quinta-feira, 28 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18787: Memórias de Gabú (José Saúde) (68): As minhas memórias de Gabu: A antiga Nova Lamego (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 



Histórias e memórias de Gabu

A antiga Nova Lamego

Denominada então como Nova Lamego, sobretudo ao longo da guerra colonial, Gabu é uma região cujas fronteiras confinam a norte com o Senegal, a leste e a sul com as regiões de Tombali e a oeste com Bafatá.

Recorrendo a dados históricos contemplados na Wikipédia, enciclopédia livre, Gabu foi a capital do Império Kaabu, um reino Mandinga que existiu entre os anos de 1537 e 1867 e que se chamava Senegâmbia. Antes, fora uma província do Império Mali. No século XIX a etnia fula impôs, em força, a sua verdadeira supremacia na região e colocou ponto final no domínio de Kaabu.

Recorde-se, simultaneamente, que sendo Gabu a pátria do chão fula (79,6%), existe também a etnia mandiga (14,2%) que se espalha por toda a zona mas numa menor escala. Foi-me dado a oportunidade em conhecer alguns dos princípios éticos de uma população que prima pela honra de uma herança que assumem como um indeclinável direito.

Territorialmente Gabu possui uma área de 9.150 kms2 e tinha no ano de 2004 uma população que se estimava em 178.318 almas, sendo, por isso, considerada uma das maiores, senão a maior, das regiões do país. 

Como nota de rodapé, que entendo como credível, após a independência do país Gabu recuperou o seu nome tradicional existindo, atualmente, um pequeno núcleo urbano de inspiração colonial. 

Detentora de clima tropical, quente e húmido, a região de Gabu é composta por uma população em que a doutrina praticada aponta como alvo principal a religião muçulmana (77,1%).

Os usos e costumes das gentes de Gabu derrapam para primórdios éticos onde é visível uma hierarquia humana que não abdica do erário transmitido de gerações para gerações.

Redijo este tema sobre um “estágio” no qual me foi proporcionado observar algo mais ao longo da minha comissão em solo guineense, embora encurtada devido à Revolução de Abril de 1974, uma vez que fui um dos cerca de 40 mil militares dos três ramos das Forças Armadas – Exército, Força Aérea e Marinha – quando ali prestava serviço. Conheci, portanto, a guerra e a paz. 

Num trivial conhecimento com os nativos que muito me estimulou, gentes simples que viviam no interior de um adensado mato e entre as duas frentes da guerra, usufrui da possibilidade em conhecer alguns dos seus expeditos hábitos.

Assevero que um dos seus tradicionais costumes seculares era o fanado, uma festa tradicional nalgumas etnias indígenas, sendo comum deparámo-nos com grupos de jovens no mato que foram submetidos a um rito de passagem, um processo cultural nativo que passava, e passa, pela iniciação dos rapazes e das raparigas à idade adulta. 

A ideia possuída por todos nós sobre o fanado era de que se tratava de uma espécie de operação primária, feita por métodos obsoletos utilizados pelos homens e mulheres grandes aos jovens que se preparavam para despontar para a transição da puberdade para a vida sexual.

Sabíamos que a cerimónia era secreta e que os órgãos genitais, pénis e vagina, sofriam pequenos cortes focais, sendo a finalidade manter a tradição dos seus antepassados. A pequena cirurgia era dolorosa, segundo confessavam aqueles que conheceram o sofrimento.

Numa análise minuciosa feita ao conteúdo dessa velha tradição, existe o conhecimento que no caso dos rapazes a microcirurgia resume-se ao corte do prepúcio e no caso das raparigas trata-se de uma autêntica Mutilação Genital Feminina.

Sabe-se que a excisão do clítoris e dos grandes lábios nas meninas, era, e é, uma prática inaceitável à luz dos direitos humanos e como tal um crime penalizado pela lei dos Estados modernos.

Porém, a lei, concretamente neste caso, está longe de ser rigorosamente cumprida na Guiné-Bissau, face ao atavismo desta prática secular e ao secretismo das cerimónias que são realizadas em separado (rapazes e raparigas).

Por outro lado, as fanatecas (mulheres que fazem a excisão feminina) têm ainda, em termos simbólicos e materiais, um grande peso nas comunidades mais tradicionais (em geral islamizadas). É, no fundo, uma prática para a qual é necessário encontrar alternativas, embora saibamos que esses princípios são há muito alvos denunciados e combatidos pela Organização Mundial de Saúde.

Num périplo feito aos reflexos futuros que implicam intrinsecamente com o estado de saúde sexual reprodutiva das mulheres que são submetidas ao fanado tradicional, é normal que existam problemas numa fase adulta. 

O método, segundo dados recolhidos na altura em que por lá prestámos serviço, era, e é, rude, feito com ortodoxas facas de mato entre outros apetrechos caquéticos e as feridas curadas com mesinhos caseiros, asseguravam os antigos sofredores.

Camaradas, o texto que vos deixo aponta sobretudo para recordar Gabu em memórias históricas e trazer à estampa um tema que me deixava de facto perplexo quando me deparava com jovens em pleno mato a contas com o sofrimento do fanado.

Termino a narrativa passando ao lado de um cenário de guerra onde o cheiro a pólvora era atroz, mas com a infalibilidade sobre um fenómeno acerca das tradições na Guiné as quais permanecem irrefutáveis em populações que convivem com reações filantrópicas que o evoluir do tempo teima em preservar. 

Crianças de uma Guiné em guerra 


Madina - Crianças

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

7 DE ABRIL DE 2017 > Guiné 61/74 - P17220: Memórias de Gabú (José Saúde) (67): As minhas memórias de Gabu: A morte de um camarada (José Saúde)

Guiné 61/74 - P18786: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXVII: um efeméride: faz hoje 50 anos que vim de férias, pela primeira vez, à Metrópole... A família foi-me esperar ao aeroporto da Portela, passámos por Fátima, Alcobaça e Nazaré, a caminho de casa, no Porto...


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Bissalanca > 28 de junho de 1968 > O avião da TAP estacionado na placa


Foto nº 2 >  28 de junho de 1968 > A bordo do avião da TAP, Boeing 727 100, nos céus da costa de África, a caminho de casa, para gozar umas merecidas férias.


Foto nº 3 > 28 de junho de 1968 > Vista geral dentro do avião TAP, Boeing 727-100, os passageiros, não muitos, as malas de bordo quase não havia nada, aguardando a chegada.


 Foto nº 4 > 28 de junho de 1968 > Foto aérea da primeira vista de Portugal, a costa algarvia.


Foto nº 5 > 28 de junho de 1968 > Foto aérea da primeira vista de Lisboa, talvez a pista da Portela, o Rio Tejo, e a asa do avião. Preparação para a aterragem.

[Salvo melhor opinião...,  a vista parece-me ser a  da margem esquerda do estuário do Tejo,  e da pista da base aérea nº 6, do Montijo, com a serra da Arrábida ao fundo... Ou seria alguma estrada em construção, de acesso à ponte ?] (LG).


Foto nº 6 >  28 de junho de 1968 > Foto aérea do rio Tejo, Lisboa e Almada, com vistas da Ponte Salazar.


Foto nº 7  > Chegada e saída no aeroporto da Portela. A minha família. Eu levo uma grande mala, ao lado a minha mãe com um saco de documentos da TAP, atrás a minha irmã Filomena com uma mala branca, e no final de tudo a minha namorada Manuela.


Foto nº 8 >  Fátima > 28 de junho de 1968 > No Santuário , os meus pais a caminho da capelinha das aparições.


Foto nº 9 > Alcobaça > 28 de junho de 1968 >  Mosteiro de Alcobaça, o meu irmão mais novo, Sérgio, o meu pai e a seguir a minha mãe, num dia de muito calor. Íamos a caminho do Porto.


Foto nº 10 > Alcobaça > 28 de junho de 1968 >  Na porta do Mosteiro, os meus pais a saírem, sentada na beira do muro a minha irmã Filomena, e de lado a minha namorada, Manuela.


Foto nº 11 > Nazaré > 28 de junho de 1968 > Na praia,  depois de um almoço inesquecível, a Manuela, a minha mãe, o Sérgio, e a Filomena. Ainda não se falava do canhão... da Nazaré nem nas ondas gigantes...


Foto nº 12 > Porto >Julho de 1968 >  Na praia da Foz no Porto, com a minha namorada, e sempre seguido pelo meu irmão Sérgio, como vigilante, a mando da minha futura sogra...

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue.


Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: T 1000 – A primeira viagem de férias à metrópole

Anotações e Introdução ao tema:

(i) INTRODUÇÃO:

Trata-se de parte do álbum de fotos  e "slides" digitalizados, captados em Junho/Julho 1968, onde estiveram em Lisboa a esperar-me, os meus pais, os meus irmãos, Mena e Sérgio, e a minha namorada, Manuela.

Depois da chegada em 28 e Junho de 1968, fomos primeiro a Fátima, depois a Alcobaça e seguidamente para a Nazaré – ainda não havia lá o ‘canhão’.

Seleccionei algumas das fotos, para assinalar os 50 anos da minha primeira viagem num avião da TAP, e as minhas "férias de luxo" no Porto e arredores.


(ii) LEGENDAS:

F01 – O avião da TAP estacionado na pista de Bissalanca. Bissau, 28Jun68.

F02 – Dentro do avião da TAP, Boeing 727 100, nos céus da costa de África. Estou cheio de "roncos", já vinha meio marado, com barrete fula vermelho, pulseiras, anéis, colares, e a minha primeira polo Fred Perry, bebendo um copo. Ao lado um furriel do meu batalhão. 28Jun68.

F03 – Vista Geral dentro do avião TAP, Boeing 727-100, os passageiros, não muitos, as malas de bordo quase não havia nada, aguardando a chegada. Céus do mundo, 28Jun68.

F04 – Foto aérea da primeira vista de Portugal, a costa algarvia. Céus de Portugal, 28Jun68.

F05 – Foto aérea da primeira vista de Lisboa, talvez a pista da Portela, o Rio Tejo, e a asa do avião. Preparação para a aterragem. Céu de Lisboa, 28Jun68. [O nosso editor, LG. diz que não, que a vista é a da margem esquerda do estuário do Tejo,  e a pista não é da Portela, mas  da base aérea do Montijo, com a serra da Arrábida ao fundo...].

F06 – Foto aérea do rio Tejo e Lisboa, com vistas da Ponte Salazar. Céu de Lisboa, 28Jun68.

F07 – Chegada e saída no aeroporto da Portela. A minha família. Eu levo uma grande mala, ao lado a minha mãe com um saco de documentos da TAP, atrás a minha irmã Filomena, a Mena,  com uma mala branca, e no final de tudo a minha namorada Manuela, ainda com um pequeno saco que não se vê. Trazia manga de "roncos" para todos. A foto foi tirada pelo meu pai com uma máquina tipo caixote, mas que ficou marcada a imagem.

Curiosidade que todos devem ter passado por isso. Depois de o avião parar, a malta levanta-se e vai-se chegando para a porta, e entra um indivíduo com um instrumento tipo mata-moscas, borrifando tudo e todos com um produto qualquer, todos se riram, mas devia ser um antisséptico por causa da mazelas e bicharada que trazíamos connosco no corpo.

Nunca fiquei esclarecido, mas da 2ª vez, em 1969, já não aconteceu este estranho episódio. Lisboa, aeroporto da Portela, 28Jun68.

F08 – No Santuário de Fátima,  os meus pais a caminho da capelinha das aparições. Fátima, 28Jun68.

F09 – No Mosteiro de Alcobaça, o meu irmão mais novo, Sérgio, o meu pai e a seguir a minha mãe, num dia de muito calor. Alcobaça, 28Jun68.

F10 – Na porta do Mosteiro, os meus pais a saírem, sentada na beira do muro a minha irmã Filomena, e de lado a minha namorada, Manuela. Alcobaça, 28Jun68.

F11 – Na praia da Nazaré,  depois de um almoço inesquecível, a Manuela, a minha mãe, o Sérgio, e a Filomena. Ainda não havia o "canhão"! Nazaré, 28Jun68.

F12 – Mais tarde, já na praia da Foz no Porto, com a minha namorada, e sempre seguido pelo meu irmão Sérgio, como vigilante, a mando da minha futura sogra. Porto, Julho 68.

Em 2018-06-26

Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».
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quarta-feira, 27 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18785: Historiografia da presença portuguesa em África (122): A Guiné nas duas guerras mundiais, dois curtos episódios (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Fevereiro de 2018:

Meus queridos amigos,
Temos alguns esparsos quanto ao impacto que os dois conflitos mundiais tiveram na Guiné. Os relatórios do BNU e a documentação avulsa que é possível consultar falam sobretudo dos aspetos económicos, da vigilância britânica, pretendiam a todo o transe travar quaisquer transações que chegassem à Alemanha, tinham sobejos motivos para se inquietar, a presença alemã até ao fim da I Guerra Mundial foi relevante.
Há qualquer coisa de pitoresco no documento referente à reunião secreta promovida em agosto de 1942 pelo Governador Ricardo Vaz Monteiro, fala-se numa invasão iminente e olhando à volta não se encontra, nem de longe nem de perto, uma potência com capacidade invasora, naquele momento, o exemplo de Timor era muito mal escolhido para aquele cenário.
Com isto chama-se a atenção para continuar a investigar o que se passou na Guiné, no tempo destes dois conflitos.

Um abraço do
Mário

Ricardo Vaz Monteiro, 1891-1975


A Guiné nas duas guerras mundiais, dois curtos episódios

Beja Santos

A participação da Guiné nos eventos dos dois conflitos mundiais tem sido alvo de investigações fragmentadas, o que é compreensível na ausência de uma obra histórica abrangente. Dois documentos encontrados no Arquivo Histórico do BNU, um de 1916 e outro de 1942, permitem uma certa aproximação ao que se viveu. Recorde-se que só há relatórios de execução do BNU na Guiné a partir de 1917, não se iludem as dificuldades criadas pelo primeiro conflito mundial, designadamente o que tinha a ver com a atividade das empresas alemãs na colónia e também as relacionadas com o período de carência, inflação e dificuldades na exportação. A II Guerra Mundial tem mais holofotes a iluminar a cena, e a documentação depositada no Arquivo Histórico do BNU é de consulta obrigatória. Aquela porção da África Ocidental francesa não obedeceu ao governo de Vichy, com quem Salazar procurou prezar um relacionamento diplomático cordial, pelo menos nas aparências. As dificuldades aumentaram com o contrabando, que era praticamente incontrolável, pela perda de divisas, os orçamentos da colónia, neste período, eram extremamente austeros, procurou-se exportar o que interessa aos beligerantes, caso da borracha, as importações eram dificílimas.

Vejamos o primeiro documento, é expedido de Bolama em 9 de julho de 1916 para Lisboa. Refere que tinha vindo da sede a autorização para um crédito de vinte contos a favor de Joaquim António Pereira, antigo gerente da firma Salomão Pereira Neves & Ca. O gerente de Bolama é perentório, tal senhor era acusado de negociar com alemães, Bolama preparava-se para cortar o crédito.
E importante é o que se escreve a seguir:
“Ultimamente disseram-nos que negociava com dinheiro emprestado por Rodolf Titzch & Ca. e por isso achamos prudente não lhe dar aviso de crédito sem primeiramente ouvir V. Exas. Nós não temos nenhuma denúncia por escrito mas estamos convencidos ser verdadeiro o que dizem. De uma lancha soubemos nós que foi carregada em Bafatá, saindo o coconote dos armazéns do Titzch, apesar do coconote ser comprado a um cabo-verdiano que fingiu ser intermediário. Não estando V. Exas. de acordo connosco, sirvam-se telegrafar a receção desta”.

Convém notar que os gerentes informavam sistematicamente a criação de empresas, a natureza das suas hipotecas, as falências, as chegadas e partidas notáveis, etc. Um exemplo curioso foi o dossiê que li sobre a empresa Bambay States Limited, que pretendia implantar-se nos Bijagós, enviara um inglês de pele escura, Burmester Ellis Bull, e na informação para Lisboa logo se dizia que tal senhor não era pessoa de confiança, havia mesmo quem dissesse que tinha cadastro. Falamos do pai de James Pinto Bull, deputado da Assembleia Nacional que faleceu em 1970 num acidente de helicóptero no rio Mansoa, que vitimou outros deputados, para além do piloto. A carta confidencial de 7 de agosto enviada de Bissau para Lisboa tem um tom muito mais dramático, o gerente refere que mandara um telegrama cifrado, procurara fugir à vigilância inglesa.

Atenda-se ao que escreve:
“Em 29 do mês findo (julho), o Senhor Governador Vaz Monteiro convocou os chefes de serviço para uma reunião secreta a que nos convidou a ir.
Em curtas palavras, indicou o caminho que cada um devia seguir caso se desse aqui uma invasão estrangeira como a que se verificou em Timor e informou que ele, governador, em tal emergência, se encontraria onde se encontrassem as forças militares da colónia.
Aos que não tinham funções militares, recomendou que, houvesse o que houvesse, não saíssem dos seus lugares e aconselhassem a mesma atitude aos seus subordinados e às demais pessoas que porventura estivessem à sua volta, para que se evitassem dificuldades ao movimento das tropas.
Das suas palavras e talvez, mais ainda, do modo como as pronunciou, ficou-me a impressão e aos outros também de que estava iminente qualquer agressão à colónia, não se dizendo, ou não se sabendo, de que lado vinha.
Mais me convenci que assim era quando o Senhor Governador, já a sós comigo, me perguntou que destino daria eu aos valores do Banco, principalmente ao ouro; se conviria retirar com tudo para o mato; se enterrar o ouro em qualquer parte do interior.
Respondi que não tinha ordens especiais a tal respeito mas que ia pedir imediatamente a V. Ex.ª. e foi daqui que nasceu o telegrama de 30, feito em termos a que deu acordo o Senhor Governador. O ouro foi imediatamente colocado em sólidas caixas e o peso dividido de modo a facilitar o transporte.
As notas podem ser ensacadas com relativa rapidez, se não foi mais rápida ainda a acção que parece temer-se contra a colónia.
O que se tornará mais difícil é obter transporte rápido que tudo carregue, pois a falta de gasolina é cada vez maior.
Suponho que V. Ex.ª. me dará depressa as instruções que pedi.
Caso as não receba, considero-me na obrigação absoluta de defender os valores à minha guarda. Caso V. Ex.ª. me dê ordens tendentes a não saírem do lugar em que estão os valores do Banco e se verificar que, para honra da nossa terra é preciso responder a qualquer agressão pela força, eu peço a V. Ex.ª. que me julgue bem quando lhe constar que eu fui um dos primeiros a enquadrar nos da primeira linha. A nossa força aqui, pelo lado material é tão pequena que, se for preciso utilizá-la, todos têm de dar o seu máximo esforço”.




Não se atina, na ausência de outros elementos, quem seria a potência invasora. Algo mudara, é certo nos acontecimentos do Norte de África. Em 21 de junho desse ano, Rommel conquistara Tobruk, suponha-se que estava aberto o caminho para que as tropas alemãs atingissem rapidamente o Cairo e sufocassem o canal de Suez. Mas não se consegue descortinar um avanço impetuoso alemão sobre a África Ocidental. Também não se descortina a possibilidade dos britânicos irem em socorro da Gâmbia, não podiam hipotecar meios navais para tal operação. E os norte-americanos estavam ainda a formar um corpo de exército destinado a desembarcar no Norte de África. A hipótese que se pode pôr era de que o governador recebera instruções para proceder a simulações de defesa, de modo a que as populações ganhassem sensibilidade para a guerra avassaladora na Europa, África, Ásia e Oceânia. Mas tudo isto não passa de especulação, seria necessário consultar a documentação referente a este período da governação no Arquivo Histórico Ultramarino.

Imagem da receção à Tuna Académica em Bissau, onde deu espetáculo, retirada da obra “Uma Apoteose - duas visitas - uma despedida”, obra relacionada com a partida do Governador Raimundo Serrão, 1953.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18782: Historiografia da presença portuguesa em África (119): O primeiro voo, ligando Lisboa a Bolama, em 1925, e a primeira tentativa de usar a aviação com fins militares naquele território (Armando Tavares da Silva) (Parte II)

Guiné 61/74 - P18784: Ser solidário (213): Petição, urgentíssima (até 3 de julho), ao sr Presidente da Republica, para instruir os seus serviços a apresentarem, na próxima reunião cimeira da CPLP em Julho próximo, em Cabo Verde, uma proposta visando a implementação dum plano extraordinário para os próximos dez anos no campo da educação em Timor Leste (João Crisóstomo, Nova Iorque)

1. Mensagem do nosso camarada da diáspora (Nova Iorque), ativista social e grã-tabanqueiro João Crisóstomo:

Data: 26 de junho de 2018 às 14:50
Assunto: nossas conversas ..

Caríssimo,

Aqui está o que estou a  tentar  enviar aos orgãos de informação,  na esperança de que  façam eco  e motivem muita gente  a enviar E mails ( ou o que acharem bem ) ao nosso Presidente da República. Tem de ser ASAP, please! [, o mais rápido possível!]
Se puseres no teu blogue isso vai  ajudar e se puderes convencer alguém no jornal Público , onde neste momento não tenho nenhum contacto,  seria óptimo.  Falamos mais, muito  brevemente, OK?
Um grande abraço .

A Vilma, (na cozinha a lavar os pratos do pequeno almoço)  quando percebeu que estava a falar contigo, berrou-me que mandasse um beijinho para vocês dois.

Saudades e até breve.
João


2. Campanha: Por Timor Leste e pela língua portuguesa: Apelo aos portugueses (dentro ou fora de Portugal) onde quer que se encontrem.

Estive em Timor Leste  no ano passado. E  de novo este ano.  Fiquei encantado, mas preocupado por muitas coisas que constatei. A língua portuguesa e a fé cristã foram os alicerces-base que possibilitaram a Independência de  Timor Leste. Mas  a situação está muito débil ainda.  Outros têm verificado o mesmo. Rui Chamusco e Gaspar Sobral  por exemplo, que  de seu bolso tinham já dado os primeiros passos para uma escola para as crianças esquecidas  nas montanhas remotas  de Timor. Juntei-me a eles. Preocupado fui mesmo ao Vaticano, onde  consegui  um encontro com o Sr.Cardeal Parolin, secretário de Sua Santidade,  e de quem obtive  o apoio moral que procurava, que eu sabia  imprescindível para eu poder   falar a outras pessoas sobre esta situação em Timor Leste. Uma escola, uma primeira gota de água,  foi inaugurada em Março passado. 

É absolutamente necessário fazer algo de extraordinário e com toda a urgência para salvar a língua portuguesa. Senão… imagine o que quiser, mas parece-me que será um futuro e uma situação muito  triste. Algo  tem que ser feito imediatamente. 

Tenho falado nisto a muita gente, inclusive aos dirigentes timorenses – e todos concordam comigo. Mas concordar só não chega: impõe-se fazer algo de concreto, e já. Portugal – crédito seja dado a Portugal e aos portugueses  –  tem feito e está  fazendo um esforço   a todos os títulos admirável.  Mas muito mais precisa de ser feito em Timor Leste . Com toda a urgência.

E  Portugal sozinho não pode. Em Nova Iorque  no passado dia 5 de Maio, "Dia da  Língua Portuguesa nas Nações Unidas",  consegui falar com a Sra Dra Maria do Carmo Silveira, Secretária Executiva da CPLP,  a quem pedi/propus  o seguinte:

Uma vez que a promoção da Língua Portuguesa é um dos objectivos para que a CPLP foi criada e dada a  necessidade e  urgência dum impulso no  ensino desta língua no jovem país de  Timor Leste, impõe-se  um programa extraordinário da CPLP  na promoção da língua portuguesa nos próximos anos em Timor Leste, com o objectivo  de que, no 25º  aniversário deste país (em 2027),  o acesso   à  educação   esteja  já  ao alcance  de toda a juventude e o uso da língua portuguesa esteja  mais generalizado.  O envolvimento interessado  e a implementação dum    programa extraordinário por parte da CPLP pode  fazer a diferença que urgentemente se impõe.

Fiquei contente com a maneira positiva como a Sra Dra Maria do Carmo Silveira me ouviu, concordando comigo que  seria pertinente e relevante que esta proposta fosse apresentada para consideração na  próxima cimeira da CPLP que  vai ter lugar a 17 e 18 de Julho em Cabo Verde, na Ilha do Sal.

Foi em Portugal  – em Julho de 1996 que – teve lugar o acto official da criação da CPLP:  Portugal tem sido  desde sempre  o grande impulsionador desta organização  e tem autoridade moral para apresentar, com muitas boas probabilidades de ser ouvido, esta proposta.   Vamos pedir ao nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa  e ao nosso  Primeiro Ministro  António Costa  que vão estar presentes nessa cimeira em Cabo Verde para apresentarem  ou darem o primeiro passo para que esta  proposta seja apresentada à CPLP. 

 Esta poderá  ser apresentada por eles mesmos ou em conjunto com a delegação de Timor Leste,  aí chefiada pelo seu presidente  Francisco Guterres.  Não tive oportunidade de contactar sobre isto o Senhor Presidente de Timor Leste, quando lá estive,  mas não tenho dúvidas de que será bem recebida, pela resposta que tive de outros líderes timorenses, entres eles Xanana Gusmão . Numa resposta que recebi  ( de Timor Leste, já depois de ter voltado  a Nova Iorque ) foi-me dito: "dei conhecimento do seu e-mail a S.Exa. Xanana Gusmão, como aliás solicitado, o qual ficou muito grato e naturalmente satisfeito pela sua amizade e carinho a Timor-Leste. Pediu-me ainda que lhe transmitisse o seu 'agradecimento pela dedicação por uma causa nobre, que é a educação!' ".

A mensagem que segue pode servir  como guia/modelo  para mensagens  a serem enviadas – por E mail com a máxima urgência os – próximos dias (sem falta antes de 3 de julho) para o Senhor Presidente . O  endereço é: belem@presidencia.pt

POR FAVOR AJUDE!

Obrigado
João Crisóstomo
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3. Mensagem por email a enviar à Presidência da República (até 3 de julho de 2018)


Exmo Senhor Presidente Marcelo Rebelo de Sousa,

Senhor Presidente,                     

 A situação da educação  em Timor Leste,  especialmente para todos os que seguimos e partilhamos os anseios deste país, é de muita preocupação.  É com muita confiança e esperança que viemos pedir o favor da sua ajuda para o que segue:

Uma vez que a promoção da Língua Portuguesa é um dos objectivos para que a CPLP foi criada e dada a  necessidade e urgência dum  esforço  extraordinário no  ensino da língua portuguesa  no jovem país de  Timor Leste, venho pedir ao Senhor Presidente  o seguinte: que  instrua os seus assistentes  para prepararem uma proposta a  ser apresentada na próxima  reunião cimeira da CPLP  em  Julho próximo em  Cabo Verde, visando  a implementação dum plano extraordinário para  os próximos dez anos no campo da educação em Timor Leste.

O fim deste é de que no 25º aniversário deste país (em 2027) o acesso   à  educação   esteja  já  ao alcance  de toda a juventude e o uso da língua portuguesa seja mais generalizado, no seguimento da premissa de que a língua portuguesa e a religião católica foram os grandes pilares na luta pela reaquisição da Independência de Timor Leste.

Portugueses, e todos para quem Timor Leste e a língua portuguesa estão no coração  – e porque sabemos que podemos contar  com a sua ajuda  –, estamos desde já antecipadamente muito gratos. 

Com muita confiança aceite,  Senhor Presidente, os meus  respeitosos cumprimentos.

 Local, Data, Nome  (e mais algum dado, se achar  bem incluir como ID: Nº de BI, Cidadão, Passaporte, Profissão... )   
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18719: Ser solidário (212): Gostaria de saber as companhias que passaram e estiveram sediadas em Candamã e quando é que costumam celebrar o convívio anual (Luís Branquinho Crespo)

Guiné 61/74 - P18783: Parabéns a você (1461): Fernando Maria Neves Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2404 (Guiné, 1968/70) e Vítor Caseiro, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4641 (Guiné, 1973/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 24 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18772: Parabéns a você (1460): António Branco, ex-1.º Cabo Reab Material da CCAÇ 16 (Guiné, 1972/74) e Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 26 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18782: Historiografia da presença portuguesa em África (121): O primeiro voo, ligando Lisboa a Bolama, em 1925, e a primeira tentativa de usar a aviação com fins militares naquele território (Armando Tavares da Silva) (Parte II)


Foto nº 1 > Da esquerda para a direita, Tenente Sérgio da Silva, Capitão Pinheiro Correia e 1.º Sargento António Manuel, antes da segunda partida, no campo de aviação da Amadora, em 1925


Foto nº 2 >  A tripulação do Santa Filomena: tenente Sérgio da Silva, capitão Pinheiro Correia e 1.º sargento António Manuel.


Foto nº 3 > Bolama > 2 de abril de 1925 > de Chegada dos aviadores a Bolama , onde aterraram no Campo de Aviação Sacadura Cabral


Foto nº 4 >  Vista aérea de Bolama, tirada  a partir do “Santa Filomena”


 Foto nº 5 > Vôos realizados na Guiné pelo Breguet n.º 15: Bisssau_Bor, Bissau - Bolama, Bolama - ILha das Galinhas - Ilha de Canhanbaque...                          



Página dedicada ao coronel Pinheiro Corrêa (1892-1973), um dos nossos "gloriosos malucos das máquinas voadoras".  O editor, ATR, deve um dos seus descendentes.

Referência: “Lisboa-Bolama- A primeira viagem aérea a uma colónia de África”, 1Sar. Pedro Manuel Ferreira, Mais Alto, pg 4-15, Mar/Abr 2005.

Texto de: 1Sar Pedro Manuel Ferreira

Fotos: AHFA - Arquivo Histórico da Força Aérea (Textos amavelmente cedidos pela Revista “Mais Alto” )


Fotos (de 1 a 5): retiradas, com a devida vénia, da página acima,  foram também publicadas na Revista “Mais Alto”, de mar / abr 2005.



Raide Lisboa-Bolama (1925)
Armando Tavares da Silva


por Armando Tavares da Silva, 
historiador (*)


(i) As tentativas de aquisição de hidroaviões para a Guiné

Passados cerca de ano e meio desde que Portugal entrara na Primeira Grande-Guerra, conflito em que hidroaviões desempenharam papel importante na luta anti-submarina, em meados de 1917, o governador interino da Guiné, major Carlos Ivo de Sá Ferreira, enquanto decorriam as perturbações na ilha de Canhanbaque, e face à dificuldade de se poder dispor de espingardas e cartuchame, lembra ao ministro a compra de um hidroavião ou monoplano, despesa com que a Província “bem pod[ia]”, a ser utilizado para pôr fim à “má situação” que lá se vivia.

 Em Outubro de 1917 Ivo Ferreira volta a esta questão, entendendo que a existência na Guiné de um hidroavião, “máquina de guerra”, acabaria com as revoltas de “certos elementos maus em extremo” e diminuiria os custos com a guarnição militar que mais proveito teriam se fossem para obras de fomento “de que se caresse (sic) por completo”.

Face a este pedido de Ivo Ferreira são consultados o chefe da Aviação Marítima, Artur de Sacadura Cabral, e o tenente Pedro Ferreira Rosado, que tinha o brevet de hidroaviões e conhecia a província, tendo estes concluído que os hidroaviões podiam prestar serviço na Guiné. Porém, a impossibilidade de despender 200.000 francos para a aquisição de dois aparelhos, leva a que seja apenas considerada o emprego transitório “mais tarde” de um dos aparelhos a adquirir para Angola.

Em Janeiro de 1918, Ivo Ferreira insiste na compra do hidroavião, pedindo autorização para a província o adquirir directamente. Contudo esta solicitação não terá sido concedida.

(ii) O primeiro voo para a Guiné 

Vai ser apenas em 1925 que, pela primeira vez, e por uma coincidência, a aviação é utilizada na Guiné com fins militares.

Sucedeu que neste ano se realizou o primeiro raide Lisboa-Bolama, e a presença na Guiné de um avião foi aproveitada pelo governador Vellez Caroço para efectuar algumas acções ofensivas igualmente em Canhanbaque, a mesma ilha dos Bijagós em que decorriam confrontos com os povos locais.

A realização deste voo resultou de uma proposta de Outubro de 1924 do capitão José Pedro Pinheiro Correia e do tenente Joaquim Sérgio da Silva, tendo o avião escolhido sido um Berguet XVI com o n.º 15. Este, depois de sofrer várias reparações e revisão do motor, é baptizado de “Santa Filomena”, ostentando na fuselagem uma Cruz de Ourique da antiga Ordem dos Templários.

A viagem era considerada fácil, pois se dispunha em rota de um elevado número de campos de aterragem para as necessárias escalas técnicas e eventuais emergências. Quanto aos propósitos da viagem “apenas” se pretendia “demonstrar, que a aviação portuguesa tem uma compreensão nítida da sua missão, acompanhando todos os progressos dessa arma dentro e fora do país, e podendo, pois, ser aproveitado com fins absolutamente utilitários e práticos.”

A ideia inicial de implantar flutuadores no avião foi abandonada, não só pelo custo que isso representava, como, sobretudo, por se temer que o avião mal se aguentasse em mar revolto.

Uma primeira partida tem lugar no dia 7 de Fevereiro de 1925, mas que é mal sucedida por o avião ter sido forçado a aterrar de emergência em Quarteira, devido a mau tempo e ter ficado danificado. Após as necessárias reparações, a 27 de Março o Berguet parte novamente para o projectado raide, seguindo a bordo o chefe da missão, capitão José Pedro Pinheiro Correia, nas funções de observador, o tenente Joaquim Sérgio da Silva como piloto e como mecânico o primeiro-sargento Manuel António.

A viagem até Bolama vai ser acompanhada de várias contrariedades e dificuldades que foi preciso vencer, tendo o Breguet aterrado em Bolama a 2 de Abril, num campo que entretanto fora aí improvisado.

Para facilitar a aterragem fora pedido que, logo que se avistasse o avião fossem acendidas quatro fogueiras produzindo bastante fumo nos extremos do campo. Haviam sido gastas 31 horas e 31 minutos de voo, e percorrida a distância de 4.070 km.

Esta viagem vem extensamente relatada em Coronel Pinheiro Corrêa (1892-1973) > Aviador >  Viagem Lisboa-Bolama (de 27 de março a 2 de abril de 1925), relato que nos dá conta de todas aquelas contrariedades e que o raide decorreu em 7 etapas: Amadora – Casablanca; Casablanca – Agadir; Agadir – Cabo Juby; Cabo Juby – Vila Cisneros; Vila Cisneros – S. Luís do Senegal; S. Luís do Senegal – Dakar e, finalmente, Dakar – Bolama.


 (iii) Os bombardeamentos de Canhanbaque 

Em apoio à acção do governador, que procurava submeter os indígenas que recusavam o pagamento do imposto de palhota, aqueles oficiais realizaram, em dois dias seguidos (21 e 22 de Abril), missões de bombardeamento sobre os rebeldes, lançando 65 granadas de artilharia, do tipo “Schneider”, que depois de adaptadas de forma rudimentar nas oficinas navais de Bolama, foram transformadas em bombas de avião. O seu lançamento, à mão, foi efectuado “por um oficial-bombardeiro cuja indumentária se limitava a um pijama…tal era o calor (…)”.

Para a primeira missão, com a duração de 1h40, o Breguet descolou às 6 horas e 55 minutos (locais) tendo sobrevoado a ilha das Galinhas e voado próximo da ilha de Bubaque até atingir o posto de Bine, na ponta sul da ilha de Canhanbaque. Aí foram largadas duas mensagens do governador, tendo a artilharia do posto saudado com alguns tiros.

O bombardeamento das tabancas foi feito a 300 metros com granadas de 7mm. Descendo a 100 metros, é atingida uma palhota, tendo sido lançadas algumas granadas dentro da povoação, e notando-se que uma tabanca fora incendiada. Na tabanca mais próxima do posto foi arvorada uma bandeira nacional, depois de lhe terem caído próximo algumas granadas.

Na segunda operação de bombardeamento os indígenas, “refeitos do susto da véspera, já encaravam com mais ousadia as evoluções do avião” e reagiram com alguns tiros de longa,  “felizmente sem resultado”.

Pinheiro Correia e Sérgio da Silva seriam louvados pelo Governo da Província pela sua actuação na Campanha de Canhanbaque, em virtude da sua “abnegação, dedicação patriótica e valentia (…), apesar de o avião sofrer de grave avaria no motor”.

Depois dos voos de Gago Coutinho e Sacadura Cabral de 1922, e de Brito Pais, Sarmento de Beires e Manuel Gouveia de 1924, ligando o continente com Macau, acabava de ser realizado o primeiro voo ligando Lisboa com uma colónia de África, neste caso a Guiné.




Amadora, concelho de Oeiras > 1928 > Campo de aviação. Foto, reproduzida com a devida vénia, da página do Facebook Amadora Antiga.


2. Comentário do editor LG:

O que  muitos "camaradas e amigos da Guiné" não sabem é que a Amadora  (a antiga Porcalhota, até 1907) foi durante  um quarto de século, entre 1913 e 1938 o "berço" dos "gloriosos malucos das máquinas voadores"...  Ou melhor, a "campo de aviação" que ficava no "campo do Borel", onde são hoje as instalações da Academia Militar...

Sabe-se, por exemplo, que a 18 de março de 1917, a “Liga dos Melhoramentos da Amadora” organiza um Festival Aéreo, nos terrenos onde está actualmente a Academia Militar, o campo do Borel, na Amadora, onde aterram o tenente António Caseiro e Sacadura Cabral. Pode imaginar-se a "loucura" que foi este evento, a avaliar pelo número dos que assistiram ao festival (50 mil pessoas), o que equivalia a doze vezes a população daquela povoação na época (c. 4 mil).

Terá sido o primeiro campo de aviação do país, ou a primeira unidade militar aérea: em 1919 o “Grupo de Esquadrilhas de Aviação República” (GEAR) instala-se nos terrenos junto ao campo de futebol dos “Recreios Desportivos da Amadora”,  ou seja, nos terrenos da futura Academia Militar.  A história da aviação portuguesa passa, pois, inevitavelmente por aqui. Foi da Amadora (freguesia em 916, vila em 1937...) que partiram algumas das mais importantes viagens da aviação nacional, nas décadas de 1920 e 1930:

(i) tentativa de ligação à ilha da Madeira, por Sarmento Beires e Brito Pais (1920);

(ii) raide Lisboa-Macau no «Pátria», com Brito Pais, Sarmento Beires e Manuel Gouveia (1924);

(iii) raide Lisboa - Bolama, capital da colónia portuguesa da Gyuiné, no «Santa Filomena» com Pinheiro Correia, Sérgio da Silva e Manuel António (1925);

(iv) voo a Goa, com Moreira Cardoso e Sarmento Pimentel (1930):

(v) voo de Carlos Bleck e Humberto da Cruz à Guiné e Angola (1931);

(vi) viagem de ida e volta, no «Dili», a Timor, com Humberto da Cruz e António Lobato (1934);

(vii) em 1938, é extinto o campo de aviação e transferido para Tancos...

Por fim, não esquecer é que na Amadora, e mais exatamente em Alfragide, que está sediado o Estado Maior da Força Aérea, E a Academia Militar tem também o seu campus, o Campus da Amadora, na freguesia da Reboleira.

Guiné 61/74 - P18781: Convívios (863): Encontro do pessoal da CCAÇ 2701, com homenagem ao seu Comandante, Capitão Clemente, ocorrido no passado dia 16, em Braga (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 22 de Junho de 2018:

Caro amigo,
Após uns largos meses de silêncio, mas não de afastamento, já que continuo a acompanhar o nosso blogue com a melhor atenção, venho colocar à tua/vossa consideração a publicação de dois pequenos textos e algumas imagens alusivos ao encontro anual da CCAÇ 2701, que esteve no Saltinho em 1970/71/72 (estive com esta Companhia, de Março 71 a Fevereiro/72, após formação na Amura e estágio em Bambadinca).

Desta feita, a malta da Companhia decidiu homenagear o seu antigo comandante, o Capitão Carlos Trindade Clemente (atualmente Coronel na reserva) , homenagem essa que, por ser inteiramente justa, apoiei com o maior entusiasmo. Com efeito, sendo verdade que pela guerra colonial também passaram chefes altamente responsáveis, competentes e amigos dos seus homens, o capitão Clemente foi sem dúvida um deles. Mas, por agora, não me alongarei em exaltações, deixando que o discurso final, que estou a anexar, fale por si. Se me for dada oportunidade, voltarei ao assunto mais tarde, talvez em jeito de crónica sobre a minha passagem pelo Saltinho (e não só), que ainda tem muito que se lhe diga.

O segundo texto (Distinção e Louvor) refere-se à condecoração (em jeito de brincadeira) do ex-Furriel Miliciano Vagomestre da Companhia, Bernardino Alves, o qual já merecera a distinção em Junho/2017, em Seia, sua terra-natal, mas que, por incúria minha – esqueci-me da medalha em casa – só agora recebeu a tão merecida insígnia. Para evitar misturas inconvenientes, gostaria que este último texto, que te remeterei num segundo e-mail, fosse publicado em data posterior. E, como em Seia, em 2017, foi distribuído pela malta um exemplar de “O Saltitão”, o jornal da CCAÇ 2701, que, a convite do Capitão Clemente, tive a honra e a pouca vergonha de criar, enviar-te-ei a respetiva capa ou, se assim entenderes, todas as páginas – tenho, pelo menos, os dois primeiros números completos –, que publicarás, ou não, a teu bel-prazer.

Da minha passagem pela Guiné, disponho ainda de algumas fotografias minhas e diversas imagens extraídas de publicações militares, que gostaria de enviar-te, mas devidamente legendadas e, eventualmente, com textos, ainda que breves, anexos. Fá-lo-ei logo que possível, ficando, obviamente, à tua/vossa consideração, o interesse e a oportunidade da respetiva publicação no nosso sempre estimado blog.

Um grande abraço,
Mário Migueis

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Homenagem 

No passado dia 16 do corrente mês de Junho, no cimo do Sameiro, em Braga, decorreu mais um dos encontros anuais dos ex-combatentes da CCAÇ 2701, que, ao longo dos anos 70 a 72, assentaram arraiais no paradisíaco recanto guinéu do Saltinho. 

E, por entenderem estes que talvez a importância histórica de Bracara Augusta estivesse à altura de tão relevante e significativo ato, ali fizeram questão de homenagear o seu jovem comandante, cujos valores humanos, inteligência e capacidade de liderança, só puderam merecer-lhes a maior admiração e respeito. 

Para tentar verter em palavras esse mesmo sentimento sincero que o homenageado lhes inspirou, e bem assim a gratidão que unanimemente lhe é reconhecida pelo bem-estar e pela segurança que lhes soube proporcionar num teatro de operações de elevado grau de dificuldade e risco, elaboraram e subscreveram os seus homens o pequeno texto, que, imediatamente à publicação da sua fotografia, se passará a reproduzir.

Coronel Carlos Trindade Clemente

Homenagem

Pobrezita, senhor, a língua lusa,
Carente de palavras mais exatas
Com que se exprimir a nossa musa
No obrigado ao Belo, que retratas.

Ainda assim, senhor, ainda assim, aqui queremos deixar patente o nosso reconhecimento pelo teu carater de Homem Grande, pelas tuas capacidades de liderança, pelas elevadas competências que tão bem soubeste aplicar em prol da missão que um dia nos foi confiada.

A determinação e a coragem, que sempre te caracterizaram, em determinação e coragem transformaram os nossos medos e ansiedades, levando-nos a um desempenho do qual, graças a ti, só podemos orgulhar-nos. Indicaste-nos os caminhos, seguimos-te sem hesitações. Burilaste-nos comportamentos, tornámo-nos melhores e mais fortes. Darias a vida por nós. Daríamos a vida por ti. Um dia nos levaste. Um dia nos trouxeste. De bem com o nosso sentir. E em segurança. Como sempre desejaste mais que tudo.

Por seres o que és. Por seres o que foste. Bem hajas, Capitão Clemente. E que a Senhora do Sameiro te abençoe. E te bendiga. E te proteja. Com o mesmo cuidado e empenho com que sempre protegeste os teus soldados.

Braga, 16 de Junho de 2018

(Seguem-se as assinaturas de todos os ex-combatentes da CCAÇ 2701 presentes)



Alguns de "Os 3 SSS do Saltinho" com o Capitão Carlos Clemente na primeira fila, ao centro

Em primeiro plano, o Marques, nosso anfitrião, que, com o Belarmino Alves, ao centro, constituiu a Comissão Organizadora do evento – parabéns, rapazes!

... E que a Senhora do Sameiro te abençoe. E te bendiga. E te proteja… “ – palavras de todos, na voz do Mário Migueis

O ex-alferes miliciano Fernando Mota no uso da palavra, durante a homenagem ao comandante da CCAÇ 2701 – no final do discurso, faria a entrega ao homenageado de uma belíssima placa prateada, alusiva ao ato. Ao fundo, medalha de “Serviços Distintos” ao peito, atribuída, um ano atrás, em Seia, sua terra natal, o ex-furriel miliciano Belarmino Alves, vagomestre da Companhia.

Olhos e ouvidos bem atentos aos inflamados discursos.

“…veio de longe, de muito longe, o que ele andou para aqui chegar..." – o grande Calado, que, embora esteja emigrado no longínquo Canadá, não falta a nenhum destes afetuosos encontros.

Gente valente, de antes quebrar que torcer.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18763: Convívios (862): XXXIX Encontro do Pessoal da CCAV 2639, dia 30 de Junho de 2018 na Carapinheira, Montemor-o-Velho

Guiné 61/74 - P18780: Historiografia da presença portuguesa em África (120): O primeiro voo, ligando Lisboa a Bolama, em 1925, e a primeira tentativa de usar a aviação com fins militares naquele território (Armando Tavares da Silva) (Parte I)





Lisboa > 1955 > O caça F-84, a ser descarregado, de um navio da armada dos EUA, no cais do Poço do Bispo.

Fotos ( e legenda): © Armando Tavares da Silva (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de 4 do corrente, :do nosso amigo e grã-tabanqueiro Armando Tavares da Silva, historiador, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926”:

Caro Luís Graça,

A publicação do Post P18647 de 18.5.2018 relativo ao voo dos caças F-86 para a Guiné – Operação ATLAS (*) – fêz-me rever o que havia escrito sobre os primeiras desejos e tentativas de utilizar na Guiné a aviação com fins militares.

Como naquele Post se mencionam os caças F-84 (e que foram deslocados para Luanda com o início da guerra em Angola), ao texto que segue [sobre o raide Lisboa-Bolama em 1925]  junto algumas imagens por mim tiradas e que mostram os F-84 a serem descarregados de um navio da armada dos EUA no cais do Poço do Bispo, aquando da sua chegada a Lisboa em 1955. Pode ver-se que ainda mantinham o distintivo da USAF, e a respectiva numeração.

Anexo ainda algumas imagens tiradas de um texto da Net sobre o raide Lisboa-Bolama, o primeiro voo para a Guiné (1925), e que em parte utilizei.

Abraço,
Armando Tavares da Silva

(Continua)
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