segunda-feira, 18 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Impõe-se uma explicação para o número inusitado de recensões que tenho dedicado à obra incontornável do padre Henrique Pinto Rema referente à história das missões católicas na Guiné. Nunca se poderá entender a menorização do catolicismo na Guiné, quando é fenómeno de grande importância em Cabo Verde, sem conhecer as vicissitudes dos obstáculos à missionação, nomeadamente entre os seculos XVI e XIX. O autor, padre franciscano, nunca descura o abandono a que estes missionários estavam votados, a falta de apoio dos próprios comerciantes brancos, a sua incapacidade para um trabalho de evangelização no interior, e confrontados com populações islamizadas e totalmente reticentes à mudança de fé. Do século XIX para o século XX abriu-se uma nesga de esperança, quando foi criado o Colégio das Missões de Cernache de Bonjardim veio uma caterva de alunos guineenses e de boas famílias, o marquês de Sá da Bandeira queria missionário de boas famílias...

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (5)

Beja Santos

Dando continuidade às recensões que se têm vindo a apresentar sobre uma obra incontornável da missionação na Guiné, História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982, apresenta-se uma nótula de alguns dos aspetos mais relevantes anteriormente focados, centrando a nossa atenção no período compreendido entre o liberalismo e a I República. Recorde-se que os primeiros sacerdotes que pisaram a terra firme da Costa da Guiné pertenciam ao Clero Secular. Vieram depois padres franciscanos, seguiram-se dominicanos e freires da Ordem de Cristo. A Guiné dependia da Diocese de Cabo Verde, os bispos enviavam visitadores aos cristãos de S. Domingos e no rio Grande. André Álvares de Almada sintetizou numa frase lapidar o trabalho missionário dos visitadores: “Nenhum fruto resultou de tal visitação”.

Vieram depois Missionários Carmelitas e teve alguma projeção uma missão dos Jesuítas na Guiné e na Serra Leoa, entre 1605 a 1617. E como foi referido anteriormente, impôs-se pela duração e devoção a missão dos Franciscanos que abarcou quase dois séculos, entre 1635 a 1834.

Henrique Pinto Rema destaca as denúncias de mau comportamento de muitos clérigos, nomeadamente na fase que precede a extinção dos conventos: por mancebia, bebedeiras, tráfico de escravos. Os sacerdotes missionários, sobretudo na última vintena do século XVIII e primeira vintena do século XIX, foram rareando sucessivamente, até à sua completa extinção.

As novas correntes filosóficas do positivismo, do iluminismo e do racionalismo contribuíram para dissolver o primitivo fervor missionário das ordens religiosas. Na fase final do século XVIII havia sacerdotes em Ziguinchor, Bissau, Geba e Farim. Estavam ali párocos que pertenciam ao Clero Secular. Contudo, estes não seriam da melhor qualidade, o autor observa que o bispo de Cabo Verde reservava para as igrejas da Guiné o que possuía de menos qualificado, não se trata de uma intuição sua, consta, preto no branco no que escreveu Cristiano Sena Barcelos e Honório Pereira Barreto, entre outros. Se o liberalismo detestava os frades, não deixava porém de compreender a força do sentimento religioso, ao serviço da civilização, o mesmo é dizer ao serviço da política. É neste sentido que apoia e promove a evangelização. Houve alterações dignas de nota com a separação da Guiné de Cabo Verde, em 1879, ir-se-á assistir a uma centralização administrativa em Bolama numa época em que estão repertoriados vários centros cristãos: Bolama, Buba, Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Ziguinchor e Bolor. É um período em que trabalham na Guiné simultaneamente padres de cor oriundos de Cabo Verde e da Guiné, padres metropolitanos educados no Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim e padres da Arquidiocese de Goa.

As leis republicanas, adotadas logo em 1910, desferem um rude golpe nas instituições missionárias. Atenda-se que já com o liberalismo as ordens religiosas tinham sido perfeitamente afetadas. Sem os frades capuchos metropolitanos, a Diocese de Cabo Verde teve de contentar-se com o seu clero nativo, pouco e mal preparado para obviar de alguma maneira às necessidades espirituais.

Na Guiné, há desordem política, juntavam-se os mal representantes da igreja, e assim a ação missionária ficou reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e o presídio de Farim. A Praça de S. José de Bissau, com a sua velha freguesia de Nossa Senhora da Candelária, não deixou nunca de possuir lugar de culto desde a segunda metade do século XVII. A capela ruiu em 1840, construiu-se uma igrejinha dentro da fortaleza da Amura, aqui se executaram os serviços religiosos até Dezembro de 1950, quando foi inaugurada a Catedral de Bissau. Possuem-se inúmeros relatos de derrocada de tempos religiosos, eram engolidos por incêndios, degradados pela inclemência do clima, construídos com materiais de péssima qualidade. Sobre a Igreja de Cacheu escreveu Honório Pereira Barreto no seu documento fundamental, a memória da Senegâmbia: “No fim da povoação, próxima da outra porta que fica fronteira à fortaleza, existe uma coisa a que dão o nome de igreja. Imagine-se uma casa muito ordinária, cujas paredes ameaçam ruína, coberta de palha, com dois pequenos campanários, cujo provável destino era para sinos, porém que não os tem. Pegada a esta igreja, existe uma casinhola do mesmo tipo, servindo de sacristia, em frente da qual está o único sino, aguentado por uma estaca, atravessada por dois galhos de árvore…”. Em 1848, é o próprio Honório Barreto que se arma em mestre-de-obras.

Em 1849, a Igreja de Ziguinchor tinha caído, a Igreja de Farim fora reduzida a cinzas por um incêndio. Henrique Pinto Rema elenca os diferentes trabalhos que foram desenvolvidos nas paróquias para dignificar os templos religiosos (Buba, Ziguinchor, Geba, Farim, Cacheu, Bissau e Bolama).

Em torno de Bolama, o autor destaca o desempenho extraordinário de uma figura proeminente da cultura guineense e Vigário Geral da Guiné, o Cónego Marcelino Marques de Barros. Mas toda a atividade missionária se revela em permanência um terreno espinhoso em que tudo é precário e contingente. O Vigário Geral, Padre Tertuliano Ramo, figura de destaque da vida missionária de Cabo Verde e Guiné até ao período do Estado Novo escreveu ao Secretário-Geral da província da Guiné: “Ninguém deixa de reconhecer que os párocos na Guiné vivem em situação económica aflitiva; desprestigiados, reduzidos em número, sem incentivo de espécie alguma, a parcimónia com que lhes são remunerados os seus serviços desola e não dá ânimo e perseguir na árdua e penosa tarefa da evangelização".

No entanto, a vida religiosa parecia dar sinais de crescimento, um dos exemplos foi a chegada das irmãs franciscanas que passaram a trabalhar no hospital de Bolama.

Assim chegámos aos primeiros 20 anos da República. Os republicanos prosseguiram a animosidade dos liberais, assistiu-se à expulsão das ordens religiosas, ao encerramento do Colégio das Missões e à perseguição ao clero. A já de si triste situação religiosa da Guiné agravou-se. Mas o acalento e a devoção missionárias pareciam não arrefecer. Continuou-se a pensar criar missões católicas junto dos Balantas, Manjacos e Brames. O Estado Novo procurará dinamizar o trabalho missionário. É o que veremos no próximo texto, a propósito da segunda Missão franciscana da Guiné Portuguesa (1932-1973).

(Continua)

Fotografia adquirida na Feira da Ladra em 27 de Agosto de 2016, tem a seguinte legenda: “Teixeira Pinto, 2 de Fevereiro de 1961. Construiu-se esta ponte para depois fazer por ela passar o rio e a estrada. Porém, o plano foi alterado depois dela construída ou por falta de verba ou porque o rio não se deixou vencer. E a ponte lá está”. Conhecia já esta história quando estava a preparar o meu livro “Mulher Grande”, em 2008, a mulher de um funcionário colonial que viveu anos antes em Teixeira Pinto referiu-me que era um dos passeios bizarros de que dispunham, ir ver a ponte inacabada, segundo ela passeava-se despreocupadamente um lagarto naquele charco permanente. Nunca ninguém decifrou o mistério desta ponte inacabada.
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Notas do editor

Poste anterior de 11 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 15 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18743: Notas de leitura (1075): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18751: Agenda cultural (642): Livro de João Corrêa, belga, de origem portuguesa, cineasta, "Sousa Mendes, le consul de Bordeaux" (Paris, L'Harmattan, 2017, 162 pp.)



Capa e contracapa do livro de João Corrêa, "Sousa Mendes, le consul de Bodeaux: regards sur la Belgique et l'Europe au XXe siécle" (Paris, L'Harmattan, 2017,  162 pp., preço de capa: 17,50 €). [Há uma primeira edição, de 2016, sob a chancela da Orfeu, Porto, também em francês, com o mesmo título, 150 p., ISBN 978-2-87530-056-0].

João Corrêa é português de origem, belga de nacionalidade, realizador e produtor independente de cinema. Nomeademente, é o autor  do argumento e correalizador do filme (com Francisco Manso), "Aristides de Sousa Mendes, o cônsul de Bordéus",  com Vitor Nobre na personagem principal (Portugal, 2011, cores, 90 m).

Na altura vi o filme, que se estreou em Portgal, em 2012, e escrevi, no Cinecartaz do Público,  o seguinte comentário

Luís Graça: Uma mensagem libertária, sempre atual 

Vi ontem o filme, e aconselho... Primeiro, é português, e devemos ter orgulho no que fazemos, no que é português, mesmo não sendo uma obra-prima... Segundo, é sobre um grande português que nos reconcilia com Portugal, sobretudo nestes tempos em que andamos tão zangados, connosco próprios, com as nossas elites, com o rumo da nossa história...

Há uma mensagem libertária na história de vida do Aristides Sousa Mendes, e que continua sempre atual: Às vezes é preciso saber desobedecer, em nome de valores que não têm preço: "Prefiro estar com Deus contra os homens do que com os homens contra Deus"... O cônsul de Bordéus referia-se ao cumprimento, cego e burocrático, da infame Circular 14, emitida por Salazar, e que proibia a concessão de vistos, pelo pessoal dos consulados e embaixadas, a certas categorias de refugiados onde se incluíam os judeus... (alguns dos quais de origem portuguesa)...


Publicada a 24-11-2012 por Luís Graça


1. Sobre o livro de João Corrêa, em edição francesa, aqui vai a ficha técnica, apenas a título informativo (as imagem da capa e contracapa foram-nos enviadas pelo João Crisóstomo):

Título : Sousa Mendes: Le Consul de Bordeaux. Regards sur la Belgique et l'Europe au XXe siècle
Autor: Joao Correa
Prefácio: Pierre Mertens [embaixador belga em Paris]
Editora: L'Harmattan, Paris
Coleção: Histtoire. Mémoires. Récit Historique. Europe.

Broché - format : 13,5 x 21,5 cm
ISBN : 978-2-343-13291-4 • 1 novembre 2017 • 162 pages
EAN13 : 9782343132914
EAN PDF : 9782140049996

Sinopse: 

Sousa Mendes, le "Juste de Bordeaux", choisit de désobéir. Il accomplira, selon l'historien Yahuda Bauer, la plus grande opération de sauvetage menée par un seul homme pendant la Deuxième Guerre mondiale, sauvant plus de trente mille personnes, dont dix mille Juifs. Il décédera pourtant en 1954, abandonné de tous, dans le plus grand anonymat et dénuement, sa famille dispersée, luttant pour faire reconnaître son action et sa mémoire.

[Tradução do francês: Sousa Mendes, o "Justo de Bordéus", decide desobedecer. Segundo o historiador Yahuda Bauer, ele realizará a maior operação de resgate individual da Segunda Guerra Mundial, poupando mais de 30 mil pessoas, incluindo 10 mil judeus. Ele morrerá, todavia,  em 1954, abandonado por todos, no maior anonimato e privação, com a sua família dispersa, lutando para fazer reconhecer sua ação e a sua memória.] [LG]

Autor:

João Corrêa, portugais d'origine, est belge. Il est l'auteur et co-auteur de longs-métrages dont certuains sont devenus des classiques. La version française du film "Le Consul de Bordeaux" est sortie sur les écrans en 2013 et diffusée par la chaîne belge Club-RTL en 2017.

[Tradução do francês: João Corrêa, é belga, de origem portuguesa. É autor e coautor de longas-metragens, algumas das quais se tornaram clássicas. A versão francesa do filme "Le Consul de Bordeaux" foi lançada em 2013 e transmitida pelo canal belga Club-RTL em 2017.] [LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de junho de 2018 >  Guiné 61/74 - P18735: Agenda cultural (641): Lançamento da nova edição de "Nó Cego", de Carlos Vale Ferraz, dia 19 de Junho de 2018, pelas 18h30, na Livraria Ferin, em Lisboa

domingo, 17 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18750: Efemérides (284): Mensagem do Presidente da República Portuguesa para o "Dia da Consciência" - Homenagem a Aristides de Sousa Mendes, Nova Iorque, 17 de junho de 2018 (João Crisóstomo)


Reprodução da mensagem do Presidente da República Portuguesa, enviada à Sousa Mendes Foundation / Fundação Sousa Mendes, com sede em Nova Iorque, por ocasião da celebração, hoje, em Nova Iorque e noutras cidades do mundo, do "Dia da Consciência". Recorde-se que o Presidente da República já tinha condecorado, a título póstumo,  Aristides Sousa Mendes (1885-1954) com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, em 3 de abril de 2017, no dia em que passavam 63 anos da morte do cônsul português.A Ordem da Liberdade "destina-se a distinguir serviços relevantes prestados em defesa dos valores da Civilização, em prol da dignificação da Pessoa Humana e à causa da Liberdade".


1. Mensagem, com data de ontem,  do nosso camarada  João Crisóstomo, coordenador do "Dia da Consciência".


[ Foto à esquerda: João Crisóstomo, ex- alf mil, na CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/66), nosso grã-tabanqueiro; natural de Torres Vedras, vive em Nova Iorque desde4 1975.  É um mediático ativista social, tendo estado ligado à defesa de três causas que tiveram repercussão internacional e que nos dizem muito, a nós, portugueses, os de Portugal e dos da diáspora: a defesa das gravuras de Foz Coa, a luta pela  independência de Timor Leste e a  memória de Aristides Sousa Mendes. Foi um dos fundadores do "Luso-American Movement for East Timor Autodetermination" (LAMETA); pertence ao "advisory council" da Sousa Mendes Foundation, sendo o coordenador do projeto "Dia da Consciência", que se celebra em muitas cidades onde há portugueses e luso-descendentes, a começar por Nova Iorque]


A toda a “família Aristides de Sousa Mendes”( i.e,. todos os que esforçam de qualquer meio de perpetuar a sua memória e o “legado” que nos deixou)

Segue uma mensagem recebida ontem do nosso Presidente, na ocasião do “Dia da Consciência”.

Porque a celebração de uma missa especial relacionada com o “Dia da Consciência” nem sempre é possível, especialmente durante os dias de semana, a partir deste ano vamos “copiar” o que fizemos este ano em que este dia coincidiu num domingo: Pedir a simples "inclusão” desta intenção nas missas desse domingo e que o celebrante mencione isso na homilia: deste modo o nome de ASM [Aristides Sousa Mendes]  e a mensagem que nos deixou ---a obrigação de seguirmos a nossa consciência, mesmo em momentos e situações difíceis--- vai atingir uma audiência muito maior.
É isso que nos propomos fazer daqui em diante.

Geralmente isto vai coincidir com o "Dia do Pai”. Mas mesmo aí não há conflitos: A. S. Mendes foi um pai extremoso de 14 filhos e soube e deu-lhes sempre o seu carinho e cuidado de um bom pai.

Vemho pedir a todos que me ajudem neste projeto, O mundo de hoje precisa disto: todos e cada um seguirmos a nossa consciência, mesmo em momenttos e situações difíceis.  

Se houvesse um pouco mais de consciência - políticos, homens de negócios, o mundo de espetáculos e informação, mesmo muitos que professam e fazem da religião modo de vida - o mundo não estaria como está. HELP EVERYBODY!

João Crisóstomo
Coordenador do projecto "Dia da Consciência"

Sunday, June 17, 2018 -- Advisory Council member Joao Crisóstomo has organized religious observances throughout the world to mark the "Day of Conscience" -- the day in June 1940 when Aristides de Sousa Mendes took his fateful decision. A Catholic mass will be observed in Yonkers, NY by His Excellency Don Bernardino Auza, Permanent Observer of the Vatican to the UN. Other remembrance masses will be held in San Jose, CA; New Bedford, MA; Newark and Elisabeth NJ; Farmingville and Mineola, NY; and international cities in Belgium, Brazil, France, Portugal, Russia, South Africa and Timor-Leste. A Shabbat service in the Manhattan East Side Synagogue on June 16 will also remember this hero. For more info, please click here. 

Press release da Sousa Mendes Foundation que nos mandou o João Crisóstomo.

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Guiné 61/74 - P18749: (D)o outro lado do combate (33): As deserções no PAIGC no Sector de Tite ao tempo do BART 2924 (1971-1972) e suas consequências (2) (Jorge Araújo)

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Nota do editor

Poste anterior de 16 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18746: (D)o outro lado do combate (32): As deserções no PAIGC no Sector de Tite ao tempo do BART 2924 (1971-1972) e suas consequências (1) (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P18748: Blogpoesia (571): "Catedral do Universo", "Corrimão da escada" "Com sentimento..." e "Parece que já não há mais...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Catedral do Universo

Vivemos como parte integrante, mergulhados na catedral do Universo.
Sumptuosa, rica e imponente, se ergueu do nada pela mão omnipotente do Criador.
Suas torres agudas vão do chão ao infinito.
Seus dois hemisférios, sul e norte, são as naves cravejadas de rosáceas
Por onde a luz do sol entra, tudo inundando de luz e cores, desde os cumes mais altos às profundezas dos oceanos.
Tem dois braços de igual tamanho que abraçam o mundo, o dia e a noite.
O sol e a lua são os dois turíbulos, em combustão constante, que a incensam em contínuo movimento pendular
Espalhando a vida com seu calor e luz.
Nela habita e ora, desde sempre, a privilegiada humanidade.

Ouvindo “Adágios Russos”
Mafra, 10 de Junho de 2018
7h9m
Amanhecer cinzento e chuvoso
Jlmg

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Corrimão da escada

Tem horas na vida em que subir ou descer é um calvário de dor.
Quando falte a mão ou o braço de alguém,
Haja sempre um corrimão, à mão.
Quanto bom e bem ficou na vida por fazer porque faltou alguém com sua mão.
Com ajuda se chega ao infinito.
O impossível desaparece
E o sonho se realiza.
Mesmo os órfãos, tenros meninos, podem chegar a ser alguém
se, naquela hora, houver alguém que lhes estenda as mãos.
Com ajuda, tudo se faz mais fácil...

Bar Polo Norte em Mafra, 12 de Junho de 2018
9h1m
Jlmg

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Com sentimento…

Como o sol, Dá cor à vida o sentimento.
De que serve viver sem sabor?
Ser matéria inerte que o vento não agita e a chuva não fecunda.
Passar o tempo alheio à dor ou alegria que anda à volta.
Num tanto faz, nada me toca.
Indiferente ao mundo. Espectador sentado que vem e vai.
Entrou, assim saiu.
Peso morto o dia a dia.
Nem bom nem mau.
O Senhor nos livre de quem é assim…

Ouvindo Mendelssohn, concerto para violino por Hilary Hahn
Mafra, 14 de Junho de 2018
7h9m
Jlmg

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Parece que já não há mais...

Compro vinho em caixotes de cartão, aos cinco litros.
Adoro dar à torneirita e vê-lo, todo contente, a correr para o copo.
Uma sensação boa. De fartura e liberdade.
O pior é quando se adelgaça a bica, avisando do fim.
Olhos em bico. Tudo acaba. Já não dá mais.
O que vale, as vinhas já estão cheias.
E o verão está aí.
Entretanto, há que ir ao mercado e abastecer.
Um bom almoço requer bom vinho.
É bom sinal. Ainda há gosto!...

Bar Castelão, em Mafra, 15 de Junho de 2018
10h9m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18730: Blogpoesia (570): "É como um rio a nossa vida...", "Forças invisíveis..." e "Visita do Sol...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18747: Parabéns a você (1455): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BART 3872 (Guiné, 1071/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18740: Parabéns a você (1454): Francisco Silva, ex-Alf Mil Art da CART 3492 e CMDT do Pel Caç Nat 51 (Guiné, 1971/74)

sábado, 16 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18746: (D)o outro lado do combate (32): As deserções no PAIGC no Sector de Tite ao tempo do BART 2924 (1971-1972) e suas consequências (1) (Jorge Araújo)


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18702: (D)o outro lado do combate (31): Os dois aviões DO-27-A1, da FAP, nºs 3333 e 3470, abatidos em 6 de abril de 1973... Fotos do médico holandês Roel Coutinho (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P18745: Os nossos seres, saberes e lazeres (272): De Aix-en-Provence até Marselha (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 10 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Aqui estamos em plena Gália Narbonense, especados e aturdidos com o génio arquitetónico romano, Arles conserva uma das obras-primas do românico provençal, em romano e românico os tesouros são imensos, os museus espetaculares, como adiante se verá, e importa não esquecer que em fevereiro de 1888 aqui arribou Van Gogh, pintava então como um possesso, obras-primas como Le Café d’Arles ou Le Pont de Langlois nasceram aqui, o produto final foram 200 pinturas e 100 desenhos, Van Gogh quis fundar em Arles uma associação de artistas, Gauguin respondeu ao seu apelo, mas desavençaram-se, Van Gogh teve aqui uma crise neurótica e cortou uma orelha. Não se vê mas a cidade conserva na atmosfera e no seu casco histórico a vida que o atraiu, convém não perder de vista que o majestoso Ródano passa pela berma da cidade antiga e moderna.

Um abraço do
Mário


De Aix-en-Provence até Marselha (4)

Beja Santos

O viandante organizou a sua digressão por Arles quase com estratégia militar, veio entusiasmado até ao passado, aqui foi ponto focal do maior relevo na Gália Narbonense, por vontade de Júlio César. Mas, imagine-se, também aqui se vem à procura do provençal, a cultura portuguesa e a sua história muito devem a este rincão, recorde-se que D. Sancho I se uniu a D. Dulce, filha do Conde da Provença. O próprio D. Afonso III viveu 13 anos em França, e lá foi procurar o mestre do seu filho D. Dinis, o rei poeta e lavrador, que cantou:

Quer’eu em maneira de proençal 
fazer agora um cantar d’amor.

Tudo mudou quando a França absorveu a Provença e a nossa diplomacia se virou definitivamente para Inglaterra. Um Prémio Nobel da Literatura francês foi Frederico Mistral que dedicou um cativante poema a Portugal, que assim começa: “Belo pequeno povo, que encarnaste / Numa turba de heróis e num grande poeta, / Se nas tuas recordações estás refugiado, / Como o velho marujo que sonha com o leme…
Todas as indicações das ruas estão em francês e provençal, dá para sonhar sobre essa cultura que se cruzou com a nossa e tem identidade, mais adiante falaremos da arquitetura. Encontrou-se uma fórmula económica para ir ao teatro antigo, ao anfiteatro, às Termas de Constantino, aos criptopórticos, ao claustro de São Trófimo, ao museu arqueológico e ao museu Réattu, uma empanzinadela por 12 euros, fez-se bem em apostar estar em Arles dois dias inteiros, sem parança! Começou-se pelo teatro antigo, dá para ver a sua rara elegância, foi um dos mais importantes do Império no século I a.C. Conserva duas colunas admiráveis em brecha africana e mármore italiano. No século IX este espaço foi fortificado, felizmente que intervenções posteriores o levaram a manter uma boa relação com o meio circundante.



Na cadeira de História de Arte, o viandante tinha referências a toda esta fachada e à perfeição e rasgo espiritual do pórtico. É uma das obras-primas do românico provençal do século XII, só para andar a meter o nariz em toda esta estatuária primorosa se promete voltar, há muito que o viandante aprendeu que a melhor lente é a dos nossos olhos, e por isso pede atenção a certos pormenores das imagens que se seguem, não podemos esquecer o que era a fé medieval, a glória de Deus e a punição infernal.




Há a igreja de São Trófimo propriamente dita e o claustro, aqui estão algumas das mais belas esculturas medievais. O viandante precisa de muitas horas para aqui cirandar e uma coisa é certa, do pouco que já viu precisa muito de voltar, Arles é uma enciclopédia, foi centro comercial grego, colónia romana, capital imperial, lugar relevante da cristandade, um grande centro agrícola do renascimento. É um antigo atravessado pelo moderno, arquitetos como Henri Ciriani e Frank Gehry deixaram aqui as suas marcas, Arles com o seu conjunto de monumentos romanos e românicos está na lista do Património Mundial da Humanidade. O que dizer de exaltante, em duas palavras, para não cansar o leitor? As esculturas são de qualidade excecional, felizmente têm sido alvo de restauro, está-se convicto que ninguém pode ficar insensível a estes sinais de uma fé inabalável naquele século XII.




Numa das salas do claustro, talvez tenha sido a Casa do Capítulo do mosteiro, as paredes estão forradas de muito delicadas tapeçarias de Aubusson, do mais requintado lavor. Bem enternecedora é esta imagem do nascimento de Jesus.


Nova digressão no interior de Arles, a Praça do Fórum, de linhas muito equilibradas. Não é a primeira vez que o viandante vê incrustações do mundo antigo em arquitetura mais recente, ficou especado diante deste aproveitamento e, confessa, até acha bem engenhoso.


Pois é nesta praça que se assinala um quadro célebre de Van Gogh, que por aqui andou e até tem um espaço artístico com o seu nome. A fachada do que ele pintou tem alguma maquilhagem mas lembranças do que ficou na tela ainda são detetáveis, que coisa bem bonita este encontro com Van Gogh em Arles, no espaço público.


Agora uma descida ao subsolo do Museu de Arte Cristã, aqui estão os criptopórticos, armazéns subterrâneos com cerca de 2 mil anos, deambula-se por aqui com sinais permanentes do passado, dá para meditar o génio arquitetónico romano, como toda esta estrutura permanece inabalável, a despeito da sua imensidão. Escusado dizer que ainda agora a procissão vai no adro, muitíssimo há para ver em Arles e o viandante ainda não desfiou as imagens captadas pelo telemóvel, teve que ser assim em vários museus, mas não esconde a sua satisfação pelo produto final. É o que se vai mostrar a seguir.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18727: Os nossos seres, saberes e lazeres (271): De Aix-en-Provence até Marselha (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18744: Efemérides (283): 17 de Junho, o "Dia da Consciência" - o dia em que o nosso grande humanista português Aristides de Sousa Mendes tomou a corajosa decisão de fazer o que fez logo no início da II Guerra Mundial (João Crisóstomo)

Cônsul Aristides de Sousa Mendes
Com a devida vénia a TVI24


1 . Em mensagem do dia 7 de Junho de 2018, o nosso amigo e camarada João Crisóstomo enviou-nos uma mensagem com o programa para assinalar o Dia da Consciência, que se leva a efeito a 17 de Junho de cada ano, dedicado à memória de Aristides de Sousa Mendes, Cônsul Português em Bordéus.

[ João Crisóstomo foi alf mil, na CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/66) e  vive em Nova Iorque. 
É um mediático ativista comunitário, tendo estado ligado à defesa de três causas que tiveram repercussão internacional e que nos dizem muito, a nós, portugueses: gravuras de Foz Coa, independência de Timor Leste e memória de Aristides Sousa Mendes). Foi um dos fundadores do "Luso-American Movement for East Timor Autodetermination" (LAMETA)]


17 DE JUNHO DE 2018
DIA DA CONSCIÊNCIA

Eventos programados para este dia:

NOS USA:
Em Nova Iorque:
Igreja de Nossa Senhora de Fátima de Yonkers. - A missa terá lugar às 10h00 da manhã, celebrada pelo Sr. Núncio Apostólico Observador, Don Bernarditto Auza, Observador Permanente do Vaticano nas Nações Unidas. O Senhor Pe. Tomás Gomide prontificou-se a lembrar também este dia em Mineola e Farmingville.
- A Congregação Judaica da "Manhattan East Synagogue” chefiada pelo Rabbi Abie Abadie lembrará também este dia, mas na véspera, dia 16.
Ainda nos Estados Unidos:
Rodes Island (em New Bedford, pelo Senhor Bispo Edgar Moreira da Cunha (que foi Bispo Auxiliar em Newark e várias vezes celebrou este dia em Newark e em Nova Iorque.
- New Jersey, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Newark. e Califórnia, na Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas em San José no dia 17.

EM PORTUGAL:
Em VISEU, terra natal de Aristides de Sousa Mendes: Contactei Sua Ex.ª D. Idílio Pinto Leandro que vai incluir a intenção referida na Missa de Domingo, na Sé Catedral, às 11h00 da manhã e fará uma referência a este dia na homilia desde dia.

Outras missas “a cobrir todo o território” foram organizadas pelo Luís Andrade, presidente do "Observatório Internacional dos Direitos Humanos -Portugal” e terão lugar pelo país fora, nomeadamente:
- Lisboa, missa celebrada às 09h00, na Igreja de Santa Clara
- Porto, missa celebrada às 09h15, na Igreja de São Nicolau
- Faro, missa celebrada às 18h30, na Igreja de São Francisco de Faro
- Guarda, missa celebrada às 11h00, na Igreja de São Vicente
- Viseu, missa celebrada às 10h30, na Paróquia de Pinho, Igreja de São João Batista.

RÚSSIA:
Em Moscovo: Don Celestino Migliori é agora o Núncio Apostólico em Moscovo.

FRANÇA:
Bordéus no dia 18 de Junho, conforme informação de Manuel Dias, Presidente do "Comité Aristides de Sousa Mendes" em França.

ÁFRICA DO SUL: o dia será lembrado pelo Núncio Apostólico neste país, Arcebispo Peter Wells que até há pouco foi assistente do Secretário de Estado do Vaticano.

BRASIL: Os Cardeais Cláudio Hummes (agora reformado, mas muito activo ainda,) e Dom Odilo P. Scherer, presente titular, acederam também ao meu pedido.

Pelas muitas afinidades que estes dois diplomatas apresentam: ambos de língua portuguesa, ambos diplomatas humanitários, ambos em Franca e falecidos ambos no mesmo mês e no mesmo ano,  lembramos também neste dia o brasileiro Luiz Martins de Souza Dantas.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18729: Efemérides (282): O último "Dia da Raça" comemorado em Bissau, 10 de Junho de 1973 (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Comando da 35.ª CComandos)

Guiné 61/74 - P18743: Notas de leitura (1075): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39) (Mário Beja Santos)

Nas cerimónias evocativas, em Bissau, do centenário do BNU


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Se bem que o registe nem sempre seja percetível, os relatórios da década de 1960 tornam claro as mudanças operadas pela luta armada, fala-se das transferências decorrentes do contingente militar, que ajudam a equilibrar as contas da delegação de Bissau; noticia-se que a partir de 1962 houve uma quebra drástica da cultura do arroz no Sul; e surge um dado insólito, um espantoso relatório onde se analisa o mais elementar da agricultura guineense e se fazem propostas para um aumento de produtividade na mancarra, no arroz, no coconote e óleo de palma. Também estes relatórios anunciam a chegada, ainda a título experimental, do caju. E o relatório de 1965 não esconde que a guerrilha é desgastante, pela primeira vez fala-se explicitamente em flagelações, minas, tabancas fiéis incendiadas.
A guerrilha, lê-se nas entrelinhas, estava para durar.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39)

Beja Santos

O gerente de Bissau é um homem convicto, depois de ter efetuado um diagnóstico à agricultura, desvelando as mazelas do primitivismo, procura apresentar respostas e explica à administração em Lisboa o que é imperativo fazer. Começa por dizer que a divulgação das novas técnicas exige prévia doutrinação das populações, se acaso se pretende produzir mais reduzindo as áreas de cultivo, há que formar um escol de agricultores, escolas práticas, complemento da escola missionária ou oficial onde o agricultor veja e execute processos mais evoluídos:
“A disseminação de adubos e alfaias poderá permitir maiores colheitas, em certos casos maior área cultivada por família, sem necessidade de êxodo cíclico de mão-de-obra. A estrutura social do nativo é um entrave, por vezes, à evolução rápida do progresso, todavia, com um plano bem cisado, pacífica e persistentemente algo se conseguirá. Para atingir o objectivo proposto é necessário pessoal técnico que, enquadrado num programa, tenha sequência, por forma a mentalizar as populações em novos métodos de cultivo. Essencialmente do que a Guiné precisa é de técnicos”.

E vai dissertar sobre o que há e se deve fazer quanto a mancarra, arroz, coconote e óleo de palma e caju.
Quanto à mancarra:
“São muito fracas as produções unitárias de mancarra. A densidade da sementeira, a ausência de desinfecção de sementes, a tardia preparação do terreno e a consequente sementeira que facilita o ataque da roseta, a colheita antecipada e por outro lado o esgotamento dos terrenos já de si de fraca produtividade, contribuem para o baixo rendimento. Aproveitando uma semente nova, pensou-se em introduzir simultaneamente outras práticas agrícolas. Os resultados obtidos foram, na generalidade, surpreendentes. Fizeram-se campos de comparação em algumas tabancas dos postos de Contuboel e Bafatá. Nestes campos, em metade foram a sementeira e a adubação orientados por pessoal dos serviços respectivos e na restante área os nativos praticaram a cultura conforme os usos locais. Não tem interesse para a economia guineense aumentar as áreas de cultivo da mancarra mas sim aumentaras produções nas actuais”.

Passando para o arroz, disserta assim:
“Não faltou nos terrenos baixos da Guiné áreas extensas de cultivo. No entanto, as populações locais agarradas a métodos de trabalho seculares vêm utilizando práticas que por vezes redundam em fracassos estrondosos. Na generalidade as sementeiras são feitas tardiamente e quando adrega de baixa pluviosidade os meses de Setembro/Outubro, as produções já baixas, escasseiam e notam-se os efeitos. Por outro lado, as baixas produções devem-se ainda ao fraco rendimento de algumas sementes, a fracas densidades de plantação e ao sistema de armação do terreno que leva ao aproveitamento de 50 a 60% da área total.
Recuperar bolanhas e não ter sementes em condições de maior rentabilidade do esforço humano e até não ter a produção de valor comercial é trabalho incompleto. Foi pensando nestes inconvenientes que se distribuíram sementes de valor comercial padronizado pela Comissão Reguladora do Arroz e se fez a sua multiplicação no Posto Agrícola do Pessubé, com recurso a adubações. O que se fez neste capítulo parece-nos aceitável e o melhor caminho a seguir, mas só o recurso a adubações se nos afigura indispensável. No entanto, é difícil levar o agricultor pouco evoluído a seguir esta peugada. Só o sistema de cooperativas de produção e o estabelecimento de culturas piloto podem levar á adesão a estes métodos de cultivo”.

A sua atenção dirige-se agora para o coconote e óleo de palma:
“A exploração dos palmares naturais é feita, na generalidade, na época seca entre Fevereiro e Maio. Dessa exploração retira uma parte das populações locais o numerário para custear obrigações e necessidades familiares e sociais. Nos Bijagós, com uma maior rede de postos de britagem aliada ao interesse da administração local, a produção de 1964 passou de 200 para 600 toneladas, o que demonstra algo do que atrás se apontou”.

E chegamos agora a uma novidade, o caju, informa-se que a Brigada da Guiné da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar iniciara os estudos preliminares julgados necessários para a expansão do cultivo do cajueiro. Dos estudos efetuados chegara-se a conclusões promissoras, o trabalho ia continuar.
E depois da detalhadíssima exposição quanto à necessidade de uma reforma profunda da economia agrária, o relatório espraia-se por outros pontos, fala-se no preço médio local dos géneros alimentícios e outros bens essenciais, enumeram-se as indústrias locais e são referidas as vias de construção em curso. Estava então asfaltado o troço Bissau-Mansoa. Para o gerente de Bissau era crucial alargar picadas, abrir valetas, construir inúmeros aquedutos, fazer-se a correção do solo do pavimento em alguns casos.

E dá informações de tudo quanto se está a fazer:
“Começaram em Outubro as obras para a pavimentação asfáltica e obras de arte no troço da estrada Mansoa-Mansabá, na extensão de 30 quilómetros. Iniciaram-se os trabalhos para construção em estacaria de uma ponte provisória com o comprimento total de 72,5 metros sobre o rio Colúfi, em Bafatá, situada logo à saída desta última localidade e que assegurará o trânsito permanente para o Sul da Província, uma vez que a existente está em ruínas. Concluiu-se a construção da rampa de acesso ao ferryboat no Enxudé. Procedeu-se também ao estudo da terraplanagem, pavimentação e trabalhos complementares em várias ruas de Bissau e terraplanagens e obras de arte na Avenida Marginal de Bissau.
A Guiné dispõe de óptimas e numerosas vias navegáveis na faixa litoral e no interior, calculando-se que a rede de comunicações fluviais seja superior a quase um milhar de quilómetros. Contudo, se bem que na situação normal que a Província atravessa se tenha recorrido ao barco como meio de ligação, não atingiu ainda a navegação fluvial o desenvolvimento que seria de desejar”.

Ponte de Bafatá

É na primeira parte do relatório de 1965 que se fala claramente na guerra:
“Mais um ano findou sem que a tranquilidade tivesse voltado a esta portuguesa terra da Guiné.
Política e militarmente, a situação da Província não sofreu alteração digna de menção.
Se não houve agravamento, também não se vislumbra melhoria de vulto, o que de resto é tradicional neste tipo de guerra em que os factores tempo e desgaste, este quer em homens quer economicamente têm papel de preponderante influência.
A táctica dos terroristas continua, de um modo geral a caracterizar-se por emboscadas com a utilização simultânea de minas anticarro e antipessoal seguidas de atraques à metralhadora e à bazuca, destruição de tabancas fiéis com vista à intimidação das populações e cortes de estradas e pontes afim de impedirem não só a livre movimentação das nossa tropas como criar dificuldades ao escoamento dos produtos da terra com o objectivo de atingirem um dos seus principais, ambicionados e confessados fins: a ruína económica da Guiné.
Esperamos que tal não aconteça e para tanto contamos com o brio e valor dos homens a quem cabe o dever de velar pela integridade desta parcela do território nacional”.

(Continua)

Desenho de Jorge Barradas publicado na revista “Mundo Português”
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Nota do editor

Poste anterior de 8 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18722: Notas de leitura (1073): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (38) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)