quarta-feira, 31 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17418: Inquérito 'on line' (117): Imagens com história: a minha ida a Fátima (4/4/1965) e a minha chegada ao Cais da Rocha Conde de Óbidos (4/4/1974) (Jorge Araújo)




I. Mensagem do nosso colaborador permanente, Jorge Araújo, com data de 23 do corrente:

Caro Luís,

Com algum atraso, por dificuldades de gestão da(s) agenda(s) - a minha e a dos meus - só agora conclui a resposta ao teu apelo relacionado com a temática "FÁTIMA" e os resultados apurados no inquérito "on-line". (*)


É curta a narrativa, mas é a possível neste "Mês do Coração".

Um abraço, com saúde da boa.

Jorge Araújo.





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 Nota do editor:

Último poste da série >  18 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17375: Inquérito 'on line' (116): Fátima... Num total (final) de 84 respostas, conclui-se que : (i) todos lá fomos, pelo menos uma vez na vida, antes (44%), durante (8%) ou depois da tropa (20%); (ii) não tanto como peregrinos (20%) mas mais como turistas (55%)... A questão admitia mais do que uma resposta.


(...) O facto mais surpreendente é que todos nós, ex-combatentes, crentes ou não crentes, já fomos a Fátima, num dado momento da nossa vida, uma ou mais vezes.

A maioria (55%) respondeu que foi lá "como simples turista ou em passeio". E só um em cada cinco admitiu que foi lá como "verdadeiro peregrino ou crente" (20%).

Os que lá foram logo depois de vir do ultramar (17%) ou muitos anos depois de vir do ultramar (20%) somam mais de um terço. Nestes haverá, por certo, um nº razoável de pagadores de promessas, mas que é difícil de quantificar, talvez uns 10% ou menos dos respondentes.(**)

Faltam-nos testemunhos de camaradas que tenham ido em peregrinação a Fátima, a pé ou de carro, por razões de fé, e nomeadamente no pagamento de promessas feitas por ocasião da guerra no ultramar /guerra colonial (por ex., não ter sido mobilizado, não ter ido como atirador, não ter morrido ou não ter sido ferido, ter voltado são e salvo).

Mas este é um assunto do foro íntimo, é difícil encontrar camaradas dispostos a dar, em público, no nosso blogue, o seu testemunho sobre a sua ida a Fátima. (...)

Guiné 61/74 - P17417: Falsificações da história (2): o ataque a Bambadinca em 28/5/1969: eu estava lá !... e vou enviar em breve um texto conjunto com o Fernando Calado com a nossa versão dos acontecimentos (Ismael Augusto, ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Da esquerda para a direita: o fur mil José Carlos Rodrigues Lopes, dos reabastecimentos, um mecânico (que não consigo identificar) , o Ismael Quitério Augusto (que estava de oficial de dia, como se fica a saber pela braçadeira vermelha), e o 2º sargento Daniel (se não erro: 2º srgt mecânico auto Rui Quintino Guerreiro Daniel).(*)

No Pelotão de Manutenção, constituído por 32 militares, havia um oficial de manutenção (o Ismael Augusto), um 2º srgt mecânico auto (o Daniel), um fur mil mec auto (o Herculano José Duarte Coelho), dois 1ºs cabos mec auto (João de Matos Alexandre e António Luis S. Serafim), mais três soldados mec auto (Amável Rodrigues Martins, Rodrigo Leite Sousa Osório e Virgílio Correia dos Santos)... Tinha ainda um 1º cabo bate-chapas (o Otacílio Luz Henriques, mais conhecido por "Chapinhas"), um correeiro estofador (1º cabo Norberto Xavier da Silva) e ainda um mecânico electro auto (Vieira João Ferraz). Os restantes dezanoveeram condutores auto: primeiros cabos (2) e soldados (17)...

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça.)



1. Mensagem de ontem, do Ismael Augusto, membro da nossa Tabanca Grande, cmdt do pelotão de manutenção, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 2852),

Amigo e Camarada Luis Graça:

Tenho lido as versões mais disparatadas sobre o ataque, ou flagelação a Bambadinca. Esta é a mais fantasiosa. Não tem pés nem cabeça. (**)

Mantive-me em silêncio por considerar que cada um tem direito ás suas versões, vividas ou ouvidas de terceiros e também por saber que a memória muitas vezes atraiçoa. Também mantive o silêncio por considerar que haveria temas mais relevantes.

Mas sempre e apesar de tudo entendi que um dia talvez fosse o tempo de dizer alguma coisa.

Como perguntaria o saudoso Batista Bastos, se por acaso entrevistasse alguém sobre este tema "Onde é que estava no 28 de Maio de 1969, quando do ataque a Bambadinca? " Se a pergunta me fosse dirigida diria, como muitos outros amigos, eu estava lá, em Bambadinca.

O único mérito desta afirmação é que de facto estava lá.

Vou enviar em breve um texto conjunto com o Fernando Calado, que também lá estava e que se não for completo, terá o mérito de conter o essencial do que aconteceu.

Acrescentarei uma história, que acho divertida, que me foi contada na mesma Bambadinca, em Junho de 1995, por um antigo comandante do PAIGC, que comandava um bi-grupo na noite do ataque.

Até lá um grande abraço e os parabéns sempre renovados pelo excelente trabalho que tu e toda a equipa do blogue vem fazendo. A reconstrução das memórias é uma tarefa sem preço.

Ismael Augusto

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Ismael... Fico radiante com o teu mail e o prometido texto a quatro mãos...

Estou de acordo que se publiquem todas as versões, porque os olhos e os ouvidos de cada um são únicos... Mas, no teu/meu/nosso blogue, há o saudável princípio do contraditório... Sem
triangulação de fontes e saturação de versões não há "verdade histórica"...

Gostava de saber mais sobre este repórter de guerra, Al J. Venter (**), que devia ser próximo, política e ideologicamente, do regime de então... Só sei que ele visitou Bambadinca um ano depois do ataque, já vocês, a malta do BCAÇ 2852,  deviam estar em casa...

Arranjei esta série ("Falsificações da história") justamente para podermos rebater, com elegância e sentido de humor, aldrabices e fanfarronices que por aí se escrevem, a par de lapsos, imprecisões, erros... de um lado e do outro. Estamos a falar de "factos históricos", não de leituras da história: aí cada um lê ca história com os "óculos" que tem, ou seja, com suas "grelhas de leitura"...

Há imprecisões factuais que persistem, deliberadamente ou não,  e que acabam por serem fixadas na literatura, na comunicação social, na Net, etc. . Uma delas foi Madina do Boé, como local da proclamação (unilateral) da independência da Guiné-Bissau, em 24/9/1973... O nosso blogue já publicou postes suficientes para corrigir este "erro toponímico"... Outro mito que persiste é o início da guerra na Guiné em 23/1/1963, com o ataque a Tite...Ora o terror e o contraterror, a guerra subserviva e contrassubersiva, em suma, a guerra colonial, já tinha começado há muito mais tempo, e envolveu inicialmente outros atores para além do PAIGC...

