segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P17004: Notas de leitura (925): "Os Alferes", por Mário de Carvalho, Editorial Caminho, 1989; e Editores Reunidos, 1994 (Mário Beja Santos)

Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de um grande escritor que não tendo feito a guerra colonial explora, com imenso talento, o jargão da caserna, arquiteta non-senses apimentados com humor e desvario.
Três alferes para três contos. O primeiro levava uma vida farniente até que foi incumbido, porque era engenheiro, de discutir com um coronel de cavalaria, lá nos confins do mato, o traçado de uma cavalariça. História impagável.
O segundo alferes vai para Timor e fica esfacelado com uma granada de instrução, num voo para Baucau conhece um major das arábias que lhe narra uma história de vingança com muitos aromas timorenses.
A terceira história, largamente conhecida, intitula-se "Era uma vez um alferes", um simples equívoco numa atmosfera surreal e um capitão de antologia fazem com que esta peça literária não tenha rival.
Quem não conhece Mário de Carvalho perde muito do que há de melhor na literatura contemporânea.

Um abraço do
Mário


Os Alferes, de Mário de Carvalho

Beja Santos

É do senso-comum que de um grande escritor tudo se pode esperar: um tema eivado de classicismo; uma novela irónica; um revivalismo sobre uma obra-prima; um drama sangrento ou lírico, enfim, todas as hipóteses são admissíveis. Em 1989, Mário de Carvalho já dispunha, como é costume dizer-se, de um amplo palmarés. Não esteve na guerra colonial mas compôs um livro de contos em que as narrativas se situam nos antigos territórios coloniais portugueses, não estão bem identificados, mas para o caso tanto faz. Em "Os Alferes", publicado pela Editorial Caminho em 1989, e por Editores Reunidos em 1994, temos três histórias cujos protagonistas são sempre alferes.

Em “A última cavalgada”, temos um alferes de Engenharia que leva uma vida farniente no batalhão, até ao dia em que o major o mandou a Quilabango, tudo por causa de uma cavalariça, ele que nada sabia de cavalos. Chegado ao objetivo, deparou-se com um coronel e uma missão excêntricos. Tudo começa com as advertências desse coronel cavaleiro: “Se acontece alguma coisa aos meus cavalos por causo do vosso desleixo, armo para aí um sarrabulho que até manda ventarolas. Isto é impensável… Cavalos argentinos, animais nobres, sensíveis, um despesão, arrumados em casebres, em pocilgas…”. E prosseguiu o aranzel. Lá foram até um barracão ver os equídeos, e uma sombra se intromete, uma referência ao nosso tenente, o que para a história tem grande importância. Quando o alferes engenheiro lhe mostra os projetos, o coronel protesta: “Sacanas! Refinadíssimos sacanas!”. O alferes está aturdido, o coronel prossegue furibundo: “As frestas têm de estar na horizontal, ao nível do teto, e não a meio da parede. Vem a puta da chuva, salpica os estábulos, salpica as forragens, salpica as garupas. Isto dá pneumonia! Querem matar-me os animais. É sabotagem, pá”. Regressam ao batalhão, o alferes é apresentado ao capelão e ao médico. Está o alferes a sair do banho e vê à distância uma figura de mulher, trata-se de a mulher do coronel. A descrição da refeição na messe de oficiais é uma obra-prima, os comentários, os dichotes, a zaragata verbal entre o coronel e o tenente é delirante. Como delirante é a história de umas morteiradas sobre o quartel. É então que o alferes sabe da história de que coronel quer matar o tenente, é tudo uma questão de triângulo amoroso, está envolvida, claro está, a mulher do coronel. Coronel e tenente irão dar uma passeata a cavalo. O coronel aparece morto, o episódio tem a marca do rocambolesco, correr na unidade a versão de que tinha sido um acidente: “O coronel tinha-se afastado do esquadrão, a galope desenfreado, e depois ouvira-se uma rajada. Teria feito qualquer movimento em falso, a patilha de segurança da arma estaria gasta, os disparos traçaram-no a meio-corpo. O tenente apareceu logo a pedir ajuda, mas já não havia nada a fazer…”. O médico confidenciou ao alferes engenheiro à despedida: “Afinal foi o tenente que matou o coronel. Eu estive a ver o corpo. O major dispensa a autópsia. Quero lá saber…”.

Finda esta história com a cavalaria, entramos noutra, passada em Timor e intitulada “Há bens que vêm por mal”. O nosso alferes, mal chega, sobreveio um estúpido acidente com uma granada de instrução, ficou paralisado da cintura para baixo. Procuraram animá-lo: que a recuperação, pelo menos parcial, se vislumbrava, que não estava condenado à imobilidade eterna. Durante um mês abrasou em febres malignas no Hospital de Dili. É encaminhado para Baucau, escala em Darwin, rumo à Europa. Aqui começa uma história que podia ter sido contada por Somerset Maugham. O piloto é tratado por alguém como o meu major. O doente está intrigado: "Major? O homem trajava a civil: casaco de alpaca, esbranquiçado, sobre uma sumptuosa camisa de entrançados floridos mais complicados de descrever que as volutas do escudo de Aquiles. A cara mostrava-se rugosa, de pele áspera, crestada do clima. Ao fundo do pescoço, pela largueza do colarinho, podia eu distinguir o brusco remate da zona do sol, trocada pela zona de sombra, raia bem demarcada entre a epiderme encarquilhada e escurecida dos trópicos e a pele clara e Lisa da Europa”. Puxando pela cabeça, o alferes lá foi reconhecendo. E depois o major conta-lhe a história, como chegou, como se afeiçoou à ilha, como resolveu ficar, metido na exportação de sândalo branco, veio a invasão japonesa, entra em cena uma fuga em que a certa altura houve entendimento que era preciso desembaraçarem-se de uma criança, o pai apostou vingança, envolveu-se num serial killer, a história termina abruptamente, chegaram a Baucau, chegaram em boa hora, o piloto e o mecânico, após a aterragem descobriram por é que o motor estava a responder mal, tinham-se safado de boa.

