sexta-feira, 15 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18743: Notas de leitura (1075): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39) (Mário Beja Santos)

Nas cerimónias evocativas, em Bissau, do centenário do BNU


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Se bem que o registe nem sempre seja percetível, os relatórios da década de 1960 tornam claro as mudanças operadas pela luta armada, fala-se das transferências decorrentes do contingente militar, que ajudam a equilibrar as contas da delegação de Bissau; noticia-se que a partir de 1962 houve uma quebra drástica da cultura do arroz no Sul; e surge um dado insólito, um espantoso relatório onde se analisa o mais elementar da agricultura guineense e se fazem propostas para um aumento de produtividade na mancarra, no arroz, no coconote e óleo de palma. Também estes relatórios anunciam a chegada, ainda a título experimental, do caju. E o relatório de 1965 não esconde que a guerrilha é desgastante, pela primeira vez fala-se explicitamente em flagelações, minas, tabancas fiéis incendiadas.
A guerrilha, lê-se nas entrelinhas, estava para durar.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39)

Beja Santos

O gerente de Bissau é um homem convicto, depois de ter efetuado um diagnóstico à agricultura, desvelando as mazelas do primitivismo, procura apresentar respostas e explica à administração em Lisboa o que é imperativo fazer. Começa por dizer que a divulgação das novas técnicas exige prévia doutrinação das populações, se acaso se pretende produzir mais reduzindo as áreas de cultivo, há que formar um escol de agricultores, escolas práticas, complemento da escola missionária ou oficial onde o agricultor veja e execute processos mais evoluídos:
“A disseminação de adubos e alfaias poderá permitir maiores colheitas, em certos casos maior área cultivada por família, sem necessidade de êxodo cíclico de mão-de-obra. A estrutura social do nativo é um entrave, por vezes, à evolução rápida do progresso, todavia, com um plano bem cisado, pacífica e persistentemente algo se conseguirá. Para atingir o objectivo proposto é necessário pessoal técnico que, enquadrado num programa, tenha sequência, por forma a mentalizar as populações em novos métodos de cultivo. Essencialmente do que a Guiné precisa é de técnicos”.

E vai dissertar sobre o que há e se deve fazer quanto a mancarra, arroz, coconote e óleo de palma e caju.
Quanto à mancarra:
“São muito fracas as produções unitárias de mancarra. A densidade da sementeira, a ausência de desinfecção de sementes, a tardia preparação do terreno e a consequente sementeira que facilita o ataque da roseta, a colheita antecipada e por outro lado o esgotamento dos terrenos já de si de fraca produtividade, contribuem para o baixo rendimento. Aproveitando uma semente nova, pensou-se em introduzir simultaneamente outras práticas agrícolas. Os resultados obtidos foram, na generalidade, surpreendentes. Fizeram-se campos de comparação em algumas tabancas dos postos de Contuboel e Bafatá. Nestes campos, em metade foram a sementeira e a adubação orientados por pessoal dos serviços respectivos e na restante área os nativos praticaram a cultura conforme os usos locais. Não tem interesse para a economia guineense aumentar as áreas de cultivo da mancarra mas sim aumentaras produções nas actuais”.

Passando para o arroz, disserta assim:
“Não faltou nos terrenos baixos da Guiné áreas extensas de cultivo. No entanto, as populações locais agarradas a métodos de trabalho seculares vêm utilizando práticas que por vezes redundam em fracassos estrondosos. Na generalidade as sementeiras são feitas tardiamente e quando adrega de baixa pluviosidade os meses de Setembro/Outubro, as produções já baixas, escasseiam e notam-se os efeitos. Por outro lado, as baixas produções devem-se ainda ao fraco rendimento de algumas sementes, a fracas densidades de plantação e ao sistema de armação do terreno que leva ao aproveitamento de 50 a 60% da área total.
Recuperar bolanhas e não ter sementes em condições de maior rentabilidade do esforço humano e até não ter a produção de valor comercial é trabalho incompleto. Foi pensando nestes inconvenientes que se distribuíram sementes de valor comercial padronizado pela Comissão Reguladora do Arroz e se fez a sua multiplicação no Posto Agrícola do Pessubé, com recurso a adubações. O que se fez neste capítulo parece-nos aceitável e o melhor caminho a seguir, mas só o recurso a adubações se nos afigura indispensável. No entanto, é difícil levar o agricultor pouco evoluído a seguir esta peugada. Só o sistema de cooperativas de produção e o estabelecimento de culturas piloto podem levar á adesão a estes métodos de cultivo”.

A sua atenção dirige-se agora para o coconote e óleo de palma:
“A exploração dos palmares naturais é feita, na generalidade, na época seca entre Fevereiro e Maio. Dessa exploração retira uma parte das populações locais o numerário para custear obrigações e necessidades familiares e sociais. Nos Bijagós, com uma maior rede de postos de britagem aliada ao interesse da administração local, a produção de 1964 passou de 200 para 600 toneladas, o que demonstra algo do que atrás se apontou”.

E chegamos agora a uma novidade, o caju, informa-se que a Brigada da Guiné da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar iniciara os estudos preliminares julgados necessários para a expansão do cultivo do cajueiro. Dos estudos efetuados chegara-se a conclusões promissoras, o trabalho ia continuar.
E depois da detalhadíssima exposição quanto à necessidade de uma reforma profunda da economia agrária, o relatório espraia-se por outros pontos, fala-se no preço médio local dos géneros alimentícios e outros bens essenciais, enumeram-se as indústrias locais e são referidas as vias de construção em curso. Estava então asfaltado o troço Bissau-Mansoa. Para o gerente de Bissau era crucial alargar picadas, abrir valetas, construir inúmeros aquedutos, fazer-se a correção do solo do pavimento em alguns casos.

E dá informações de tudo quanto se está a fazer:
“Começaram em Outubro as obras para a pavimentação asfáltica e obras de arte no troço da estrada Mansoa-Mansabá, na extensão de 30 quilómetros. Iniciaram-se os trabalhos para construção em estacaria de uma ponte provisória com o comprimento total de 72,5 metros sobre o rio Colúfi, em Bafatá, situada logo à saída desta última localidade e que assegurará o trânsito permanente para o Sul da Província, uma vez que a existente está em ruínas. Concluiu-se a construção da rampa de acesso ao ferryboat no Enxudé. Procedeu-se também ao estudo da terraplanagem, pavimentação e trabalhos complementares em várias ruas de Bissau e terraplanagens e obras de arte na Avenida Marginal de Bissau.
A Guiné dispõe de óptimas e numerosas vias navegáveis na faixa litoral e no interior, calculando-se que a rede de comunicações fluviais seja superior a quase um milhar de quilómetros. Contudo, se bem que na situação normal que a Província atravessa se tenha recorrido ao barco como meio de ligação, não atingiu ainda a navegação fluvial o desenvolvimento que seria de desejar”.

Ponte de Bafatá

É na primeira parte do relatório de 1965 que se fala claramente na guerra:
“Mais um ano findou sem que a tranquilidade tivesse voltado a esta portuguesa terra da Guiné.
Política e militarmente, a situação da Província não sofreu alteração digna de menção.
Se não houve agravamento, também não se vislumbra melhoria de vulto, o que de resto é tradicional neste tipo de guerra em que os factores tempo e desgaste, este quer em homens quer economicamente têm papel de preponderante influência.
A táctica dos terroristas continua, de um modo geral a caracterizar-se por emboscadas com a utilização simultânea de minas anticarro e antipessoal seguidas de atraques à metralhadora e à bazuca, destruição de tabancas fiéis com vista à intimidação das populações e cortes de estradas e pontes afim de impedirem não só a livre movimentação das nossa tropas como criar dificuldades ao escoamento dos produtos da terra com o objectivo de atingirem um dos seus principais, ambicionados e confessados fins: a ruína económica da Guiné.
Esperamos que tal não aconteça e para tanto contamos com o brio e valor dos homens a quem cabe o dever de velar pela integridade desta parcela do território nacional”.

(Continua)

Desenho de Jorge Barradas publicado na revista “Mundo Português”
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Nota do editor

Poste anterior de 8 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18722: Notas de leitura (1073): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (38) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18742: FAP (108): Memórias sobre "Alguns dos Falcões que passaram por Monte Real em 1964/65" (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69), com data de 6 de Junho de 2018:

Caro Carlos.
Daqui te envio mais uma relíquia para publicação.

Grande abraço,
Mário Santos

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Memórias sobre "Alguns dos Falcões que passaram por Monte Real em 1964/65" e muitos deles mais tarde também pela Guiné

Esta foto foi retirada de um blogue de um destes Aviadores, infelizmente já desaparecido.
Como Especialista em F-86 e Fiat G-91, na BA12 em Bissalanca e mais tarde na BA5, em Monte Real, cruzei-me pessoalmente com muitos deles. No resto fui ajudado na identificação pelo Major PilAv Alberto Roxo Cruz e pelo Coronel PilAv Vítor Silva.
Como é obvio nesta foto não cabem todos os "Falcões" até porque como todos nós, eles são de idades, incorporações e cursos diferenciados.
A intenção quando publicamos a foto no nosso Blogue foi apenas de uma singela homenagem a estes homens com quem tive a honra de servir a nossa Pátria.
Para mim, independentemente da habilidade de cada um deles a voar, conta mais o humanismo, o espírito de justiça e o avaliar sensato das situações a resolver e que tornaram alguns, verdadeiros exemplos a seguir.

De acordo com o Coronel Vítor Silva, 6 morreram a voar, e muitos outros também já não se encontram entre nós devido à lei da vida.
Que descansem em Paz!

Em pé, da esquerda para a direita:
1º Vitor Silva, 2º F. Fernandes, 3º Rui Balacó, 4º L. Quintanilha, 5º Moura Pinto, 6º Soares Moura 7º C. Araújo, 8º Firmino Neves, 9 º Menezes, 10º E. Guerra, 11º António Abrantes.

Em baixo, da esquerda para a direita:
1º Luís António, 2º Bispo, 3º Amílcar Barbosa, 4º Luís Tuna, 5º M. André, 6º Calhau, 7º Mónica, 8º José Nico, 9º Costa Joaquim.

 Vista aérea da BA 12 - Bissalanca - 1970

 BA 12 - Bissalanca - Guiné

Equipa de Fiat's G91, Guiné, 1968
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18711: FAP (107): O dia em que a Guerra na Guiné quase terminou… (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12)

Guiné 61/74 - P18741: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXVI: Bombaim ou Mumbai, Índia: De Catarina de Braganca a Mahatma Gandhi


Foto nº 1 > Mahatma Gandhi (1869-1948) 


Foto nº 2 > As grandes lavandarias artesanais


Foto nº 3 >  Hotel Taj Mahal, construído em 1903.


Foto nº 4 > Esculturas e baixos relevos da Ilha Elefanta

Índia > Bombaím  > 20-21 de novembro de 2016 >  

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Goa, Índia, 18 de novembro de 2016 (pp. 7-12, da terceira e última Parte)

Bombaim ou Mumbai, Índia 

Se a memória não me atraiçoa e se fiz a pesquisa certa, Bombaim foi cidade governada pelos portugueses desde 1534 até 1661 quando Catarina de Bragança, filha de D. João IV, irmã de D. Afonso VI e D. Pedro II, casou com Carlos II de Inglaterra e as cidades de Tânger e Bombaim, “com todas as suas pertenças e senhorios”, fizeram parte do dote da princesa e foram cedidas aos ingleses. 

Portugal precisava do apoio da coroa britânica nas lutas contra os espanhóis pela restauração da independência e, para isso, nada melhor do que um casamento real entre os dois reinos, com um valioso dote a oferecer ao monarca de Londres. A ida para Inglaterra da não muito bonita Catarina de Bragança teve, como iremos ver, implicações surpreendentes na história do mundo. Os ingleses aproveitaram o novo estabelecimento de Bombaim para estender o seu poderio e influência a mais territórios na Índia e, associado à ida da rainha Catarina para Londres, estendeu-se na sociedade inglesa, o hábito de beber chá, costume da princesa portuguesa. 

O chá era, na época, planta e bebida praticamente desconhecida nas ilhas britânicas. A partir de então, os ingleses passaram a viajar nos seus navios até Macau e a aproveitar os ancoradouros na ilha da Taipa, subindo depois até às províncias de Guangdong e Fujian onde carregavam as naus com caixas e caixas de chá, a preciosa bebida perfumada, apenas existente e cultivada no centro e sul da China. O comércio do chá cresceu de tal maneira que, a partir de finais do século XVIII, os britânicos necessitaram de despender elevadas maquias para pagar o chá aos mercadores chineses. Descobriram então um negócio altamente rentável, a troca de chá por ópio. 

Desde a Índia, cultivado sobretudo na região de Calcutá, mas também na zona de Bombaim e até na Turquia, o anfião ou ópio seguia para a China às toneladas em velozes veleiros. Embora ilegal, o comércio do ópio prosperou de tal modo que, no início do século XIX, se fizeram grandes fortunas, mesmo entre alguns portugueses de Macau. O vício de fumar ópio era um cancro que alastrava no mundo chinês. Em 1838, Lin Zhexu, governador de Guangdong resolveu acabar com a calamidade e proibiu a troca do ópio pelo chá no porto de Cantão. Milhares de caixas com ópio foram arrancadas dos navios de Sua Majestade, a rainha Vitória, e lançadas às águas do rio das Pérolas.

A Inglaterra, ofendida, queria continuar livremente os seus negócios no Império do Meio e declarou guerra à China. Enviou 16 fragatas de guerra com milhares e milhares de soldados, bem armados e equipados que rapidamente desbarataram a incipiente marinha chinesa e as ridículas defesas de costa. Em 1842 era assinado o tratado de paz de Nanquim que, entre outras humilhações, obrigava os derrotados chineses a ceder à Inglaterra um grande porto de mar e uma fabulosa cidade que nascia e crescia, chamada Hong Kong. 

Será que Bombaim, a introdução em Inglaterra do hábito de se beber chá, a fixação dos britânicos por terras da Índia, o comércio do ópio, Macau, a guerra, a fundação de Hong Kong, têm algo a ver D. Catarina de Bragança, princesa de Portugal, rainha de Inglaterra?

A prosa já vai longa e ainda não entrámos em Bombaim, ou Mumbay, assim denominada nos últimos anos do século XX.

O nome Bombaim terá origem no português “bom baía”, língua franca falada nas partes da Ásia, nos séculos XVI e XVII. Em 1995, os indianos decidiram abandonar o nome “colonialista” de Bombaim e passaram a chamar-lhe Mumbay, em honra de Mumba, uma divindade local venerada pelos primeiros habitantes da região.

Em 1900, a cidade contava já com um milhão de habitantes e hoje serão vinte e dois milhões os indianos conglomerados numa das maiores metrópoles do globo. As cidades grandes sempre me assustaram e Bombaim é, de certeza, lugar de rápida passagem para outras paragens, mas que valerá todas as penas conhecer. São muitos os edifícios catalogados como Património Mundial pela Unesco, sobretudo os que correspondem à herança colonial britânica.

Trata-se de grandes construções de finais do século XIX, no estilo vitoriano [Vd. foto ao lado], com alguns elementos de arquitectura hindu como a fachada da estação ferroviária, o museu do Príncipe de Gales, a Biblioteca Asiática, o Palácio da Justiça. Na estadia de dois dias em Bombaim, deu para ver do lado de fora e tirar fotografias.

No templo hindu de Sir Sir Radha Gopinath -- dedicado a Krishna, uma espécie de deus da amizade e do amor --, perdi-me na contemplação das paredes de mármore trabalhadas como se de filigrana se tratasse, e no passear dos olhos pelas muitas divindades espalhadas por altares, emolduradas em paredes, algumas numa saudação ao viandante de passagem. Com todo o respeito pela mitologia hindu, pela crença de cada um, recordei palavras do meu poeta chinês Bai Juyi (772-846), -- a quem chamo “meu” porque lhe traduzi 202 poemas para língua portuguesa --: “As criaturas não são divinas por conta própria, são os crentes que as fazem divinas.”[1] Se diante do bom Buda sou capaz de baixar levemente a cabeça e de entoar em silêncio uma pequena prece, estas divindades do hinduísmo deixam-me parado e distante. No entanto dizem-me que, com os cânticos de “hare Kishna, hare Krishna!” se limpam as impurezas da alma.

Com sumo prazer fui ao encontro da residência de Mahatma Gandhi (1869-1948) [Foto nº 1 ] esse grande senhor da História recente da Índia que habitou esta casa entre 1917 e 1934 e que lutou, até todos os limites da sua complexa vida, pela independência da pátria e pela fraternidade entre todos os indianos, pela igualdade e pela não violência. O combate não foi em vão, mas hoje, com um distanciamento de setenta anos – Gandhi foi assassinado em 1948 --, será mais fácil entender que o legado do excelente Mahatma ainda está em grande parte por cumprir. Na China existe um provérbio que diz mais ou menos o seguinte: “Mudam as montanhas e os rios, não muda a natureza dos homens.”

Na grande ronda por Bombaim, paragem para mais fotografias nas grandes lavandarias artesanais a céu aberto, um dos atractivos turísticos da cidade. Entre o muito lixo que atravanca quase tudo quanto é espaço nesta terra, as pobres mas enormes lavandarias correspondem a um oásis de limpeza e de brancura, mesmo quando os lençóis mal lavados são vermelhos ou azuis.[Foto nº 2]

Mais um dia na cidade e hoje é tempo de saída para a ilha da Elefanta.

Antes, em frente do pequeno cais de embarque onde pontifica a Porta da Índia concluída em 1924 -- um pórtico sob o qual passavam os altos dignitários ingleses na sua chegada ao território indiano --, uma ida rápida, logo ali ao lado, ao clássico Hotel Taj Mahal, construído em 1903.[Foto nº 3].
Foi alvo de um ataque de terroristas islâmicos, em 2008, que provocou quase quarenta mortos. Rapidamente reaberto, é um excelente cinco estrelas no centro da histórica Bombaim, a funcionar em pleno embora rodeado de extremas barreiras de segurança. Entrámos, sujeitos a um exaustivo controlo, mas dentro o hotel é soberbamente luxuoso, os quartos, os interiores, as lojas, a piscina. Estou convencidíssimo de que voltarei aqui numa próxima reencarnação, homem rico, jovem e bem apessoado.

Vamos então até à ilha da Elefanta que tem outras histórias para contar. Embarcamos numa lancha grande, em madeira, com dois andares, que nos vai levar durante quase uma hora de viagem até uma pequena ilha plantada no mar, aí a uns 15 quilómetros de Bombaim. Chama-se Elefanta porque os portugueses que por aqui andaram, descobriram na ilha, logo no século XVI, uma grande elefanta em pedra, junto de umas tantas grutas, onde haviam sido gravadas na rocha um conjunto de impressionantes figuras e estátuas associadas à mitologia hindu. Em 1864, a elefanta foi cortada e desmontada pelos ingleses e transportada para os Victoria Gardens, em Bombaim. Novamente montada, ainda hoje se encontra nesse jardim.

Na ilha da Elefanta, desembarcamos entre molhadas e molhadas de turistas indianos, num pontão onde impera a imundície. Há vacas, cabras, e até muitos macacos, a passear calma e sorrateiramente pelos caminhos de entrada na ilha, pelo meio das variegadas gentes acabadas de chegar. Os animais, nossos amigos, deixam montões pestilentos de dejectos e excrementos por tudo quanto é sítio. Há quem goste. Estamos na Índia.

Para chegar às grutas, Património Mundial pela Unesco desde 1987, temos um comboinho e depois uma longa escadaria, ladeada de lojas e bancadas, onde se vende de tudo o que eventualmente poderá interessar ao turista. Lá em cima, as diferentes grutas foram escavadas na pedra entre os séculos V e VIII e albergam dezenas e dezenas de esculturas de grande e média dimensão, sobretudo associadas à deusa Shiva. O baixo-relevo mais interessante será uma deusa de três faces, sendo a do meio, a de Brahma, o criador, e as laterais, a de Vishnu, o preservador, e a de Shiva, o destruidor. Tudo rodeado por mais umas tantas estátuas de assessores das divindades.[Foto nº 4]..

Apesar de ter comprado um livrinho em inglês com explicações sobre as grutas e os seus deuses, permaneço algo baralhado diante da complexa história das figuras da mitologia hindu. Reconheço a extraordinária qualidade destas esculturas e baixos relevos, infelizmente bastante delapidados pela impiedosa passagens dos séculos. Os indianos dizem que parte da destruição das esculturas tem a ver com os portugueses que, nos séculos XVII e XVIII, usavam o lugar como carreira de tiro e as estátuas como alvo, para acertar e aferir a pontaria de arcabuzes e espingardas. Não sei será é verdade, mas tudo é possível.

A fechar a visita à ilha da Elefanta, nada melhor do que subir pela outra colina, aolado, ao encontro da Cannon Hill. Leio que os canhões existentes lá em cima foram deixados pelos nossos compatriotas, quando abandonámos a ilha em meados do século XVIII. Apoiados em plataformas circulares, tinham um campo de acção de 360 graus e deviam ser armas temíveis para a defesa e segurança dos poucos portugueses ainda residentes do lugar. Hoje, os canhões de Cannon Hill não são antigos, parecem peças de artilharia já fabricadas no século XX. Mas dá para recordar o imenso receio que, durante trezentos anos, as desvairadas gentes da nossa ditosa pátria provocaram nos diversos povos da Índia.

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Nota do autor:

[1] Poemas de Bai Juyi, trad. António Graça de Abreu, Macau, IC. Macau, 1991, pag. 33.


1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016).
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de maio de  2018 > Guiné 61/74 - P18671: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXV: Goa, Índia: "um adeus no entardecer dos dias, e uma lágrima, para sempre"...

Guiné 61/74 - P18740: Parabéns a você (1454): Francisco Silva, ex-Alf Mil Art da CART 3492 e CMDT do Pel Caç Nat 51 (Guiné, 1971/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18732: Parabéns a você (1453): Fernando Tananez Ribeiro, ex-2.º Tenente da Reserva Naval (Guiné, 1972/73)

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18739: Historiografia da presença portuguesa em África (118): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Confesso que comecei a leitura deste documento na presunção de que se tratava de mais um texto de farronca e glorificação do senhor governador. Enganei-me redondamente. Primeiro, o senhor governador sabia da poda e desenhou um questionário primoroso, podia aquilatar, pelas respostas recebidas, da preparação dos seus colaboradores. Vive-se um período de guerra duríssima, as colónias francesas não obedecem ao governo de Vichy, é seguro que Salazar não queria que se levantassem ondas, dentro da sua neutralidade colaborante. O acervo informativo que o governador obteve não nos deixa aturdidos mas obriga-nos a pensar, a ver a realidade sobre vários prismas. Há administradores que falam em regeneração e ressurgimento do Império, outras há que sugerem, mesmo com punho de renda, que é necessário pôr termo à exploração desenfreada do indígena, e outros também se mostram dispostos a pôr as mãos na massa para melhorar a vida naquela parcela do Império, veja-se o que diz o administrador da circunscrição civil de Farim, recordo que estamos em 1941.

Um abraço do
Mário


Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (3)

Beja Santos

Do que me é dado saber, a conferência dos administradores que decorreu no início de Dezembro de 1941, por determinação do Governador, o então Capitão Ricardo Vaz Monteiro, foi a primeira iniciativa de auscultação das autoridades coloniais e altos funcionários mediante uma agenda previamente distribuída, tratou-se de um debate que permitiu ao governante tirar conclusões e publicar as memórias dos intervenientes. É surpreendente como este documento é praticamente ignorado quando encerra conhecimentos e desvela com relativa limpidez o que era a mentalidade colonial de então. A mentalidade e o nível de preparação dos quadros dessa administração.

Tenente-Coronel Ricardo Vaz Monteiro, fotografia inserta no livro “Guiné, alvorada do Império”, homenagem ao Engenheiro Raimundo Serrão, que foi Governador da Guiné depois do Comandante Sarmento Rodrigues.

Concluiu-se o apontamento anterior com referências a observações sobre a falta de conhecimentos dos nativos sobre a mancarra, reduzido a um puro objeto de negócio. Curiosamente, na sua memória o administrador da circunscrição de Cacheu também versa o assunto: “O indígena da colónia, na sua quase totalidade, encontra na cultura da mancarra o meio mais seguro de garantir a solvência do imposto político que é o mais quantioso das contribuições que os direitos de soberania lhe exigem”. E tem opinião também sobre a reformulação dos celeiros: “Os celeiros devem ser constituídos e localizados onde de facto possam melhor atender ao fim da assistência agrícola ao indígena. É preciso saber-se que para o Manjaco entregar de boa-fé uma parcela da sua colheita, carece de ganhar a certeza de que o régulo ou chefe, longe das vistas dele, não vai retirar dos celeiros comunais indígenas um bago de arroz ou um grão de mancarra. Desta sorte, os celeiros a constituir deverão sê-lo nas redes dos postos e das administrações”.

E tem também opinião sobre como melhorar a política indígena dos chegados e regulados, deixou escrito o seguinte na sua memória:
“Afigura-se-me que, fazendo afastar destas regiões os pretensos candidatos, depois de a autoridade administrativa verificar qual o indígena com direitos, de facto, à chefia ou regulado. Os régulos, nesta área administrativa, no geral, são impostos e pertencem a raça diferente: Mandingas, Fulas e Biafadas. As razões que a tal obrigam, desconheço-as.
Para mim, estas autoridades não são mais do que uns chefes de posto em miniatura, usufruindo de todos os benefícios consagrados a quaisquer régulos que tivessem ascendido aos lugares, por direito consuetudinário.
A estas ou a qualquer autoridade indígena, por desconfiança, não recorrem os Balantas, porque, delas, pouca justiça esperam e alcançam.
Para um indígena desta área administrativa, o régulo ou chefe é considerado, unicamente, como um elemento de ligação, entre ele e as autoridades.
Pouco sociáveis, com tendência para o isolamento, procuram encobrir todos os seus actos, a não ser nas festas de circuncisão ou batuques funerários, onde se reúnem em grande número. Nestas festas, fugindo ao habitual, cantam as suas proezas, principalmente o roubo, em que são peritos.
Fornecendo esses autos os elementos que conduzem Vossa Excelência a uma resolução rápida justa, creio que contribui, grandemente, para o sossego das populações. Digo assim, porque o indígena aprecia muito a resolução rápida das suas questões e a justiça da sentença, da qual tem uma intuição segura. Ele sabe apreciar e considerar a autoridade que, revestida de função julgadora, com equidade, soluciona os seus pleitos.
Afigura-se-me de manter as disposições da Reforma Administrativa Ultramarina no tocante a autoridades indígenas. Ao chefe de posto nunca deve ser atribuída tal competência nesta questão de política indígena, tão importante, que, a não ter uma orientação segura, provocaria grandes perturbações. De resto, este facto tem-se observado em determinados pontos da colónia por insuficiência de conhecimento do meio, mesmo por parte de alguns administradores”.

Da memória do administrador da circunscrição civil de Farim obtêm-se informações muitíssimo úteis. Logo sobre a cultura da mancarra, ele tece observações sobre o trabalho do cultivo e da colheita:
“A cultura da mancarra, em Farim, é feita quase exclusivamente por Mandingas e Mancanhas, que divergem, uns dos outros, na maneira de semear e até de colher aquele produto.
A maioria dos Mandingas faz as suas sementeiras em terras lisas e começa a colher a mancarra logo que cessam as chuvas para que a terra, ao secar, não lhe dificulte aquele trabalho nem o obrigue a maiores esforços.
O Mancanha prepara a terra convenientemente, faz as suas sementeiras em camalhões, o que é aconselhado pelos velhos tratadistas, e recolhe a mancarra da terra por meio de uma espécie de cava, muito depois de findas as chuvas. Este processo dá margem a que o produto se desenvolva mais racionalmente e tenha uma melhor aceitação no mercado.
Seria realmente interessante conseguir que o Mandinga extraísse a mancarra da terra na mesma ocasião em que o Mancanha o faz, e pelos mesmos processos que este adopta”.

E não menos interessante é o que ele escreve sobre a cultura do arroz:
“Conheço a cultura do arroz feita por chineses, japoneses, javaneses e timorenses e, interessou-me, por isso mesmo, conhecer os processos adoptados pelos indígenas da Guiné.
Toda a gente sabe que o chinês é, por excelência, o mestre desta cultura, que a estuda nos mínimos detalhes para tirar dela o melhor partido, na produção e qualidade.
Adopta, invariavelmente, o sistema dos alfobres, fazendo as transplantações na época devida, e por ser este o processo de obter um enraizamento da planta mais vigoroso, uma produção mais abundante e rápida.
O trabalho feito pelos agricultores indígenas de Catió, é perfeitamente idêntico ao que adoptam os lavradores chineses, na parte relativa ao estabelecimento dos alfobres e transplantação das plantas para os locais definitivos.
Diferem, unicamente, no preparo das várzeas, talvez porque não possuem gado em quantidade suficiente e devidamente amestrado para lavrá-las.
Quanto ao aumento da produção, ele depende, unicamente, da quantidade de semente que eles possuírem, das condições climatéricas e, sobretudo, de uma intensa fiscalização no acto do preparo das terras, para que a sua área seja aumentada.
Mas, se este meu modo de ver refere-se somente às regiões produtoras do arroz, outras terras há que podiam ser aproveitadas para o mesmo fim, desde que fossem dotadas com um sistema de irrigação, embora rudimentar.
Há, nas imediações do rio de Farim, quase me linha paralela com o seu curso, alguns milhares de hectares de terras que se prestam optimamente para a cultura do arroz, mas que não são exploradas nem aproveitadas por falta de água.
O rio Farim, cuja água é doce durante todo o ano, oferece vasta matéria-prima para a irrigação dos referidos terrenos, e as despesas a fazer com a realização desta obra pode dizer-se que seriam bastante diminutas.
Eu comprometer-me-ia a executá-la desde que possuísse uma bomba centrífuga movida a vapor ou electricidade, com a capacidade de rendimento preciso.
Seria esta a única despesa efectiva a fazer porque dispensavam-se canalizações condutoras de água e outros materiais acessórios.
E as regiões que se encontram abandonadas, que para nada têm servido até aqui, passariam a ter um desenvolvimento muito importante e a marcar um lugar de destaque no desenvolvimento económico da colónia.”

Este senhor administrador de Farim ainda tem mais coisas para dizer com propriedade e falta registar os comentários dos administradores do Gabu, Bula e Bijagós. Deixemos este registo para o próximo e último texto que se dedicou a esta conferência de que não se conhece antecedentes, pela qualidade e intensidade da informação carreada.

(Continua)

Quartel Militar em Bolama, fotografia de Francisco Nogueira, inserida no livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições tinta-da-china, 2016.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18716: Historiografia da presença portuguesa em África (116): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 12 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18738: Tabanca Grande (465): Américo da Silva Santos Russa, ex-Fur Mil Alimentação da CCS/BART 3873 (Bambadinca, 1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74) trazendo até nós um novo tertuliano, o Américo da Silva Santos Russa, ex-Fur Mil Alimentação da CCS/BART 3873 (Bambadinca, 1972/74):

Boa tarde, meus senhores
Em anexo um novo Tertuliano. 

Alfa Bravo, 
Sousa de Castro (SdC)


Apresento mais um camarada que tem confraternizado nestes dois últimos anos nos nossos encontros/convívios (CART 3494), nomeadamente no ano passado em Tondela e agora no que realizámos no passado dia 09 de Junho de 2018 em Seia. 

Dei-lhe conhecimento da existência da nossa tertúlia de combatentes da Guiné, convidando-o a fazer parte, o qual acedeu de imediato, com a promessa de no próximo ano participar no XIV convívio da Tabanca Grande. 

Pedi-lhe que me enviasse uma pequena estória de apresentação e as duas fotos da praxe sobre a sua passagem por terras da Guiné. Estou à espera. 

Devo dizer que para além de me parecer ser um bom amigo, é também uma pessoa de trato fácil, alegre e muito comunicativo. 

Passo apresentar:
- Américo da Silva Santos Russa, 
- ex-Fur Mil da Alimentação (vagomestre), 
- Integrou a CCS do BART 3873 em Bambadinca desde Dezembro de 1971 a Abril de 1974, 
- Nasceu a 10 de Agosto de 1950, é de Matosinhos, viveu como emigrante na cidade de Münster na Alemanha, fixou residência na cidade dos Besteiros, em Tondela. 
- Habilitações: Curso Geral do Comércio, na Escola Industrial e Comercial de Matosinhos, casado com Albina Rodrigues. 

 Américo Russa com o Carvalhido


 Bambadinca, entre 1972 e 1974

O Américo Russa enquanto elemento da Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Matosinhos-Leça

As aventuras de um vagomestre! 

Vão-me desculpar a falta, em alguns casos de memória, mas gostaria de contar um episódio hilariante, que aconteceu comigo em Bambadinca, já na parte final da minha comissão. 
Aqui vai.

No outro lado do Geba, creio ter sido Taibatá, corrijam-me se a memória me falha, houve um ataque em que as tabancas ficaram incendiadas e o fogo se via em Bambadinca. Depois do pedido de socorro, foram pedidos voluntários, e aqui o "grande operacional????", ofereceu-se logo para ir socorrer os nossos amigos. Quando dei por ela, perguntei aos meus botões, o que tinha feito, visto que nunca tinha disparado um tiro. Bom a única forma que encontrei foi escolher uns operacionais da CCAÇ 12, sendo eu o único branco no grupo. 

Então e aqui vem a parte hilariante, ao atravessar o Geba na piroga, diz-me o camarada Abibo Buaró:
- Furriel tu és branco, e de noite nota-se logo, (o ataque foi de noite). Portanto se houver tiros mete a cabeça no chão, e deixa a guerra para nós. Ah, e não dispares, pois que não percebes nada disto e ainda nos matas a todos. 

Por acaso caminhámos sem problemas até ao nosso destino, senão já viram a minha situação?
É que o meu amigo até tinha razão! 

Bem espero que vos tenha divertido com esta aventura.

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 Sousa de Castro e Américo Russa

Comentário do editor:

Caro Américo, caro ex-vizinho(?) e ex-colega de escola, sê muito bem vindo à tertúlia.
Permite-me desde já destacar um amigo comum, o José Magalhães, meu colega de trabalho durante muitos anos na APDL, e teu "colega" de Fanfarra, ele da dos Bombeiros Voluntários de Leixões.

O Sousa de Castro fez muito bem em te trazer até nós. Vê se dispões de algum tempo para nos enviar algumas fotos que tenhas do teu tempo de Bambadinca assim como uma ou outra memória escrita. Tiveste a responsabilidade de dar de comer à malta, às vezes, sabe-se lá, com ementas inventadas, adaptadas ao que havia no Depósito de Géneros, pelo que terás episódios interessantes para deixar para memória futura.

Peço desculpa por te ter roubado as fotos do teu facebook, excepção da em que estás com o SdC, mas fi-lo com intenção de melhor ilustrar a tua apresentação.

Em termos puramente estatísticos és o tertuliano 774.º.

Ficamos à espera das tuas notícias já que tens endereço de email.

Recebe, em nome dos editores e da tertúlia, um abraço e os votos de boa saúde.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18724: Tabanca Grande (464): Fernando Maria Neves Teixeira, ex-1.º Cabo Aux-Enfermeiro da CCAÇ 2404/BCAÇ 2852, Teixeira Pinto, Binar e Mansambo, 1968/70

Guiné 61/74 - P18737: Bombolom XX (Paulo Salgado): Guerra - Guiné e Moçambique - Aqui na Primeira Grande Guerra

Com a devida vénia a Wikipédia


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor do livro "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor", com data de 30 de Abril de 2018:

Meus Caros Camaradas, 
Se vos aprouver, o meu bombolom vai tocar outra vez. 
Para já, o anexo. 

Um abraço
Paulo Salgado

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BOMBOLOM III

GUERRA - GUINÉ E MOÇAMBIQUE - AQUI NA PRIMEIRA GG

Camaradas, 
O meu bombolom tem de troar, de novo. 

Quando era um rapaz de dezassete anos, aconteceu o que muitos tiveram oportunidade de presenciar: a chegada de um corpo à aldeia ou vila, numa caixa de pinho, que era de um nosso conhecido, um pouco mais velho, que as balas trespassaram – consequência de uma guerra que fizemos e da qual nunca soubemos, profundamente, a sua razão da ser. 
Já havia sido as independências do Gana, do Senegal e de tantas outras colónias no continente africano, antes de a guerra rebentar oficialmente em Angola no dia 4 de fevereiro. 

Vem isto a propósito de me lembrar de um velho ancião, combatente no norte de Moçambique, aquando da primeira grande guerra iniciada pelos alemães. Ali, a guerra começou em 1915, quando na Europa, se iniciara em 1914. Estava ele no adro da igreja da minha aldeia – Larinho, concelho de Torre de Moncorvo – e disse-me após o fogo de uma secção em homenagem ao soldadinho falecido, seu neto, correndo-lhe as lágrimas cara abaixo: esta guerra ainda vai durar mais tempo do que a que nós sofremos lá nos confins do Rovuma! 

Como eu adorava estar à conversa com ele, contou-me diversos episódios. Tratarei de narrar alguns, se tal tanto aprouver aos dinamizadores do nosso blogue. 
As misérias foram tantas que, posso concluir, ainda sofreram mais por falta de medicamentos, equipamentos, alimentos, armamento… 

Até breve. 
Paulo Salgado
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Nota do editor

Vd. poste de 22 de novembro de 2011 Guiné 63/74 - P9075: Bombolom II (Paulo Salgado) (5): I Grande Guerra em África (1914-1918), guerra colonial (1961/74)... Relembrando os nossos mortos

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18736: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (56): Procuram-se informações sobre uma possível troca de dois pilotos portugueses, prisioneiros no Senegal, por um opositor ao governo senegalês, preso em Bissau às ordens da DGS, com intermediação de Leopold Senghor, em Junho de 1966 (Miguel Pessoa / José Nico)

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de hoje, 11 de Junho de 2018:

Caros camaradas
Recebi da parte do General Nico, da Força Aérea, um pedido de apoio para esclarecimento de um acontecimento ocorrido na Guiné no seu tempo (em meados de 1966) e que envolveu então uma troca de prisioneiros.
Naturalmente dado reportar-se a factos anteriores à minha comissão desconheço pormenores deste assunto, pelo que reproduzo o mail que recebi, na expectativa de que exista nos arquivos do blogue alguma informação registada, ou que algum dos leitores habituais disponha de alguns dados que permitam esclarecer este episódio:

"Caro Pessoa
Tenho feito muita pesquisa no sentido de determinar quem, do PAIGC, terá sido trocado por dois pilotos nossos que tinham sido internados em Ziguinchor, no Senegal. Como tu tens muitos contactos talvez alguém tenha ouvido falar deste assunto.
Tudo se passou durante as duas últimas semanas de Junho de 1966. Por volta do dia 21JUN66 (Não há certeza da data exacta), um DO-27 com dois pilotos perdeu-se por razões meteorológicas. Estavam a voar por cima de um manto de nuvens e acabaram por se dirigir para o mar para se tentarem orientar. Depois, não reconhecendo a costa, voaram para Norte porque pensaram que podiam estar já na Guiné-Conakri.
Sem combustível acabaram por aterrar numa pequena ilhota tendo o avião ficado destruído - mas os dois pilotos sobreviveram. Antes dessa aterragem chamaram a atenção de um navio da RDA que navegava próximo e que desceu um bote para os recolher. O navio levava um piloto da barra de Dakar porque era para lá que se dirigia. Os pilotos ficaram internados à guarda da "gendarmerie" senegalesa. A DGS entrou em acção e conseguiu acertar uma troca com um (mais provável) ou dois presos que tinha em Bissau. Essa troca foi efectuada por volta do dia 1JUL1966 na fronteira de S. Domingos.

A minha pergunta é: Quem foram os presos que a DGS entregou ao Senegal? Um deles parece que se chamava Francisco. Terá sido o "Chico Té" (Francisco Mendes, que terá sido 1º ministro no tempo do Luís Cabral)? Teria estado preso em Bissau e sido solto nessa data? Ou será(ão) outro(s) indivíduo(s)?
Vê se descobres alguém que possa saber alguma coisa ou dar algum palpite pf.
Abraço
J. Nico"

Posteriormente recebi do General Nico um segundo mail em que me é fornecida informação complementar, e que reproduzo igualmente:

"Pessoa
Mais uns elementos acabados de conseguir. Está provado que quem assumiu a detenção dos pilotos foram as autoridade senegalesas, e o próprio presidente Senghor não só estava informado como se envolveu no assunto.
Agora tudo indica que o PAIGC não foi tido nem achado sobre este problema. Isto justifica uma hipótese que me foi sugerida por quem participou no planeamento da troca, por parte da FAP, de que os pilotos foram trocados por um único indivíduo, que estava preso em Bissau à guarda da DGS, e que era um senegalês ferrenho opositor do governo do Senegal. Na altura correu até a ideia de que os senegaleses estavam muito interessados na troca, o que é verdade, e que este indivíduo poderia ser liquidado a seguir à troca.
Portanto a questão continua em aberto: quem foi o indivíduo trocado pelos dois pilotos? Já existe também mais um dado que é o da data provável da troca que terá sido por volta do dia 2JUL1966. Abraço
J. Nico"

Agradeço qualquer informação que possa ser prestada sobre esta matéria.

Um abraço.
Miguel Pessoa

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Em tempo:

2. Recebemos no dia 13 de Junho, do nosso camarada Miguel Pessoa, a seguinte mensagem: 

Caros camaradas
Mais alguma informação que acabei de receber da parte do Gen. Nico sobre a troca de prisioneiros efectuada em 1966:

Acabo de receber elementos de um dos pilotos envolvidos no episódio, que ele foi desencantar no "sótão" da casa dele. São duas notícias que apareceram no Diário Popular e ainda alguns dados da caderneta de voo. As notícias vão em anexo e a informação que me foi facultada reza assim:

"Envio-te no anexo duas notícias publicadas no Diário Popular sendo uma de 22 de Julho e a outra de 28 de Julho. Tenho dúvidas quanto à data aposta na primeira, pois nesse dia tenho dois voos registados na caderneta, em T6 ("ATAP-LOCAL" e "DESP Bissau-FARIM). Desde o dia 23 de Julho até ao dia 3 de Agosto não consta qualquer registo. No dia 4 de Agosto tenho o registo de um voo no ALIII - 9275, "DESP (Varela-ZO-Bissau) o que corresponderá ao regresso a Bissau."

Além das ilações mais óbvias parece-me que a libertação dos pilotos foi anunciada pelo Senegal no dia 28 de Julho mas depois ainda passaram alguns dias até à troca na fronteira que só terá ocorrido a 4 de Agosto. Sobre o dia do acidente estou em crer que os voos registados no dia 22JUL terão ocorrido no dia anterior e foram mal registados na caderneta. Na notícia do dia 28JUL é referido que o acidente ocorreu na última sexta-feira, que foi o dia 22JUL66. Até agora a pesquisa que tinha estado a efectuar tinha-se centrado nas duas últimas semanas de Junho mas agora está claro que tudo terá ocorrido entre 23 de Julho e 4 de Agosto. 
J. Nico"



Mas parece-me que não vai ser tarefa fácil encontrar dados novos sobre este episódio...

Abraço.
Miguel Pessoa
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18590: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (55): Explicar a guerra colonial e o 25 de Abril aos alunos do 12º ano, da escola secundária Miguel Torga, Massamá (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P18735: Agenda cultural (641): Lançamento da nova edição de "Nó Cego", de Carlos Vale Ferraz, dia 19 de Junho de 2018, pelas 18h30, na Livraria Ferin, em Lisboa



No dia 19 de junho, pelas 18 horas, a Porto Editora promove uma apresentação da reedição do romance "No Cego" na Livraria Ferin (ao Chiado) com uma tertúlia em que participam o escritor João de Melo, que além de ter escrito um dos primeiros romances sobre a guerra foi o organizador da primeira coletânea de textos sobre ela, e também com o realizador António-Pedro de Vasconcelos que tentou filmar o Nó Cego e realizou Os Imortais.

O Nó Cego foi editado em 1983 e entretanto, a força do tempo, fez com que se tenham alterado - ou não - as visões do tempo que ele relata.

Enquanto autor teria o maior prazer em contar com a sua participação nesta abordagem dos efeitos do tempo na nossa memória.

Com os meus melhores cumprimentos
Carlos Matos Gomes

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SINOPSE

Nó Cego é hoje um clássico da literatura portuguesa.

Objeto de estudo e de atenção nos meios universitários, é sobretudo um grande e poderoso romance dos nossos dias, essencial para as atuais gerações de portugueses viverem esse período crucial da nossa História que foram os anos da guerra colonial e o fim do regime de ditadura, bem como para conhecer os dramas, as angústias, as alegrias e as tristezas da geração que fez a guerra e que a terminou, abrindo Portugal à modernidade.

Mantendo a estrutura da obra tal como originalmente publicada, Carlos Vale Ferraz intensificou a narrativa, dotando o texto de uma linguagem mais depurada, com as situações mais definidas na sua complexidade, por forma a que o leitor se sinta mais bem situado dentro da ação. E é assim que Nó Cego participa simultaneamente do documento e do monumento, do poderoso testemunho e da excelente literatura.

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DETALHES DO PRODUTO

Nó Cego de Carlos Vale Ferraz 
ISBN:978-972-0-03088-7 
Edição/reimpressão:04-2018 
Editor: Porto Editora 
Código: 03088 
Idioma: Português 
Dimensões: 152 x 235 x 26 mm 
Encadernação: Capa mole 
Páginas: 384 
Tipo de Produto: Livro 
Classificação Temática: Livros em Português > Literatura > Romance

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SOBRE O AUTOR:

Carlos Vale Ferraz, pseudónimo literário de Carlos de Matos Gomes, nasceu a 24 de julho de 1946, em Vila Nova da Barquinha. 
Foi oficial do Exército, tendo cumprido comissões em Angola, Moçambique e Guiné. 
Algumas das suas obras foram adaptadas ao cinema e à televisão, e colaborou com Maria de Medeiros no argumento do filme Capitães de Abril
É investigador de História Contemporânea de Portugal. 
Publicou, como Carlos de Matos Gomes e em coautoria com Aniceto Afonso, os livros Guerra Colonial, Os Anos da Guerra Colonial e Portugal e a Grande Guerra
No catálogo da Porto Editora figuram os seus romances A Última Viúva de África (2017) e Nó Cego (1.ª ed. 1982), agora reeditado, uma obra de referência obrigatória na ficção portuguesa sobre a guerra colonial.

(Com a devida vénia a Porto Editora)
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Notas do editor:

Vd. postes de:

5 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7724: Notas de leitura (199): Nó Cego, de Carlos Vale Ferraz (1) (Mário Beja Santos)
e
9 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7751: Notas de leitura (200): Nó Cego, de Carlos Vale Ferraz (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18720: Agenda cultural (640): Lançamento do volume n.º 16 dos Cadernos de Estudos Leirienses, com textos de José Eduardo Oliveira e José Marcelino Martins, dia 9 de Junho, pelas 15 horas, na sede do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes

Guiné 61/74 - P18734: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXV: Como se faz um alferes milicinao do Serviço de Administração Militar (III)


Foto nº 1 > Em Mafra,  EPI,  uma das primeiras fotos, Jan 67


Foto nº 2 > - Mafra, EPI; uma das  primeiras fotos, Jan-fev 67


Foto nº 3 > Mafra,  exercícios de aplicação militar, Fevereiro 67.


Foto nº 4 > Mafra, Malveira, Exercícios Finais,  Março 67.


Foto nº 5 >  - Mafra, EPI: o meu Pelotão, do Ten Peixeiro, Março 67.


Foto nº 5 A


Foto nº 5 B


Foto nº 6 > Mafra, EPI: Juramento Bandeira, frente ao Convento de Mafra, Março 67.


Foto nº 7 > EPAN, Lisboa > Exercícios finais na Carregueira, Junho 67.


Foto nº 8 > Lisboa, EPAM: o meu pelotão, Junho 67.


Foto nº 9 > Lisboa, EPAM: o último dia de cadete, Junho 67.


Foto nº 10 > Foto para o BI militar, Porto, Junho 67


Foto nº 11 > BI Militar: frente


Foto nº 12 > Caderneta Militar (pormenor)

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 6 dezenas de referências no nosso blogue.
GUINÉ 1967 /69 1967/69 > ÁLBUM DE TEMAS > T001 – SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO > CURSO DE OFICIAIS MILICIANOS (COM) > EPI | MAFRA; EPAM | LUMIAR, LISBOA - Parte III (e última)

(ii) O meu percurso no COM até final

EPI – MAFRA:

Assentei praça em 3 de Janeiro de 1967, passando a ter o meu novo número de identificação – Soldado Cadete nº 10, do 1º pelotão da 3ª Companhia. Fico instalado na caserna nº 13, no 3º piso, e são muitas escadas até lá chegar.

O nosso pelotão tem como instrutor um Tenente de Infantaria, Inácio Pólvora Peixeiro, não era nenhum garoto acabado de sair da Academia Militar.

O nosso pelotão era segundo parece, constituído pelos cadetes mais velhos, de 22 anos até 26 anos, por isso fomos tratados como gente mais decente.

Fiz os exercícios finais – vulgo semana de campo – lá para os lados da Malveira e outros locais. Terminado isso foi o juramento de bandeira na última semana de Março de 67.

Daqui recebo Guia de Marcha para Lisboa, EPAM.

EPAM – LUMIAR, LISBOA:

Apresento-me nos primeiros dias de Abril de 67, na Escola Prática de Administração Militar – EPAM, e dou início ao curso da especialidade de administração.

O nosso Comandante de Companhia – o Capitão NOGA – era assim chamado, era muito duro para toda a companhia, e tivemos pior tratamento do que em Mafra.

Fiz os exercícios finais na Carregueira, uma semana de campo, e em finais de Junho de 67 acabo a especialidade e sou promovido a Aspirante Miliciano.

Fico mais um mês para fazer o Estágio junto do CA da EPAM, mas não concluo nada porque não há meios para continuar, e acabo por sair em meados de Julho de 67.


BC10 – CHAVES:

Sou enviado para Chaves a fim de iniciar um estágio naquela unidade, mas também não é sequer iniciado, estava tudo de férias e acabo por ficar sem nada fazer. Permaneço ali durante um mês, entre Julho e Agosto de 67.


RC4 – SANTA MARGARIDA:

Recebo uma Guia de Marcha para me apresentar no CIM de Santa Margarida e juntei-me ao Batalhão já formado o Batalhão de Caçadores 1933, e acabo por também participar no IAO levado a efeito naquele Campo Militar. Chego ali em 11 de Agosto de 67, e em 10 de Setembro vou gozar os 10 dias de licença militar, partindo para a Base Aérea de Figo Maduro em 19 de Setembro, acabando por embarcar de avião, um DC6, em 20 de Setembro chegando a Bissau em 21 de Setembro de 1967.

... E ASSIM SE FORMOU UM OFICIAL MILICIANO DO SAM.

Virgílio Teixeira

Em, 16-05-2018


2. Notas e legendas das fotos da tropa (COM, EPI Mafra, e EPAM, Lisboa)

Foto 1 – Esta seguramente será a primeira foto que tenho com farda. É em Mafra, talvez na Tapada, e será de Janeiro de 67.  Pelas roupas mal-amanhadas, apercebo-me que nem sequer foram à costureira para arranjar, estão largas parece uma foto de palhaço, e com aquele penico em cima da cabeça, tem o seu ar de ridículo.

Foto 2 – Também esta é uma das primeiras fotos, continuo a dizer que pode ser na Tapada de Mafra, na Escola Prática de Infantaria, em Janeiro/Fevereiro de 1967.  A farda já está mais ao jeito do meu corpo, já tenho botas pretas, a arma Mauser, o Quico na cabeça, já começa a desenhar-se um futuro militar.

Foto 3 – Numa aula de aplicação militar, o celebre ‘salto ao galho’ que era o terror de tantos candidatos a militares, é uma foto de Fevereiro de 1967.

Este salto que para muitos era impraticável, já eu o fazia em menino quando brincava aos Índios nas bouças dos lavradores e em tantas brincadeiras de crianças. Nunca deixei de fazer qualquer tipo de exercício, apenas um me recusei, o túnel, pois era tapado no final e eu tinha horror à claustrofobia.

Aqui reconheço alguns dos meus camaradas de pelotão, mas não me lembro quase de nome de nenhum. Pode ver-se uma das excepções, no chão a olhar com riso, o meu futuro amigo Faria, já homem de posses, vinha do Porto de Volvo, namorava e mais tarde veio a casar-se com a filha do dono da Auto Sueco no Porto. Casou bem. Cheguei a fazer a viagem de ida e volta Mafra-Porto, uma ou duas vezes, pois a maioria vinha nas Camionetas, em excursões do Barraqueiro.

O Faria voltaria a encontra-lo mais tarde em 1969, quando após chegar da Guiné, comecei a trabalhar numa fábrica para os lados de Vila do Conde, de origem Sueca, o agora sogro dele, era além de dono da Auto Sueco, também era o procurador da empresa sueca para onde fui trabalhar e tive muitos contactos com eles e reencontrei o Faria na Volvo – Auto Sueco.

Depois mais tarde veio a convencer-me para entrar na ‘Família Volvo’ e entrei, já nos anos de 1985. Comprei lá 9 carros da marca Volvo, 3 da série 340, 3 da série 440, 3 da série 460 e um da série 740. Disse que comprei, mas não é bem assim. Fui trocando uns pelos outros, apenas cheguei a ter 2 Volvos ao mesmo tempo. Os outros eram para substituir os sinistrados, pode dizer-se que foram uns atrás dos outros até 1991. Nunca era da nossa responsabilidade os acidentes, e assim com o seguro contra todos os riscos, trocava logo de carro com qualquer acidente, por pequeno que fosse, não pagava nada, era troca por troca. Com excepção do 740 que nunca tive acidente nenhum. Nem era eu, eram os 3 filhos, a minha mulher, e os outros que batiam contra nós. Os carros eram trocados quase novos com pouquíssimos quilómetros. Quem ganhava com isto tudo era a Auto Sueco, na venda de novo carro, e nas reparações dos outros, foram uns anos loucos, chegamos a pensar que era bruxedo e acabar com a Volvo. Mas não era assim, porque os filhos também tiveram vários acidentes com outros carros de várias marcas. Uma curiosidade, como andava sempre com carros novos, naquela parvalheira para onde fui morar – Vila do Conde – as pessoas durante décadas associaram-me como sendo um dos donos da Volvo, soube isso muito tempo depois, ninguém acreditava.

Foto 4 – Esta foto representa como todos bem sabem, a última semana da recruta, ia tudo fazer a semana de campo, ou seja os exercícios finais, por isso se vê as marmitas, e os montes, nós fizemos na Malveira, e saímos de Mafra do quartel, debaixo de uma chuva torrencial. Ainda pensamos que iria ficar sem efeito, mas lá foi tudo estrada fora para os montes a dezenas de quilómetros do quartel. Não era nada que eu ficasse traumatizado, eu gostava mesmo era destas aventuras, parecia uma criança. Foto da última semana de Março de 67.

Estes colegas de pelotão lembro-me das caras deles, não sei os nomes nem de onde vinham, era gente mais ou menos da minha idade, e a maioria ia nos seus carros particulares. Nenhum deles do meu pelotão era conhecido de antes, só no depois ainda falei com alguns, a maioria perdi-lhes o rasto.

Foto 5 – A foto de família, com todo o pessoal do 1º Pelotão da 3ª Companhia, encabeçada pelo nosso instrutor, Tenente de Infantaria, Inácio Pólvora Peixeiro, um nome difícil. Pode ver-se o Tenente Peixeiro pela farda e pela idade. Está na segunda fila a farda é mais clara e não tem os arreios que todos temos. Eu estou nessa fila, o 3º a contar da esquerda. Também não é difícil, pelo ‘porte’ de 43 kg de gente. Talvez até já tivesse mais.

Pode ver-se além do Faria que reconheço, o Rendeiro que viria a ser famoso, por ser irmão do nosso jogador de Hóquei, viria a encontra-lo no Porto várias vezes e nos Bancos onde ele trabalhou. O irmão chegou a estar em minha casa, eles viviam em Lisboa, a filha dele foi muito amiga da minha filha mais velha, ainda em solteira, e do seu actual marido, eram visitas muito frequentes, ela ficava por vezes em nossa casa e vice-versa. Quando a minha filha casou, visitaram-se muitas vezes, ainda hoje mantêm uma certa amizade à distância, claro.

Se analisarmos a foto, pode ver-se que a maioria é malta com mais de 22 anos, alguns com 23,24,25 ou mais, muitos eram já formados, e gente de posses. Muitos eram de Lisboa e arredores e até iam comer e dormir a casa, tinha carros e facilidades diversas, não se via o mesmo nos outros pelotões, por isso a nossa instrução foi sempre muito serena.

Tirando meia dúzia que cheguei a vê-los mais tarde, a maioria nunca mais os vi, nem sei por onde andaram, nem sequer se estão todos vivos.

Foto 6 – No juramento de Bandeira. Esta era a turma dos ‘aleijadinhos’. Os dois da ponta ainda têm as canadianas, no meio aparecem outros com fardas diferentes, deviam ser da aviação, na ala esquerda estou eu, o mais baixo e mais magro. Existe uma foto geral, mas não sei dela, um dia talvez a encontre, pois estas não estavam juntas às da Guiné, fui encontrando uma a uma junto com as da família. Foto em frente ao mosteiro de Mafra, na última semana de Março 67.

Pela minha parte eu estou fora da Companhia, porque estava ainda a usar de vez em quando as canadianas. Tive um acidente de viação, nos fins de Fevereiro, quando vinha para o Porto no carro de um colega, ele aí na zona de Águeda numa ultrapassagem mal calculada, bateu de frente e à bruta com um Mercedes, nós íamos num Austin. Como eu ia atrás a dormir e com os pés debaixo do assento, quando batemos em cheio, fui projectado para a frente e fiquei com os dedos entalados no banco da frente, tendo-se partido os dois polegares, um de cada pé. Andei com gesso uma ou duas semanas, estava ameaçado de perder esta recruta e isso não me interessava, por isso deitei de lado o gesso e andarilhos, e comecei a fazer todos os exercícios normalmente, tive o custo de nunca ficar bom, os dedos continuam sem dobrar, ficaram assim calcinados, e só fui fazer Fisioterapia em finais de Junho. Hoje não sinto nada, mas não posso jogar futebol é claro.

Mais uma curiosidade mórbida, esse companheiro do Porto, que está na foto de família mas não consigo identifica-lo, tinha os dias contados, infelizmente. No final do curso foi para Vendas Novas para a Escola Prática de Artilharia, e na instrução uma granada rebentou ao sair do tubo, morreu esfacelado, soube isso mais tarde, ainda estava eu em Lisboa.

Foto 7 – Agora é pessoal da EPAM – Escola Prática de Administração Militar. Esta cena faz parte dos exercícios finais da semana de campo, que foi para os lados da Carregueira, na zona da carreira de tiro. Aqui já está calor, é Junho, tempo bem quente, aliás pode ver-se, eu estou de cerveja na mão, como sempre. Esta malta é toda do Porto, mas havia mais alguns que não estão aqui. Foto na última semana de Junho 67.

Pode ver-se ao meu lado esquerdo, esse peitudo, era o Artolas nº 1, chama-se Policarpo, o pai tinha um tasco e restaurante mesmo ao lado da Estação de São Bento no Porto, na Rua da Madeira. Encontrei-o mais tarde na Guiné, em Bissau, ele aparece em algumas fotografias do meu tema de Bissau I. Outro atrás a fumar depois encontrei-o uns anos mais tarde na Faculdade de Economia, onde penso ter acabado o curso. Os outros raramente os via, eu tinha mudado de cidade, e muito raro encontrei alguém.

Também não haviam grandes amizades, nunca consegui cimentar uma amizade verdadeira com ninguém. Não acredito muito em verdadeiros amigos. Há colegas, vizinhos, conhecidos, interessados,
oportunistas, mas amigos do coração não creio.

Foto 8 – A foto de família do meu pelotão da EPAM. É no fim do curso, após as marchas finais. Pertencíamos a uma Companhia comandada pelo Capitão ´NOGÁ´, não sei o nome dele, era assim conhecido, tinha uns pulmões e uma voz de trovão. Fez a vida negra a todos, na parte de instrução física, ginástica e aplicação militar não dava tréguas, foi muito mais dura do que a recruta em Mafra. Foto da última semana de Junho de 67.

Eu estou na segunda fila, o 3º., pode ver-se pela estatura, e ao meu lado direito está um quase amigo, fomos depois colegas em Economia, do outro lado o Policarpo – o Artolas - agarrado ao pescoço de outro. Lembro-me de algumas caras, mas os nomes muito poucos.

Foto 9 – Nas instalações da EPAM no Lumiar, o último dia de Cadete, no dia seguinte somos promovidos a Aspirantes Milicianos. com divisas na diagonal, e direito a continência. Estava vestido com a farda nº 1 daquela época. Fins de Junho de 67.

F10 – A minha foto tirada para o Bilhete de Identidade Militar, já como Alferes Miliciano, uns dias antes de embarcar para a Guiné. Porto, Setembro de 1967.

O Boné foi-me oferecido pela minha namorada, que também me ofereceu os primeiros galões de alferes, comprados numa casa da especialidade do Porto, na Rua de Santo António. Não é o Casão Militar que ficava na Rua da Boavista, aí era tudo mais fraco e comprei lá os fardamentos de 2ª, os camuflados e outras coisas.

Ali na Rua de Santo António, mais abaixo desta loja, e já com a farda de gala, isto é, o Casaco, possivelmente do meu irmão mais velho, ou até do meu pai, tirei esta foto num fotógrafo profissional, pois nunca andei vestido com esta Farda de Gala, aliás não tinha sequer as calças.

Ao ver esta foto, penso porque não estou de óculos, pois desde os 18 anos que já os usava sempre, já eram 6 anos com esse acessório indesejável. Talvez porque ficava melhor, ou porque os óculos eram demasiado feios e antiquados? Nunca saberei a razão. O Boné, utilizado uma única vez, nunca mais soube dele, quando cheguei a casa em 1969, não encontrei nada e hoje gostaria de o ter comigo como recordação, mas não tenho.

Em, 16-05-2018

Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».
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Nota do editor:

(*) Vd. postes antreiores:

6 de junho de  2018 > Guiné 61/74 - P18715: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXIV: Como se faz um alferes miliciano do Serviço de Administração Militar (II)

2 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18704: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXIII: Como se faz um alferes miliciano do Serviço de Administração Militar (I)