Temos o "dever de memória", de ambos os lados... As nossas histórias, mesmo com h pequeno, fazem parte da história comum, com H grande, dos nossos dois povos e países...

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11249: Tabanca Grande (390): Ismael Augusto (ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), novo grã-tabanqueiro, nº 609

Guiné 61/74 - P17416: Agenda Cultural (563): Apresentação das obras literárias: "Revisitar Goa, Damão e Diu", pelo Prof Doutor Valentino Viegas; "Memórias do Oriente", do Coronel Luís Dias Antunes; "De Bragança a Macau", do Superintendente Isaías Teles; e "Radiografia Militar e os 4 DDD", do Dr. Manuel Barão da Cunha, dia 3 de Junho de 2017, na Casa de Goa, Lisboa

C O N V I T E

Integrado nas Tertúlias Fim do Império, apresentação das obras literárias: "Revisitar Goa, Damão e Diu", pelo Prof Doutor Valentino Viegas; "Memórias do Oriente", do Coronel Luís Dias Antunes; "De Bragança a Macau", do Superintendente Isaías Teles; e "Radiografia Militar e os 4 DDD", do Dr. Manuel Barão da Cunha.

Dia 3 de Junho às 16h00 na Casa de Goa


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Nota do editor

Último poste da série de 25 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17394: Agenda Cultural (562): Juvenal Amado ("A tropa vai fazer de ti um homem") na Feira do Livro de Lisboa, no Espaço Chiado, 5 de junho, pelas 18h00,,,E os jacarandás vão estar em flor!

Guiné 61/74 - P17415: Os nossos seres, saberes e lazeres (215): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (4) (Mário Beja Santos)




1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Fevereiro de 2017:

Queridos amigos,
Vai para 50 anos quando se deu este primeiro encontro. Era impensável permanecer no Vale das Furnas mais do que umas horas, um aspirante a oficial miliciano auferia 1100 escudos, que tinha que ser criteriosamente rateados por um aluguer de quarto, uma comensalidade no Restaurante Nacional e gastos vários, impensável a pernoita no Hotel Terra Nostra.
O septuagenário pôde abrir os cordões à bolsa e oferecer-se três dias no parque, no vale e na lagoa. E ficaram impressões tão fortes, tão doces, recordações de aprazimento tão plenas e aquele conforto físico de mergulhar o corpo acerca de 40 graus, na Poça da Dona Beija, cercado de mata luxuriante.
Estou ansioso por voltar.

Um abraço do
Mário


São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (4)*

Beja Santos

A decisão está tomada: o viandante vai passar a manhã por inteiro a deambular pelo Hotel Terra Nostra, haverá banhos na piscina de água férrea, seguir-se-á, depois de almoço, um passeio ao Vale das Furnas, para mimosear os olhos com as caldeiras em trabalho. Mal aqui se chegou e o viandante recordou um jantar em casa de Armando Côrtes Rodrigues, na rua do Frias n.º 101, hoje uma instituição cultural relevante. O último elemento da revista Orpheu, que no regresso a São Miguel se tornou um escritor místico e de pendor regionalista, legou à cultura açoriana monumentos etnográficos do maior valor, pois nesse jantar, para além de ter oferecido um livro com a sua correspondência com Fernando Pessoa, entregou-lhe um volume de dois irmãos que passaram um verão no Vale das Furnas, os irmãos Bullar, um documento precioso que o viandante traz consigo, muito gasto pelo uso. O Vale das Furnas é alfobre de obras românticas e de relatos de viajantes estrangeiros, e os escritores nacionais como Senna de Freitas deixaram impressões encomiásticas. Aqui nasceu a conceção do parque público, na segunda metade do século XIX. O que era lenda, mito, relato assombroso sobre as águas termais, montanhas cheias de fogo, fumarada eterna, regatos de água fria e de água fervente, nascentes que lançam para o ar água a ferver com um urro medonho, jazigos subterrâneos de enxofre, que muitos viajantes registaram, com o especial destaque para esse assombroso escritor do século XVI, Gaspar Frutuoso, autor de um conjunto de volumes intitulados Saudades da Terra, de escritor exímio do povoamento, da fauna e da flora.
O local edénico conhecerá um grande empreendimento turístico nos anos 1930, o hotel Terra Nostra, uma preciosidade em Arte Nova, por aqui vai começar o passeio.



Há alguns anos, fez-se uma grande intervenção, e com talento, imprimiu-se conforto sem descaraterização. No passado, entrava-se por uma porta onde estava aquele lindo mosaico Terra Nostra, passeou-se o viajante por espaços que já tiveram outras funções, a beleza está intacta, veja-se o gracioso lance de escada, manteve-se a atmosfera do que fora um restaurante. Seguiu-se para um espaço em frente que dava pelo nome de casino, tanto quanto foi dado saber nunca houve aqui a roleta francesa nem nenhum milionário saiu depenado, era um salão de festas, bem à moda das termas, talvez com recitais de canto e piano, chás e bailaricos, excelente ocasião para os filhos de gente abonada tentaram a sua sorte nas coisas do coração.




O casino é hoje um lugar de eventos, tipo casamentos e batizados. Manteve-se o seu caráter inicial, pululam as telas de Domingos Rebelo, o mais conceituado pintor micaelense do século XX, que se aperfeiçoou em Paris e foi contemporâneo de Amadeo Souza Cardoso, Emmerico Nunes e Eduardo Viana. Passou décadas em São Miguel, deixou registos de grande beleza sobre os usos e costumes locais, os emigrantes, as festas religiosas, etc. No momento exato em que começam a brotar hidrângeas, o viajante não resistiu ao esplendor daquele carreiro de azul, pois fica associado à sua primeira viajem ao local, 50 anos atrás, e sempre que a palavra furnas lhe vem à mente são sempre estas hidrângeas que aparecem na memória fotográfica, antes das caldeiras, da água férrea e das fumarolas. E agora vamos para o parque Terra Nostra que tem muita história, mais dois séculos de vida.




Tudo começou em 1775, quando Thomas Hickling, então cônsul dos Estados Unidos em São Miguel, aqui fez construir a sua residência de Verão, Yankee Hall. No entanto, só a partir de meados do século XIX é que o jardim, que tinha uma área inicial de dois hectares, experimentou um notável desenvolvimento. Adquirido em 1848 pelo Visconde da Praia, o jardim conheceu uma primeira ampliação. O seu filho, o Marquês da Praia e Monforte, a partir de 1872, prosseguiu a obra dos pais, embelezou a casa, ordenou o jardim, mandou construir um canal serpentiforme, grutas, avenidas, caminhos ladeados de laranjeiras, estas desapareceram. O viandante delicia-se com belíssimas espécies arbóreas. Vasco Bensaude, nos anos 1930, mandou ampliar o jardim, hoje uma das maiores preciosidades dos atores, pela sua forma endémica e nativa, espantosa coleção de fetos, as azálias, as camélias. Vasco Bensaude não se poupou a esforços, trouxe jardineiro escocês, renovou a casa do parque e o tanque de água férrea. Os seus sucessores também não pararam, introduzindo mais três mil árvores e espécies arbustivas. É um jardim fascinante. Como se diz nos Açores, o viandante está-se consolando, o dia de amanhã é para ir até ao Vale das Furnas, outro cântico dos cânticos da natureza.