A terceira história, “Era uma vez um alferes” tem sido derramada em várias antologias, são múltiplas as citações, conta a história de uma alferes que pensa ter pisado uma mina, ali fica hirto, os soldados e furriéis vão dando palpites, o alferes só pede que venham os especialistas das minas e armadilhas, mas quem sai do helicóptero é o capitão, assim descrito: “Era um homem ainda jovem, magro, seco, muito direito, precocemente promovido pelas necessidades da guerra. Cultivava uma impassibilidade afetada, longamente estudada. Nunca bebia mais do que a conta nem dizia um palavrão. Vestia sempre a farda ver-azeitona, com a boina castanha, e nunca ninguém o tinha visto de camuflado”. Tudo quanto se vai passar a seguir é do melhor que há em literatura de guerra, as intervenções do capitão e o sofrimento do alferes, que revive o sadismo do capitão quando era tenente, e instrutor de tática no segundo ciclo, em Mafra. O alferes, transido, só grita pelo pessoal das minas e armadilhas, assistimos a uma conversa macabra entre o capitão e o alferes que não pode mexer-se um milímetro, falam das movimentações estudantis, e ouvimos o alferes, a protestar no íntimo: “Mas por que é que este capitão não o deixava sozinho morrer para ali? Se se atirasse para diante devia ser apanhado pelas costas. Morte instantânea. Talvez não sofresse nada, talvez nem ouvisse o rebentamento. Mas, e se a explosão lhe quebrasse a coluna, se ficasse paralisado para a vida inteira? Vai-lhe um enorme peso sobre os ombros, do peso se lhe dobram ligeiramente as pernas. Cansou-se-lhe o braço com que se apoia a G3, fortemente fincada na areia. Estremece. Vê, entre névoas, a cara do capitão, ondulante, prelada de gradas bagas de suor”. Situação insustentável, chora, brada pela mãe, o capitão proíbe-o de chorar, incita os soldados a cantar em coro. “Nisto, o alferes teve um estremeção, oscilou, tombou desamparado”. Vimos a saber que teve um ataque cardíaco, não havia mina nenhuma, só uma pequena mola metálica, das usadas nos batuques. O médico embriagou-se, vociferava contra o capitão, chamava-lhe sádico. “O médico acabou por se cansar e lá foi deitar-se, chorando, amparado por outros oficiais. Nessa altura, já se sabia que o capitão não tinha enviado qualquer mensagem a requisitar os especialistas das minas e armadilhas”.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16995: Notas de leitura (924): Os primeiros documentos de Amílcar Cabral na Guiné, 1952 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17003: Agenda cultural (538): Lançamento do livro "Ditadura ou Revolução?", da autoria de José Luís Andrade, dia 2 de Fevereiro de 2017, pelas 18h30, nas Caves Manuelinas do Museu Militar de Lisboa, junto à Estação de Santa Apolónia



C O N V I T E

LANÇAMENTO DO LIVRO "DITADURA OU REVOLUÇÃO?", DA AUTORIA DE JOSÉ LUÍS ANDRADE, DIA 2 DE FEVEREIRO DE 2017, PELAS 18H30 NAS CAVES MANUELINAS DO MUSEU MILITAR DE LISBOA

UM LIVRO QUE É RESULTADO DE ALGUNS ANOS DE INVESTIGAÇÃO

No próximo dia 2 de Fevereiro é lançado o livro "DITADURA OU REVOLUÇÃO?" do meu amigo José Luís Andrade, com prefácio de Jaime Nogueira Pinto e apresentação pelo Embaixador A. Martins da Cruz. Será no Museu Militar, às 18h30.

"Este trabalho é a segunda parte de uma trilogia que aborda a história paralela de Portugal e de Espanha (um projecto designado Ventos de Espanha, areias de Portugal) que iniciei há já alguns anos. Trata o aparecimento das facções «jacobinas» e «vermelhas» após a revolução liberal, de 1870 a 1926, (I Parte), o confronto dessas correntes com os movimentos contra-revolucionários por elas gerados até ao início da última Guerra Civil de Espanha (II Parte) e a participação portuguesa naquele conflito, bem como o seu impacto na vida política portuguesa (III Parte). 
O facto de em 2016 se terem comemorado 80 anos sobre o início da Guerra Civil de Espanha levou-me, por oportunidade, a procurar publicar a segunda parte antes da primeira.

J. Luís Andrade"
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16975: Agenda cultural (537): "Um mergulho no Muxito", primeiro romance de Jorge Paulino, médico cirurgião; prefácio e apresentação do jornalista Mário Crespo, dia 10 de março de 2017, 6ª feira, às 18h30, no Clube Literário Chiado, Fórum Tivoli, Av Liberdade, 180, Lisboa

Guiné 61/74 - P17002: Meu pai, meu velho, meu camarada (51): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1º cabo, 1º Comp /1º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto Silva Santos) - Parte II: "Colá San Jon", na Ribeira de Julião, ilha de São Vicente, 1943



Cabo Verde > Ilha de S. Vicente> Ribeira de Julião  > 1943 >  Tambores, colá San Jon  [Foto nº 30A]


Cabo Verde > Ilha de S. Vicente> Ribeira de Julião  > 1943 >  Tambores, colá San Jon  [Foto nº 30B]


Cabo Verde > Ilha de S. Vicente> Ribeira de Julião  > 1943 >  Tambores, colá San Jon  [Foto nº 30]


Cabo Verde > Ilha de S. Vicente> Ribeira de Julião  > 1943 >  Colá San Jon  [Foto nº 32A]


Cabo Verde > Ilha de S. Vicente> Ribeira de Julião  > 1943 >  Colá San Jon  [Foto nº 32]


Cabo Verde > Ilha de S. Vicente> Ribeira de Julião  > 1943 >  Colá San Jon  [Foto nº 31A]


Cabo Verde > Ilha de S. Vicente> Ribeira de Julião  > 1943 >  Colá San Jon  [Foto nº 31]

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Ribeira de Julião > 1943 >  Festa de São João. Fotos do álbum, do então 1º cabo Feliciano Delfim Santos, da 1ª companhia do 1º batalhão expedicionário do RI 11 (Ilha do Sal, 1941-1943)


Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Feliciano Delfim Santos (1922-1989)
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do pai do nosso camarada e grã-tabanqueiro  Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada  e foi fur mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73). 

 O Augusto disponibilizou-nos 33 fotos, digitalizadas, do seu pai, Feliciano Delfim Santos, e dos seus camaradas da 1ª companhia do 1º batalhão expedicionário do RI 11, que esteve na ilha do Sal, entre junho de 1941 e dezembro de 1943 (*) [, foto à direita].

Os "expedicionários do Onze" partiram do Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, no vapor "João Belo", a 16 de junho de 1941, com desembarque na Praia, ilha de Santiago, a 23 do mesmo mês. Estiberam prartocamente todo o tempo na então inóspita e pouca habitada ilha do sal, em missão de soberania. No final, ainda passram pelas ilhas de Santo Antõe de São Vicentem ressando a casa em dezembro de 1943. Duas dezenas de camaradas do batalhão morreram na ilha por doença e lá ficaram sepultados.

As fotos que  publicamos hoje trazem as seguintes (lacónicas) legendas:

(i) Foto 30 – Ilha de S. Vicente / 1943. Tambores, festa de S. João.

(ii) Foto 31 – Ilha de S. Vicente / 1943. Dança, festa de S. João.

(iii) Foto 32 – Ilha de S. Vicente / 1943. Dança, festa de S. João.

Podia pensar-se que eram do Mindelo, mas não. A festa de S. João celebra-se no interior da ilha, ma povoação da Ribeira de Julião. E são "postais ilustrados" comprados pelos expedicionários, como "recuerdo" de Cabo Verde...

No ábum de Cabo Verde, do meu pai, Luís Henriques (1920-2012) há uma foto extamente igual à da foto 31 do álbum do pai do Augusto, já qui publicada, e que tem a seguinte legenda:


Cabo Verde > S. Vicente > 1943 > Postal da época, "Coladeira do S. João" [ou cola San Jon] > Legenda no verso da foto (a tinta verde, já quase ilegível): "Dançando o batuque (sic) na Ribeira de Julião, no dia de São João , no interior ilha de São Vicente. Luís Henriques. 24/6/1943".

Foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados [Legendas de Luís Henriques e de L.G.]

A qualidade  das imagens que o Augusto me mandou é superior.  Um delas já tinha sido publicada em tempos, mas erradamente foi legendada como sendo da festa da "Cola San Jon" da ilha de Santo Antão (**). O Augusto pediu-nos para fazer a correção, aqui fica feita.

Estas fotos, dos nossos pais, que foram expedicionários em Cabo Verde na II Guerra Mundial, infelizmente  já são muito raras e merecem ser salvas do "caixote do lixo", publicadas, divulgadas e estudadas. Por todas as razões, pelo seu interesse documental,  e sobretudo pelos laços históricos, culturais, linguísticos e afetivos que nos unem, portugueses e cabo-verdianos.

Tudo indica que as fotos (, na realidade, "postais ilustrados"), que aqui publicados, sejam da célebre casa "Foto Melo":

(...) "Foi a única casa fotográfica no Mindelo desde a sua fundação no séc. XIX e durante grande parte do século XX e retratou sistematicamente as chegadas de governadores, a elite intelectual local, almoços e jantares de gente ilustre, grupos de ingleses, eventos oficiais, sociais e religiosos, bailes carnavalescos, costumes populares, os navios no Porto Grande, vistas de cidades e paisagens de todas as ilhas de Cabo Verde. " (,,,)



2. Segundo Manuel Brito-Semedo, autor do blogue "Esquinha do Tempo"  (... "magazine cultural a divulgar Cabo Verde desde 2010"), a festa de S. João Baptista, ou do "colá San Jon" celebra-se em 24 de junho, em Cabo Verde [mas também na diáspora cabo-verdianaa como no bairro da Cova da Moura, na Amadora] no dia 24 de junho: (...) "integrada nas Festas Juninas,  é uma das principais festas populares nas ilhas de Barlavento – Santo Antão, S. Vicente, S. Nicolau e Boa Vista – e na Brava. Nas ilhas de Barlavento, a festa tem as mesmas características. Na Brava, a festa já possui características distintas e originais" (...).

Brito-Semedo, que é autor do estudo "A Construção da Identidade Nacional – Análise da Imprensa Entre 1877 e 1975" ( Praia, 2006),  resume aqui o que e esta festa na ilha de S. Vicente, onde no tempo da II Guerra Mundial estiver5am os pais de alguns de nós:

(...) "Em S. Vicente a festa decorre na Ribeira de Julião, localidade que dista poucos quilómetros da cidade do Mindelo. Mesquitela Lima (1992) descreve-a como uma espécie de romaria onde há de tudo: missa, comeres, beberes e dança, acompanhada de tambores e de apitos. A dança é a umbigada (movimento ritmado em que os pares chocam os umbigos), denominada colá San Jon, sobretudo praticada entre mulheres mas também entre homem e mulher. Os tambores, cuja forma são de origem portuguesa, são tocados com baguetes, produzindo um ritmo sincopado nitidamente africano. Tambores e apitos dirigem as dançarinas, que aceleram as umbigadas consoante o toque."

Mas há elementos de natureza socioantropológica que importa conhecer e divulgar. Seguimos a descrição do antropólogo Mesquitela Lima, citado  por Brito-Semedo:

(..) "Um navio à vela é outro elemento castiço da festa. Construído numa escala reduzida, com uma grande abertura no centro, permite a um homem entrar nele e segurar o navio com as duas mãos por intermédio de correias estrategicamente colocadas para que fique à altura da cintura. Este homem, chamado capitão e usando um boné, por vezes a farda completa, de oficial da marinha, maneja o navio em consonância com os apitos e tambores, praticando bolina, bordejando, vento em popa, tal como se estivesse no mar.

"É igualmente sacramental toda a gente usar colares de pipocas ("milho aliado") que se vende no local, sinal de que esteve presente na festa, ou seja, que era romeiro"  (Mesquitela Lima, op. cit.). (...)

E ao voltando ao amável autor do blogue "Esquina do Tempo", ficamos a saber que "a anteceder o dia de S. João Baptista, coincidindo com a festa pagã do solstício de Junho, há o tradicional saltar da fogueira (as “lumenaras”), eventualmente recordando o imemorial culto do fogo, e os fogos de artifício, prática também em Portugal associada à celebração do dia do Santo, na noite de véspera". (In; blogue "Esquina do Tempo" > 24 de junho de 2015 > Colá san Jon – Festa tradicional ).

domingo, 29 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P17001: Blogpoesia (491): "Horas pacíficas..."; "Me embalo no sonho..." e "Pedras adormecidas...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros durante a semana ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Horas pacíficas

Miríficas ramagens caem pendentes
Das varandas solitárias.
Brotam das fontes os caudais inesgotáveis
Que saciam das gentes a sede insuportável.

É na hora ascéptica que ela ataca traiçoeira.
Ai de quem não a tem no seu bornal.
De nada valem os montões opíparos da riqueza
Se nos falta aquele milagre puro da natureza.

Luzem nos céus os raios da fertilidade.
Geram o calor indispensável à manutenção da vida.

Quem dera ao mundo que nunca acabe
Esta bênção de paz e fraternidade.

Berlim, 29 de Janeiro de 2017
11h24m
JLMG

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Me embalo no sonho…

Me embalo no sonho de, um dia,
Encontrar o tema
E escrever aquele poema de oiro e madrepérolas
Que de amor embriague o mundo.

Para sempre, desapareça o infortúnio
E reine a paz na Terra.
Que a fraternidade seja o lema
E a bandeira seja a alegria de estar vivo.

Não mais caos,
Não mais guerra.
Que o chão se cubra de justiça.
Nunca mais a opressão dos fracos.
Para sempre seque o caudal infame
Da ignominiosa exploração.

E cada homem seja o rei de si
Em plena liberdade…

Ouvindo “concerto nº 1 para piano e orquestra” com Khatia Buniatishvili

Berlim, 26 de Janeiro de 2017
10h00m
Jlmg

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Pedras adormecidas…

Mesmo tórridas ou enregeladas,
Ali jazem presas, encravadas,
Sobre o chão.
São tapete.
São toalha.

Fazem de veias.
São o caminho
Que encurta o espaço
E aperta o tempo
Entre as aldeias.

Vem a noite
E nasce o dia.

Ora acima,
Ora abaixo.
Passa o pobre
E passa o cura.
A todos serve,
Ninguém repara.

Brilha ao sol
E escorre à chuva.
Com valeta
Ou sem valeta.
A guerra à lama.

Ali dormem.
Sono eterno.
Rica mesa
E boa cama.

Berlim, 24 de Janeiro de 2017
17h37m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16978: Blogpoesia (490): "A suavidade..."; "À minha frente..." e "Saída do nada...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17000: Meu pai, meu velho, meu camarada (50): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1º cabo, 1º Comp /1º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto Silva Santos) - Parte I: A caminho da ilha do Sal, com chegada, a 23/6/1941 à Ilha de Santiago, no vapor "João Belo"...


