quinta-feira, 17 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18644: Historiografia da presença portuguesa em África (116): Otto Schacht, um comerciante alemão, que deu dores de cabeça às autoridades da colónia e à diplomacia portuguesa... e que terá sido avô de um outro Otto Schacht, futuro dirigente do PAIGC, assassinado em 14 de novembro de 1980, data do golpe de Estado de 'Nino' Vieira (Armando Tavares da Silva)



Otto Schacht,  membro da Comissão de Segurança e Controlo e do Serviço de Logística do PAIGC. c. 1963/73. Assassinado em 14 de novembro de 1980. Foto. Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...).

Citação:
(1963-1973), "Otto Schacht", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43793 (2018-5-17)



1. Texto enviado pelo nosso amigo e grã-tabanqueiro  Armando Tavares da Silva, com a data de ontem, e a seguinte mensagem

Caro Luís,

Passada a grande azáfama e momento alto da “Grande Reunião” de 5 de Maio, deve haver agora tempo para a publicação do texto que anexo.

De facto, entre as inúmeras personagens que ilustram o blogue, notei o nome de Otto Schacht, o mesmo nome de um comerciante alemão cujo comportamento, entre os finais do Século XIX e primeiras décadas do Século XX, muitos problemas causou às autoridades portuguesas na Guiné. 

Este novo Otto Schacht, personagem importante do PAIGC, é, muito provavelmente, filho do anterior, e por isso é interessante ilustrar com alguns episódios o que foi a passagem daquele na Guiné no período de tempo referido e que poderá, eventualmente, permitir estabelecer alguma comparação entre ambos.

Abraço

Armando Tavares da Silva


Capa do livro de Armando Tavares da Silva, “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.)

2. Otto Schacht

por Armando Tavares da Silva

Entre as personagens que têm vindo mencionadas nos vários Posts há uma que me prendeu a atenção. Trata-se de Otto Schacht, cuja última referência é a do Post P18439 de Jorge Araújo, relativo ao ataque a Bolama em 3 de Novembro de 1969.  (*)

Ora , na obra “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”,  há um grande número de citações de um certo comerciante alemão com o nome de Otto Schacht.

A sua presença na Guiné ao longo de várias décadas constitui um exemplo da pressão que os comerciantes estrangeiros, de entre os quais se salientavam os franceses e alemães, exerciam sobre a administração da província. Os sucessivos governadores tinham de, constantemente, acorrer a resolver situações que aqueles provocavam, de que resultavam reclamações as quais, muitas vezes de má fé e distorcendo os factos, eram apresentadas pela via diplomática ao governo de Lisboa, causando-lhe acrescidos problemas, e que este procurava evitar.

Otto Schacht era um daqueles habitantes da praça de Bissau que o governador Gonçalves dos Santos considerava que colaborava no “vil procedimento” que consistia no desrespeito e desacatos à autoridade que “o gentio branco e mulato (filhos da ilha do Fogo)” praticava “mancomunados com os gentios e grumetes”.

De facto, durante os graves acontecimentos que ocorreram em Bissau, em Fevereiro e Março de 1891, o comerciante Otto Schacht, representante da casa alemã Bernardo Soller, fizera balas em sua casa para as fornecer aos grumetes e gentio.

Acontece, porém, que depois deste tipo de actuação Otto Schacht virá a encontrar razões para se queixar junto do governo. Sucedera que estes acontecimentos tinham levado à paralisia do comércio, ficando as casas estrangeiras em risco de perder as importâncias dos créditos que os grumetes e gentios de Bissau lhes deviam, e Otto Schacht apresenta protestos por este facto. O governador irá alegar que tais créditos não estavam garantidos pelo governo da província, visto que fora das muralhas da praça, território onde a acção do governo era nula, não havia estabelecimentos comerciais.

A reclamação de Otto Schacht vem a ter desenvolvimentos a nível diplomático, chegando a ser referida verbalmente pelo ministro da Alemanha em Lisboa, manifestando o desejo de que ela fosse atendida, e obrigando a que o ministro Ayres d’Ornellas refutasse responsabilidade pelos prejuízos que, por motivo de força maior, pudessem sofrer residentes estrangeiros em tempo de guerra.

Foram muitos outros os problemas ocasionados por Otto Schacht. Entre estes conta-se o facto de os manjacos da ilha de Pecixe terem obstado a que se procedesse à descarga de umas mercadorias do comerciante Otto Schacht, o que levou a uma intervenção directa do governo. A recusa prendia-se com problemas de dívidas entre Schacht e um manjaco. 

No fundo, parecia que a verdadeira razão se relacionava com uma história dos amores entre a filha do régulo e um antigo empregado de Schacht. Era mais um episódio resultante de ser vulgar os pretos e mulatos de Cabo-Verde, quando estavam em territórios dos gentios, em lugar de tratarem dos negócios dos seus patrões ou fornecedores, se meterem com as mulheres, ou de os aconselharem a não cumprir as ordens do governo. Isto era origem muitas vezes de guerras ocasionando perda de vidas e dinheiro.

Mais tarde, em finais de 1908, é uma lancha ao serviço de Otto Schacht que é assaltada e apresada por balantas. Desta vez Otto Schacht não pede qualquer indemnização, mas faz intervir na questão o governo alemão, o que vem a ocasionar extensas trocas diplomáticas e a realização de inquéritos locais para averiguar até que ponto eram aceitáveis e justas as reclamações alemãs. 

Numa dessas trocas o ministro alemão é informado que Otto Schacht já fora condenado pela justiça da colónia por tentativa de suborno. Registemos que, numa outra nota, o ministro da Alemanha vai ao ponto de escrever que por “ordem do governo Imperial, o governo de S. M. Fidelíssima atire a atenção sobre a necessidade de estabelecer na Guiné uma autoridade estável e apta a garantir a liberdade do comércio em conformidade à obrigação tomada pelos Estados signatários do Acto Geral de Berlim de 1885”.

Porém, daqueles inquéritos vem a apurar-se que o comércio que Otto Schacht realizava no território dos balantas não tinha sido autorizado pelo governo, visto aí a guerra ser declarada: os próprios grumetes que negociavam no chão balanta faziam-no sem licença, e o fornecimento dos géneros que Otto Schacht lhes facultava para negócio era feito clandestinamente. 

Este assunto só acaba por ser completamente esclarecido junto da Legação da Alemanha em 1910, depois de sobre ele o governador fornecer todos os esclarecimentos complementares que mostravam quanto era infundada a reclamação de Otto Schacht.

Acrescentemos que Otto Schacht já tinha dirigido nesse ano uma queixa ao governo alemão, declarando ter sofrido prejuízos nas feitorias, alegadamente por não ter recebido aviso para retirar de uma região onde se desenrolavam operações militares (margem esquerda do rio de Geba). Vem a verificar-se que a reclamação era infundada por a região em guerra estar desocupada e Otto Schacht não ter licença para ali negociar.

O ano de 1908 foi fértil em reclamações de Otto Schacht. Em Abril este faz nova queixa ao governo alemão reclamando contra a construção de uma linha e estação, vindo a constatar-se a má-fé com que esta reclamação fora feita, visto que a propriedade agrícola em causa tinha sido comprada em hasta pública quando estava em construção a estação telegráfica.

Também em 1910 Otto Schacht é preso sob inculpação do uso de medidas falsas no negócio de azeites. Mais uma vez irá procurar desencadear conflitos diplomáticos, queixando-se ao governo alemão daquele facto. Ora as medidas que Otto Schacht usava eram medidas falsas e ilegais, não pertencendo a qualquer sistema (incluindo o “decimal”) e nas quais tinha feito uns cortes ou marcações que lhe permitiam enganar os compradores.

É interessante mencionar que Otto Schacht virá a pedir a naturalidade portuguesa em 1930. Apreciado em Lisboa este pedido, mas faltando vários documentos que a lei exigia, entre eles o certificado do registo criminal passado na colónia (apenas apresentara o certificado do registo criminal passado pela repartição de polícia de Lubeck) é a documentação devolvida à Guiné. Ao ter conhecimento deste resultado Otto Schacht informa que decide ir a Lisboa para tratar pessoalmente de legalizar o processo perante o ministério das Colónias. Mas nenhum outro documento é anexo ao seu pedido.