(Continua)
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Notas do editor

(*) - Poste anterior de 24 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17391: Os nossos seres, saberes e lazeres (213): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17409: Os nossos seres, saberes e lazeres (214): Um passeio aos Alpes Bávaros (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)

Guiné 61/74 - P17414: Convívios (805): Rescaldo dos Encontros do pessoal da CCAÇ 617; Pel Mort 942 e BCAÇ 2885 (João Sacôto / César Dias)

Pessoal da CCAÇ 617 e Pel Mort 942 participante do XXIII Convívio


 
1. Mensagem do nosso camarada João Sacôto (ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), com data de 28 de Maio de 2017, enviando-nos para publicação duas fotos relativas ao XXIII Convívio da sua Unidade e do Pel Mort 942.

Se tiver interesse, envio reportagem do último convívio da CC 617 ( 27/05/2017- XXII).
O actual camarada decano é o Ex-1.º Sargento Felício que conta actualmente 90 anos.


Bolo Comemorativo

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2. Mensagem do nosso camarada César Dias (ex-Fur Mil Sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71) com data de 30 de Maio de 2017, enviando-nos duas fotos relativas ao XXII Encontro do pessoal do seu Batalhão:

Boa tarde Carlos 
Espero que continues em forma, eu vou-me cuidando dentro do possível. 
Mais uma vez te peço, caso tenhas possibilidade de publicar a nossa (BCAÇ2885) participação em mais um aniversário do regresso da Guiné. 
Teve lugar em Coimbra e foi a 20 de Maio. 
Quanto ao titulo, é mesmo esse: "Cada vez somos menos". 
Mais uma vez fico grato 

Um abraço companheiro
César Dias


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Nota do editor

Último poste da série de 21 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17382: Convívios (804): 2º encontro da Tabanca do Algarve, Faro, 20/5/2017 (José Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68)

Guiné 61/74 - P17413: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXII Parte: Cap XIII - No início do ano de 1966, o Movimento Nacional Feminino (MNF) visita Cufar e premeia os "Lassas"... Mamadu baixa ao hospital



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/67) > Início de 1966 > Dª. Cecília Supico Pinto,  presidente do MNF,  de visita a Cufar.

Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.


Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXII Parte > Cap XIII  (pp- 77-80)

por Mário Vicente


Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).




Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXII Parte: Cap XIII: Mamadu de férias no Hospital Militar (pp. 77-80)


Natal de 1965, Natal de Guerra em descanso. Hoje é dia de tréguas.

Passagem de Ano de 1965/1966. Novas tréguas, mas os nossos obuses flagelam Cabolol, Cobumba e Caboxanque, para desejo de bom ano. Será mais manobra de diversão do que outra coisa. Pressente-se que algo está para acontecer. Há uma semana que o P2V5 sobrevoa o Cantanhez e descarrega toneladas de bombas. É um festival pirotécnico extraordinário. O nosso avião lança balões iluminantes e as antiaéreas do PAIGC, com balas tracejantes ajudam a abrilhantar a festa. Em Cufar o pessoal assiste aos rebentamentos que, apesar da distância, estremecem os abrigos. Deve ser cada ameixa! Vamos ver os efeitos? E fomos mesmo!... Mal pensávamos nós que aquilo sobrava para os Lassas e muitos outros.

A três de Janeiro do ano da graça de Deus de 1966, é lançada uma ofensiva sobre o Cantanhez. Dois destacamentos de fuzileiros, uma companhia de pára-quedistas e quatro compa­nhias do exército. A CCAÇ, como não podia deixar de ser, lá estava incluída no rol da [op] Safari. Objectivo: dar combate ao inimigo na região de Darsalame e Cafal onde se encontra a base principal do PAIGC, na zona Sul.

Frente a Darsalame, a CCAÇ desembarca debaixo de fogo. Os grupos de combate progridem pela bolanha contornando a mata na tentativa da sua abordagem pelo lado Norte. Entretanto o fogo IN é intensíssimo. Enterrados na lama da bolanha, junto ao tarrafo, vamos progredindo aos poucos, mas com a forte resistência que é feita com armas ligeiras apoiadas por metralha­doras pesadas, morteiros 82 e RPGs. 


A CCAÇ fica detida a Norte na bolanha, entre a mata e o tarrafo. Não se vê possibilidades nenhumas de progressão e começa a haver problemas com o sol escaldante de meio do dia. Falta a água. Aparecem os primeiros casos de desmaio derivados a insolação. Estamos bloqueados e os helicópteros não conseguem chegar junto de nós para evacua­ções e reabastecimento de água. Caímos numa ratoeira. Com a ajuda dos T6, há dois pilotos aventureiros dos helis que arris­cam. Deixam-nos uns bidões de água e levam alguns soldados, já com sintomas de desidratação. 

Mamadu sente fortes picadas no baixo ventre. Não era a primeira vez que sentia aquilo, quando tinha de andar enterrado na lama, mas nunca ligara. Manda Cigarra tomar conta da secção e informa Almeida de que vai ao furriel enfermeiro para este lhe injectar qualquer coisa. Arrasta-se até ao posto de comando, agora já com grandes dores. Juvelino manda Mamadu baixar as calças e cuecas e, rapida­mente, verifica que o furriel tinha dois papos, como ovos de galinha, junto às virilhas. Sem dizer nada ao companheiro, pela rádio transmite com Paolo, do Comando:
-O Furriel Mamadu tem de ser evacuado pois tem duas hérnias inguinais que, ao mínimo esforço, podem obstruir ou mesmo estrangular!

Mamadu ouve a conversa, e objecta:
-Evacuado eu? Estás maluco! É pá vai levar no olho, e mete lá também a merda das tuas injecções pois eu passo bem sem elas. Eu não vou deixar a minha secção aqui sem mim. Diz ao Paolo, a Carlos, a quem tu quiseres, que eu não saio daqui! 
Juvelino manda o Casal Ventoso preparar uma injecção, para adormecer as dores de Mamadu, e transmite com Paolo:
-O Mamadu está maluco, picou-lhe a mosca, não quer sair daqui, é melhor suspender a evacuação.

Virando-se para o colega furriel, o enfermeiro diz-lhe na sua linguagem vernácula de madeirense:
-És maluco? Então vai-te foder! Se essa merda es­trangula, vais mais depressa para a tua terra. Mas deixa lá, dão­-te uma cruz de guerra. Só tenho pena é da viúva ficar sem consolo durante a noite. Se eu lá estivesse, consolava-a.
-Vai mas é tu levar no cu, tarado de merda!
-Tarado, eu? É tão bom Mamadu! Se calhar não gos­tas?!... Não me digas que a Miriam é só para te lavar os tomates?!

