia em que estive, como meu amigo José António, em Toxofal, em setembro de 1965, na véspera do Catanho Meneses e o Mário Soares partirem para Espanha para se inteirarem do caso Humberto Delgado. Ambos serão presos pela PIDE.

Depois de ir para a tropa e para a guerra, nunca mais vi nem contactei o Catanho de Meneses. Veio o 25 de abril e as suas diversas encruzilhadas, fui para Lisboa, nunca mais estive com ele, entretanto já dirigente do PS.

Nunca fui um homem de partido(s), mas tenho uma dívida de gratidão, tanto para com o Catanho de Menezes, meu conterrâneo, umas das primeiras pessoas com quem, em 1965, discuti os aspetos políticos da guerra colonial, bem como para com Mário Soares, enquanto português, e combatente pela liberdade. Disse isso, de resto, à sua  filha, no velório da sala do capítulo dos Jerónimos. E o que lhe transmiti era sincero, não era retórica.

Foram dois homens que a política e a amizade uniram: a única vez que estive pessoalmente com Mário Soares, foi numa exposição fotográfica sobre a guerra colonial, na sede da sua fundação; fiz questão então de lhe falar no nome do meu conterrâneo (e amigo), o Catanho Menezes, que o Mário Soares muito estimava e admirava.
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CATANHO DE MENEZES (1926 – 1985)

(i) Joaquim José Catanho de Menezes nasceu em 11 de Julho 1926, em Toxofal de Baixo, concelho da Lourinhã;

(ii) era filho de Hyde Odila Ribeiro Catanho de Menezes e do advogado João Catanho de Meneses, que foi ministro da Justiça e do Interior em dois governos da I República;

(iii) era também sobrinho do coronel Hélder Ribeiro, deputado e ministro de várias pastas durante a I República;

(iv) licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, e exerceu advocacia nesta mesma cidade, ao mesmo tempo que geria a  exploração agrícola da família no Toxofal de Baixo, Lourinhã;

(v) foi sempre um público e notório oposicionista;

(vi) interveio como advogado em numerosos julgamentos políticos, dos quais se destacam os casos do 11 de Março e do "Golpe de Beja";

(vii) participou activamente na candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República (1958), tendo pertencido à sua comissão de juventude;

(viii) nas eleições para a Assembleia Nacional de 1961, 1965 e 1969, apoiou activamente as listas da oposição democrática: em 1965, foi candidato na lista da oposição por Lisboa;  em 1969, destacou-se no âmbito da CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática), pertencendo à sua Comissão Coordenadora;

(ix) foi preso pela PIDE em setembro de 1965, quando se dirigia para Espanha, com Mário Soares, J. Pires de Lima e Raul Rego, para acompanhar o processo de inquérito aberto pela justiça espanhola sobre o assassinato do general Humberto Delgado;

(x) aderiu à Acção Socialista Portuguesa (ASP); e virá a ser um dos fundadores do Partido Socialista (PS), em Bad Munstereifel, na Alemanha, em abril de 1973;

(xi) após o 25 de Abril de 1974, foi membro da Comissão Nacional e do Secretariado Nacional do PS (1974);

(xii) foi também deputado à Assembleia da República, na legislatura com início em 1976;

(xiii) faleceu em Lisboa a 3 de Junho de 1985;

(xiv) tem o seu nome numa das artérias principais da sua terra, Lourinhã.

Fontes;

 Fundação Mário Soares > Casa Comum> Arquivos > Joaquim Catanho de Menezes

Facebook > Antifascistas da Resistência > 15 de setembro de 2015 > Catanho de Menezes (1926-1985)
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Nota do editor:

Último poset da série > 8 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16932: Manuscrito(s) (Luís Graça) (109): Pôr do sol em “trompe l´oeil”