Terá Otto Schacht adquirido a nacionalidade portuguesa como pretendia? Seria essa a nacionalidade do seguramente seu descendente, também Otto Schacht de nome, que foi responsável pela segurança do PAIGC (que até teria estado no local onde Cabral foi assassinado) e que viria a pertencer ao “Comité Executivo da Luta”, e em 1973 ao “Conselho de Estado” da auto-proclamada República da Guiné-Bissau, e assassinado em 1980 (Post acima referido)? (***)

3. Nota do editor:

O Otto Schacht, dirigente do PAIGC, assassinado em 14 de novembro de 1980, tal como Buscardini, os dois responsáveis máximos da segurança do Estado (**), devia ser neto deste comerciante alemão, homónimo. Devia ser mais velho que o cantor José Carlos Schwarz (1949-1977), também ele neto de um comerciante alemão.

Uma das raras fotos existentes no Arquivo de Amílcar Cabral, é a que publicamos acima, com a devida vénia...Era então membro da Comissão de Segurança e Controlo e do Serviço de Logística do PAIGC. Um homem poderoso... tal como Buscardini, assassinado no mesmo dia 14 de novembro de 1980, o do golpe de Estado de 'Nino' Vieira (ou associado ao seu nome).

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de :


(***) Último poste da série > 16 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18641: Historiografia da presença portuguesa em África (114): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18643: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXIV: Cochim, Índia, 17 de novembro de 2016...cinco séculos depois de Pedro Álvares Cabral ter aqui aportado, com 4 navios


Foto nº 5 > Índia > 17 de novembro de 2016 >  Cochim > o  autor e a esposa. junto à catedral-basílica de Santa Cruz


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias"

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimanos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estarão em Goa.

3. Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Índia, Cochim, 17 de novembro de 2016 (pp. 1-5 I e última Parte)

Cochim, Índia

A Índia de Mahatma Gandhi, de Nehru, dos nossos Afonso de Albuquerque e Vasco da Gama, na imensa lista de países que faltava conhecer.

Arribo a Cochim, tenho dois dias de estadia e decido perder-me pela velha Kochi (Cochim) associada a uma vetusta presença portuguesa. Foi Pedro Álvares Cabral o primeiro português, com quatro navios, a aportar a Cochim, em Dezembro de 1500. Após ter chegado ao Brasil em Abril do mesmo ano, as naus de Cabral continuaram viagem para Oriente pelo Cabo da Boa Esperança e pelo Índico, só tendo regressado a Portugal em Junho de 1501.

Cochim era já então um importante porto de mar e a missão de Pedro Álvares Cabral, para além da descoberta oficial do Brasil, tinha também a ver com o reconhecimento das terras da velha Índia. Logo depois, em nova viagem, Vasco da Gama desembarcou em Cochim e, em 1504, Afonso de Albuquerque aqui arribou tendo mandado construir uma fortaleza de que resta hoje apenas um pequeno troço amuralhado debruçado sobre o mar.

Éramos os indomáveis, destemidos e pouco ajuizados lusitanos de quinhentos. Com a inevitável decadência portuguesa pelo Oriente, Cochim acabou por passar para a posse dos holandeses em 1663 e mais tarde, a partir de 1795, seriam os ingleses os senhores do lugar.

Segui para a parte histórica de Cochim após discutir o preço da corrida com um dos muitos condutores de tuk-tuk que esperavam os turistas à saída do Costa. Paguei dois dólares por cerca de quinze quilómetros de caminho, com a premissa de primeiro ser levado a uma loja onde estive quase a comprar um belíssimo elefante em prata. Pediram-me 500 dólares US, ofereci 200, o preço desceu até aos 350, insisti nos 200, e o elefante ficou com o mercador de Cochim



Foto nº 1

Chego a Fort Kochi, a verdadeira Cochim antiga. Tudo casas baixinhas, de um ou dois pisos, algumas em arquitectura colonial muito elaborada [Fotos nº 1 e 2]. O restaurante “Oceanos” anuncia Portuguese Cuisine, Indo-Portuguese Cuisine, Old Fashion Christian Cuisine. São dez da manhã, não dá para almoçar ou jantar, mas que delícias gastronómicas se esconderão na cozinha deste restaurante?

Foto  nº 2 



Foto nº 3


Entro numa escola primária, católica, dirigida por freiras. As duas salas de aula têm as portas abertas para os rapazes verem os turistas estrangeiros, e vice-versa.

São só miúdos, de rosto aberto e bem disposto, vestem todos de igual, umas camisas aos quadrados vermelhos, brancos e pretos e saúdam-nos alegremente num inglês macarrónico. [Foto nº 3]



Foto nº 4

Logo adiante encontro as salas das raparigas, separadas do sexo masculino, que estão na hora de saída e usam um uniforme em vermelho e azul. [Foto nº 4]

 São bonitas estas crianças indianas, quase todas elas, dizem-me, de famílias católicas há muitas gerações. Em Montancherry, aqui ao lado, haveria de encontrar ao longo da estrada algumas igrejas e cemitérios cristãos e uma ou outra loja, ou casa, com os nomes Sylva, D’Cruz, Fernandes. Serão os descendentes dos soldados e casados portugueses dos séculos XVI e XVII que guarneciam as fortalezas e entrepostos junto ao mar, iam ficando por estes lugares, misturando-se com mulheres indianas ou até, mais raramente, de casamentos com as chamadas “órfãs d’el rei”, mulheres pobres portuguesas, filhas de soldados mortos nos muitos combates da época, ou senhoras de moral algo duvidosa, enviadas para a Índia para casarem até, se possível, com um nobre indiano, e constituírem família. Deixaram filhos, netos, etc., que hoje, creio, ainda com algum orgulho, usam o nome do tetravô lusitano.

Na Vasco da Gama Square, entro na igreja de S. Francisco, o primeiro templo católico europeu a ser construído pelos portugueses na Índia, em 1503. Lá dentro, no meio de muitas lápides e sepulturas de gente da nossa pequena nobreza, encontra-se o túmulo onde esteve o corpo de Vasco da Gama. O almirante-mor dos mares da Índia veio três vezes às terras indianas, em 1498, 1502 e 1524. A última viagem já não teria regresso. Velho e doente, com malária, Vasco da Gama morreu em Cochim, em 1524. O corpo permaneceu nesta igreja de S. Francisco até 1539 quando os seus restos mortais foram transladados para Portugal, pelo seu filho. Uns brasileiros de passagem recente resolveram deixar, ao lado do túmulo vazio, um galhardete preto e branco da sua querida equipa de futebol, o Clube de Regatas Vasco da Gama, exactamente o conhecido “Vasco da Gama”, do Rio de Janeiro.

A Cochim portuguesa é, por todas as razões, deveras entusiasmante. A uns quinhentos metros da igreja de São Francisco fica a catedral-basílica de Santa Cruz. [Foto nº 5, ao alto]

Edificada em 1550, foi demolida pelos ingleses em 1795 e reconstruída, de raiz, em 1888. É por isso, um templo mais moderno, todavia com mil histórias para contar. Ao lado funciona uma grande escola secundária católica que dá pelo nome de St. Mary’s School. São quatro horas da tarde. As alunas, só raparigas em traje azul e branco, saem da escola às centenas e centenas. Esperam-nas não sei quantos tuk-tuks para levar as meninas para casa, e dezenas de pais que vêm buscar as filhas, de mota. É um susto vê-las partir, enganchadas no pequeno banco das motorizadas, às vezes duas moças atrás e o pai conduzindo. Ninguém usa capacete e avançam às curvas pela estrada escalavrada.



Foto nº 6

Em Fort Kochi, junto ao mar, encontro um grande cemitério holandês com túmulos dos séculos XVIII e logo adiante aparece um conjunto de redes semelhantes às usadas na pesca tradicional no sul da China [Foto nº 6]. Curiosamente, também terão a ver com os portugueses que, fixados em Cochim, decidiram trazer este tipo de redes de Macau e que, com meia dúzia de chineses de permeio, ensinaram os indianos a usá-las. As redes estão presas a uma armação de canas de bambu ligada a uma longa vara que as faz subir e descer. Manejadas desde um passadiço em madeira, as redes mergulham no mar e lá permanecem entre cinco a vinte minutos. Toda a estrutura de bambu é depois içada, e a rede molhada faz uma concavidade no fundo do qual vem sempre algum peixe que os pescadores vendem logo ali. 

No jardim, junto ao lugar da pesca, existem uns mal-amanhados restaurantes onde os peixes podem ser fritos ou grelhados. Não me aguçaram o apetite até porque o lixo em redor, nas ruas, no jardim, na praia, nas águas do mar é mais do que assustador. Os indianos que me desculpem a opinião mas, em geral, estas gentes não primam pela limpeza e serão necessárias várias gerações para se melhorar a higiene e salubridade deste país.