Era mesmo tarado, o Juvelino. Enquanto se passava este diálogo, o Casal Ventoso tinha preparado a injecção. Juvelino, com ar mais gozão agora, volta à carga provocando o colega:
-Bem, agora prepara lá o traseiro porque, pelo menos, vais levar uma pica na bundinha pois temos que aliviar as dores.
-Está bem, mas não me chateies mais os cornos!

E aí temos Mamadu, de cu para o ar deitado na lama da bola­nha. Mal tinha acabado de ser injectado e já uma nuvem de água e lama se abatia sobre os três militares. Uma granada de mortei­ro tinha rebentado a quinze metros. Sorte do caraças. Um pouco mais ao lado, e Mamadu tinha sido apanhado, mesmo com as calças na mão.


O furriel arrastou-se novamente para junto dos seus soldados. A morfina começou a fazer o seu efeito e as dores aliviaram mais. Ao anoitecer, a CCAÇ retirou para o cais de Darsalame onde devia pernoitar. Derivado ao estado de saúde e de esgotamento físico, foram evacuados de lancha para Catió vários militares, entre eles o furriel Ma­madu.

Em Catió, o furriel foi visto pelo médico do batalhão, que mandou dar-lhe mais uma injecção e,  no dia seguinte de manhã, Mamadu partia de avioneta para o Hospital Militar de Bissau. 

No hospital, o cirurgião observa, manda tirar análises com urgência e marca a operação para o dia seguinte de manhã. Mamadu entra em preparativos. Na manhã seguinte, após tomar um calmante, vai para a sala de operações. Sentado na marquesa, para anestesia, é-lhe dada uma injecção epidural. Esticado na marquesa aos poucos vai deixando de sentir as pernas. O cirurgião, com uma pinça, dá-lhe um beliscão na barriga, e Mamadu grita. A anestesia ainda não fizera o efeito total. Mais uns minutos, um novo beliscão e agora o furriel já não reage. Pelo espelho do suporte da lâmpada que ilumina o seu corpo, Mamadu vê o médico fazer uma incisão e aparece um veio de sangue. Pede água, pois sente sede, mas só ouve muito ao longe alguém dizer:
-Se te dou água começas para aí a vomi­tar.

Adormeceu. Os Lassas, soube-o depois, reembarcaram no dia seguinte, sem problemas de maior.

Como reconhecimento do seu trabalho, os Lassas recebem dias depois a visita da Sra. Presidente do Movimento Nacional Feminino,  Dª. Cecília Supico Pinto, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento. Deixaram uma máquina de projectar filmes de 8 mm, uma viola e mais uns pacotes de cigarros. Soube também que o seu companheiro de luta contra o mosquito, o tenente Obstetra, tinha regressado ao seu Batalhão em Tite. O Comandante e 2º. Comandante do BCAÇ 619, teriam ido a Cufar fazer as despedidas, pois tinham terminado a sua comissão, a substituição seria feita pelo BCAÇ 1858.

No Hospital Militar, ao princípio da tarde Mamadu acordou. O primeiro movimento foi levar a mão direita aos testículos. Estavam lá. Não queria ficar eunuco. Aos poucos, ainda sem dores, foi tomando noção onde estava. O pessoal de enfermagem, um colega furriel de cor e etnia Papel e o cabo Porto, tripeiro de gema, eram porreiros. Como companheiros de enfermaria tinha o furriel Mário com uma ferida na coxa, feita por um estilhaço, e que não havia maneira de sarar deitando litros de pus sangui­nolento; na outra ponta, o sargento Carvalhais, de cu pró ar, aguentando uma perfuração na rechonchuda nádega, causada por um tiro numa emboscada em Gandembel.

Ao segundo dia já havia confraternização, e fala-se da merda da guerra.. Eu estou aqui, eu acolá ele lá. Ao terceiro dia Mamadu e Carvalhais foram levantados e começaram a poder movimen­tar-se. Nesse dia, ao fazer o tratamento, o cabo Porto informa o furriel Mário que, se aquilo continuar assim, o médico vai operá-lo. Porto,  experiente,  diz que tem de haver qualquer coisa dentro da perna para esta não sarar. A operação era uma porra. Cortar o músculo, é sempre um risco e não se sabe no que vai dar. Num repente o cabo vira-se para o furriel e diz-lhe:
-Oh Márinho, aguentas os cavais, carago? Tentamos? É capaz de valer a pena!

Mário a medo responde:

-Bem... vamos lá, mas... devagarinho!

O Porto vira a perna furada para o lado, começa a apalpar com suavidade e toma uma resolução:
-Enrola o lençol, e põe-o na boca! Se doer grita à vontade!

Deve ser horrível. O cabo carrega uma, duas, três vezes na perna do desgraçado Mário que dava urros como um urso e uivava como um lobo. O esforçado Porto sua em bica e do buraco, só sai pus e sangue. Mais um espremão, e da ferida sai uma coisa negra parecendo sangue pisado. Com uma pinça, agora com uma delicadeza extrema, o cabo pega nessa coisa negra. Mário chora de dores como criança e o Porto ri como desmiolado, olhando para o negro ferrado pela pinça. Nada menos nada mais que um pedaço de camuflado. O estilhaço tinha perfurado a perna, e ti­nha deixado dentro o pedaço da farda, razão da infecção e daquele sofrimento todo. 

Nessa tarde, ainda mal acordados da sesta, ouviram um heli descer à frente do Hospital. Coxos e torcidos correram para a varanda. Não se viram macas nem feridos. Apenas um caixote do bacalhau, tapado com um pano camuflado. Passados uns minutos já todo o hospital sabia que no caixote vinham três corpos. Como seria feita a divisão, pelos caixotes de madeira, que os levariam para a sua terra, pensou Mamadu? Ficou mais sossegado, por saber que não era nada dos lados de Cufar, mas voltou a pensar nos Antónios e Mães de Salzedas, na resolução da dicotomia da guerra, vida e morte! 

Os companheiros de enfermaria retiraram-se e Mamadu apenas ficou com a companhia do também internado colega na enfermaria contígua, natural de Cabo Verde. E continuou a conversa. A determinada altura, Mamadu entrou em parafuso ao ouvir o seu colega sair-se com esta:
-O meu chefe e o teu estão errados!

Seria provocação? Ou seria tentação? Como já havia uma certa confiança entre os dois, ele também tinha tirado o CSM em Tavira e com família em Lisboa, Mamadu avançou:
-Talvez não queira entender o que disseste, meu amigo! Mas dou-te uma resposta provocatória. Já reparastes, que vós tendes atitudes mais racistas que nós, brancos?

Seguiu-se um silêncio de eternidade, até que Mamadu ouviu as seguintes palavras:
-Analisando em concreto, és capaz de ter razão.

A conversa acabou e cada um regressou à sua enfermaria.

Na tarde seguinte, apareceram umas senhoras simpáticas do MNF, a quem Mamadu informou gostar bastante de ler, e pe­diu se lhe arranjavam “A Besta Humana”,  do Émile Zola. Muitas desculpas mas não conheciam a obra, no entanto iam tratar do assunto. Até hoje não teria sido lido, se o próprio não o tivesse comprado.

Neste tempo todo desleixou um pouco a correspondên­cia. Fragilizado, como pedinte, apenas mandou um bate estradas (aerograma) a Tânia, muito simples e cauteloso, a solicitar se queria ser sua madrinha de guerra. Era uma forma hábil de contornar e chegar lá. Sem problemas, podia morrer mouro porque ao S.P.M. 2628 nada chegou, vindo de Terras do Lado do Norte. Madrinha não haveria. 

Arrependeu-se depois, no momento estava sem informação e não sabia a situação existente. Poderia ter levantado problemas. E começou a pensar seria­mente no assunto, embora fosse um problema psicologicamente sério. Maria de Deus talvez não deixasse de ter razão. Deveria seguir os seus conselhos. “Se Tânia gostasse de ti já tinha dado um sinal.” Talvez fosse verdade! Mas gostava dela, o que é que havia de fazer?!...

Pontos tirados e alta, menino Mamadu, pois, há mais clientes e toca a recuperar depressa, pois aqui não fazes falta nenhuma. Em Cufar é que falta gente.

Neste tempo de recuperação, ainda deu para estar com João Uva. O João continuava também imparável, com o espírito dos Locos. Tinha dado ao slide da sua CCAÇ e militava agora nos de Brá. Três vezes o ferro lhe queimou a carne. Se não fora o Santo Mártir, padroeiro da terra de seus pais, ter zelado por ele, tinha-se ficado no Cantanhez nos caminhos de Cabedu para o Cafal.

Em Santa Luzia, já em recuperação, teve um encontro que não calculava. Enquanto esperava pelo carro para o HM para mudar o penso, viu aproximar-se um tenente e dois alferes. Olhou! E não teve tempo de dizer algo, o tenente dirigiu-se para ele e abraçando-o, perguntou-lhe:
-Eh pá, o que estás aqui a fazer!
-Olá Jorge, eu já sabia que vinhas aqui parar, as tuas tias falaram com a minha mãe, não esperava era encontrar-te.

O furriel contou a sua história ao tenente, e este informou que a Companhia dele ia para Bissorã. Ainda deu para falar das aventuras conjuntas na aldeia da Planície.
-Se necessitares de algo. já sabes CART 1525.

Seguiu-se um forte abraço de despedida.

Encontrar um amigo e companheiro de infância, em terras da Guiné, é grande motivo de alegria!

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 e maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17325: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXI Parte: Cap XII - Op Tesoura, Cadique, dezembro de 1965: "Meu furriel, eu sou um criminoso, um assassino! Numa das casas, quando lancei a granada, estava um bebé a chorar lá dentro!" (1º cabo Cigarra)

Guiné 61/74 - P17412: Parabéns a você (1262): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17411: Parabéns a você (1261): Joaquim Pinto Carvalho, ex-alf mil, CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73

terça-feira, 30 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17411: Parabéns a você (1261): Joaquim Pinto Carvalho, ex-alf mil, CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73



Lisboa > Av Padre Cruz > ADFA > 18 de dezembro de 2014 > Convívio da Tabanca de Bedanda > O Joaquim Pinto Carvalho com o chapéu do saudoso Tony Teixeira (1948-2013)


Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Nasceu  no Cadaval, no ano da graça de 1948,  é pai de duas filhas,  e ainda não é avô, o nosso Joaquim Pinto de Carvalho, o aniversariante de hoje... (Este poste é editado à sua revelia, já que ele é avesso a publicidade.)

É advogado de profissão, mas também empresário (o turismo rural "Artvilla" é um caso de sucesso, que deve muito à sua filha Catarina, arquiteta,  à sua mulher, Maria do Céu, artista, decoradora, criativa e talentosa, mas também ao "faro para os negócios" que ele tem, e que a família tem).

Encontramo-nos, com alguma frequência entre Lisboa, Linda a Velha, Lourinhã e Cadaval. Afável, amável, dotado de fino espírito de humor, é daqueles amigos com quem a gente gosta de beber um copo, partilhar um petisco, dar dois dedos de conversa e... falar dos tempos, entre outros,  de Guiné.
Membro da nossa Tabanca Grande (mas pouco ativo, bloguisticamente falando...), recorde-se que ele foi alf mil, da CCAÇ 6, Bendanda, 1972/73... Ainda não descobrimos o batalhão a que ele, inicialmente, pertenceu.

Na CCAÇ 6, fez grande amizade, entre outros, com o nosso saudoso Tony Teixeira (1948-2013), que era visita da sua casa e que, embora sendo de Espinho, fora adotado pela  Tabanca do Oeste.

Depois da tropa e da guerra, o Joaquim trabalhou na Petrogal (nos mais diversos setores, desde a organização e métodos, à informática e à gestão de recursos humanos), onde foi,  entre outros, colega de trabalho de outro  Tony, o Levezinho, da CCAÇ 12. Fez o curso de direito e acabou por entrar para a advocacia como profissional liberal. É especialista em direito laboral.

Chegado ao fim do mês de maio, costuma fazer anos todos os anos. Como todos os membros do clube dos SEXAS está sujeito às minas & armadilhas que o deus da doença vai espalhando pela picada da vida, por ciúmes da deusa da saúde... Como todo os SEXAS também apanha os seus sustos.... por causas das picardias entre o deus da doença e a deusa da saúde. Põe sempre uma vela aos dois. E lá vai continuando a caminhada pela picada da vida fora... O ano passado fez 68, para o ano faz 70. Acabei de lhe dar os parabéns, e lembrá-lo que não faz 69 não chega aos 100... 

Querido Joaquim, que Deus, Alá e os bons irãs da Tabanca Grande te acompanhem. Bebo uma copo à tua saúde, e à nossa amizade. LG

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Nota de editor:

Útimo poste da série > 27 de maio de 17 > Guiné 61/74 - P17399: Parabéns a você (1260): António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

Guiné 61/74 - P17410: Ex-combatentes da Guerra Colonial lançam uma Petição Pública On Line (5): A petição "Os ex-combatentes solicitam ao Estado Português o reconhecimento cabal dos seus serviços e sacrifícios", foi admitida (Inácio Silva, ex-1.º Cabo Ap AP da CART 2732)



1. Mensagem do nosso camarada e meu particular amigo Inácio Silva (ex-1.º Cabo Apontador de Armas Pesadas da CART 2732, Mansabá, 1970/72), fundador e editor da página Relembrar para não esquecer, com data de 24 de Maio de 2017:

Caro Carlos Vinhal!

Espero e desejo que estejas de saúde, bem como a Dina.
Este e-mail é para te pedir um favor: que faças eco no blogue de és um dedicado e assíduo editor, da entrega na Assembleia da República, da Petição que, a 08-01-2011, foi lançada através do sítio Petição Pública.
O link para o blogue onde dei a notícia é este: http://guerracolonial.blogs.sapo.pt/.
Podes utilizar a informação a teu belo prazer.
Dá notícias.

Um abraço.
Inácio Silva


A petição "Os ex-combatentes solicitam ao Estado Português o reconhecimento cabal dos seus serviços e sacrifícios", foi admitida e tem o n.º 309/XIII/2.ª

É com o sentido do dever cumprido que venho anunciar que fiz a entrega oficial da petição "Os ex-combatentes solicitam ao Estado Português o reconhecimento cabal dos seus serviços e sacrifícios", no passado dia 17/05/2017, que durante muito tempo esteve a decorrer no sítio "Petição Pública".

Foi possível obter mais de 4500 assinaturas, preenchendo as condições para a mesma ser debatida pelos grupos parlamentares que, certamente a irão analisar e encontrar uma solução que venha ao encontro das nossas expectativas, conforme o que nela é preconizado.

Muito já foi falado e, até, legislado, sobre os direitos dos (ex)-combatentes e os deveres do Estado mas, até hoje, não foi feita justiça aos que partiram para a guerra, para terras longínquas, hoje independentes, numa função de "serviço militar obrigatório", em defesa e representação de Portugal. Não obstante, pedimos o mínimo que consideramos justo, com simplicidade e clareza, porque, sabemos muito bem que os tempos são de vacas magras e há uma enorme dívida para todos os portugueses pagarem.

Só espero que o "petróleo branco", designado por lítio, de que Portugal é uma potência mundial, venha a dar uma ajudinha a isto tudo e torne mais fácil a decisão política.

Para conhecimento de todos, aqui está a carta que me foi enviada pelo Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional.

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7703: Ex-combatentes da Guerra Colonial lançam uma Petição Pública On Line (4): "Eu servi a minha Pátria. É justo que a minha Pátria reconheça isso" (Cândido J. R. Pimenta)

Vd. também poste de 11 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7591: Ex-combatentes da Guerra Colonial lançam uma Petição Pública On Line (1): Meta, recolha de 4000 assinaturas (Inácio Silva)

(...) Agora, é só esperar que obtenhamos um mínimo de 4000 assinaturas, para, de seguida, enviar a petição aos Órgãos do Estado a que se destina: Assembleia da República e Governo.

Se pensarmos que, só nas guerras de África, foram mobilizados cerca de 900.000 militares, ficaria muito satisfeito que se obtivesse 1% de adesões.

Agora poderei dizer que a "bola" está do nosso lado. É necessário chutá-la e marcar golo na outra baliza! (...) 

Guiné 61/74 - P17409: Os nossos seres, saberes e lazeres (214): Um passeio aos Alpes Bávaros (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)



1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 25 de Maio de 2017, onde nos fala da Baviera.

Estamos em Maio, um mês da Primavera que, na Baviera onde me encontro, parece querer prolongar o Inverno, ainda com algum rigor do clima frio do norte da Europa. Apesar disso hoje está um lindo dia de sol para realçar toda a beleza da paisagem circundante A vista navega pelo lago de águas calmas, repousa na ilha para onde o barco se dirige e alonga-se pelas encostas das montanhas, que rodeiam o horizonte, onde a neve refulge como prata. A esta luz clara do Sol, os Alpes Bávaros desdobram-se em quadros que a natureza selvagem pinta em imagens de uma beleza extraordinária formada por planícies verdes, águas e serras nevadas.


O barco que nos transporta a nós e algumas centenas de pessoas, navega pelo lago Chiemsee e dirige-se à ilha de Herreninsel. A maior ilha das três existentes no maior lago da Baviera e onde vamos caminhar, contemplando a sua beleza natural, feita de muitas árvores de pequeno e grande porte e de relvados extensos, e apreciar o Palácio Neues Schloss Herrenchiemsee, mandado construir por Ludwig II da Baviera, um rei excêntrico, protector das artes, construtor de palácios, construtor de fantasias, mitos românticos, amado pelo povo pela sua espontaneidade, pela sua juventude, pela proximidade de relações que cultivava com os bávaros, que o humanizava aos olhos do povo simples e revelava a sua loucura aos olhos da nobreza.



Este palácio mandado construir, entre 1878 e 1886, teve como modelo o Palácio de Versalhes em homenagem ao rei Luís XIV de França que ele admirava.

Esta ilha é chamada Herreninsel (em português ilha dos homens) porque existe lá há longos anos um mosteiro de frades, hoje desabitado e ocupado em parte por um museu regional. Próximo existe a Fraueninsel (em português ilha das mulheres) porque existe lá um convento de freiras beneditinas, que ainda o habitam. Cá como lá a religiosidade é maior entre as senhoras do que entre os homens

O palácio Herrenchiemsee ficou inacabado, das setenta salas somente vinte ficaram prontas e decoradas, numa primeira fase porque se acabou o dinheiro para a sua construção e numa segunda fase pela morte prematura do rei, por acidente segundo a versão oficial, assassinado segundo outros testemunhos da época. Procura imitar o Palácio de Versalhes e por vezes excede-o em beleza e grandeza como na grande Galeria dos Espelhos, por exemplo, maior que a sua equivalente do palácio francês, e a sua Sala-de-Jantar tem um gigantesco lustre em porcelana de Meissen, o maior do mundo. 

A acrescentar à beleza natural dos Alpes Bávaros formada por planícies verdes, lagos, montanhas muito tempo brancas pela neve acumulada nas estações frias, existe a beleza construída pela mão do homem composta por casas, moradias, castelos, mosteiros e igrejas.

Este rei bávaro, por alguns considerado imaturo, irresponsável e louco, mandou construir mais dois palácios onde, tal como neste, foi utilizada a melhor arquitectura, engenharia, tecnologia e arte do seu tempo e que hoje perduram como sendo os palácios mais belos de toda a Alemanha:

O castelo de Neuschwanstein, que embora grande, parece um ninho de águias ou um castelo de fadas pois foi edificado nos píncaros de um monte e tem a arquitectura graciosa e rebuscada própria dos castelos de fadas, duendes e outros seres imaginários que povoam as histórias e os sonhos das crianças.


Já o visitei mas porque a fila de turistas era tão grande não entrei no seu interior. Fica para a próxima vez.

O outro é o palácio Linderhof, o mais pequeno, que nunca visitei, mas que pelo que já li merece também uma visita demorada.


A Baviera é o maior estado da República Federal Alemã, com uma área um pouco inferior à de Portugal Continental e com um número de habitantes um pouco superior. Durante séculos foi um reino independente até à sua integração já nos finais do século XIX no Império Alemão. Para além do seu património paisagístico, turístico, arquitectónico e cultural a Baviera tem um vasto património industrial sendo uma das regiões mais ricas da Alemanha e da Europa. Os seus habitantes são católicos e talvez pelas guerras e pela proximidade com os seus vizinhos alemães protestantes mais a norte procuram vincar essa diferença manifestando-a culturalmente de uma forma tão audível que os sinos das igrejas aos sábados e domingos, quase não param de tocar. Pela sua independência secular e pelas invasões e cruzamentos de povos do seu território os bávaros são um povo distinto dos outros alemães e orgulhoso do seu passado, das suas tradições que gostam de evidenciar, tanto nos costumes como nos trajes típicos. Nos trajes regionais, no carácter reservado que se torna ruidoso nas manifestações festivas que eles gostam de cultivar, parece ser um povo antigo com raízes rurais muito profundas. Por vezes parecem ter semelhanças com os transmontanos mas são mais ricos, nota-se pela forma como vestem.

A capital da Baviera é Munique, uma cidade imensa, onde destaco Marienplataz a praça central e ruas próximas, o rio Isar, alimentado pelo degelo dos Alpes, caudaloso até no Verão, ladeado de árvores altas e caminhos para corredores, caminhantes e ciclistas, e o English Garden, um enorme parque da cidade, onde corre um canal de água em fúria, alimentado pelo rio Isar, com árvores grandes e outras em crescimento, com relvados enormes onde as pessoas fazem nudismo ou apanham sol e com os inevitáveis Biergarden onde se podem comer alguns petiscos e beber “eine grosse bier” uma boa caneca de litro de cerveja.

Gosto muito de Munique, onde vamos com frequência eu e a minha mulher, matar saudades da nossa família mista, portuguesa e alemã, sempre tão simpática e hospitaleira mas que não dispensa uma mala de porão, que leva sempre bacalhau, chouriços, algum vinho, bolos de bacalhau, rissóis, presunto, pasteis de nata, húngaros e outros mimos que o seu paladar recorda com saudade.


Desde a época dos descobrimentos, nos séculos XV e XVI os portugueses tomaram o gosto pela viagem e pela aventura da descoberta. Pela aventura e pela necessidade de sobrevivência, no passado de barco, de automóvel, de comboio, hoje sobretudo de avião, há um movimento contínuo de famílias para destinos europeus e mundiais. Os aviões sempre cheios, levam pintores, serralheiros, médicos, enfermeiros, estucadores, empregadas domésticas, jardineiros, engenheiros, padeiros, pedreiros, electricistas, arquitectos, cientistas, investigadores e outros profissionais.

Os portugueses da diáspora que inventaram a palavra saudade evocam-na como quem procura o afecto e o calor da Pátria. Há nela um sentimento doce porque nos faz recordar bons momentos passados com pessoas que estimamos muito. Há nela um sentimento amargo, que nos magoa pela distância que interpõe entre uns e outros, que só se acalma nos reencontros possíveis entre abraços e beijos, nessa proximidade física que os portugueses como povos latinos adoram.

Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17391: Os nossos seres, saberes e lazeres (213): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17408: Meu pai, meu velho, meu camarada (56): um roteiro da cidade do Mindelo: parte I [álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 1943]


Foto nº 1 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "Parada do Dia 14/8/1942. Foto Melo"...  No verso, escrito pelo punho de Luís Henriques: "Comemoração de Aljubarrota em São Vicente. Desfile de todas as tropas e viaturas. A 1ª e a 3ª companhaias do RI 5"...

[ O nosso camarada e grã-tabanqueiro Adriano Miranda Lima,. cor inf ref, natural do Mindelo, a viver em Tomar, descreve o sítio, num poste do blogue Praia de Bote,  como sendo a Rua do Coco, e chama a a atenção para o pormenor do comandandante da companhia em segundo plano, e que vem a cavalo, como era hábito ainda na época. O dia 14 de agosto é o dia da Infantaria, ]




Foto nº 2 >  Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 23/7/1941. Chegada à ilha e defile das tropas expedicionárias do RI 5. Lê-se no verso da foto:  "O senhor governador da colónia passando revista ao batalhão  expedicionário do RI  5,  acompanhado  pelo nosso comandante. Passa neste momento  [revista] à 3º companhia. Meu capitão  Martens (ou Martins ?)  Ferraz". Não tenho a certeza do sítio, talvez seja Praça Nova. O governador seria, na altura,  o capitão José Diogo Ferreira Martins.



Foto nº 3 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Rua do Coco > Legenda no verso:  "Depois da parada, o desfile das viaturas. No dia 14 de Agosto de 1942 [, Dia da Infantaria Portuguesa]. 


Foto nº 4 A > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1942 > "Homenagem do Mindelo a Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Cabos da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do R.I. 5. Luís Henriques" [`, último do direita, na primeira fila].


Foto nº 4  > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1942 > "Homenagem do Mindelo a Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Cabos da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do R.I. 5. Luís Henriques" [`, último do direita, na primeira fila]. [Há quem confunda este monumento com...  a Águia do Benfica...].




Foto nº 5 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Cabo Verde >  Legenda no verso:  "O palácio do Governador. Maio de 1942"... Ao fundo, vê-se o Monte Cara...



Foto nº 6 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Julho de 1942 > Legenda no verso; "A antiga câmara [municipal] de Mindelo que hoje é hospital de soldados. Julho de 1942.  [É hoje de novo, o edifício da Câmara Municipal do Mindelo, fica no Largo da Pracinha].




Foto nº 7 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "Dia 14 de agosto [de 1942], data gloriosa  para a nossa gente lusa (Aljubarrota). Recordando essa data em Mindelo com o içar da bandeira nacional junto ao liceu Gil Eanes e marchando o regimento de infantaria 5 nas ruas da cidade".

É um edifício com história, hoje conhecido como Liceu Velho... A elite do Mindelo passou por aqui... O liceu Gil Eanes (antes, Infante Dom Henrique]) funcionou aqui de 1938 a 1968. A sua construção data de meados do séc. XIX. Teve vários usos, além de estabelecimento de ensino, foi quartel e correios...  É  uma  pena a foto estar muito estragada.

Expedicionário do RI 7 (Leiria), o fur mil Manuel Ferreira (1917-1992), futuro capitão SGE e escritor, aqui conheceu aquela que virá a ser a sua muher e mãe dos seus filhos, também ela escritora, notável contista, Orlanda Amarílis (1924-2014). Ambos frequentavam este liceu. Orlanda era colega de turma do Amílcar Cabral (1924--1973) ... Manuel Ferreira acabou por ficar seis anos no Mindelo (1941-1947) e ser um dos cofundadotes e animadores da  revista  literária "Certeza" (1944), de vida efémera mas com impacto na vida cultural da ilha.




Foto nº 8 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Largo da Pracinha > Não é a igreja de S. Vicente, como vem no verso. mas sim a igreja paroquial  de N. Sra. da Luz. À esquerda, a Casa do Leão, na época uma importante casa comercial. Edifício hoje classificado e recuperado,

A igreja data de meados do séc. XIX, remodelada em 1927.  A Casa Leão, por sua vez, era um dos históricos estabelecimentos comerciais da cidade do Mindelo. Decretou falência em 2011, encerrou definitivamente as suas portas no fim desse ano,  Tinha cerca de 70 anos de existência. À à direita da Casa Leão, fica o edifício da Câmara Municipal (foto nº 6).  Li algures que foi aqui que nasceu a cidade do Mindelo...

Fotos (e legendas): © Luís Henriques (1920-2014) / Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Fotos do álbum de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, no Lazareto, entre julho de 1941 e setembro de 1943, em missão de soberania; este e outros batalhões, num total de mais de 3300 homnes,  foram entretanto integrados mais tarde no RI 23]. (*)

[Foto à direita, Luís Henriques > 19 de agosto de 1942 > "No dia em que fiz 22 anos, em S. Vicente, C. Verde. 19/8/1942. Luís Henriques ".]

Tal como os pais de vários camaradas nossos, membros da nossa Tabanca Grande  (Hélder Sousa, Augusto Silva Santos, Luís Dias...) (**),  o meu também foi mobilizado para Cabo Verde na II Guerra Mundial: esteve na Ilha de São Vicente, na cidade do Mindelo, de 23 de julho de 1941 a (?) de setembro de 1943.

Ao todo, foram 26 meses "a comer pó". recorda ele, sempre com  "morabeza".... Esteve aquartelado no Lazareto, a oeste da cidade do Mindelo (cidade, na época, mais importante que a Praia, capital político-administrativa do arquipélago, na Ilha de Santiago). Lembra-se de, ao regressar à sua terra, Lourinhã, a primeira coisa que quis comer foram uvas...

Mas a peluda só veio, oficialmente, em janeiro de 1944. O mundo inteiro vivia o pesadelo e a tragédia da II Guerra Mundial... E Portugal tinha milhares e milhares de homens espalhados pelos diversos territórios do seu Império, incluindo as estratégicas ilhas adjacentes, da Madeira e dos Açores.

Das colónias africanas, o arquipélago de Cabo Verde era o território que ficava mais perto da Europa e do teatro de operações do Atlântico Norte... Pelo seu posicionamento geoestratégico, e sua importância aeronaval, esteve na mira tanto dos Aliados como das potências do Eixo...(Os submarinos alemães movimentavam-se com um certo à vontade por aquelas águas; e os italianos também se sentima "em casa"...).


Luís Henriques (1920-2012)

"No dia em, que fiz 22 anos tirei esta fotografia
em Mindelo:  encerra as minhas vinte e duas
primaveras felizes.  Senti neste dia  muitas 
saudades dos meus,  dos amigos e também da minha 
terra. Luís, em 19/8/1942, S. Vicente, Cabo Verde" .
(Foto: impressa em papel Ferrania)
2. Do Mindelo, o meu pai lembrava-se de pessoas e lugares: por exemplo, o seu 'impedido', o Joãozinho, com quem repartia o rancho, e que morreu, de doença, quando ele próprio estava internado no hospital,  durante 4 meses, com "problemas de pulmões" no 2º e 4º  trimestre de 1943)... 

Lembrava-se do Monte Cara, do Lazareto, da praia da Matiota, de São João da Ribeira, do Calhau, do Monte Sossego... Sei que nunca foi à Baía das Gatas, por exemplo (hoje conhecida por ser uma estância de turismo e pelo seu famoso festival de música)... nem nunca explorou muito bem o lado meridional da ilha... (Bastavam-lhe os longos e penosos exercícios físicos e marchas que faziam no interior da ilha, para se manterem em forma, mataremo tédio, esquecerem a fome, a sede e a saudade)...

Lembrava-se, além disso, dos nomes (e até dos números ) de alguns camaradas... Lembrava-se dos nomes e de alguns histórias dos seus oficiais (alguns, bem prussianos, militaristas, germanófilos, de acordo com  figurino da época, um deles herói da Guerra de Espanha, "com as pernas todas furadas por balas"!...).

Lembrava-se até dos resultados dos renhidos torneios de futebol e de voleibol que se realizavam no Lazareto, entre tropas de diferentes subunidades... Claro, lembrava-se das praias e dos tubarões, dos navios, e até dos espiões (que lá também os havia, como em Lisboa)... E chegada de qualquer navio era uma festa, tanto para os expedicionários como para os naturais da ilha...

Ia a missa aos domingos. E tinha uma menina, uma "Bia", que gostava dele, encontravam-se na igreja de N.Sra. Luz... Tinha o bom hábito de ler. Tinha uma bela caligrafia.  Fez a 4ª classe com 9 anos, e começou logo trabalhar. Era bom em números... Escreveu centenas e centenas, senão mesmo alguns milhares, de cartas, em nome daqueles que na época (e eram muitos...) não sabiam ler e escrever... Escrevia uma média de 20 e tal cartas por semana...

Muitas vezes eram os próprios putos cabo-verdianos, engraxadores de rua, escolarizados, alguns estudantes do liceu Gil Eanes (o único que havia nas ilhas, e cujo reitor era um professor goês, culto...) que liam as cartas recebidas pelos expedicionários, metropolitanos, analfabetos... Que triste ironia!... Para mais numa época de pavorosa seca e epidemia de fome que roubou a vida a dezenas de milhares de cabo-verdianos... Apesar de menos sentida na ilha de São Vicente do que nas outras ilhas, a fome foi também aqui mitigada graças à solidariedade dos nossos "velhos, pais e camaradas"...

Mas, fantástico, os ex-expedicionários de Cabo Verde desta época continuaram a encontrar-se durante muitos e muitos anos, até à década de 1990... O meu velhote costumava ir aos encontros do 1º Batalhão do RI 5, nas Caldas da Raínha... até que as pernas começarem a falhar e a maior parte deles, dos seus camaradas, acabou por morrer. O mesmo se passava com os outros regimentos: RI 7 (Leiria), RI (11 (Setúbal), RI 15 (Tomar)... Cabo Verde ficou-lhes no coração para sempre...

Os raros sobreviventes dessa geração  terão hoje 96/97 anos... É uma pena que as  memórias desta geração desapareçam com a morte física dos nossos pais... Todos eles trouxeram consigo algumas lembranças da ilha, e nomeadamente fotografias do célebre Foto Melo... Estas pequenas histórias fazem parte da história comum de Portugal e Cabo Verde...(LG)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de maio de  2017 > Guiné 61/74 - P17397: Meu pai, meu velho, meu camarada (55): Artilharia de defesa de costa e antiaérea no Mindelo, na II Guerra Mundial: fotos do álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 1943

(**) Vd. postes de: