sexta-feira, 25 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18674: Recortes de imprensa (95): A notícia do trágico acidente, ocorrido no Rio Corubal, no Cheche, na sequência da Op Mabecos Bravios (retirada de Madina do Boé) só é dada no "Diário de Lisboa", dois dias e meio depois, em 8 de fevereiro de 1969







Citação:
(1969), "Diário de Lisboa", nº 16573, Ano 48, Sábado, 8 de Fevereiro de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7148 (2018-5-24)


Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06597.135.23237 | Título: Diário de Lisboa | Número: 16573 | Ano: 48 | Data: Sábado, 8 de Fevereiro de 1969 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Edição: 2ª edição | Observações: Inclui supl. "Diário de Lisboa Magazine". | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: IMPRENSA.


1. A notícia chegou tarde às redações dos jornais. O vespertino "Diário de Lisboa" deu-a em caixa alta só na 2ª edição. E nesse sábado, dia 8 de fevereiro de 1969, fez uma 3ª edição.  O jornal era "visado pela censura" e a grande maioria dos portugueses (e nomeadamente os da nossa geração, nascida no Estado Novo) não sabia o que era isso de liberdade de imprensa... 

A notícia do "desastre na Guiné" (sic)  causou alarme e consternação: 47 mortos (militares, em rigor 46 militares e 1 civil guineense) era o balanço do "trágico acidente". A notícia era dada pela agência oficiosa L [usitânia], com proveniência de Bissau e data de 8... Chegava com dois e meio de atraso... Sabemos hoje que o "acidente" ocorreu na manhã de 5ª feira, dia 6 de fevereiro de 1969, no final da Op Mabecos Bravios, ou na seja, na sequência da retirada do aquartelamento de Madina do Boé. (*)

O balanço era, de facto, trágico: na lista das 47 vítimas, por afogamento, constavam: (i) 2 furriéis milicianos; (ii) 7 1ºs cabos; e (iii) 38 soldados (na realidade, um dos nomes era de um civil). Mas os termos da notícia eram lacónicos, como era habitual nos comunicados oficiais ou oficiosos em assuntos "melindrosos" como este:

 "Na passagem do rio Corubal, na estrada para Nova Lamego, afundou-se a jangada que transportava uma força militar, havendo a lamentar, em consequência deste acidente, a morte, por afogamento, de 47 militares".

Para não dar azo a especulações, o ministro do Exércitofoi nomeou (e mandou de imediato paar o CTIG) o cor cav Fernando Cavaleiro, o "herói da ilha do Como" (1964), a fim de instruir localmente o processo de averiguações. Não sabemos quanto tempo levou a instrução do processo, mas temos um resumo das conclusões preliminares do cor cav Fernando Cavaleiro, publicado no jornal "Província de Angola", em data desconhecida, conforme recorte que nos foi enviado pelo nosso camarada José Teixeira (**).

Ainda não tivemos acesso ao relatório original, mas tudo indica que há nele erros factuais graves, permitindo ytirar conclusões enviesadas que acabam por escmotear, ignorar ou branquear a responsabilidade do 2º comandante da operação, que ultrapassou o oficial de segurança, o alf mil Diniz. Na última e trágica viagem, em vez de 2 pelotões, a jangada levou o dobro, contrariamente as regras estabelecidas pelo alf mil Diniz... Mas este era o "ejo mais fraco" da cdeia hierárquica e acabou por ser o "bode expiatório" de toda esta história que ainda continua mal contada...

Daqui a menos de 9 meses,  comemora-se os 50 anos deste trágico evento... E muita água ainda há-se passar sob as pontes do rio Corubal até que se saiba a verdade ou toda a verdade sobre esta tragédia que ensombrou o primeiro ano do consulado do Spínola. (***)

Para já temos prometido um encontro com o ex-alf mil José Luís Dumas  Diniz (, da CART 2338), responsável pela segurança da jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche, aquando  da retirada de Madina do Boé.  Tenho os seus contactos, a data do nosso encontro ainda foi maracad mas é apenas uma questão de mútua conveniência. O ex-alf mil Diniz mostrou-se interessado em contar, ao nosso blogue, a sua versão dos acontecimentos. Bem haja!... Porque, afinal, o que nos move é a procura da verdade e só da verdade...
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Notas do editor:




Vd. também 29 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P6063: Recortes de imprensa (23): O desastre do Cheche, no Rio Corubal: excertos de artigo de Teresa Firmino, Público, 6/12/2009

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18673: Convívios (859): os cinco "piras" da Magnífica Tabanca da Linha: estrearam-se no passado dia 24... (Manuel Resende)


Vitor Manuel Alves Ferreira (Lourinhã): pertenceu  à CCAÇ 1566, os "Pilões" (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e S. João, 1966/68) era 1º cabo mec auto e o fotógrafo da companhia)-


António Fernandes Costa  (Venda Nova, Amadora)


Luís Alegria  Barranhão (Damaia, Amadora)


Mário Santos (Faro), ex-1.º cabo especialista MMA da BA 12, 1967/69), membro nº 772 da Tabanca Grande



Carlos [Alberto de Jesus] Pinto (Reboleira, Amadora),  ex-1.º Cabo Condutor Apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa, 1969/71). Faz parte da Tabanca Grande desde 12 de outubro de 2011.

Tabanca da Linha >  37º convívio > Algés, Oeiras > 24 de maio de 2018 > Restaurante "Caravela de Ouro"


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. O Manuel Resende‎, régulo de  A Magnífica da Tabanca da Linha deixou hoje  na página do grupo no Facebook a seguinte notícia:
 

Mais um convívio da Magnífica Tabanca da Linha se realizou hoje no restaurante "Caravela de Ouro" em que o prato foi arroz de garoupa em quantidade suficiente para os 55 mastigantes. Algumas baixas de última hora por motivos de saúde, mas em compensação tivemos 5 "periquitos", seguindo a tradição de aumento do nosso grupo.

A seguir as fotos dos "piras" e o link para verem as 63 fotos deste 37º convívio


2. Comentário do nosso editor LG:

Dos cinco "piras",  que se estrearam na Tabanca da Linha, dois pertencem à Tabanca Grande, o Carlos Pinto e o Mário Santos; os restantes, no caso de terem sido combatentes no TO da Guiné, ficam automaticamente convidados a sentarem-se à sombra do nosso poilão.  Ao Vitor Ferreira, meu conterrâneo e amigo, já fiz em tempos, pessoalmente, esse convite. 

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Guiné 61/74 - P18672: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte II: As armas não se comem... mas, mesmo assim, apanhámos uma Kalash quando íamos à procura de galinha ou de porco...





Guiné > Região Cacheu > Bula > Capunga  > CCAV 2639 (1969/71) > A insólita história da captura de uma Kalash...

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem omplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

1. Continuação da publicação do álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, nº 757, natural de Vila Fernando, Elvas (*).

Uma história com algo de burlesco, que merece maior desenvolvimento por parte do autor... Se não for anedota, é uma
história de se lhe tirar o chapéu!

Os tipos do PAIGC eram tão "humanos" como nós, capazes de perder a cabeça por um rabo de saia... Neste caso, o "camarada" que foi a Capunga dar uma queca, ficou sem as calças e a arma que lhe estava distribuída, mas salvou a cabeça... Presume-se que tenha fugido em pelota, e sem arma, ao ser surpreendido pelos pilha-galinhas... (Sabemos, pelo Victor Garcia, que eram 7, e que pertenciam ao 3º Gr Comb, "Os Kimbas").

Pergunta de editor curioso: o que lhe tirá acontecido ao chegar à "barraca" em Choquemone, em pelota e sem a sua bela Kalash  ? (LG)

2. O Victor Garcia, nosso grã-tabanqueiro de longa data, também publica na sua página a foto da famosa Kalash apanhada por 7 elementos (menos de uma secção) do 3º Gr Com da CCAV 2639, a que ele pertencia.



Guiné > Região Cacheu > Bula > Capunga  > CCAV 2639 (1969/71) > A insólita história da captura de uma Kalash



Guiné > Região Cacheu > Bula > Capunga  > CCAV 2639 (1969/71) >  Os 7 elementos do 3º Gr Comb, "Os Kimbas",  que capturaram a Kalash: Pereira, Ferreira, Serra, Moura, Nogueira, Marco Paulo e Torcato



Guiné > Região Cacheu > Bula > CCAV 2639 (1969/71) > Emblema de "Os Kimbas", o 3º Gr Comb

Fotos (e legendas): © Victor Garcia  (2009) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem omplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

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Guiné 61/74 - P18671: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXV: Goa, Índia: "um adeus no entardecer dos dias, e uma lágrima, para sempre"...


Índia > Goa > Velha Goa > A basílica do Bom Jesus

[A Basílica do Bom Jesus (em concani Borea Jezuchi Bajilika) é uma Basílica Menor, situado em Goa Velha, na Índia. É uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo e faz parte do conjunto arquitetônico de Igrejas e Conventos de Goa, Patrimônio da Humanidade pela Unesco, sendo um dos melhores exemplos da arquitetura de origem europeia no país. Foi construída entre 1594 e 1605, uma obra considerada rápida para os padrões da época (...) Em seu interior repousa o corpo de São Francisco Xavier, considerado O Apóstolo do Oriente.] (Fonte: Wkipedia > Basílica do Bom Jesus)



Índia > Goa > 18 de novembro de 2016  > O nosso camarada Antónioo Graça de Abreu e a esposa, na piscina do hotel


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Goa, Índia, 18 de novembro de 2016 (pp. 5-6, da terceira e última Parte)


Goa, Índia


Goa, um pé em Mormugão,
todo o olhar em Vasco da Gama.

Goa, do velho Afonso de Albuquerque,
espadeirando pelas costas do Malabar,
na aventura insana de conquistar o Oriente.

Goa, dos grandes vice-reis e senhores de outrora,
hoje em lápides enegrecidas pelo tempo.

Goa, de Bardez a Salsete, o pó resplandecente da fé,
e sinuosos silêncios.

Goa, de cem mil cruzes diante de cem mil lares,
braços de Cristo abertos para o mundo,
cemitérios de cristãos unindo céu e terra.

Goa, uma Roma Oriental cintilando na basílica do Bom Jesus,
cinco séculos a acastanhar a pedra,
e São Francisco Xavier, benfazejo e amigo,
num túmulo de prata, pedrarias e cristal.

Goa, da velhíssima Sé Catedral,
maior igreja da Ásia, imaculadamente branca,
no altar-mor, dois jovens, mais uns tantos amigos,
todos humildemente descalços,
um casamento em língua portuguesa.

Goa, da igreja de S. Caetano,
semelhante à basílica de S. Pedro,
para enlevar corações, levá-los a Roma
ou talvez ao paraíso.

Goa, da orgulhosa Pangim,
do bairro colonial das Fontaínhas,
onde se baila o corridinho,
e um cônsul português sorri e dança.

Goa, de especiarias e perfumes,
na carregação das naus,
para inebriar os dias e as noites.

Goa, da doce e formosa Manteigui,
nas palavras de Bocage “puta rafada”,
cujos “meigos olhos, que a foder ensinam
até nos dedos dos pés tesões acendem”.

Goa, dos breves companheiros de jornada,
o André, o Edgar, a Maria, o Reis,
dos Gomes Market, do Faria Heaven, do Santosh Garage,
tantos ramos florescendo da cepa lusitana
entretecidos pelo perpassar dos séculos.

Goa, das últimas famílias indo-portuguesas
entrecruzando sangue e afectos,
laboriosas gentes nas confusões do presente,
com as pedras e o coração no passado, construindo o futuro.

Goa, dos fortes de Tiracol ou da Aguada,
velhos canhões, há séculos disparando pedaços de nada,
para a águas do Mandovi e do vazio,
e um velho farol, o primeiro iluminando os mares da Ásia.

Goa indiana, pois claro,
com templos hindus para venerar os deuses,
Shiva, Brama, Vishnu, Krishna,
e pequenas divindades descansando no fundo do vale,
no recato sombreado dos palmares.

Goa, das praias de infindáveis areias,
Calangute, Dona Paula, ou Benaulim,
para humedecer o corpo e respirar o sol.


Goa, um adeus no entardecer dos dias,
e uma lágrima, para sempre. 



1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias"

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimanos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;


(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18670: Parabéns a você (1440): Rui G. Santos, ex-Alf Mil Inf da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18662: Parabéns a você (1439): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18669: Guiné 61/74 - P18626: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 50 e 52: (i) tivemos o primerio ferido em combate, numa sexta-feira, 13 de abril de 1973, sendo evacuado por helicóptero; e (ii) o correio está a chegar atrasado depois de aparecerem os Strela...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > 1973 > O José Claudino da Silva junto  a um bagabaga.

Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*) 

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), tendo sido criado pela avó materna;

(ii) trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(iv) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;

(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

2. Sinopse dos postes anteriores:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vi) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;

(vii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(viii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(ix) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(x) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xi) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xii) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xiii) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xiv) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xv) começa a colaborar no jornal da unidade (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;

(xvi) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xvii) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada;

(xviii) em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.

(xix) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas;

(xx) em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.

(xxi) depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela, o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas;

(ssii) o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela

3. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 50 e 52


[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]



50º Capítulo  > O PRIMEIRO FERIDO EM COMBATE

Escrever hoje as mesmas palavras que escrevi entre os 21 e 24 anos, num contexto completamente diferente, colide um pouco com a minha actual maneira de ser. Chamar ““turras”” aos guerrilheiros do PAIGC, fora do contexto em que o fiz na época,  faz-me sentir um pouco insensível e aproveito este momento para dizer que não me identifico, passados estes anos, com o que já escrevi e que,  devido ao modo como decidi desenvolver este livro, provavelmente vou continuar a escrever.

O dia 13 de Abril de 1973 foi a uma sexta-feira. Mesmo que não acreditem em superstições, deviam ler o relato que fiz. Eis o texto na íntegra:

Hoje tive a felicidade de receber uma foto tua, contudo meu bem não posso dizer que estou alegre, pois houve algo que ofuscou um pouco este dia que noutra altura seria maravilhoso. É que meu amor, os meus camaradas os meus camaradas saíram hoje às duas da manhã e caíram numa emboscada. 

"Um furriel levou um tiro nas costas tendo que ir um helicóptero busca-lo ao mato mas só depois de vários aviões terem largado bombas sobre os 'turras', pois os meus camaradas estavam completamente cercados e durante cerca de duas horas não se puderam mexer. Logo que os aviões entraram em acção então os meus colegas puderam abrir fogo em abundância e abrir um espaço onde o hélio aterrou para levar o ferido. 

"Nós éramos 80 e eles cerca de 160. Felizmente só houve um ferido que decerto se safará, nós pelo nosso lado. Aliás os meus camaradas pois como sabes não saio daqui, pois como ia dizendo a minha malta matou um e feriram alguns. Apanharam uma metralhadora e algumas granadas o que significa que aqui não lutamos em vão. É claro querida que estas coisas nos arrasam os nervos e é lógico que me sinta um pouco triste pois não é nada agradável saber que um de nós está ferido e que muitos outros poderiam ter perecido na luta”.
Enviei nesta carta uma foto de um Bagabaga (Ninho de formigas).

Disse que, no sábado seguinte, me iria embebedar com whisky, mas não o fiz. Ainda estava doente. No dia seguinte (Domingo de Ramos), tomei o meu primeiro comprimido para dormir.

“Se eu pudesse tomar uma droga que me fizesse esquecer o período que agora atravesso acredita que tomava, embora eu seja contra o uso da droga pois gosto de enfrentar as realidades e a droga torna a vida irreal”.

No dia 16 soube que o nosso furriel estava livre de perigo. Também recebemos as peças para reparar os geradores. Provavelmente, domingo de Páscoa  já teríamos luz eléctrica. [Vd. capº 50, já publicado no poste P18475 (**).


52º Capítulo > CARTA DE AMOR

Tal como era de prever, o correio começou a demorar mais tempo a chegar. Os pilotos civis estavam com receio de voar e nós estávamos a começar a ficar esquecidos neste recôndito lugar.

Já todos nós lemos que as cartas de amor são ridículas. Que dizer, então, das cartas que em média têm entre 500 a 600 palavras e que escrevi diariamente, como já o disse mais de uma vez? Fazendo um pequeno cálculo, em Maio de 1973, só para a minha namorada eu terei escrito cerca de 170.000. Eu próprio estou tremendamente admirado com o teor da maioria das missivas escritas. Devia amar muito esta mulher. Não se riam de mim.

“Toda a minha vida será dedicada a viver para a nossa felicidade e em todos os dias da vida sorriremos juntos para assim afastarmos os dissabores que nos surjam, poderás pensar que por vezes sou um existencialista e que só procuro complicar as coisas mas nota isto que a seguir te digo e vê se não será uma boa maneira de ajudar no futuro a nossa felicidade.

"Fazemos ambos uma lista imaginária dos erros que perdoamos um ao outro e quando algum de nós errar o outro vê se o erro está na lista dos que devem ser perdoados, ora como a lista é imaginária todos os erros estão lá e por isso sempre que um de nós cometa um erro, o outro perdoa-o, se fizermos isso assim, ou seja se perdoarmos sempre os erros que um ou outro tenha de certeza que só isso evitará muitos aborrecimentos na nossa vida conjugal e ajudará muito a sermos felizes. Saber perdoar não é difícil, mas é preciso saber-se perdoar sempre, o perdão ajuda a sentirmo-nos sempre cientes de que temos uma moral cheia de bondade e capaz de compreender os erros dos outros.

"Eu não pretendo com estas palavras ensinar-te; a minha intenção é para que saibas que tenho um coração capaz de amar até à loucura, capaz de odiar intensamente mas que também é capaz de perdoar e se a oportunidade surgir tu verás que saber perdoar ajuda muito a construir a felicidade.

"Antes de terminar por hoje desejo enviar-te muito amor através das palavras que escrevo e desejo sobretudo reconfirmar que cada vez me encontro mais contigo própria, ou seja que cada momento da minha vida tu estás mais dentro de mim e eu sinto-te como se fizesses parte do meu próprio corpo.

"Eu te amo com fervor.

"Envio-te um beijo cheio de ternura, sou teu eternamente Dino.


"Fulacunda 2/5/1973”.

Um dia, talvez a minha neta divulgue na totalidade tudo o que escrevi à avó dela ou pura e simplesmente alguém deite tudo numa empresa de reciclagem. Afinal, não passam de palavras escritas em folhas que estavam em branco e que eu paulatinamente fui preenchendo e o papel pode ser reutilizado.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 13 de maio de 2018 >  Guiné 61/74 - P18626: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 47/48/49: "Quero dizer-te que só em quinze dias os turras derrubaram cinco aviões"

(**) Vd. poste de 1 de abril de 2018>  Guiné 61/74 - P18475: Efemérides (271): A minha Páscoa no mato, há 45 anos (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

Guiné 61/74 - P18668: Bibliografia de uma guerra (90): Um Barco Fardado, por Eduardo Brito Aranha; Roma Editora, 2005 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Ao princípio desconfia-se e estranha-se, depois entranha-se, porque o devaneio caricatural deste autor é de alta perícia. É um livro raro. Dir-se-á mais adiante que este médico começou a redigir com alma desabrida, talvez cheio de tempo para a minúcia e a argúcia. Depois cansou-se, acelerou a marcha, tentou até o erotismo sem graça nenhuma, despede-se com acusações grotescas a quem com ele diretamente conviveu.
Este livro, se acaso o autor tivesse um rebate de alma e se convencesse que começou por escrever um documento de valor incalculável, todo refeito poderia dar uma obra de estalo. Não é a primeira vez que leio livros que inicialmente fora redigidos pela porta do sublime e terminam nos esconsos perdidos. Voltas que a roda da fortuna dá...

Um abraço do
Mário


Um Barco Fardado, por Eduardo Brito Aranha (1)

Beja Santos

A razão especial por que aqui vou escrever sobre "Um Barco Fardado", por Eduardo Brito Aranha, Roma Editora, 2005, passado em Angola, é por considerar tratar-se de uma obra singularíssima, de uma arquitetura literária exemplar (há defeitos graúdos, mais adiante se explicará), empolgante, tão empolgante que a realidade se submerge perfeitamente na ficção.

Chegou-me o livro pela mão bondosa do nosso confrade Mário Vitorino Gaspar, a quem pedi que vasculhasse na Biblioteca da APOIAR os títulos que pudesse sobre literatura de guerra. Não gosto do título, sente-se que o autor andou às voltas à procura de inspiração, e serviu-se de uma imagem que está muito longe de ser feliz, classificativa para o conteúdo que nos oferece. Em barcos fardados andámos todos nós, quase um milhão, entre 1961 e 1975. Mas lançado na leitura, cedo me deixei surfar nesta esplêndida linguagem de alguém que sem imitar António Lobo Antunes ou José Martins Garcia esgrima com mestria a jocosidade, a manipulação da galhofa e as garrulices de um anti-herói.

Sabe-se que Eduardo Brito Aranha foi cumprir o serviço militar quando andava no segundo ano de Medicina e foi para a Angola onde permaneceu 26 meses. Temos a viagem sacramental depois de algumas recordações da infância e o desembarque do costume. Feitos os registos que cabem nas viagens de toda a gente, entramos na singularidade. Estamos a 6 de Novembro de 1971, alinham-se as viaturas na estrada de Catete, “Seiscentos quilómetros a engolir o asfalto preto da estrada, no chamado planalto, livre de atividades inimigas, apenas paisagem longa com rochedos de Adamastor onde todos os dias se via à mesma hora, pequenas povoações muito afastadas umas das outras, vendedeiras com cestos de bananas e abacaxis, macacos pretos a fugir dos rodados”. A viagem prossegue, desta feita de comboio: “Era uma gigantesca larva encimada de uma fantasmagórica cabeça de rebenta minas, testa de ferro com toneladas de sacos de areia, que penetraria ao longo do paralelo 12, de Nova Lisboa até ao Luso (hoje Huambo), 29 horas de vigilância dos esbugalhados olhinhos dos pequenos lusitas”. Assim se chega ao Luso, deste modo apresentado: “Essa cidade quadriculada, esse Campo de Ourique desterrado e já sem personalidade. Uma meia dúzia de cafés de militares, no intervalo entre dois tiros, a esticar as botas para as sucessivas engraxadelas dos meninos negros que reptilizavam entre as mesas, se quer graxa ou menina, e com o pano do brilho a fazer batuque as biqueiras para mais uma gorjeta”. A 11 de Novembro chegam a N’Riquinha, na planície do rio Cuando. Como se estivesse a escrever no seu diário, pode ler-se: “Não sei como hei-de pertencer a esta terra”. É aqui que começa uma das raridades deste livro, minúcias de um observador que sente a compulsividade de que as partes fazem um todo, do género: “Segue-se a pratada de batatas com ovo cozido esfarelado por cima, peles de bacalhau, espinhas, aqui e além a órbita luzidia de uma azeitona cansada. Cerveja de acompanhamento e para empurrar. Ao fim, tal como os aperitivos, de paga rotativa, o ritual do café solúvel, batido, batido, batido, até a mão doer e a colher ganir no pirex da chávena, o brandy Borges, o fumo às rodelas pelo ar, os arrotos, as anedotas repetidas, as histórias do tempo em que ainda éramos nós. Bom proveito, meus filhos, que daqui a uma hora está tudo com a mesa fome e não há segundo jantar”.

A companhia espalha-se pela quadrícula: um pelotão partiu para Rivungo, outro para Mavinga. Chegou a hora da primeira escolta, de se embrenharem pela mata, com a areia solta das picadas cheias de raízes, lá vão com os ossos a saltar. Desvela contrassensos da burocracia, enviesamentos de decisões que se sobrepõem à realidade: “O capitão fez notar ao comandante de batalhão, sediado no Cuito Cuanavale que, uma vez que o pelotão do Araújo no Rivungo e o do João em Mavinga, N’Riquinha ficaria reduzida ao meu pelotão e ao do Bernardo. Se um partisse para uma operação fora do aquartelamento, que normalmente demorava 3 a 5 dias, quem ficaria a guarnecer o aquartelamento quando se saísse para a água e para a lenha?”.

O capitão é algarvio e apresenta ao seus alferes as tarefas que te por diante: “Estamos entalados num território de área igual à do Algarve. Só que é ao alto. À direita, a Leste, fica a Zâmbia, por onde os gajos entram. A Norte fica a zona de acção de Ninda, a Oeste a de Mavinga e a Sul da nossa zona, depois do destacamento do Rivungo, começa a zona de Luiana. A partir daí já é o Sudoeste Africano que pertence à África do Sul. A nossa missão aqui é simples. Temos de policiar as entradas dos grupos de guerrilheiros, atacar-lhes alguns pontos onde estão sediados”.

São raras as obras em que se enredam perfeitamente o sarcasmo e as atividades militares, diga-se em abono da verdade que muitas vezes se caminha no fio da lâmina para não ser chocarreiro, venial ou estupidamente agressivo. E nesta trama, o autor desembaraça-se para proveito do leitor. Temos aqui o dia-a-dia de um destacamento, a apresentação dos diferentes protagonistas, o colorido do ambiente cola-se-nos, aquela África existe mesmo: “A natureza durante o dia parece esmorecida de calor para, durante a noite, acordar numa pujança de pássaros que piam como que aflitos, voos invisíveis de adejos de um lado a outro do negro do céu, roncos e uivos de animais noctívagos, restolhadas nos arbustos à nossa volta, zumbidos de mosquitos em agressivas investidas e, sempre, sempre trovoadas longínquas no horizonte para os lados da Zâmbia no seu incessante relampejo estroboscópico”.

Aqui e acolá chegam colunas, apresentam-se tropas. Há pormenores burlescos, a obsessão do comandante em que ajardina o destacamento, e daí a risota farta na descrição: “A criação de um jardim naquele deserto fez o capitão nomear um furriel das bandas de Felgueiras e com bom passado hortícola que por sua vez escolheu uns tantos miúdos negros daqueles já com experiência de ir à água de ser pagos a sopa. A essa mesma equipa também se associou um cargo, encarregando-se todos de manter uma horta em constante produção, a qual já existia e era regada por um poço com picota que, nos intervalos das chuvas, fornecia uma caldibana leitosa de argila impossível de beber mas suficientemente boa para nutrir as raízes de tudo quanto fosse legume”. É um arranque de livro em que como muito raramente somos envolvidos pela lufa-lufa centenas de homens fotografados por um autor cheio de verve de observador. A tal ponto que quando o comandante de batalhão vai visitar o destacamento dá de frente com o médico que recebe uma áspera repreensão para se ir imediatamente vestir, aparecera de cabeça descoberta, meias brancas e de calções sem cinto. A obsessão do comandante por um jardim em N’Riquinha volta a manifestar-se, quer gerânios, catos, pneus pintados e admoesta o capitão: “Nunca ouviu dizer que os olhos comem mais que a boca? Uns pretitos a quem se pague com uma sopa e um pão, que para eles já vale muito, servem para estrumar com os dejectos das fossas e estes canteiros aqui. Depois, umas sementes de umas flores mandadas comprar a um dos sargentos que vá ao Luso, enfim… Olhe, no Cuito, o nosso major Tamerlão até goiabeiras lá pôs”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18513: Bibliografia de uma guerra (89): Entender o pan-africanismo para melhor conhecer a guerra em África (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18667: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte I: o parto de Helga Reis, em Ponta Consolação, em 6 de janeiro de 1971


Guiné > Região Cacheu > Bula > Ponta Consolação >  CCAV 2639 (1969/71) > 6 de janeiro de 1971 > O fur mil cav Antónioo Ramalho, com o 1º cabo aux enf do seu pelotão, ajudam a vir ao mundo    Helga Reis.



António Ramalho, hoje---


... e ontem

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem omplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Mensagem, com data de 30 de abril último, de António Ramalho, ex-fur mil at cav, 
CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, nº 757, natural de Vila Fernando, Elvas (*):

Caro Luís Graça, boa noite:

Continuo a visitar o nosso blogue que considero fantástico em todos os seus aspectos desde o gráfico até aos seus conteúdos.

Não tive oportunidade de ter ido a Algés conhecer-vos, só conheço o Mário Fitas, e a Monte Real também é impossível já que nos fins de semana de 5 e 12 de Maio terei que estar no Alentejo.

Encarei os meus vinte e dois meses na Guiné com a determinação para aquilo que tínhamos sido preparados sem contudo nos armarmos em heróis, fomos 150 viemos 150, felizmente.

Além do enorme lote de operações que nos foram distribuídas, umas em conjunto outras solitárias, as coisas não correram mal!

Além disso reordenámos três zonas de Tabancas entre Bula e Binar.

As fotos que envio são da parte light da nossa missão, uma delas é a do momento mais alto da minha comissão, o nascimento da Helga [Reis], a outra não vale a pena recordar! (**)

Publicá-las será uma questão que deixo ao vosso livre critério, é a contribuição que posso oferecer.
Um forte abraço e até a um almocinho aqui para a zona de Lisboa ou arredores.

Subscrevo-me com estima​,

António Fernando Rouqueiro Ramalho

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de outubro de 2017 >  Guiné 61/74 - P17888: Tabanca Grande (450): António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, e novo membro da Tabanca Grande, com o nº 757... Faz parte da Associação de Alunos da Universidade Sénior de Vila Franca de Xira.

(**) Vd poste de 15 de outubro de 2017 Guiné 61/74 - P17864: O nosso livro de visitas (194): António Fernando Rouqueiro Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)....Será possível saber do paradeiro da menina Helga dos Reis que eu e o cabo enfermeiro do meu pelotão ajudámos a vir ao mundo, em 6 de janeiro de 1971, na tabanca de Ponta Consolação (Nhinte) ? A estar viva, terá hoje 46 anos 


(...) Fiz parte da CCAV 2639 (independente de qualquer Batalhão, sob o comando do Com-Chefe) desde outubro de 1969 até setembro de 1971, na zona de Bula, Binar, Bissorã (Bissum), substituída pela CCAV 3420, comandada pelo cap cav Salgueiro Maia [Bula, 1971/73].

Já fui convidado para lá voltar, o que recusei pois não quero presenciar a destruição de tudo aquilo que fizemos em prol das populações, nossos compatriotas na altura.

Além da parte operacional, fizemos o reordenamento das tabancas de Capunga, Pete e Ponta Consolação (Nhinte). Nesta última assisti ao parto, acompanhado pelo cabo enfermeiro do meu Pelotão, no dia 6 de  janeiro de 1971, de uma menina que logo a batizámos como Helga dos Reis.
A tabanca era chefiada por um cidadão chamado Eusébio. Esta menina terá hoje 46 anos, será possível saber do seu paradeiro, estará em Portugal? (...)

terça-feira, 22 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18666: Em bom português nos entendemos (16): senhores dicionaristas, grafem lá o vocábulo "grã-tabanqueiro" ou simplesmente "tabanqueiro"... O nosso pequeno contributo para a celebração do dia 5 de Maio, Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP...



5 de Maio Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP (com a devida vénia...)


1. O dia 5 de maio é, anualmente, o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)... Recorde-se que há 9 países com língua oficial portuguesa, incluindo a nossa querida Guiné-Bissau... E estima-se em mais de 260 milhões os falantes da língua portyguesa.

Este ano houve 180 iniciativas em 57 países, segundo notícias da Lusa, reproduzida pelo Público, de 30 de abril de 2018. Nessas iniciativas, que se prolongam até ao fim do mês de maio, incluem-se mostras de cinema, concertos, recitais de poesia, feiras do livro, espectáculos teatrais, concursos de literatura, encontros com escritores, promoção das artes plásticas, divulgação do português como língua de ciência ou celebração do ensino do português.

Por seu turno, o ministro dos Negócios Estrangeiros recordou que o português é hoje uma das cinco línguas mais faladas no mundo e a primeira no hemisfério sul. "O português já é hoje uma língua de trabalho no sistema das Nações Unidas, já é língua oficial de algumas das organizações especializadas das Nações Unidas, mas esperamos que venha a ser num futuro mais ou menos próximo uma das línguas oficiais da Organização das Nações Unidas", afirmou o chefe da diplomacia portuguesa.


2. O nosso pequeno contributo, a nível do blogue da Tabanca Grande, é também o de resgatar a memória dos que, de um lado e do outro, fizeram a guerra e a paz, na Guiné, entre 1961 e 1974... Guerra colonial, guerra do ultramar, guerra de África, guerra de libertação...

Temos ajudado a reconstruir o "puzzle" (esburacado) da memória desses tempos... E esse trabalho, de construção e reconstrução da memória, passa também pelo "resgaste" de vocáculos e expressões que usávamos, uns e outros, nesse tempo e lugar... A sua origem é duversa: há vocábulos e expressões do crioulo da Guiné, mas também da língua fula, da gíria e do calão da tropa... e da guerrilha.

No nosso blogue temos em uso cerca de 400 abreviaturas, siglas, acrónimos, expressões idiomáticas, termos da gíria, calão, crioulo, etc. Alguns destes vocábulos poderão um dia vir a ser grafados pelos nossos dicionaristas ou lexicógrafos. Acabámos, por exemplo, de propôr a inclusão do vocábulo "grã-tabanqueiro" no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa" (que, com alguma frequência, cita o nosso blogue).

Eis o texto que lhes mandámos:

No blogue, lusófono, coletivo, que eu criei em 2004 e que dirijo, com um equipa de editores e colaboradores, “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, é usado o vocábulo “grã-tabanqueiro/a” para designar os membros da rede social a que chamamos “Tabanca Grande”… Originalmente era uma tertúlia (virtual) e os seus membros tratavam-se por “tertulianos”. 

A própria Tabanca Grande (que reúne antigos combatentes da guerra colonial, em especial da Guiné) deu origem a outras “tabancas” (de Matosinhos, do Centro, da Linha, dos Melros, da Maia, de Faro, de Porto Dinheiro, etc.)… Os seus membros tratam-se por “tabanqueiros”… “Grã-tabanqueiro” ( e não “grão-tabanqueiro”) é o que  pertence “formalmente“ à Tabanca Grande… E são já 773, entre vivos e mortos…

Uma pesquisa no Google, com a expressão “grã-tabanqueiro”, dá-nos cerca de 18900 resultados. Este blogue também é fértil em “novos vocábulos”, ligados à guerra colonial e à Guiné, como por exemplo “alfabravo” (obrigado) ou “camarigo” (camarada e amigo). Temos cerca de 400 “abreviaturas,siglas, acrónimos, expressões idiomáticas, gíria, calão, crioulo”, em uso no blogue…

 O blogue, com 14 anos, tem em média um milhão de visualizações de páginas por ano, e vai a caminhos dos 19 mil “postes” publicados…

Em bom português nos entendemos. O Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca… é Grande. Mantenhas,

Luís Graça

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18665: Convívios (858): XXIII Encontro do pessoal do BCAÇ 2885, realizado no passado dia 19 de Maio de 2018, em Arganil (Jorge Picado, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885)

Os presentes, junto do Monumento, uma vez que os retardatários foram directos a Mont'Alto


1. Mensagem do nosso camarada Jorge Picado (ex-Cap Mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72) com data de 20 de maio de 2018, fazendo referência ao XXIII Convívio do BCAÇ 2885:


23.º CONVÍVIO DO BCAÇ 2885, 

QUE DECORREU EM 19 de MAIO em ARGANIL

Realizou-se ontem em Arganil o 23.º Convívio do “resistentes” que fizeram parte do Batalhão de Caçadores n.º 2885, que esteve sediado em Mansoa de 14MAI69 a 14FEV71, comemorativo dos 47 anos de retorno à Metrópole.

A concentração dos participantes efectuou-se na Associação dos Combatentes deste Concelho, cerca das 10 horas, que foram brindados por “um pequeno-almoço”, tendo havido uma pequena alocução referente a mais um evento nesta Associação que ficou marcada pela oferta de uma pequena lembrança, um azulejo com o Guião do Batalhão pintado, para enriquecimento do espólio desta Associação.

Seguiu-se depois a colocação de um ramo de flores junto do belo Monumento dos Combatentes do Concelho de Arganil, que a Autarquia edificou numa ampla rotunda, homenageando-se assim, com este simples gesto, todos aqueles que morreram na Guerra do Ultramar.

O almoço convívio decorreu no Mont’Alto, local panorâmico onde existe um Santuário de grande significado para os arganilenses, de devoção Mariana, de onde se desfruta de uma magnífica paisagem. É aqui que se celebra a 15 de Agosto a festa e romaria de Nossa Senhora do Mont’Alto.

Apesar de as baixas definitivas serem já elevadas e o impedimento daqueles que por diversos motivos não podem comparecer, ainda assim para os “resistentes”, de entre os quais estiveram dois representantes da Tabanca Grande (eu e o camarada César Dias), revivem-se sempre alguns dos bons e também maus momentos passados naquele Chão Balanta do Oio, mas sobretudo manifesta-se uma sã e grande alegria por se reencontrar camaradas que a vida vai afastando e só nestas ocasiões se voltam a ver.

Anexo algumas fotografias alusivas ao evento.

Como o oficial "mais graduado" presente incumbiram-me desta "missão", da entrega da lembrança ao presidente da Associação

Cerimónia de deposição das flores no Monumento dos Combatentes de Arganil

Carlos Costa, meu condutor, eu, Armando e outro soldado atirador que não recordo o nome, visionando fotos do album do Carlos

Alferes Martinez, Soldado Ferreira, Eu e Soldado de Transmissões Pisco, sobrevivente da emboscada de 12OUT970

 1.º Cabo Trms Victor Vieira, 1.º Cabo Quarteleiro(?) Monteiro (é de Campanhã), eu e (?).

Abraços
JPicado
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18658: Convívios (857): 37º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, 5ª feira, dia 24 de maio, no restaurante "Caravela de Ouro", Algés. Inscrições até às 24 horas de hoje, 2ª feira (Manuel Resende)

Guiné 61/74 - P18664: Álbum fotográfico de António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 e da CCAÇ 17 (6): Ainda a visita à Guiné-Bissau em Março e Abril de 2017

ÁLBUM FOTOGRÁFICO DE ANTÓNIO ACÍLIO AZEVEDO, EX-CAP MIL, CMDT DA 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 E DA CCAÇ 17, BULA E BINAR, 1973/74

AINDA A VISITA À GUINÉ-BISSAU ENTRE OS DIAS 30 DE MARÇO E 7 DE ABRIL DE 2017


Foto 164: Gabú (ex- Nova Lamego) - Placa à entrada da cidade.

Foto 161: Bafatá - Entrada principal do Restaurante "Ponto de Encontro", onde num dos dias almoçámos.

Foto 163: Bafatá - Antiga Casa Gouveia, actualmente o Tribunal Regional.

Foto 165: Bafatá - Praça de táxis, na zona central, com um autocarro atrás.

Foto 166: Bafatá: Duas lojas comerciais no centro da cidade.

Foto 175: Bafatá: Uma das principais ruas da localidade.
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Notas do editor

Poste anterior de 1 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18370: Álbum fotográfico de António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 e da CCAÇ 17 (4): Ainda a visita à Guiné-Bissau em Março e Abril de 2017

Último poste da série de 13 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18409: Álbum fotográfico de António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 e da CCAÇ 17 (5): Bula e Binar em 1973/74

Guiné 61/74 - P18663: Memória dos lugares (376): Cheche , rio Corubal e Madina do Boé, uma trilogia trágica (Xico Allen / Zélia Neno / Albano Costa)


Foto nº 1


Foto nº 2 


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5

Guiné-Bissau > Região do Boé > > Boé > 1998 > Embora esta zona ainda hoje seja pouco habitada, o Xico Allen encontrou e fotografou população civil quando lá esteve em 1998, com o António Camilo, o algarvio, e outros camaradas, mais a sua ex-esposa, Zélia Allen (, hoje Zélia Neno, ,membro da nossa Tabanca Grande). Na época o grupo de portugueses que se deslocou ao Boé, partiu de Quebo (Aldeia Formosa), tomando uma picada existente sempre junto à fronteira com a Guiné-Conacri até á povoção do Boé, nas proximidades da antiga Madina de Boé, nosso aquartelamento e tabanca (, cuja retirada, recorde-se, foi no dia trágico de 6 de fevereiro de 1969).

No regresso, o Xico Allen e amigos vieram pelo Cheche [foto nº 4], onde atravessaram o Rio Corubal, seguindo depois para o Gabu (ex-Nova Lamego). Em Cheche, ponto de cambança, fizeram questão de lembrar (e rezar por) os 46 camaradas desaparecidos (mais 1 civil) no trágico acidente de 6/2/1969, no decorrer da Op Mabecos Bravios.

Trinta anos depois da retirada de Madina do Boé (em 6 de fevereiro de 1969) ainda continuavam vísiveis os sinais das emboscadas e das minas... Restos de viaturas das NT abandonadas  eram verdadeiros fantasmas dos tempos de guerra... Julgamos que entretanto, nestes últimos 20 anos, foram retirados ou destruídos todos estes vestígios "arqueológicos" da guerra colonial. [Fotos nºs 1, 2 e 3]

Na realidade, eram fntasmas da guerra colonial que, de tempos a tempos, perturba(va)m a paisagem e o viajante...

A foto nº  4 foi tirada intencionalmente no meio do rio Corubal, de trágicas memórias para as NT, vemdo-se ao fundo a praia fluvia do Cheche, com rampa de acesso, na viagem de regresso a Quebo (Aldeia Formosa) - Boé - Cheche- Gabu (Nova Lamego).

A foto nº 5 mostra a famosa fonte da Colina do Boé, com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, de 1945.  Os vestígios de impacto de balas de armas automáticas são mais do que óbvios.
O Xivo Allen

Esta famosa fonte da Colina do Boé é um sítio onde se concentra(va) alguma população civil da escassa que há (havia) nesta região semidesértica, e a única da Guiné que é, de resto, acidentada (com cotas que sejam quase aos 300 metros).


Fotos (e legendas): © Francisco Allen / Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. O Xico Allen (ex-1.º cabo at inf, CCAÇ 3566, "Os Metralhas", Empada, 1972/74, foto à direita), é  um dos primeiros membros da Tabanca Grande, registados em 2006,  tal como o Albano Costa,   foi um dos primeiros camaradas a voltar á Guiné, depois da independência. E nos últimos anos chegou lá mesmo a lá viver.

De acordo com as memórias da Zélia Allen, também nossa tabanqueira, o casal Allen visitou a Guiné do pós-guerra, em abril de 1992, mais um outro casal, o Artur Ribeiro e a esposa. Voltaram em 1994, desta vez foram 3 casais e conseguiram ir a Empada, onde o Xico tinha feito a sua comissão. Uma terceira viagem ocorreu em 1996 e uma quarta em 1998.

 E prossegue a ex-esposa do Xico, a Zélia Neno:

"Lá chegados, passamos uns 2 dias em Bissau e, num jipe alugado, viajámos para o interior, tendo como destino Empada, onde estivemos 2 dias. Aí sim, a experiência foi única até hoje, pois dormimos, comemos e tomamos alguns banhos na tabanca, onde luz só a da lua, das estrelas e da nossa lanterna pois desde a saída da tropa portuguesa não mais houve energia assim como outros bens essenciais, desde material escolar, medicamentos e alimentação. Os banhos, se assim se podem chamar, eram feitos despejando cabaceiras cheias de água retirada de um poço que gentilmente algumas mulheres nos iam entregando, fazendo-os passar por cima de um cercado e que funcionava como banheiro e não só...

(...)"No sábado regressámos a Bissau(...). No domingo à noite, com a chegada do avião,iria juntar-se a nós um grupo de 10 pessoas, 7 deles ex-combatentes, na sua 1ª romagem de saudade que,  como todos os outros era a concretização de um sonho, sendo um deles o Sr. Casimiro, aqui do Porto, que se fez acompanhar pelo seu jovem genro, o Carlos, e outros seus amigos e companheiros de guerra, tendo então eu a oportunidade de conhecer o Sr.Armindo, de Moreira de Cónegos, o Sr. Camilo, do Algarve, o Sr. Pauleri, de Vizela, o Sr.Amílcar, aqui de Gaia, único que levou a esposa sendo assim eu beneficiada pois tive companheira para o resto da estadia e dos restantes lamentavelmente não me recordo dos nomes.

"O que não esquecerei nunca, foi poder ver a alegria misturada com a emoção, quando chegámos a Jumbembem, local bem conhecido deles, pois mais não me pareciam do que crianças irrequietas em pleno Portugal dos Pequeninos, tentando ver todo o canto e recanto onde viveram outrora." (...).




Guiné > Região do Boé > Rio Corubal > Cheche > 6 de fevereiro de 1969 > A famigerada jangada que servia para transporte de tropas e material, numa das últimas travessias, aquando da retirada de Madina do Boé. Foi neste pedaço de rio que pereceram 46 militares e um civil.

A foto, histórica, é do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio [Augusto Esteves ] Felgas (1920-2008). Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, n.º 5, abril-junho 1969, pág. 15 (publicação editada pelo Instituto Camões; o n.º 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


2. Julgo que,  para a Zélia,  aquela, a de 1998, foi a sua última viagem à Guiné, mas não para o Xico, que continuou a lá ir rgulamente. As fotos que hoje republicamos, em formato "extra large", são dessa viagem de 1998, em que o Xico, a Zélia, o Camilo e outros camaradas e amigos, que foram até à região do Boé, a partir de Quebo, no sul, seguindo a estrada junto à fronteira. Estiveram em Boé, não sei se chegaram a ir a Beli, e seguiram depois pela antiga picada que, indo por Cheche e Canjadude, ia dar a Gabu (Nova Lamego)... 

Fizeram, por isso, o mesmo percurso das NT, no âmbito da Op Mabecos Bravios (1-7 de fevereiro de 1969), ou seja a picada Madina do Boé-Cheche-Canjadude-Gabu. 

Xico Allen (Vila Nova de Gaia)
Estas fotos do Xico Allen têm um enorme interesse documental (tal como as fotos do álbum do Manuel Coelho, ex-fur mil trms da CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), embora já tivessem sido publicadas, em formato reduzido,  em 6/2/2006, no poste 500 (*).


Na altura, o Xico ainda não era nosso tertuliano (ou tabanqueiro), alegadamente por não ter endereço de email... Mas creio que já estava reformado da atividade bancária. Aliás, em conhecia-o, pessoalmente, a ele, ao Albano Costa , ao Hugo Costa e ao Zé Teixeira, em 31/12/2005, na Madalena, Vila Nova de Gaia, quando me fizeram
uma visita de surpresa, na casa dos meus cunhados onde passei o Natal e o Ano Novo.

Albano Costa (Matosinhos)
Foi o Albano Costa quem , nesta transação, serviu de intermediário, sendo ele mais antigo no blogue (, é membro da nossa Tabanca Grande desde 21/11/2005).  Eis um excerto da mensagem do Albano (que voltaria à Guiné em 2000):

"Caro amigo Luís Graça: Envio sete fotos sobre Madina de Boé, a picada onde foram destruídas várias viaturas durante a guerra colonial, a fonte da Colina de Medina e a população civil de Madina. Luís, vou procurar nos meus arquivos para ofereceres essa imagem ao Mário Dias de uma placa que existe no Boé sobre o Domingos Ramos [, seu amigo e camarada do 1º CSM - Curso de Sargentos Milicianos, em 1959],

"Estas fotos são do arquivo do Francisco Allen: ainda hoje estive com ele, fica contente em saber que são úteis, as fotos. Um abraço, Albano Costa".



Guiné > Carta da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor da região do Boé > .Pormenor do Gabu (Região de Gabu), passando pela antiga Madina do Boé, Cheche e Canjadude.

Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018).


 3. Comentário do editor LG:

A independência unilateral da Guiné-Bissau foi declarada em 24/9/1973, não em Madina do Boé (como fez  crer a propaganda do PAIGC durante muitos anos...), mas na região fronteiriça, a leste, alegadamente em Orre Fello, perto de Lugajole, mas já em território da Guiné-Conacri.  Por razões óbvias de segurança... Foi uma das maiores operações de propaganda (e de ofensiva diplomática), a nível interno e externo, dirigidas pelo  PAIGC, já órfão do seu líder histórico, Amílcar Cabral.

Sobre o desastre do Cheche [, o toponómimo correto é Ché-Ché, mas todos dizemos e escrevemos... Cheche], vd aqui.

E a propósito, apraz-me dizer, aqui, aos meus amigos e camaradas da Guiné, que há umas semanas atrás, apareceu-me agora, ao telefone, o Diniz, o ex-alf mil José Luís Dumas Diniz (, da CART 2338), responsável pela segurança da coluna da retirada de Madina do Boé, a fatídica coluna que teve o trágico acidente, na travessia de jangada,  no Rio Corubal, em Cheche, em 6 de fevereiro de 1969 (. Eu já estava mobilizado para a Guiné mas lembro-me da comoção que me provocou a notícia, que foi título de caixa alta  nos jornais de Lisboa)...

O Diniz foi julgado, creio, em tribunal militar, e foi absolvido... O próprio Spínola terá sido uma das testemunhas de defesa... Era preciso um "bode expiatório", o elo mais fraco da cadeia hierárquica...  Ele quer dar-me/nos a versão dele... Vou combinar um almoço com ele... Ele chegou até nós através do Fernando Calado, nosso grã-tabanqueiro, outro camarada e amigo desse tempo (Bambadinca, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)... 

Portanto, felizmente,  o Diniz está vivo e está disposto a falar.,, Já correram rios de tinta sobre o desastre de Cheche, mas falta-nos, em primeira mão, o depoimento de um ator-chave, o nosso camarada responsável pela segurança da jangada... Ele vive entre Cascais e Coruche, se bem percebi... Um dia destes, eu, ele e o Fernando Calado, vamos até à Casa do Alentejo pôr a conversa em dia... LG