Mais dois quilómetros, e estou no bairro de Montancherry. Um casarão decrépito assume o título de Palácio dos Holandeses. Foi outrora residência de nobres portugueses à deriva pela Índia. Depois vieram os homens dos Países Baixos. Meio museu, meio coisa nenhuma, delapidado pela passagem do tempo, o pobre palácio evidencia a inclemência dos séculos. E estava fechado, não deu para visitar.

Mais a sul temos a Sinagoga de Cochim e o quarteirão judaico, com umas tantas cruzes de David na fachada de velhíssimas habitações e lojas. Desde o século XI que existem judeus em Cochim mas esta sinagoga, única em toda a região, data de 1568, é visitável e tem toda a sobriedade de um lugar de reunião e de culto com, no salão, um conjunto notável de candelabros em vidro e o chão revestido com azulejos chineses do século XVIII. 

Esta parte da velha Cochim albergou também durante centenas de anos franjas de judeus que fugiam das perseguições na Europa. Chegavam a Cochim, vindos da Holanda, de Espanha, condenados a um distante exílio definitivo. No que nos diz respeito, recordemos o nosso Garcia de Horta que por aqui andou, viveu durante umas dezenas de anos em Bombaim e faleceu em Goa. Dizem-me que, com a fundação do estado de Israel, em 1948, a maioria dos judeus de Cochim partiu para Israel. Hoje viverão neste antigo bairro judaico apenas uma meia dúzia de judeus.

Há uma cidade nova de Cochim, do outro lado do braço de mar, que vista do alto do nosso Costa, parece limpa e organizada. Mas é nos quarteirões antigos deste burgo que o meu coração melhor pulsa e o sangue melhor circula.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18502: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXIII: Colombo, capital do Sri Lanka ou Ceilão ou "Taprobana", 15-16 de novembro de 2016

Guiné 61/74 - P18642: Parabéns a você (1435): António Pinto, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 506 (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 16 de Maio de 2016 > Guiné 61/74 - P18637: Parabéns a você (1434): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 8351 (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18641: Historiografia da presença portuguesa em África (115): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Janeiro de 2018::

Queridos amigos,

Nunca me fora dado ler um relato de uma reunião com tanto detalhe, debates abertos entre o governador, altamente documento, e os administradores de circunscrição, presentes na conferência chefes de serviço. Passou-se a pente fino um conjunto de dossiês, com relevância para a economia agrícola, mais que compreensível, estávamos a chegar ao auge da guerra, exigia-se que a colónia produzisse num máximo de autossuficiência que adquirisse um outro elã exportador. Nessa economia agrícola, falou-se de tudo, da seleção de sementes, da apicultura, dos preços do arroz, das charruas, das queimadas e da reflorestação, das hortas e pomares. Mas também da língua portuguesa, da ereção de mais igrejas e da política indígena relacionada com a escolha dos régulos.

Ricardo Vaz Monteiro sai muto bem neste retrato: competente, senhor do seu papel de governador, eivado de nacionalismo. É bem provável que tenha sido ele a impulsionar este livrinho, sem data, sem editor, bem discreto, mas que revela que há mais de três lustros a Guiné já não tinha governadores de farsa, militares que estava ali de passagem, o seu mandato foi de 1941 a 1945, segue-se o ilustríssimo comandante Sarmento Rodrigues.

Um abraço do
Mário


Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (1)

Beja Santos

Estamos no início de Dezembro de 1941, o enorme conflito bélico que avassala a Europa e os territórios da União Soviética dá uma nova guinada, ao tempo ainda não se sabe que é determinante: os japoneses atacam a marinha norte-americana em Pearl Harbor e Hitler declara guerra aos Estados Unidos. A vida da colónia na Guiné tem restrições severas, a França capitular e o Reino Unido resistia às investidas alemãs, as exportações, o comércio em geral, viviam mais do contrabando e as receitas do Estado minguavam.

É governador da colónia o capitão Ricardo Vaz Monteiro, dá-se a singularidade de estar entalado entre duas figuras que ganharam projeção, antes, Carvalho Viegas, que se lançou afanosamente nas obras públicas, e Sarmento Rodrigues, que traz uma estratégia distinta para a colónia: desenvolvimento, saúde, mais administração, um projeto para a educação e cultura.

A bibliografia sobre Ricardo Vaz Monteiro é escassa, e daí a imensa curiosidade em ler uma obra de apresentação quase anódina intitulada: Império Colonial Português, Colónia da Guiné, Conferência dos Administradores, 1941, evento que se iniciou em 3 de Dezembro e encerrou no dia 9, eles não sabiam que dois dias antes a Força Aérea Japonesa se lançara com grande ferocidade sobre as embarcações de guerra norte-americanas no Havai.

Estão presentes na cerimónia de abertura o Ministro das Colónias, Francisco José Vieira Machado, a autoridade religiosa, os administradores de circunscrição e o alto funcionalismo guineense. Pretendia o Governador que os participantes expusessem livremente as suas opiniões, de acordo com um guião temático previamente distribuído.

Feitas as saudações iniciais, arrancam as interpelações com a questão das sementes, como aumentar a produção, que celeiros existem, a mancarra é tema central. Pronunciam-se os administradores de Bafatá, Bissau, Cacheu, Farim, Bijagós e Buba. Fica-se a saber que havia experiências com adubos, tinham sido distribuídos pela firma António da Silva Gouveia, experiências improfícuas, os indígenas olharam-nos com relutância.

O Governador diz ser indispensável organizar estatísticas, os elementos existentes não eram fiáveis. Segundo ele, deviam estabelecer-se celeiros para a escolha e guarda de sementes selecionadas, ficando as autoridades com a obrigatoriedade de incutir nos indígenas o espírito de previdência. E sentenciou que quando a quantidade de sementes se revelar insuficiente deverá recorrer-se a compras feitas pela Estado.

Segundo o secretário que fez a ata, “Sua Excelência faz várias considerações acerca do tratamento a dar aos indígenas, os quais devem ser tratados com toda a humanidade, mantendo-se, em todas as circunstâncias, o prestígio das autoridades, com justiça e isenção de proceder, tanto quanto possível, pela bondade, mas sem recuar diante do emprego de medidas enérgicas de excepção, paternalmente aplicadas, quando necessário”.

Na manhã de 4 de Dezembro retomam-se os temas agrícolas, há novo debate sobre a seleção de sementes. Refere-se que a mancarra da Guiné é de muito boa qualidade, e nalguns anos a mancarra não tem tal nível não se deve atribuir a má qualidade da semente, deve ter-se em conta as condições climatéricas e da maior ou menor abundância das chuvas. Fica claro que a boa seleção das sementes abarca a vagem, a planta e o grão. Segue-se um debate sobre o preço do arroz, são por vezes enormes as distâncias para o distribuir, os revendedores tinham de suportar despesas com a camionagem. O governador apela ao diálogo com os comerciantes, o preço do arroz não podia estar sujeito a especulações, era o bem de consumo essencial por excelência.
Depois o Governador consulta dos administradores, pretendia saber como estavam a ser evitadas as camadas e conservadas as matas, deixou o seguinte comentário: “Convirá que tudo se faça para plantar muitas árvores, porque do maior ao menor desenvolvimento florestal, tudo depende da maior ou menor abundâncias de chuvas”. E mostrou-se firme na crítica quanto à devastação das florestas feitas ao abrigo de licenças para corte de madeira, tanto de bissilão e alfarroba de lala para exportação como de outra árvores destinadas a madeira e lenha.
As interpelações mudaram de rumo, para o desenvolvimento agrícola. Fica-se a saber que havia na altura 150 charruas no Gabu que não eram utilizadas porque não havia gado nem pessoal adestrados para o seu uso. Vários participantes lembraram as dificuldades que existiam na lavoura mecânica a tração animal.

Na manhã de 5 de Dezembro, a conversa entrou diretamente na cultura do milho, debate com muitos pormenores, havia uma perceção geral de que o milho era muito importante mas só para o autoabastecimento. Na manhã seguinte, se dúvidas houvessem de que o governador estava muitíssimo bem informado, elas dissiparam-se. Falou com largueza de conhecimentos da exportação dos couros e do gado bovino, passou para a apicultura, e interpelou qual das duas produções seria mais vantajosa para a economia da colónia, o mel ou a cera. É útil transcrever o que o secretário registou na ata: “O Governador questionou o Administrador de Bissau se o indígena apresentava a cera preparada em pães ou gamelas ou se é o comércio quem prepara a cera. O administrador informou que o indígena apresenta a cera já moldada em pães e com algum preparo. O governador desejou saber se a cresta é feita antes ou depois da enxameação, o administrador respondeu que é antes da enxameação e que o processo usado é pernicioso porque destrói os enxames visto que os indígenas praticarem a extracção do mel e da cera servindo-se do fogo, matando, assim a maior parte das abelhas”.

Isto foi o que se passou de manhã, à tarde a conversa mudou de rumo, orientou-se para a língua portuguesa e para a religião dos portugueses. Tudo começou com uma vasta apreciação de projetos para as igrejas nos locais mais significativos da colónia. O administrador de Cacheu disse que os professores falavam português e pediu ao Governador que fosse instituída uma missão católica portuguesa junto dos Felupes, a raça mais atrasada da sua circunscrição, para contrabalançar a ação missionária francesa da zona fronteiriça. Ficou-se a saber que ao nível da tropa eram os cabos que falavam em português e ensinavam a língua aos recrutas.

O Capitão dos Portos sugeriu que fossem proibidos no comércio os termos “pesos” e “patacões” como moedas e “jardas” como medida métrica.

O Governador considerou, após ouvir todas as apreciações e comentários que se podia assentar num programa para o próximo ano com o fim nacionalista de difundir pela colónia a língua e região de Portugal, deviam ser criados postos de instrução destinados a ensinar o indígena a falar português e a rezar como os portugueses.

No penúltimo dia da conferência, falou-se de hortas e pomares, viveiros e coleiras. O Administrador de Bafatá referiu que todas as tentativas para introduzir a cultura da coleira, mesmo entre as populações que fazem grande consumo da cola, têm sido infrutíferas. Das hortas e pomares passou-se para o gado cavalar e asinino, disseram-se coisas preocupantes. Por exemplo os indígenas do Gabu não compravam éguas para reprodução gostavam de adquirir os cavalos quase sempre no território francês, por luxo e para mostrar grandeza. O gado tendia a diminuir e houve mesmo quem predicasse as consequências do seu desaparecimento. Em termos de sugestões, o governador pediu que se incutisse lentamente no espírito dos indígenas a ideia de indústria pecuária, orientar a indústria para o bovino, e que se pensasse na distribuição do leite nas regiões próximas dos lugares mais importantes.

A conferência encerra com temas de política colonial, a pensar nos regulados. O Governador procurou deixar claro que a Reforma Administrativa Ultramarina dava competência aos administradores para investir chefes gentílicos na sua autoridade mas não lhes dava competência para escolher ou nomear os régulos, que são de sucessão hereditária, direta ou colateral, segundo os costumes locais, o governador tem o direito de escolher entre os parentes mais próximos quando o herdeiro não convenha à administração. E sublinhou que os administradores não podiam escolher ou nomear régulos, eram competência exclusiva do governador. O administrador de Bafatá falou da escolha do régulo de Badora, era um alferes de segunda linha com relevantes serviços prestados ao governo nas campanhas em que tomara parte, o que não acontecia com os filhos e sobrinhos do régulo.

E o último ponto da agenda derivou para as receitas e impostos da colónia. O que se passou nesta conferência de Dezembro de 1941 não se confina à síntese que aqui se fez das atas, vai-se seguir documentação como os despachos que encerram matéria do maior interesse.




Imagens retiradas do livro Guiné Portuguesa, II Volume, por Luís Carvalho Viegas, 1936

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18617: Historiografia da presença portuguesa em África (113): Uma rivalidade bancária que ajuda a compreender a História da Guiné (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18640: (Ex)citações (337): A propósito das deserções nas fileiras do PAIGC, há um provérbio africano que diz "Todos os cães podem ser bravos, mas são mais bravos dentro das suas moranças", o mesmo quer dizer, dentro dos seus "chãos" (Cherno Baldé, Bissau)

1. Comentário do nosso colaborador permanente, Cherno Baldé, especialista em questões etnolinguísticas da Guiné-Bissau (*)

Caro amigo Jorge Araújo,

Sobre as restantes localidades, cujas regiões não puderam ser identificadas, aqui deixo a minha contribuição para o efeito, baseada no cruzamento do nome dos combatentes e dos locais de nascimento com a sua identidade e chão de provável pertença étnica:

Nome / Localidade / Sector / Região

Bala Bodjam - Bessadjari -Morés/Mansaba - Óio
Bala Turé - Caur-ba -Quebo - Tombali
Mamadu Mané - Cauale/Can-Wal -Cacine - Tombali
N’tuntum N’codé - N’ghansonhe -Binar/Bissorã - Óio
Malam Cissé - N’gharu -Morés/Mansaba -Óio
Queba N’beghan - N’ghneghan -Bissora - Óio
N’dindin Turé - Nhanbra -Morés/Mansaba - Óio
N’yado Turé - Sansanghoté -Morés/Mansaba - Óio

Assim, feitas as devidas correcções, para o Óio,  teríamos (17+6) 74%; para Tombali (1+2) 10%; e o Cacheu mantem-se inalterável. Constatamos que,  mesmo com essas correcções, o balanço entre
as três regiões não se altera, mas Tombali aumenta um pouco e ultrapassa Cacheu.

E, em face dos dados assim obtidos,  e tendo em conta que a maior parte dos desertores, de acordo com as informações, eram originários de (ou dirigiram-se a) o sul, neste caso  a região de Tombali, a conclusão que talvez se pode tirar, na minha opiniao, é a de que havia maior probabilidade de que estas deserçoes tenham acontecido no Bigrupo de Cambano Mané onde a percentagem de combatentes originários desta região é superior a 26%, enquanto o Bigrupo de Ansu Bodjam era formado maioritariamente por naturais de Óio (74% com a correcçãoo que fiz do primeiro quadro de análise).

Em leituras que fiz em tempos das obras de Amílcar  Cabral e relacionadas com o flagelo das deserções (do norte para o sul), parece que existia no seio dos combatentes o sentimento de maior segurança quando lutavam nas suas regiões  de origem ("chãos") e, inversamente, alguma insegurança e fragilidade quando eram obrigados a combater noutras regiões e o caso mais paradigmático aconteceu com os Balantas do Sul (Tombali) que, tudo leva a pensar, não se sentiam muito à vontade nas outras frentes da luta. o que o partido tentava contrariar com medidas duras como era seu apanágio.

Não sei se chegou a haver fuzilamentos mas, pelo menos, falava-se em tomar medidas duras e, sabe-se hoje o que é que, na linguagem da guerrilha e do PAIGC em particular, isso podia dar.

Por outro lado e reportando-nos ao acontecimento aqui relatado com os elementos da companhia dos Manjacos no Óio (Mansabá?), parece que a situação não era muito diferente do lado dos elementos nativos do Exército português. 

Há um provérbio africano que diz que "todos os cães podem ser bravos, mas são mais bravos dentro das suas moranças", o mesmo que dizer, dentro dos seus "chãos"...

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18639: Fichas de unidade (10): A composição de um Conselho Administrativo de um batalhão de reforço (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca >  BBCAÇ 2852 (1968/70) > 1970 > Espetacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região)

Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação (1) e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste). Vê-se ainda uma nesga do heliporto (2) e o campo de futebol (3). A CCAÇ 12 começou também a construir um campo de futebol de salão (4), com cimento roubado à engenharia nas colunas logísticas para o Xitole.

De acordo com a fotografia, em frente, pode ver-se o conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão (5) e as instalações de oficiais (6) e sargentos (8), para além da messe e bar dos oficiais (8) e dos sargentos (9). Apesar do apartheid (leia-se: segregação sócio-espacial) que vigorava, não só na sede dos batalhões, como em muitas unidades de quadrícula, uns e outros, oficiais e sargentos, tinham uma cozinha comum (19)... Ver o resto da legenda aqui.


Foto (e legendagem): © Humberto Reis (2006). Todos os ireitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]

1. Comentário do nosso editor Luís Graça ao poste


Virgílio, a propósito do Conselho Adninistrativo (CA) dos batalhões (CCAÇ, CCAV, CART...)..

Vejo pelo BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), a que esteve adida a minha africana CCAÇ 12 (de julho der 1969 a maio de 1970), que devia ser a seguinte a orgânica-tipo: 

Comamdo, Companhia de Comando e Serviços (CCS); mais 3 subunidades de quadrícula (netrse caso, CCAÇ 2404, 2405, 2406)

A composição ou estrutura do Comando era a seguinte (c. de 3 dezenas de militares):

(i) Comandante (um tenente-coronel);

(ii) Estado Maior;

(iii) Secretria:

(iv) Conselho Administrativo;

(v) Secção de Op / Info;

(vi) Secção de Pes / Reab.

Quanto à composição do CA (Conselho Adfministrativo) (7 militares):

Presidente: 2º comandante, major;

Chefe de contabilidade: 1 alf mil SAM (presume-se);

Tesoureiro: 1 alf mil SAM (presume-se);

Amanuenses: 2 fur milM

Escriturários: 2 primeiros cabos;


Bate certo com o teu BCAÇ 1933 ?

Virgílio Teixeira

2. Resposta do Virgílio Teixeira, com data de ontem (**):

Então é assim um Batalhão, no meu caso foi assim:

i) Temos o comando e os serviços (isto é a CCS(; depois 3 companhias de quadricula, CCaç 1790, 1791, 1792.

O Comando é composto:;

i) O comandante (Ten Cor de Infantaria Armando Vasco de Campos Saraiva):

ii) Estado Maior: 2º comandante - Major Américo Correia; Of de Operações, Major Graciano Henriques; 1 Capitão como oficial do pessoal e reabastecimentos; 1 Capitão como Oficial de informações;

iii) CA - Conselho Administrativo, imediatamente abaixo e sob tutela do 1º Comandante;

iv) Secretaria Geral, sob tutela do comandante;

v) Comandante da Companhia [, CCS,], tendo sob as suas ordens, os seguintes serviços complementares:

- Serviço de operações e informações;

- Serviço de Pessoal e reabastecimentos;

- Serviço de Transmissões;

- Serviço de Material - inclui as oficias, os condutores etc;

- Serviços de Saúde, inclui médico, enfermeiros, maqueiros etc;

- Serviço de Sapadores, inclui minas e armadilhas;

- Serviço de Alimentação, inclui Vagomestres, cozinheiros, cantinas, refeitórios, padarias, pessoal auxliar etc;

- E ainda uma secção de atiradores:

vi) Estrutura de um Conselho Administrativo de um Batalhão de Reforço:

- O Presidente, é o Major e 2º comandante, uma função meramente simbólica, sem nenhuma intervenção;

- O Chefe de Contabilidade, que é afinal o Chefe de tudo, aquele que sabe e de quem todos dependem, pelo menos os vencimentos são pagos pelo CA. Esta função é atribuída em exclusivo a um Oficial do Serviço de Administração Militar (SAM) - pode ser do quadro ou miliciano - , não pode ser de outra especialidade, não tem, como se diz, substitutos à altura;

- O Tesoureiro, é uma figura de retórica, não faz nada, é o dono exclusivo do cofre e sé ele toca no dinheiro vivo, apenas vai uma vez por mês levantar o dinheiro ao Banco para distribuir pelas Companhias. Devia ser uma pessoa da Administração Militar, mas nem sempre é. No nosso caso, ele era Alferes Miliciano de Infantaria, deve ter tido uma cunha qualquer para isto, mas não sei, nem me interessa. Apesar de todos os 3 assinarmos a documentação durante 2 anos, ele assinava Alf Mil Infantaria, e eu nunca reparei nisso. Há cerca de 3 anos atrás, a mexer nos papeis, fui ver que ele era de Infantaria. Mandei-lhe um email a perguntar se era verdade e como conseguiu isso, não respondeu mais até hoje, ficou zangado possivelmente.

O CA tinha então como auxiliares:

- Dois furriéis como Amanuenses - O Pinto Rebolo e o Riquito;

- Dois 1ºs Cabos, o Horta e o Seixas.

Tudo bons rapazes.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  14 de maio de  2018 > Guiné 61/74 - P18633 Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXI: As minhas estadias por Bissau (iv): janeiro-fevereiro de 1968

Guiné 61/74 - P18638: (D)outro lado do combate (29): Balanço dos combates entre a CCAÇ 2533 e a CCAÇ 14 e o PAIGC (Corpo do Exército 199-B-70) no setor de Farim - Parte II (Jorge Araújo)



Citação: (1965-1973), "Juramento de bandeira dos militares do Corpo do Exército 199 A-70 do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms _dc_44137 (2018-4-20) (com a devida vénia).



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974).


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > BALANÇO DOS COMBATES ENTRE AS NT E O PAIGC NO SECTOR DE FARIM >  DESERÇÕES E BAIXAS NO "CORPO DE EXÉRCITO" 199-B-70  > A MORTE DO CMDT DO BIGRUPO ANSÚ BODJAN (1944-1971) (Parte II)


1.  INTRODUÇÃO

Neste segundo fragmento, de um conjunto de três (*), continuamos a percorrer alguns dos trilhos que ficaram na história do conflito armado no CTIG [1963/1974], tendo por protagonistas elementos dos dois lados do combate, dos individuais aos colectivos.

Como já referido anteriormente, as narrativas que tenho vindo a partilhar no blogue são corolário de um interesse pessoal na pesquisa histórica sobre um período da minha vida (das nossas vidas) e que, naturalmente, nos marcou a todos… mais ou menos, e do qual temos, ainda, muitas "memórias".

No caso presente, a temática mantém-se a mesma da primeira parte – P18551 – onde foram adicionadas outras informações avulso obtidas de cada um dos lados do combate, que insistimos em coleccionar, no sentido de ampliar e/ou reconstituir essa história com mais dados.

O "balanço dos combates entre as NT e o PAIGC" continua, pois, a ser o tema central deste fragmento, com destaque para as ocorrências negativas contabilizadas pelo Corpo de Exército 199-B-70 – deserções e baixas – registadas no relatório elaborado pelo seu principal responsável, o Cmdt Braima Bangura, respeitante ao período de um ano (dez'70-dez'71), o primeiro desde a sua criação.

De referir que é neste ano de 1970 que o PAIGC evolui para um novo modelo de organização militar, adaptando as suas estruturas a uma nova visão da sua luta armada. Partindo do conceito "bigrupo" e da união com mais unidades deste tipo, de infantaria e artilharia, são criados os "Corpos de Exército" identificados com o "n.º 199", ao qual lhe foi adicionada uma letra do alfabeto latino (A, B, C, D) e o ano da sua criação, conforme se indica no ponto seguinte, e se observa na foto abaixo tirada aquando do juramento de bandeira do Corpo de Exército 199-A-70.


2. CONTEXTOS E UNIDADES ENVOLVIDAS

Recorda-se que os episódios referidos na narrativa anterior foram utilizados para contextualizar a questão de partida da investigação, tendo por base as actividades operacionais desenvolvidas pela Companhia de Caçadores 2533 [CCAÇ 2533] e pela Companhia de Caçadores 14 [CCAÇ 14], em particular nas situações de combate com os elementos do PAIGC que actuavam no Sector de Farim, nomeadamente o bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan, um dos quatro bigrupos de infantaria do Corpo de Exército 199-B-70, este liderado pelos Cmdt's Braima Bangura, Joaquim N'Top e Benjamim Mendes.


No mapa acima [Frente Norte], a seta a vermelho indica o território onde ocorreram os dois combates entre as NT e o PAIGC, localizados no itinerário entre Farim e Jumbembem, o primeiro envolvendo a CCAÇ 2533 (14Dez1970) e o segundo a CCAÇ 14 (30Dez1970).

Os três restantes bigrupos eram dirigidos pelo Cmdt Cambanó Mané, nascido em 1940 em Ioncoiá; pelo Cmdt N'Benfaé N'Tudo, nascido em 1939 em Patché, e pelo Cmdt Sambú Mandján, nascido em 1940 em Sulcó. Para além da infantaria, este Corpo de Exército dispunha, ainda, de uma bataria de artilharia, com morteiros e canhões sem recuo, o primeiro do Cmdt Quintino N'Dafá, nascido em 1935 em João Landim, e o segundo do Cmdt Armando Bodjan, nascido em 1943 em Mansoa.

Para além de outras ocorrências registadas neste sector, os diversos "Corpos de Exército", criados em 1970 por Amílcar Cabral (1924-1973), estiveram envolvidos, dois anos depois, na estratégia de isolamento de Guidaje iniciada em Abril de 1973, culminado com a "Batalha de Kumbamory", que ficará gravada para sempre na História da Guiné como «Operação Ametista Real», realizada em 19 de Maio de 1973, onde as NT contabilizaram uma das maiores capturas e destruições de material da Guerra de África.


"Croqui do plano de operações da Op Ametista Real, planeada e executada sob o comando do Ten Cor Almeida Bruno, para pôr fim ao cerco de Guidaje. Foi uma das mais curtas, sangrentas e brutais batalhas travadas durante a guerra da Guiné. Acabou por aliviar a pressão sobre Guidaje. Tratou-se de uma operação em solo senegalês, tendo como objectivo a destruição da base de Kumbamory, o que foi conseguido na manhã de 20 de Maio de 1973 [faz 45 anos]. O número de baixas foi elevado para ambos os lados: 67 mortos, do lado do PAIGC (que sofreu, além disso, a destruição de 22 depósitos de material de guerra), 25 mortos, do lado das NT (incluindo 2 alferes), e 25 feridos graves (incluindo 3 oficiais e 7 sargentos)". 

In P2786 (com a devida vénia). [Mais detalhes sobre a Op Ametista Real em: P1316, P9898 e P9939].

No contexto desta narrativa, dá-se conta da constituição das forças do PIAGC envolvidas nessa operação:

Corpo de Exército 199-B-70, com quatro bigrupos de infantaria e uma bataria de artilharia; Corpo de Exército 199-C-70, com cinco bigrupos de infantaria e uma bataria de artilharia, grupo de foguetes da Frente Norte [GRAD], com quatro rampas; Corpo de Exército 199-A-70, com três bigrupos de infantaria, um grupo de reconhecimento e uma bataria de artilharia, deslocados de Sare Lali, na zona Leste; um pelotão de morteiros 120 mm e um grupo especial de sapadores.

Indicam-se, de seguida, os principais operacionais responsáveis pela estrutura político-militar acima referida:


Citação: (1970), "Acção Política FARP - Honório Fonseca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40452 (2018-4-20), (com a devida vénia).

A propósito da formação dos "Corpos de Exército", enquanto novo modelo de organização da guerrilha do PAIGC, em 13 de Janeiro de 1971 Amílcar Cabral (1924-1973) envia uma carta a Osvaldo Vieira (1938-1974), na qualidade de Cmdt da Frente Norte, dando conta da sua satisfação por essa decisão, nos seguintes termos:

Caro camarada [Osvaldo Vieira],

Acuso a recepção da tua carta-relatório e dos mapas relativos aos CE [Corpos de Exército] e à distribuição de tecidos aos combatentes.

1. - Corpos de Exército - foi uma boa coisa termos formado os CE como previsto. O atraso é normal dadas as dificuldades que nós todos conhecemos, mas eu penso que a reorganização foi feita a tempo. Tanto mais que o camarada "Nino" esteve doente e tiveste tu que te dedicares a mais esse trabalho.

O que é preciso agora é fazer tudo para tirar o máximo rendimento dos CE, da sua grande força. Dar mais duro nos grandes centros e quartéis dos tugas e liquidar os campos mais fracos e isolados. O ataque a Empada foi bom, e eu penso que pudemos fazer mais: pôr os tugas fora e destruir todas as instalações. Claro que devemos evitar, como sempre, grandes perdas.

Escrevi ao "Nino" uma longa carta sobre a nossa acção e no próximo correio te enviarei uma cópia. Os CE devem agir duro e ter grande mobilidade, muita iniciativa e não parar muito numa área. […]


Citação: (1971), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/ 11002/fms_dc_34521 (2018-4-20), (com a devida vénia).


3. AS DESERÇÕES NO CORPO DE EXÉRCITO 199-B-70

O fenómeno das deserções em contexto de guerra é considerado normal, ainda que pontual e de percentagem reduzida. O caso da Guerra Colonial não foi, com efeito, excepção. Por isso não é de estranhar a existência de exemplos em cada um dos lados do combate.

Na situação presente, chamou-me a atenção o facto do relatório elaborado pelo Cmdt Braima Bangura, divulgado no primeiro fragmento desta narrativa, fazer referência à deserção de cinco elementos deste Corpo de Exército, mas omitindo os seus nomes.


Citação: (1971), "Relatório da acção do CE [Corpo de Exército] 199-B70, desde a sua formação, em Dezembro de 1970, até ao final do ano de 1971.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40099 (2018-4-20), com a devida vénia.

Idêntica referência tinha já sido objecto de denúncia no relatório elaborado por Osvaldo Vieira, a propósito da sua "missão de inspecção à actividade das Forças Armadas no Norte".


Citação: (1971), "Relatório de missão de inspecção à actividade das Forças Armadas no Norte", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_ 40059 (2018-4-20) (com a devida vénia).

Entretanto, uma outra situação de "deserção" ocorrera com o grupo "GRAD", do Cmdt Manuel dos Santos "Manecas", fazendo fé no conteúdo da carta enviada por Aristides Pereira (1923-2011) a "Nino" Vieira (1939-2009), em 19.12.1970, solicitando a "lista dos camaradas que estavam com o camarada Manecas e fugiram para o sul".


Citação: (1966-1974), "Relatório remetido por Nino Vieira a Amílcar Cabral expondo a situação na fronteira com a República da Guiné, designadamente os ataques entre Kebo e Guileje", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms _dc_40775 (2018-4-20), p.55, (com a devida vénia).


4. O BIGRUPO DO CMDT ANSÚ BODJAN (1944-1971)

Em busca de uma eventual identificação dos "desertores", a hipótese formulada partiu da variável "local de nascimento" (naturalidade), uma vez que em todos os documentos se refere que as "fugas" seguiram direcções concretas, ou para o Norte ou para o Sul.

Nesse sentido, seleccionámos duas amostras (bigrupos): a do Cmdt Ansú Bodjan, por ser aquele que serviu de base à elaboração desta narrativa, cuja lista se apresenta abaixo; e a do Cmdt Cambanó Mané, outro bigrupo do Corpo de Exército 199-B-70, para efeito de comparação estatística e complemento sociodemográfico.


Quadro 1 – Distribuição de frequências dos locais de nascimento, por sectores e regiões da Guiné, dos elementos do bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan (n-30)


Da análise ao quadro 1, verifica-se que em 30% dos casos (n-9) não foi possível identificar o sector da naturalidade dos indivíduos, situação impeditiva de tirar conclusões. Ainda assim, podemos referir que 56.7% (n-17) nasceram na região do Oio, situada mais a Norte; com 10% (n-3) na região do Cacheu e 3.3% na região de Tombali, um caso, sendo este o mais a Sul.

Quadro 2 – Distribuição de frequências dos locais de nascimento, por sectores e regiões da Guiné, dos elementos do bigrupo do Cmdt Cambanó Mané (n-27)


Da análise ao quadro 2, verifica-se a mesma situação do observado no quadro anterior, em que 25.9% dos casos (n-7) não foi possível identificar o sector da naturalidade dos indivíduos. Ainda assim, os resultados são diferentes do quadro 1, em que 25.9% dos sujeitos (n-7) têm origem na região de Tombali, situada mais a Sul do território. A região do Oio, com 22.3% (n-6) surge em segundo lugar como origem de naturalidade. As regiões de Bissau (n-1), Bafatá (n-2), Bolama (n-1), Cacheu (n-2) e Quinara (n-1), não têm expressão estatística.

Perante estes resultados, não nos é possível tirar grandes conclusões.

5. AS BAIXAS NO CORPO DE EXÉRCITO 199-B-70 (1970/71)

Segundo o relatório elaborado em 24 de Dezembro de 1971 pelo Cmdt Braima Bangura, um dos responsáveis militares do Corpo de Exército 199-B-70, e membro do Conselho Superior de Luta e do Comité Executivo da Luta, o número de baixas desde a sua fundação (um ano completo) foi de treze.

A principal baixa vai para o seu adjunto do CE, Cmdt Benjamim Mendes, ocorrida em 11 de Agosto de 1971, o mesmo acontecendo a José N. Cus, Chefe de Grupo. Dois dias depois, mais duas baixas, as de Conko Seidy e Sana Sano. O Cmdt do bigrupo, Ansú Bodjan (1944-1971), morreu em 14 de Novembro de 1971, o último nome da lista abaixo.


As restantes baixas constam dos quadros apresentados na primeira parte.

Continua…

À vossa consideração.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
02MAI2018.
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Nota do editor:

Último poste da série >  23 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18551: (D)outro lado do combate (28): Balanço dos combates entre a CCAÇ 2533 e a CCAÇ 14 e o PAIGC (Corpo do Exército 199-B-70) no setor de Farim - Parte I (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P18637: Parabéns a você (1434): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 8351 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18634: Parabéns a você (1433): António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493 (Guiné, 1972/74)

terça-feira, 15 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18636: Agenda cultural (637): Lançamento do livro "A Força Aérea no Fim do Império" (Lisboa, Âncora Editora, 2018, 480 pp.) (José Matos)

Capa do livro


1. Mensagem do nosso amigo José Matos, com data de 9 do corrente,

[Investigador independente em História Militar; tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné; é colaborador da Revista Mais Alto, da Força Aérea Portuguesa; tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias de aviação militar, em França, Inglaterra e Itália; é membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015, tendo cerca de 3 dezenas referências no nosso blogue]

Olá,  Luís:

Pedia-te para divulgares no blogue a seguinte obra colectiva.

“A Força Aérea no Fim do Império” é um livro que acaba de sair na editora âncora sobre a forma como a Força Aérea actuou em África durante a guerra colonial. O livro tem textos de 24 autores que abordam diferentes aspectos da actuação da FAP nos antigos territórios ultramarinos.

O livro agora editado vai ser apresentado no dia 28 de Maio, em Lisboa, e incide exclusivamente sobre a acção da Força Aérea nas três ex-colónias. Como sabemos, foi uma força que teve um papel muito importante nas acções militares, mas também no apoio logístico levando comida, correio e outras coisas a quartéis muito isolados.

O livro tem 480 páginas e já está à venda nas livrarias e custa 24€. Para além das livrarias também pode ser encomendado directamente na própria editora. Ver o sítio aqui.

Ab,  Zé


2. Palavras do presidente da Liga dos Combatentes, sobre o livro:

 «Repito e reforço esta ideia, quantos combatentes, de Terra, Mar e Ar, estão vivos e devem a vida à ação da Força Aérea? Jamais se pode falar da História da Força Aérea, sem que se enalteça o período mais brilhante, como Ramo Independente das Forças Armadas Portuguesas: a sua ação na Guerra do Ultramar, antes, durante e depois dela ter terminado. 

"Por isso aqui estamos a enaltecer, sublinhar e agradecer em nome de todos os que direta ou indiretamente sentiram o que foi a ação da Força Aérea, nessa guerra, quer em ações independentes quer na extraordinária forma como conduziu, no seu âmbito, a Cooperação Aeroterrestre. A Força Aérea, sempre ao longo de toda a sua História, tem sabido evoluir de acordo com as circunstâncias e com os recursos disponíveis. Novos combatentes cumprem novas missões nas Operações de Paz e Humanitárias. A todos desejamos os maiores êxitos.»

Joaquim Chito Rodrigues
Presidente da Liga dos Combatentes


3. Sobre os 3 autores do livro, ver as seguintes notas biográficas: 

(i) Tenente-general piloto-aviador António de Jesus Bispo

Nasceu em 1938, em Abrantes. Serviu na Guiné, nos princípios de 1963, por cerca de três meses, como tenente; de agosto de 1964 a abril de 1966, como capitão com qualificação operacional em F86F, T6-HARVARD e DO27 e comandante de esquadrilha e de esquadra; e em nova comissão de serviço, de outubro de 1970 a novembro de 1971, como major com qualificação operacional em FIAT-G91, T6-HARVARD e DO27 e comandante do Centro de Operações Aerotácticas do Grupo Operacional.

Realizou cerca de 1100 horas de voo em acções operacionais do Aeródromo Base n.º 2, depois Base Aérea n.º 12, da Guiné.

É coautor do 9.º livro da coleção Fim do Império, "Olhares sobre Guiné e Cabo Verde".

(ii) Tenente-general piloto-aviador José Armando Vizela Cardoso

Nasceu em 1941, em Torres Novas, e em 1965 foi brevetado na BA1-Sintra, depois de ter frequentado a Curso de Aeronáutica na Academia Militar e concluído o tirocínio em T-37.

Frequentou de seguida, na BA2-Ota, o Curso de Instrução Complementar para Aviões de Caça e o Curso de Instrutor, em T-33. Em 1969 chegou a oferecer-se como voluntário para servir na Guiné, e em agosto de 1972 seguiu para Moçambique, para servir no AB7-Tete, depois de completar o Curso Operacional em F-86F e Fiat G-91, na BA5-Monte Real. 

Como Capitão, no AB7-Tete, exerceu em sobreposição, as funções de Comandante da ESQ702 «Escorpiões», Oficial de Operações do GO7001, Oficial de ligação da Força Aérea com o Exército, Oficial de Segurança de Voo da Unidade e, algumas vezes, foi Comandante do GO7001 e do próprio AB7. 

De regresso a Portugal, em outubro de 1974 foi colocado na BA5 onde, entre julho de 1975 e fevereiro de 1979, foi Oficial de Segurança de Voo e comandou a ESQ 103, voando T-33 e T-38. Entre 1979 e fevereiro de 1983, serviu na Divisão de Operações, do Estado-Maior da Força Aérea. 

Entre fevereiro de 1983 e agosto de 1985 serviu na BA6-Montijo, como Comandante Intº, Comandante do GO61 e 2.º Comandante. Serviu ainda na Divisão de Operações do SHAPE-Bélgica (1985-1988) e como Chefe de Divisão de Operações do EMFA. Em 1992/1993 comandou a BA5, qualificando-se em A-7P Corsair II e, já como Oficial General,  foi Adjunto para as Operações do CEMFA, Chefe de Gabinete do CEMFA e Director do IAEFA.

Deixou voluntariamente a Força Aérea em maio de 2000, com mais de 4000 horas de voo e quase 40 anos efectivos de serviço. Tem 12 condecorações (entre elas a Medalha de Serviços Distintos, com Palma) e 14 louvores.

(iii) Major-general piloto-aviador Ricardo Carvalho Cubas

Nasceu em Lisboa em 1936. Frequentou a Academia Militar tendo obtido o seu brevê depois de completar em T33, o curso complementar de aviões de combate. Foi instrutor de pilotagem no avião T6-HARVARD e fez três comissões em África. A primeira em Angola como piloto da Esquadra 94 em Luanda, a segunda na Guiné como comandante da Esquadra 122 na Bissalanca e a terceira em Angola como comandante da Esquadra 94 em Luanda. 

Para além de mais de cerca de 3 milhares de horas de voo em helicópteros (AL-III e SA330-PUMA) voou ainda, cumprindo muitas missões operacionais nos teatros de operações da Guiné e Angola em vários aviões, nomeadamente T6-HARVARD, DO27 e PV2-HARPOON.

Foi Diretor de Instrução da Força Aérea e delegado do Chefe do Estado Maior para a cooperação técnico-militar com os Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), passando à situação de reserva em 1994 e posteriormente à situação de reforma.

Guiné 61/74 - P18635: Lembrete (29): Lançamento do livro de Mário Beja Santos, "Um Escafandrista nas Nuvens", Âncora Editora, amanhã, dia 16 de Maio, pelas 18 horas, no Auditório da Sociedade Portuguesa de Autores, em Lisboa

L E M B R E T E



CONVITE À TERTÚLIA DA TABANCA GRANDE

LANÇAMENTO DO LIVRO DE MÁRIO BEJA SANTOS, "UM ESCAFANDRISTA NAS NUVENS", AMANHÃ, DIA 16 DE MAIO DE 2018, PELAS 18 HORAS, NO AUDITÓRIO DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES, AV. DUQUE DE LOULÉ, LISBOA. 
APRESENTADOR, JOSÉ JORGE LETRIA.

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"UM ALMOÇO COM OS BRAVOS DO PELOTÃO"


Na véspera, elaborara o menu, fizera compras e agora lança-se ao trabalho. Uma sopa simples, como sempre frita a cebola, esquarteja e esfarripa couves e brócolos e um alho francês, junta umas ervilhas, enfiou as batatas aos gomos, salgou e apimentou, meteu um cubo para dar gosto e muito alho, como sempre ajuntou coentros. Quem diz comida para guineenses diz arroz, fê-lo com cenoura aos bocadinhos e meteu umas ervilhas. Quem recebe guineenses tem que saber várias coisas: os muçulmanos bebem água ou sumo, os animistas ou cristãos não dispensam um copázio de vinho, ou vários, e não há prato mais apreciado que bacalhau, cozido ou na brasa, à Zé do Pipo, em cebolada, a nadar em azeite. Berto decidiu-se por uma açorda de bacalhau, tinha pão alentejano, preparou tudo a preceito. Pedira encarecidamente a todos que se juntassem no largo da igreja de S. Domingos, e que tomassem o metro do Rossio, pedia para virem juntos, para terem a comida quentinha, preparou ainda uma salada de frutas e havia depois uma tisana com bolo da Madeira.

Este almoço estava aprazado desde há meses atrás, ao tempo em que lhe fora diagnosticado o cancro, Berto convidou o seu amigo Suleimane Djaló, antigo soldado, para almoçarem e explicou-lhe que tinha uma doença grave e que podia morrer, havia ali em casa um conjunto de objetos relacionados com a Guiné que ele queria oferecer a quem com ele combatera, coisas com valor sentimental. Aquele Futa-Fula calmeirão de cabelo pintado ouvira-o silenciosamente, só interrompendo, quando Berto falava em poder morrer para dizer que Deus era grande e que nós, os homens, nada sabíamos sobre a Sua inescrutável misericórdia. E mais disse a Suleimane que tinha preparado um documento que ficava em poder dos filhos para distribuir pequenas importâncias para os mais necessitados. Vivia, por um lado, tranquilo, com aqueles que dispunham de pensões por deficiência, ao serviço das Forças Armadas, havia outros que beneficiavam de segurança social, tinham obtido a nacionalidade portuguesa, mas havia um ou dois casos que o inquietavam muito, sentia que o estado de saúde do seu antigo guarda-costas, Inderissa Mané, se estava a deteriorar e que Dauda Seidi, depois de dois graves acidentes cardiovasculares precisava de muito apoio. Em suma, desejava estar com todos aqueles que com ele combateram, mais Dauda Seidi que conhecera em criança e que acompanhava tão fraternalmente desde que ele decidira fixar-se em Portugal, fora professor primário, a pretexto de uma formação em Setúbal foi-se deixando ficar, trabalhou arduamente na construção civil, foi explorado por patrões inescrupulosos que lhe retiraram dinheiro para a segurança social, Dauda veio a descobrir, quase 20 anos depois que não existiam os seus descontos, eram um ilustre desconhecido, uma infâmia que se praticava com muita gente.
(…)
Pouco passava da uma da tarde quando soou a campainha e Berto foi feliz abrir-lhes a porta, saiu para o patamar, gostava de os ver a subir, uns mais lestos outros a acusar a idade e a dificuldade das próteses. Como sempre, abraçou-os com carinho, a uns dava mesmo beijos, àquele que ele conhecera em criança, ao seu guarda-costas que sofrera horrores nas prisões guineenses, ele que fora um simples soldado comando, e a Suleimane, a quem devia talvez a vida. O que talvez importa esclarecer o leitor.

Sentam-se e começa a algazarra, a barulheira com o sorver da sopa, as manápulas em direção ao cesto do pão, comentários com a boca cheia, para Berto há pouco contentamento maior do que este, olha enternecido para esta velhada com quem ele conviveu diariamente por mais de dois anos todos os dias, que passaram as maiores agruras finda a guerra, que viviam com as maiores dificuldades e sempre a ajudar as famílias, Berto vai fazendo perguntas a cada um, há os filhos e há os netos, há mesmo divórcios, caso de Ieró Baldé que veio para Portugal e comprou uma mulher nova em folha, anos depois, e já com três filhos, tudo deu para o torto, Cumba anunciou que não queria viver mais com Ieró, este pediu a interceção do nosso alferes, nosso alferes foi a Chelas J, viagem proveitosa para se aperceber que o mundo mudara, que uma mulher guineense, a trabalhar a dias ou em supermercados, convivendo com outra gente sacrificada mas com sonhos e ambições, a mentalidade evoluíra, era o caso de Cumba que lhe dizia sem papas na língua que não aceitava viver com aquele velho, mesmo sendo bom homem, conhecera alguém que amava, já dera conhecimento aos filhos da sua decisão, queria ser feliz.
(…)
Naquela mole humana sentada na mesa da varanda, Mamadú Camará olha-o de forma perscrutante, vai começar o jogo de perguntas e respostas sobre a sua família que vive em Belfast. Mamadú Camará de há muito que vive em Portugal, em 1972, numa operação dos Comandos em Salancaur, foi atingido num calcanhar, andou anos na cirurgia a tentar uma reconstituição, todo falhou, acabaram por lhe amputar o pé, ficou deficiente das Forças Armadas. Arranjou uma relação estranhíssima com uma cabo-verdiana que tinha morto o primeiro marido com um facalhão do talho, juntaram-se quando ela saiu do presídio, já havia dois meninos do primeiro casamento apareceram depois mais três. Segundo Mamadú, o casamento foi um inferno, o valoroso Comando aceitou encarregar-se da educação dos cinco filhos, os seus e os de Filomena Cardoso Évora. Então não é que três daqueles filhos casaram com irlandeses e vivem na região de Belfast? É com prazer que Mamadú passa a comandar a conversa, todos o ouvem com atenção, os muçulmanos arrepiados com este Fula traidor que lambe a beiça a comer ovos com bacon, quase todos os dias, que gosta de uísque e frequenta pubs. Mamadú não veste como os outros combatentes, traja fato completo, com colete, sempre bem engravatado, é um gigante que claudica um pouco, devido à prótese, mas que lhe dá um andar distinto, ele tem consciência de que traz à conversa uma abertura sobre o mundo, a Irlanda é mar ignoto na vida destes guineenses agrilhoados pelo destino, conhecem pouco de Portugal, em tempos idos da juventude chegaram a visitar o Senegal, a Guiné-Conacri, a Gâmbia ou até o Mali, com a guerra tudo mudou, embora nas conversas se fale naqueles que emigraram e que procuram melhorar as suas vidas no Senegal.

Caminha-se para o meio da tarde, há quem já olhe para o relógio, Berto sugere que passem ao seu escritório, quer mostrar-lhes aqueles papéis, dar-lhes um destino especial. Algo que jamais esquecerá é quando entrega a Dauda o mapa da região do Cuor, andava sempre com ele dentro de um revestimento de plástico, dentro de um bolso na coxa do camuflado, aquele é o chão de Dauda, para um guineense o chão é sagrado, dali se parte e ali é imperioso regressar, deve-se ajudar a família que vive no chão, lembrar os mortos que estão no cemitério, o chão é uma condicionante para toda a vida, e ter agora aquele mapa com nomes de localidades que jamais existirão mas que fizeram a grandeza do Cuor, é motivo para deixar Dauda emudecido pela forte emoção. Entregam-se os outros bens, coisas que Berto trouxe da Guiné em 1970 e que devem ficar em mãos guineenses, pois claro. Promete-se novo encontro em breve, todos sabem que faz parte da encenação, se tudo correr bem vão encontrar-se daqui a alguns anos. Em caso algum os bravos do pelotão de nosso alferes conhecem a doença de Berto, só Suleimane é que está na posse do segredo daquele cancro, nesta hora, segundo diz o médico, altamente controlado, por isso nunca se falou da visita da morte, cada um deles leva cartas para entregar, abraçam-se, e Berto fica seraficamente a vê-los partir, ouve-se um rumorejo de crioulo, é o suficiente para ele retornar à Guiné, uma das chaves elementares da sua existência. Então, qualquer dia estaremos novamente juntos, fecha a porta e sente-se cheio de saudades daquele chão onde viveu tão intensamente, daqueles cheiros penetrantes, daquele solo arenoso que se lhe colava a todas as células do corpo, daquele sol ofuscante, daquelas gentes com quem viveu dentro do arame farpado. “Não queria morrer sem voltar à Guiné”, diz para si próprio, não sabe se é promessa ou se faz parte da oração diária, da dádiva de estar vivo e intensamente lembrado dos códigos da camaradagem de guerra, que nunca se desfazem.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17969: Lembrete (28): Para os camaradas da 23ª hora: termina à meia-noite o prazo de inscrição para o 34º almoço-convívio, em Algés, da Magnífica Tabanca da Linha... O vice-régulo Manuel Resende estava audivelmente feliz, ao telefone, há um bocado: com 72 inscrições, ía-se entrar para o livro dos recordes do Guiness!... Atenção, malta, que o cabrito do "Caravela de Ouro" é da Serra, certificado, não é o "cabrito pé de rocha, manga di sabi" que alguns de nós comemos, em sandocha, no mercado de Bandim...