Cabo Verde > Ilha de S. Tiago > Praia > Junho de 1941 > O 1º cabo Feliciano Delfim Santos, da 1ª companhia do 1º batalhão expedicionário do RI 11, na linha da frente, é o terceiro a contar da direita para a esquerda. [Foto nº 1]


Cabo Verde > Ilha de S. Tiago > Praia > Junho de 1941 >  De pé à esquerda. [Foto nº 2]


Cabo Verde > Ilha de S. Tiago > Praia > Junho de 1941 > Primeiro à direita. [Foto nº 3]


Cabo Verde > Ilha de S. Tiago > Praia > Junho de 1941 > Junto a um estaleiro de construção e reparação de embarcações. O Feliciano é o primeiro à direita.[Foto 4]


Cabo Verde > Ilha do Sal > Pedra Lume > 1942. Junto a uma velha peça de artilharia. O Feliciano esta na fila de trás, de pé, a apontar. [Foto 5]


Cabo Verde > Ilha do Sal > Pedra Lume > 1942. O Feliciano é o segundo, de pé, à esquerda. [Foto 6]



Cabo Verde > Ilha do Sal > Pedra Lume > 1942. O Feliciano é o primeira, da direita [Foto 7]


Cabo Verde > Ilha do Sal > Pedra Lume > 1942. O Feliciano é o primeira, da direita [Foto 8]


Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Fotos do álbum do pai do Augusto Silva dos Santos [, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73].  O nosso camarada disponibilizou-nos 33 fotos, digitalizadas, do seu pai, Feliciano Delfim Santos, e dos seus camaradas da 1ª companhia do 1º batalhão expedicionário do RI 11, que esteve na ilha do Sal (e depois na Ilha de Santo Antão), entre junho de 1941 e dezembro de 1943 (*).

Os "expedicionários do Onze" partiram do Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, no vapor "João Belo", a 16 de junho de 1941, com desembarque na Praia, ilha de Santiago, a 23 do mesmo mês. O navio transportava igualmente os materiais de construção indispensáveis para a edificação das instalações para o  pessoal de dois batalhões e de mais uma companhia, além de serviços de saúde e intendência, num total de 2244 homens. 

A ilha do sal era escassamente povoada ("meia dúzia de casas"...), vivendo da exploração do sal e de um fábrica de consersa de peixe (atum). Tiveram que recrutar  lavadeiras de outras ilhas  (Boavista, São Vicente e Santiago), que não as havia na ilha do Sal. Nem sequer havia padre, apenas uma professora, na vila de Santa Maria, a "capital". O aquartelamento era em Pedra [de] Lume. A água potável era racionada, tomava-se banho com água salgada. Cerca de dezenas de homens do 1º batalhão morreram de doença.

O Feliciano Delfim Santos deixou, sepultados nesta  ilha (ou em Santo Antão ?), a sua companheira e um filho, vítimas de doença. De regresso à metrópole, exerceu a profissão de serralheiro, tendo mais tarde concorrido aos quadros do pessoal civil da Marinha de Guerra, onde exerceu a profissão de maquinista em diversas embarcações  (rebocadores e vedetas de transporte de pessoal), inicialmente no antigo Arsenal de Marinha em Lisboa e posteriormente na Base Naval do Alfeite. 

Reformou-se aos 56 ansos  com a categoria equivalente a sargento ajudante. E dez anos depois morreu, precocemente. Ainda em vida, assistiu à partida, para a Guiné, com um ano de diferença,  dos seus  dois filhos,  um deles o nosso grã-tabanqueiro Augusto Silva Santos.

Estas fotos e notas serão complementadas com a reprodução do livro sobre os "expedicionários do onze", do capitão José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp.).

(Continua)
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Guiné 61/74 - P16999: Parabéns a você (1202): O fundador e editor do nosso Blogue, Luís Graça, ex-Fur Mil Armas Pesadas de Infantaria da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16989: Parabéns a você (1201): Fernando Macedo, ex-1.º Cabo Apont Art.ª do 5.º Pel Art (Guiné, 1971/72)

sábado, 28 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16998: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (5): O I Congresso do PAIGC em fevereiro de 1964, em Cassacá, a sul de Cacine, e a importância social da saúde e da instrução literária, analisada na base central do Morés em março de 1964 - Parte II







O nosso colaborador assíduo do blogue, Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494. Xime e Mansambo, 1971/74): tem já mais de 110 referência no nosso blogue; ainda está no ativo, é professor universitário, doutorado em ciências do desporto. Este texto, a publicar em duas partes, foi submetido ao blogue em 4 de janeiro de 2017]



O I CONGRESSO DO PAIGC EM FEVEREIRO DE 1964 NO SUL E A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA SAÚDE E DA INSTRUÇÃO LITERÁRIA, ANALISADA NA BASE CENTRAL (MORÉS) EM MARÇO DE 1964


II (e última) Parte


Um mês após a conclusão do I Congresso de Cassacá, na Frente Sul, os responsáveis da Frente Norte, Ambrósio Djassi [nome de guerra de Osvaldo Vieira; 1938-1974] e Chico Té [nome de guerra de Francisco Mendes; 1939-1978] tomaram a iniciativa de convocar uma reunião para o dia 21 de março de 1964, sábado, a realizar na Base Central [Morés] entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários [políticos] com o objectivo de estudar e discutir as novas fases do desenvolvimento da luta, e ao mesmo tempo para pôr todos os camaradas ao corrente das resoluções aprovadas na reunião de Cassacá.

No final da reunião do Morés foi elaborado o respectivo relatório, que foi remetido ao Secretário-Geral, e por este recebido em 4 de abril de 1964, onde se fez referência aos temas tratados, ao conteúdo de cada intervenção e ao nome de todos os responsáveis que nela tomaram parte, num total de cinquenta e seis elementos.

Eis os dez pontos da Ordem do Dia [dos Trabalhos]:



1. - Mudança de Táctica

2. - Criação de novas bases
3. - Recrutamento e treinos
4. - Política
5. - Disciplina Militar
6. - Alimentação
7. - Saúde
8. - Instrução literária
9. - Segurança e controle
10. - Ligação.



Como ponto extra foi abordado o “ataque ao Enxalé” e analisada a sua necessidade.

Considerando a extensão do documento, constituído por doze páginas A4 manuscritas, iremos abordar neste texto somente os pontos 7 e 8, relacionados com os assuntos sociais – saúde e educação –, aliás em conformidade com o exposto na introdução.

Esta opção é justificada pelo facto de termos vindo a tratar o tema da saúde utilizando as memórias e experiências vividas por médicos cubanos no apoio à guerrilha, cujos relatos são posteriores a este evento (dois anos; com início em junho de 1966).

Já reproduzimos ao altop deste poste a folha de rosto, ou 1.ª página, onde consta o que acima foi referido.


Ponto 7 - SAÚDE


{Ambrósio] Djassi
– Tudo o que já fizemos e pensamos fazer é devido ao estado normal da nossa saúde. Passo a palavra ao nosso camarada Simão Mendes [enfermeiro] para nos apresentar o relatório elaborado em colaboração com os outros camaradas da saúde.


Simão Mendes
– Digo aos camaradas que vou relatar 10 pontos principais conforme o relatório que fizemos:

1 – Medicamentos: - os medicamentos passarão a ser requisitados trimestralmente, requisitando só os medicamentos de maior consumo na Guiné, dando uma regalia aos guerrilheiros como ao povo. Requisitar materiais de pequena cirurgia o mais breve possível.

2 – Doentes para a fronteira: - mandar urgente para a fronteira todos os feridos ocasionados por ferimento de balas uma vez que não há já recursos locais para a sua extracção. Formar um grupo de transporte de doentes ou feridos graves para a fronteira. Esse grupo será nomeado pelo responsável pela Zona Norte.





3 – Preparação de Ajudantes de enfermagem para outras bases: - serão escolhidas meninas e rapazes para receberem noções de socorros urgentes e de enfermagem.

4 – Escala de Serviço e sua conveniência: - far-se-á uma escala de serviço nomeando cada enfermeiro para a sua responsabilidade diária.

5 – Ginástica, sua necessidade e inconveniência: - a ginástica continuará a ser feita como dantes, isto é, todos os dias principalmente para os recém-chegados.

6 – Visitas guiadas às bases: - deslocação quinzenalmente às bases; nesta visita o enfermeiro escolhido procurará colaborar com o povo estudando assim as doenças de 1.ª instância. Serão construídas duas barracas para consultas.

7 – Noções ligeiras de primeiros socorros aos guerrilheiros: - fazendo parte da guerrilha é lícito que todos os guerrilheiros tenham noções de primeiros socorros. Oferecemos a nossa boa vontade neste momento.

8 – Higiene e sua conveniência: - fazendo parte da saúde, para evitar certas doenças, devem todos os guerrilheiros seguir os princípios da higiene do vestuário e limpeza de barracas.

9 – Escala de serviço e sua conveniência: - far-se-á uma escala de serviço, nomeando cada enfermeiro para a sua responsabilidade diária. (Este ponto é igual ao 4).

10 – Colaboração mútua em tudo que diga respeito ao nosso movimento com o povo e guerrilhas: - colaborar com a nossa população explicando a todos as inconveniências que o abuso excessivo dos medicamentos pode ocasionar. Paciência absoluta, dando ao povo explicações do emprego de medicamentos.




Resolução:


Todos os camaradas estiveram de acordo com as proposições dos camaradas da saúde e resolveram criar forças para garantir a execução do que está acima indicado.



Ponto 8 - INSTRUÇÃO LITERÁRIA



Djassi
– Depois de tudo devemos começar a pensar na instrução dos guerrilheiros e do povo. Hoje podemos dispor de alguns livros apanhados e que já empregamos para o mesmo fim. Os camaradas que vieram de Bissau vão ser distribuídos nas bases para começarem a instrução literária.

Chico Té
– Devemos fazer esforços para pôr isso em prática o mais breve possível apesar de poucos meios do que nos dispomos actualmente.


Luís Gomes – Neste ponto posso dizer que é muito importante para a nossa vida e o desenvolvimento da nossa terra. A instrução não é só para crianças mas sim também para adultos.






Resolução:


Todos os camaradas estiveram de acordo neste ponto, e os camaradas que vieram de Bissau vão ser distribuídos nas bases a fim de começar com a instrução literária. Devido à falta de material escolar solicitamos aos dirigentes superiores do Partido o envio de algum material neste campo.


Citação:
(1964), "Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40112 (2016-12-28)


Fonte (,com a devida vénia...):

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04613.065.157
Título: Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central.
Assunto: Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central, assinado por Chico Té (Francisco Mendes) e Ambrósio Djassi (Osvaldo Vieira). Ordem do dia: mudança de táctica, criação de novas bases, recrutamento e treinos, política, disciplina militar, alimentação, saúde, instrução literária, segurança e controlo e ligação. Ataque de Enxalé.
Data: Sábado, 21 de Março de 1964.
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste).
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Documentos


Em função do exposto, e em jeito de conclusão, podemos dizer que a organização do PAIGC, passados quinze meses do início da sua luta armada, ainda era excessivamente precária, onde os adjectivos: instável, delicada, insegura, débil e pobre, enquanto sinónimos, completam o seu quadro mais global.

Mas poderia ser diferente para melhor? Não creio… pois tudo na vida é processo e projecto.

Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade e votos de boa saúde.
Jorge Araújo.
4jan2017.

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Nota do editor:

Último poste da série 26  de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16991: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (4): O I Congresso do PAIGC em fevereiro de 1964, em Cassacá, a sul de Cacine, e a importância social da saúde e da instrução literária, analisada na base central do Morés em março de 1964 - Parte I

Guiné 61/74 - P16997: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (13): O dia mais triste...

Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CART 2339 (1968/69) > 1969 > Mansambo

Foto: © Carlos Marques Santos (2006)


1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 20 de Novembro de 2016:

Amigo Carlos
Antes de mais, faço votos para que te encontres de boa saúde assim com os que te são queridos.
Acabo de escrever e vou enviar-te um pequeno texto recordando aquele que foi o dia mais triste do meu tempo de Guiné.
Recebe um abraço


PEDAÇOS DE UM TEMPO

13 - O DIA MAIS TRISTE...
 
Quando “tropeçamos” no passado mesmo que tal tenha acontecido há já muito tempo, a mente leva-nos a viver situações que podem ser boas ou más, mas não há como fugir. Foi o que aconteceu comigo há dias ao ler um dos postes publicado sobre a construção das instalações de Mansambo.

Cheguei aquele local uns dias mais tarde que a minha companhia, e no dia que os “velhinhos” nos deixaram fiz o meu primeiro serviço, acompanhado pela G3 que era para mim quase desconhecida, fui um dos que foram fazer segurança ao pessoal que andava a transportar a água para as nossas instalações, chuveiros, cozinha e abrigos.

Éramos oito os homens da companhia incluindo o motorista do unimog e o ajudante, mais os picadores que eram três. A distância entre as nossas instalações e fonte era de poucas centenas de metros mas pela manhã o trajeto era sempre picado para que o unimog 411 e acompanhantes pudessem passar em segurança não fosse estar por lá alguma mina colocada durante a noite.

Quando lá chegámos fomo-nos distribuindo para junto de algumas das árvores que lá existiam, só regressámos às instalações próximo da hora de almoço. Foi à sombra de uma de maior porte que me “instalei”. Enquanto lá estivemos não me lembro de ter falado com algum dos camaradas ali em serviço mas sei que o cérebro não parou de pensar, em quase tudo, só que em nada de bom.
Ver os velhinhos partir com a alegria natural de quem conseguiu chegar ao fim da comissão e vai regressar a casa, e pensar no tempo que nos faltava para que também nós pudéssemos viver um dia assim… na altura, falava-se que seria vinte e dois meses depois foram quase vinte e sete.
Preparação para a guerra na Metrópole eu não tive, apenas tinha utilizado a arma duas vezes onde disparei cinco tiros de uma vez e vinte de outra.

A minha recruta e especialidade foram feitas em apenas três meses, no Trem Auto, dos quais três semanas foram passadas no hospital, HMDIC em Lisboa, depois oito meses no RAP3 Figueira da Foz com a especialidade de monitor auto. De guerra e armas nada conhecia, daí a minha falta de preparação, tive que me habituar à situação que todos vivemos, mas fui sempre um fraco guerreiro.

Era já perto de meio-dia quando regressámos da fonte, estava psicologicamente arrasado, foi então que antes do regresso me ocorreu uma frase que escrevi num papel que tinha comigo e que me acompanhou durante todo o tempo de comissão que simplesmente dizia: tem calma, ainda és jovem e o tempo há-de passar.

Foram várias as vezes que li essa frase assim como outras que entretanto fui escrevendo. Algumas vezes ajudou mesmo… Mas aquele dia foi de todos o mais triste… ainda hoje está presente na minha mente como se fosse ontem. Mais tarde em Cobumba passei por momentos bastante mais difíceis, mas aí, a tristeza não raramente passou a dar lugar à raiva…

António Eduardo Ferreira.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > 1996 > O Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1968/69), contemporâneo da CART 2339 (Mansambo, 1968/69). posando junto ao único memorial que ainda restava, de pé, o da CART 2714 (1970/72)... Dos fundadores, "Os Viriatos", a CART 2339, bem como do quartel que eles erigiram e inauguraram, restavam apenas alguns fragmentos e vestígios... Foto de Humberto Reis (2006)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16773: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (12): Memórias que me acompanham

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16996: Meu pai, meu velho, meu camarada (49): O que conseguimos saber, até agora, do ex-1º cabo Armindo da Cruz Ferreira, companhia de acompanhamento do 1º Batalhão Expedicionário do RI 11, Cabo Verde, Ilha do Sal (junho de 1941-dezembro de 1943) a pedido da sua neta, Albertina da Conceição Gomes, médica patologista na Noruega


Cabo Verde > Ilha do Sal >  Pedra de Lume  > 1º Batalhão Expedicionário do RI 11 > 1ª Companhia >  1942. O primeiro da direita é 1º cabo Feliciano Delfim Santos (1922-1989) [Foto nº 7].


Cabo Verde > Ilha do Sal >  Pedra de Lume  > 1º Batalhão do RI 11 > 1º Companhia >  1942 >  O primeiro à esquerda é 1º cabo Feliciano Delfim Santos...Chamavam-lhe o Errol Flynn, por parecenças com o então popular ator, de origem australiana [1909-1959], naturalizado americano em 1942,  que se popularizou m Hollywood , em "filmes de capa e espada". [Foto nº 11]


Cabo Verde > Ilha do Sal > Pedra Lume > 1º Batalhão do RI 11 > 1º Companhia > 1942 >   Junto a um dos barracões que funcionavam como caserna, no aquartelamento do "Onze" >  O Feliciano é o segundo, sentado, da esquerda para a direita [Foto nº  9].


Cabo Verde > Ilha do Sal >  Pedra de Lume  > 1º Batalhão do RI 11 > 1º Companhia >  1943 > O aquartelamento  do "Onze"... [Foto nº 25].

Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Albertina da Conceição Gomes,  de origem cabo-verdiana, médica patologista a viver e a trabalhar na Noruega, com data de ontem, agradecendo ao nosso blogue e ao nossos colaboradores José Martins e Augusto Silva Santos, tudo o que temos feito, de maneira empenhada e solidária,  para  encontrar "pistas" que levem ao paradeiro e à família do seu avô paterno, português, que foi militar, expedicionário em Cabo Verde, na ilha do Sal, durante a II Guerra Mundial (de junho de 1941 a dezembro de 1943)(*).

Olá a todos

Os meus olhos encheram-se de lágrimas só de saber que encontraram alguma informação do meu avô. Ao menos sabemos ao certo que o meu avô se chamava Armindo da Cruz Ferreira.

Boa noite,
Albertina


2.  Comentário do editor:

Albertina, o que é que já sabemos mais  sobre o seu avô paterno, que foi camarada dos  pais de alguns de nós,  tendo estado em Cabo Verde, na ilha do Sal, em missão de soberania, durante a II Guerra Mundial ?

O  nosso camarada Augusto Silva Santos, filho do 1º cabo Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), que esteve na ilha do Sal com o seu avô,  já  descobriu que:

(i)  o nome do seu avô era  mesmo ARMINDO DA CRUZ FERREIRA (e não Armindo da LUZ Ferreira, como supunha o seu pai, felizmente ainda vivo,  Armindo Maria Gomes, de 74 anos, nascido portanto em 1942, e que teria 16/18 meses quando o seu avô regressou, em dezembro de 1943 à metrópole, com o seu batalhão);

(ii) tinha razão, portanto, o amigo do seu pai, o médico com quem ele viajou até São Tomé, que garantiu que o seu avô se chamava (ou chama) Armindo da Cruz Ferreira;

(iii) o 1º cabo Armindo da Cruz Ferreira pertenceu à Companhia de Acompanhamento do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 11  [, RI 11,  Setúbal, ] a Cabo Verde, comandada pelo capitão José Francisco Marquilhas;

(iv) além desta companhia (de comando e serviços), o 1º batalhão tinha mais três, subun idades operacionais, a 1ª, a 2ª e  3ª companhias; o Feliciano Delfim dos Santos pertencia à 1ª companhia;

(v) estas informações constam de um pequeno livro editado pela Assembleia Distrital de Setúbal, datado de fevereiro de 1983, de homenagem  aos "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941- 1943)", da autoria de José Rebelo, capitão;

(vi) essa brochura, de que o Augusto Silva Santos tem uma exemplar, pertença do seu falecido pai,  está a ser digitalizado na íntegra e teremos muito gosto em mandar à Albertina  uma cópia em pdf:  tem 76 páginas e dezenas de imagens do pessoal deste batalhão, e da sua passagem pelo arquipélago de Cabo Verde;

(vii) a referência ao 1º cabo Armindo da Cruz Ferreira, consta da pág. 9 desta brochura: capítulo III, composição da já referida Companhia de Acompanhamento;





Capa e excertos da brochura "Os expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941-1943), de José Rebelo, capitão  (Setúbal: Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, página ).

(viii) na pág. 16 aparece uma foto de um 1º cabo Armindo, mas pelos restantes elementos que o acompanham na mesma, não nos parece ser o avô da Albertina, mas sim o 1º cabo Armindo Pinto Gonçalves, que pertencia à 2ª Companhia;

(ix) na companhia a que pertencia o Armindo, também há um tenente de infantaria, oficial do quadro, que tem o mesmíssimo apelido do Armindo: o seu nome completo é Aurélio Augusto da Cruz Ferreira; seria muita coincidência este oficial ser parente ou familiar próximo do Armindo, mss não descartarmos essa hipótese.

(x) sabemos que este oficial foi condecorado com o Grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Avis, por decreto de 19 de março de 1940, publicado no Diário do Governo em 19 de setembro desse ano, portanto, um ano antes da mobilização para Cabo Verde.

Por conversa, ao telefone,  com o Augusto Silva Santos, esta  manhã, chegámos os dois à conclusão que o pessoal do 1º batalhão expedicionário do RI 11 devia ser quase todo, ou em grande parte, oriundo do distrito de Setúbal, e alguns talvez de Lisboa e arredores... O pai do Augusto, esse,  era "alfacinha de gema",  ou seja, nado e criado em Lisboa...Por outro lado, segundo o Augusto, não há apelidos "alentejanos", invulgares, como Sardinha Fresca, Bacalhau Preguiça, etc. O 1º Batalhão do RI 11, que esteve do Sal, era composto por 852 homens. Ao todo no Sal estavam aquartelados 2244 homens (Vd. gráfico abaixo)

Tudo leva a crer que o Armindo da Cruz Ferreira fosse de Lisboa ou da "outra banda do Tejo", de algum concelho ribeirinho (Almada, Seixal, Barreiro, Montijo, etc.)...Mas se ele foi para a PSP - Polícia de Segurança Pública é mais provável ser de uma cidade como Lisboa ou Setúbal.

Pesquisei nas Páginas Brancas.pt [ http://www.pbi.pai.pt/]: só encontrei um Armindo Ferreira Cruz [e não da Cruz Ferreira]... no Lavradio, Barreiro. Fiz pesquisas igualmente nas Páginas Amarelas [ http://www.pai.pt/].

É bastante improvável que o Armindo ainda hoje esteja vivo, tendo em conta que esta é uma geração praticamente extinta  (mas oxalá que sim; e se sim, estará então com 96 anos...). É  improvável também que haja alguma assinatura de telefone fixo em seu nome... Mas pode haver descendentes  dele, filhos, netos e bisnetos, com  este apelido, "da Cruz Ferreira" (, dmitindo, como mais provável, que ele tenha constituído uma nova família, depois do seu regresso de Cabo Verde).

De acordo com o pedido José Martins, é muito importante que a família, neste caso a sua neta e o seu filho, nos diga o seuinte: (i) o Armindo alguma vez contactou a família (companheiro e filho) que ficou em Santa Antão, depois do seu regresso a Portugal ?; (ii) como é que a família soube que tinha ele ido para a polícia ); (iii) há cartas ou outros documentos com alguma morada dele ?;  (iv) há fotos dele com a avó da Albertina, mãe do  filho Armindo Maria Gomes ); (v) aAlbertina tem mais irmãos ?; e, já agora, qual é a nacionalidade atual da Albertina e como é que se está a dar  na "terra dos vikings" ? (**)

Por ora é tudo, boa noite, bom sono... LG





Mapa de Cabo Verde.  Fonte: Cortesia do blogue da Wordpress, "Cidadania da CPLP"


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Notas do editor

(*) Vd. postes de:

19 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16970: Em busca de... (272): Meu avô paterno, português, de seu nome Armindo da Luz (ou Cruz?) Ferreira, ex-1.° cabo n.° 300, 1.° Batalhão Expedicionário do RI 11 (Cabo Verde, Ilha do Sal e Ilha de Santo Antão, junho de 1941 - dezembro de 1943)... (Albertina Gomes, médica, Noruega)

25 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16988: Em busca de.. (273): Armindo da Luz (ou Cruz?) Ferreira, ex-1.° cabo n.° 300, 1.° Batalhão Expedicionário do RI 11 (Cabo Verde, Ilha do Sal e Ilha de Santo Antão, junho de 1941 - dezembro de 1943), avô de Albertina Gomes (médica, Noruega)... Diligências do nosso blogue e colaboradores, Augusto Silva Santos e José Martins

(**) Último poste da série > 1 de  agosto de  2016 > Guiné 63/74 - P16353: Meu pai, meu velho, meu camarada (48): No 10º aniversário da morte do meu pai (Victor Barata, fundador e comandante do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74)

Guiné 61/74 - P16995: Notas de leitura (924): Os primeiros documentos de Amílcar Cabral na Guiné, 1952 (Mário Beja Santos)

Amílcar Cabral e Maria Helena Vilhena Rodrigues
Com a devida vénia a Casa Comum


Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Folheava os "Ecos da Guiné", publicação oficial que teve audiência nos anos 1950, e deparou-se-me uma série de boletins informativos que saíram do punho de Cabral, quando ele estava à frente do Posto Agrícola Experimental dos Serviços Agrícolas e Florestais.
Tendo saído menino e moço para Cabo Verde, regressa a sua terra-natal depois de diplomado em Engenharia Agronómica, especialidade de erosão de solos. Vem acompanhado pela mulher, aqui chegam em Setembro de 1952. É um período sobre o qual se teceram algumas lendas: que teria sido expulso, o que se dá como não provado; que graças ao recenseamento agrícola a que procedeu entre 1953 e 1954, ganhou a confiança das populações, o que é manifesto exagero, Cabral percorreu território muito rapidamente, mas é certo e seguro que ficou a conhecer a natureza dos solos e sobretudo as reais capacidades do uso de certas regiões para constituir bases de guerrilha, no interior da Guiné. Escrevia com precisão e rigor, com um domínio absoluto da língua, como estes excertos comprovam.
Os especialistas já conhecem estes documentos, mas é bom que eles venham até ao nosso auditório.

Um abraço do
Mário


Os primeiros documentos de Amílcar Cabral na Guiné, 1952 

Beja Santos 

Em Setembro de 1952, Amílcar Lopes Cabral está à frente do Posto Agrícola Experimental dos Serviços Agrícolas e Florestais da Província. Introduz um novo método de comunicação, redige boletins informativos que irão ser publicados em “Ecos da Guiné”, uma publicação oficial que era seguramente lida pelo funcionalismo da Administração e um vasto público ledor da região.

No número 30, com data de 1 de Janeiro de 1953, é publicado o Boletim Informativo n.º 1. Escreve Cabral (não vem assinado, mas é inequivocamente prosa sua): “Constitui um lugar-comum a afirmação que a agricultura é a base da economia da Guiné. Daí o caráter de ‘problema central’ de que se revestem ou devem revestir-se todos os assuntos referentes a esse ramo de produção. Ao posto agrícola experimental está, ou deve estar, reservado o papel de concorrer efetivamente para o melhoramento e o progresso da agricultura guineense”. Pouco depois de empossado Cabral apresenta um relatório sobre o estado em que se apresentava o estabelecimento. Abaixo se publicam alguns estratos. “Duas condições, pelo menos, devem estar na base da consecução deste objetivo: a) a competência e dedicação de quem dirige o posto bem como de todos os trabalhadores; b) o apoio (moral e material) não só da Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas e Florestais, mas também do próprio Governo da Província. Essas condições, indispensáveis, completam-se. São a mola real que poderá fazer com que o posto saia da letargia e do abandono em que tem vivido”.
“… O Posto não é, nem deve ser, como muitos parecem julgar a ‘granja do Estado’, destinada a satisfazer as necessidades de alguns habitantes da capital, em hortaliças e frutas. Hoje, este organismo deve corresponder à necessidade da existência de uma Estação de Experimentação Agronómica, cujo objetivo seja o melhoramento da agricultura, base da economia da província. Experimentação orientada cientificamente, de molde a conseguir resultados práticos imediatos, que sirvam o progresso da terra e do Homem. Fora deste objetivo, sem a dedicação dos seus trabalhadores e sem o efetivo apoio das entidades superiores, o posto não passará de um permanente motivo de vergonha”.

Sobre este relatório de Cabral, o Chefe da Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas e Florestais, despacha do seguinte modo: “Na própria elevação dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné, dos quais o Posto Agrícola é uma das suas imagens reais, todo o apoio será uma realidade”. E o Governador da Guiné procede ao seguinte despacho. "Cremos que meios materiais, dentro do possível, não lhe serão regateados”.

Segue-se a descrição do trabalho executado no primeiro trimestre, é minucioso no que se impõe fazer no campo, nas dependências da granja de Pessubé, sobre o estado das culturas, viveiros e experimentação. Sobre esta última matéria, observa o diretor: “Deve dizer-se que não existe atualmente no Posto qualquer trabalho de experimentação, na sua aceção técnico-científica”. Refere amendoins, bananeiras, café, cacau, cana-sacarina, cultura do algodão.

No número de Fevereiro de 1953, “Ecos da Guiné” publicam o Boletim Informativo n.º 2. Fala-se de uma virose chamada Roseta que flagela a cultura do amendoim, volta-se a reportar o trabalho executado quanto ao estudo das culturas, qual o plano de trabalho para a época que se avizinha e quanto à experimentação é referido que “a cultura experimental do algodão tem-se desenvolvido de molde a permitir uma esperança no seu êxito”. E entra também na observação de outras espécies: trigo, sorgo, cânhamo, soja, girassol, algumas variedades de tabaco.

O Boletim Informativo n.º 3 é publicado em “Ecos da Guiné” no número referente a Maio de 1953, fala-se de jutas, dá-se conta do trabalho executado, o estado das culturas, e a narrativa ganha alento quando se fala da experimentação, com os resultados obtidos no algodão, cana-sacarina, cultura do girassol, feijões, soja, trigo, tabaco.

Na edição de Julho e Agosto de “Ecos da Guiné” publicam-se os Boletins Informativos 4 e 5, e temos aqui um texto esclarecedor da personalidade de Cabral: “Há na Guiné escassez de braços aptos a trabalhar a terra? Não há escassez de braços. Acontece apenas que o agricultor indígena tem relutância em trabalhar por conta alheia. Voluntariamente, trabalha por conta própria, integrado nos costumes da sua comunidade. Na base desta atitude existirá por certo, uma razão económica”. E na sequência destas considerações, prevê grandes mudanças devido à mecanização agrícola, que se adivinha.

Acaba aqui o boletim informativo. Cabral e a mulher, Maria Helena Vilhena Rodrigues, vão envolver-se em fins de Setembro no Recenseamento da Agricultura Indígena, por insistência da FAO. Estão nesta altura já recenseadas as circunscrições de Farim, Mansoa e Teixeira Pinto. Estes textos que acabamos de reproduzir virão a ser publicados nas obras agronómicas de Amílcar Cabral, os seus relatórios referentes ao recenseamento agrícola serão primeiramente publicados no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Findo o recenseamento, Cabral e a mulher adoecem com o paludismo (há uma corrente mítica que pretende que Cabral foi expulso da Guiné pelo Governador Mello e Alvim, não há nenhuma prova, o próprio biografo de Cabral, Julião Soares Sousa, contesta) e regressam a Lisboa. A vida de Cabral vai mudar, trabalhará em Portugal e em Angola até 1959, em seguida parte para a clandestinidade, no Norte de África.

Fotografia atual da casa da Granja de Pessubé em que viveram Amílcar Cabral e Maria Helena Vilhena Rodrigues, reproduzida no nosso blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16990: Notas de leitura (923): "A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926", de Armando Tavares da Silva, Porto, Caminhos Romanos, 2016, muitos anos de pesquisa de arquivo, um milhar de páginas, fotos, mapas e outra documentação preciosa... Uma obra de referência, de grande rigor, incontornável. Pref. do almirante Nuno Vieira Matias, antigo cmdt do DFE 13 (CTIG, 1968/70)

Guiné 61/74 - P16994: Camaradas da diáspora (16): Votos de Bom Ano Novo Chinês! Kung Hei Fat Choi ! 新年快樂!恭喜發財! Happy Chinese New Year! (Virgílio Valente. Macau, China)




1 Mensagem do nosso camarada Virgílio Valente [Wai Tchi Lone, em chinês], que vive e trabalha em Macau, região autónoma da China, há mais de 2 décadas; foi alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74; é o nosso grã-tabanqueiro nº 709.

Date: 2017-01-27 2:32 GMT+00:00

Subject: Bom Ano Novo Chinês! Kung Hei Fat Choi ! 新年快樂!恭喜發財!Happy Chinese New Year!




Amigos,

親愛的大家

Dear all,

Desejo um Feliz e Próspero Ano Novo Chinês!

在歡樂的佳節,獻上我誠摯的祝福。

祝您新春快樂!萬事勝意!

I wish you a very Happy and Prosperus Chinese New Year!

恭喜發財!

Kung Hei Fat Choi!

Virgílio Valente

韋子倫


"Ama-me quando menos o mereça, pois é quando mais o necessito."  (Provérbio chinês) / "Love me when I least deserve it, because that's when the more need." (Chinese proverb)
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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de janeiro de 2017 > Guiné 63/74 - P16993: Camaradas da diáspora (15): Um belo e perfeito soneto, "Hibernação", datado de Bissau, abril de 1965... (Augusto Mota, Brasil)

Guiné 61/74 - P16993: Camaradas da diáspora (15): Um belo e perfeito soneto, "Hibernação", datado de Bissau, abril de 1965... (Augusto Mota, Brasil)

1. Augusto Mota, ex-1º cabo, Grupo Material e Segurança Cripto (Bissau, QG, CTIG, 1963/66); viveu em Bissau até 1974, e depois no Brasil, até hoje; natural do Porto, tem a dupla nacionalidade: é o nosso grã-tabanqueiro nº 726, desde 6/9/2016] (*): 

Mandou-nos, com os votos de boas festas, este belíssimo e perfeito soneto, escrito em Bissau no já longínquo abril de 1965, e guardado no "baú das velharias".

Recorde-se que o soneto é um género poético obrigatoriamente com quatro estrofes: (i) as duas primeiras são quartetos (estrofes de quatro versos); e (ii)  as duas últimas são tercetos (três versos, cada um).

 Todos os versos são decassílabos (têm dez sílabas métricas). Camões e Bocage, por exemplo, foram grandes mestres do soneto. Mas também Antero de Quental ou Florbela Espanca... (LG)


HIBERNAÇÃO

por Augusto Mota

Na penumbra de um quarto ruvinhoso,

entre quatro paredes glaciais,
despidas, enervantes, espectrais,
nunca beijadas pelo sol fogoso...

Na penumbra, dizia, nem sinais
do mundo em que vivi, vão, tumultuoso,
onde perdi o filtro milagroso
de gostar como todos os mortais.

Aqui nada acontece de visível.
O tempo passa quase indescritível,
E eu cansado da longa caminhada...

Se alguém assume à porta é o carteiro.
Traz notícias do dia rotineiro
que, compiladas, dão de soma: NADA!

Bissau, Abril de 1965.

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Nota do editor: