quarta-feira, 25 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18869: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte II: A fonte da colina de Madina: mais fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné > Região do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 >  A "Fonte da Colina de Madina"... Na foto nº 1, o fotógrafo...

Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Manuel Coelho, com data de 23 do corrente, às 19h45;

Para quem esteve nessa zona de guerra, pelo menos para mim, pouco nos diz as fotos e vídeos do Patrício Ribeiro, a não ser um ou outro pormenor que se reconhece (*).

Parabéns pelo esforço (conseguido) de mostrar uma região tão importante para nós como para o PAIGC. Quem sobreviveu aqui a este conflito não esquece, fica marcado no nosso pensamento e,  mesmo após 50 anos. ainda dói!

Quem dera ter a veia poética do Luís ou de outros camaradas para explicar em verso o calvário de meses de isolamento, com  falta de reabastecimento, ataques diários, etc...

Para comparar envio mais algumas fotos [, inéditas,  ] do meu álbum, começando pela da célebre "Fonte da Colina de Madina" [, que ainda lá está] (*)...

Em relação a esta fonte, ela servia não só para fornecer os bidões para banho como para as lavadeiras fazerem o seu trabalho. Para beber tinha de se ferver ou desinfectar devidamente.

(Continua)


2. Comentário do nosso editor LG:

Até à data o Manuel Coelho é quem tem as melhores fotos de Madina do Boé... Recorde-se que ele foi fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), também alinhava nas saídas para o mato,  vive em Paço de Arcos, desde 1969, mas nunca esquece a sua querida  terra, Reguengos de Monsaraz.

Os "tufas", os bravos da CCAÇ 1589 (**) reuniram-se este ano em 26 de maio passado.  Vou pedir ao Manuel Coelho que nos mande umas fotos desse convívio.
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18863: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (8): Os meus passeios pelo Boé - Parte II: 1 de julho de 2018: Béli (e a Fundação Chimbo Daribó), Dandum, Madina do Boé, Canjadude..

21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

(**) Último poste da série > 24 de julho de 18 > Guiné 61/74 - P18867: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte I: seleção de fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

terça-feira, 24 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18868: E as nossas palmas vão para... (17): as nossas mulheres que muito sofreram e ainda sofrem por causa daquela guerra... Uma flor de São Domingos para elas! (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)


Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > Bissau > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69 > 1968 > Uma foto da Guiné para as nossas mulheres...

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Virgílio Teixeira, com data de 20 do corrente: 

Assunto - Uma flor para as nossas mulheres

Luís, como a vida não é só guerra, aqui vai uma oferta minha para todas as mulheres de todos os combatentes de todas as frentes de combate que lutaram por um Portugal melhor.

Uma Flor da Guiné Portuguesa  (foto nº 1)

Julgo que foi tirada na foto abrigo (foto nº 2), junto a uma árvore com essas flores.

Foi no ano de 1968, não sei que mês.

Andavam perdidas no meu Álbum.

Oferece neste dia, em meu nome e de todos, este Poste àquelas mulheres que também muito sofreram e ainda sofrem...

Um abraço e obrigado,
Virgílio

[ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

2. Comentário do editor

Mais duas fotos do álbum do Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69). Natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado, casado, pai e avô... Tem já perto de 7 dezenas de referências no nosso blogue.  
E acabou de me escrever, começando por me dizer:

"Bom dia Luís, estou 'triste' pois podias postar pelo menos aquela flor e mensagem no fim de semana. Mas, já perdeu a sua oportunidade, talvez acredito que tenhas tanta escolha e seja difícil a decisão, mas era um pequeno poste sem muita conversa. Paciência."(...)

E acabei de lhe explicar, com bonomia, que estive de "fim de semana", na Lourinhã. com amigos, não deu para trabalhar muito... Ao mesmo tempo, tenho outras tarefas, que me consomem tempo e que não posso adiar (um livro em curso, por exemplo...)... Além disso, o nosso querido coeditor Carlos Vinhal está, com a sua Dina, de férias, de resto bem merecidas!... 

Virgílio, não percebi que era um pedido especial, talvez uma data querida para ti e a tua querida esposa... Mas, eu continuo a ter-te sempre na máxima consideração... Não te chateies, se a gente aqui às vezes não consegue estar à altura de satisfazer todos os teus pedidos e expetativas... Bom, tentei  dar a volta à coisa... Com atraso de quatro dias, aqui tens o poste... E faço minhas as tuas palavras: é uma bela foto, uma bela flor para as nossas queridas mulheres que muito sofreram e ainda sofrem com aquela guerra (e as suas memórias doridas)... Elas bem merecem as nossas palmas... e esta tua flor!...

PS - Virgílio, não querendo ser desmancha-prazeres, assim, de repente, a tua árvore parece uma acácia... E já não me lembro da flor da acácia... Já não vou a Angola há uns anos... Mas, feita uma pesquisa na Net, é capaz de ser mesmo uma flor da acácia vermelha... Os nossos entendidos que digam da sua justiça...

Guiné 61/74 - P18867: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte I: seleção de fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli  e Madina do Boé, 1966/68) >  A jangada do Cheche


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli  e Madina do Boé, 1966/68) > "Canhão Sem Recuo M40 10,6cm, utilizado na sua missão normal, ou seja, montado em posição defensiva e, neste caso, sem estar em cima de viatura apropriada" [Legenda de Luís Dias]... Ao fundo as famosas colinas do Boé, alguns chegando mesmo aos 300 metros de altitude...


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli  e Madina do Boé, 1966/68) >  Viatura das NT, destruída, na estrada de Cheche-.Madina do Boé (I)


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli  e Madina do Boé, 1966/68) >  Viatura das NT, destruída, na estrada de Cheche-.Madina do Boé (II)


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli  e Madina do Boé, 1966/68) >  Aquartelamento: central elétrica, à esquerda; edifício do comando, parece-nos, à direita...


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli  e Madina do Boé, 1966/68) >  Aquartelamento: armazém


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli  e Madina do Boé, 1966/68) >  Aquartelamento: cozinha


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli  e Madina do Boé, 1966/68) >  Aquartelamento: memorial da CCAÇ 1416: "Aos nossos mortos"... "E aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando"..

Desta companhia morreram aqui, pelo menos, 3 camaradas, tombados no ataque ao quartel de Madina do Boé, em 22 de julho de 1966:  (i) Augusto Reis Ferreira, Soldado Atirador, natural de Montargil / Ponte de Sôr, inumado no cemitério de Ponte de Sôr;  (ii) Carlos Manuel Santos Martins, Soldado Atirador, natural de Cova da Piedade / Almada, inumado no cemitério de Almada;  (iii) Rogério Lopes, 1º Cabo Atirador, natural de Chão de Couce / Ancião, inumado no cemitério de Chão de Couce. (**)


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli  e Madina do Boé, 1966/68) >  Aquartelamento: abrigo E... Num bidão à direita, pode ler-se: "... Aguentemos o piriquito"...


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) >  Aquartelamento: abrigo H


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) >  Aquartelamento: abrigo D


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) >  Aquartelamento: abrigo J


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) >  A famosa "fonte da Colina de Madina" (sic), com data de 1945 (inscrita no azulejo)... Ainda hoje lá está, a dar água...


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) >  Aquartelamento: a rendição pelo pessoal da CCAÇ 1790!...

A CCAÇ 1589 teve pelo menos um norto em Madina do Boé: Ilídio Bonito Claro, Soldado de Transmissões, natural de Montemor-o-Velho, inumado no cemitério da Torre em Montemor-o-Velho, faleceu no Hospital Militar 241, vítima de ferimentos em combate durante um patrulhamento na região de Madina do Boé, em 4 de Janeiro de 1968.


Guião da CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68), que tinam por divisa "Justos e Fortes"...  É uma das várias subunidades que esteve aquartelada em Madina do Boé, com destacamento em Beli (**). 

Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Seleção de fotos do álbum do camarada Manuel Caldeira Coelho, natural de Reguengos de Monsaraz (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68) (*)

É o nosso grande fotógrafo de Madina do Boé, da época de 1966/68... E temos mais algumas fotos, inéditas, para publicar na segunda parte.

Estas foram selecionadas e reeditadas pelo nosso editor Luís Graça.

Refira-se que a CCAÇ 1589 foi antecedida pela CCAÇ 1414:

(i) mobilizada na Amadora no Regimento de Infantaria nº 1 e integrada no Batalhão de Caçadores nº 1856, a CCAÇ 1414 chega a Bissau em 6 de Agosto de 1965, rumou para Nova Lamego, onde em 13 de Agosto de 1965 assume a função de unidade de reserva do BCAV 705; (ii) em 27 de Abril de 1966 seguiu para Béli afim de tomar parte na Operação Lumiar e em 4 de Maio desse ano assume a responsabilidade do subsector de Madina do Boé, substituindo a CCAV 702, mantendo forças destacadas em Béli e Che-Che, este até 27 de Janeiro de 1967; (iii) tendo sofrido fortes e numerosas flagelações, foi rendida em 10 de Abril de 1967 pela CCAÇ 1589, regressando à metrópole em 15 de Abril de 1965.

Por sua vez, a CCAÇ 1589:  (i) foi mobilizada no Regimento de Infantaria nº 15, em Tomar, chegou à Guiné em 4 de Agosto do 1966 em conjunto com o BCAÇ 1894 a que pertencia; (ii) em 16 de Dezembro de 1966 foi instalada em Fá Mandinga à disposição do Comando Chefe para intervenções na zona Leste, tendo realizado operações nas regiões do Xime, Sarauol, Nova Lamego, Madina do Boé e Enxalé;  (iii) a 25 de Março de 1967 destacou um pelotão para o aquartelamento de Béli, e em 7 de Abril de 1967 foi substituir a CCAÇ 1416 a Madina do Boé, assumindo a responsabilidade do subsector em 10 de Abril de 1967; (iii) foi rendida pela CCAÇ 1790 em 20 de Janeiro de 1968 em Madina do Boé e em Béli a 12 de Fevereiro seguinte, tendo os aquartelamentos sofrido fortes e constante flagelações, especialmente no período entre Junho e Dezembro de 1967; (iv) regressou à metrópole em 9 de Maio de 1968.

A CCAÇ 1790 irá perder 29 homens no decurso da Op Mabecos Bravios, na travessia do Rio Corubal, em Cheche, em 6 de fevereiro de 1969.

(Continua)
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segunda-feira, 23 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18866: Memórias de Gabú (José Saúde) (69): Pássaros que esvoaçavam os céus da Guiné. Abutres. (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

Pássaros que esvoaçavam os céus da Guiné 

Abutres 

Numa breve reflexão sobre a passarada guineense, que era e é enorme, detenho-me perante uma veracidade que me fora conhecida, ousando trazer à estampa o universo dos abutres, pássaros necrófagos que proliferavam em todo o solo e que amiúde observava com algum interesse. O seu aspeto atirava para um horripilante semblante e o habitat natural passava pela procura sistemática de restos de cadáveres. 

Não vacilo, porém, recordar Hitchcock na sua análise psicanalítica sobre um filme onde o tema era, obviamente, “Os Pássaros”. O conteúdo do emaranhado de imagens remetiam-nos para o ataque dos pássaros aos seres humanos. Um filme que se estreou nas telas cinematográficas mundiais no ano de 1963 e que bom dinheiro rendeu à produção, sobrando as inúmeras interpretações feitas pelos amantes do cinema que assumiam presumíveis traduções que esbarravam em análises científicas. 

Mas demos um passo em frente, ouçamos abstratamente o clarinete e apresentemos armas numa infindável parada, falando nos abutres conhecidos numa Guiné em tempo de guerra e não numa outra espécie de “aves de rapina” que se multiplicavam na metrópole lusitana. Estes rapazes de então, bem ou malvestidos de acordo com as circunstâncias propostas, pareciam “bandos de pardais à solta” que esmiuçavam vidas e citavam, com ênfase, a provável falsificada ideologia de um patriotismo entendido, por eles, como inigualável. 

Simultaneamente ao evoluir das desgraças conhecidas onde a morte de camaradas se amontoavam nas frentes de combate, lá vinham os senhores de gravatas acetinadas e fatos à príncipe de “Gales” que na hora da despedida no cais portuário de Alcântara, incentivarem um contingente de jovens mergulhados em porões de navios cuja etiqueta transportada era, tão-somente, o pregão ao dito popular que a encomenda que seguia a bordo registava “carne para canhão”. 

Passemos licitamente à vanguarda porque esses fatídicos tempos foram maus de mais para ser verdade. Com efeito, concentremos atenções no respetivo pássaro e observemos que o abutre é uma ave accipitriforme e originária da família chamada de accipitridae. Refletindo em pormenor sobre estes necrófagos, diz-se que as aves são também conhecidas como abutres do velho mundo. A sua longevidade chega a atingir os 30 anos, sobretudo quando se encontram em cativeiro. 

Conheci o seu esvoaçar num horizonte interminável e os seus impulsos animalescos na procura de um lugar para pernoitar. Conheci, também, a obstinada azáfama na procura de alimentos. Conheci, ainda, as suas visitas quotidianas às proximidades do barracão do Seidi, “magarefe-dia” onde o nosso quartel angariava carne de vaca fresca para uma pontual refeição mais abastada, sendo que este rapaz fula matava, esfolava e dividia a carcaça do animal de acordo com os pedidos previamente feitos. 

Lembro, e foram muitas vezes a que assisti, o Seidi, após a trabalheira da matança lançar para o bando de abutres pequenas dádivas para os pássaros se deliciarem com primor. 

Recordo, simultaneamente, as lutas desenfreadas travadas entre eles pelo melhor naco, ou, as guerras para limparem parte das ossadas do animal, ficando a certeza que no grupo havia regras que os mais desenfreados comilões, sempre de bico “afiado”, assumiam por inteiro, tendo em conta o posto hierárquico emanado pelo bando. 

Claro que as lutas dos pássaros desenhavam ávidos momentos em que a prioridade era o encher o papo. Noutros lugares existiam sequiosos “abutres” mas estes literalmente curvados ao faustoso e recheado prato que lhe fora colocado na mesa. A nutritiva refeição era tão-só uma pausa pontual ao arroz com salsichas. 

Para outros, pássaros de rapina imbuídos num minucioso calculismo, a tal vaca morta e desmanchada pelo Seidi tinha os seus dividendos. Restava a certeza que a mão “milagrosa” do Seidi jamais recusou atirar para os abutres as sobras da carcaça que, por razões evidentes, “não iam à mesa do rei”. 

Hoje, ao lembrar as memórias de Gabu detenho-me perante as minhas vulgares idas ao matadouro do Seidi. A sua azáfama era de todo interessante. A túnica, veste que usualmente transportava no seu corpo e que aparentava alguma sagacidade, estava normalmente manchada de sangue, tal como as mãos que reproduziam um trabalho que ele próprio assumia com dignidade. Era, aliás, dessa árdua faina constante que o nosso amigo recolhia proveitos monetários para alimentar a família. 

Retalhos de vidas que em tempo de guerra abasteciam tabancas de gentes que faziam do momento imponderáveis desejos de uma existência vergada pelos horripilantes sons vindos de outras batalhas campais que ocorriam ali por perto. 

Lá longe, muito longe, os arautos do despotismo debitavam discursos, qual abutres esvoaçando sobre negros horizontes, dizendo às massas que os militares portugueses lutavam nos palcos de guerra com honra e dignidade. 

Na verdade, nós jovens lutávamos como heróis visando a essencial salvaguarda da nossa “carcaça”, mas numa guerra que não era decididamente nossa. Os defuntos “abutres” que num limiar de cautas razões que na época ostentavam, levantem-se dos sepulcros, escutem o julgamento final e defendam a triste tese que certamente não transitará em julgado. 

Histórias avulsas de incautos cenários onde fomos meros “pássaros” andantes de uma imigração obrigatória em território alheio. 

 A hierarquia dos abutres a devorarem uma carcaça (foto retirada via internet) 

Com o Seidi no seu local de trabalho 

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:
 

28 DE JUNHO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18787: Memórias de Gabú (José Saúde) (68): As minhas memórias de Gabu: A antiga Nova Lamego (José Saúde) 

Guiné 61/74 - P18865: (Ex)citações (342): O patacão da guerra: 1043 contos de 'ajudas de custo [de embarque] e adiantamento de vencimentos' foi quanto levantei em agosto de 1967 para o meu batalhão (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Contando o patacão....O fur mil op esp José Casimiro Carvalho [, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, hoje régulo da Tabanca da Maia], .. Não, não se pense que foi ganho ao jogo (vermelhinha, lerpa...) ou através do "conto do vigário"... Era "dinheiro honesto", daquele que custava... "sangue, suor e lágrimas"... Mesmo assim, quem não conhecer o Zé Casimiro até pode (ou podia) ser levado a pensar que ele estava a contar o "conto do vigário" ao seu  querido paizinho, ao queixar-se a vida, no TO da Guiné, não dava para juntar patacão...

Guileje, 4/2/73 [Carta]

Paizinho: (…) Aqui quase não dá para juntar dinheiro. Eu recebo 1300$00 por mês [, o resto ficava depositado no banco, na metrópole].  100$00 vão para a lavadeira, cerca de 700$00 vão para o bar, para o alfaiate fazer calções, ajeitar roupa ao corpo, cerca de 50$00 por mês. O mês passado, 2 calções ligeiros que mandei fazer, foram 80$00 e, é claro, um gravadorzito que comprei e que é indispensável, também custa… Alguma caça que se compra para não se passar fome, também é dinheiro, selos, cartas, fotografias, etc.

Como vê… mas vai-se passando e não preciso de mais dinheiro. Claro que este já é o suficiente. Também os furriéis pagam umas cervejas de vez em quando aos soldados, uma garrafa de champagne (50$00) ou de vinho do Porto (35$00) que nós lhes oferecemos, assim como Alfero dá. É uma espécie de PSICO. É mesmo necessário tudo isto para nós os levarmos. Acredite, quem sabe somos nós que aqui andamos. (…) (*)



Foto (e legenda): © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]:


1. Comentário de Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)

Respondendo ao pedido do Luís, fui procurar mais dados, não encontrando grandes coisa, a não ser um lapso significativo, assim:

Em carta minha datada de Santa Margarida, 23 Agosto de 1967, para a então minha namorada, rezava assim o meu espanto:

"Agora interrompi para fazer aqui umas contas de quanto vamos levantar para pagar as 'ajudas de custo e o adiantamento de vencimentos': São 1.043.350$00. Já viste bem quanto se gasta com esta guerra?". 

Está escrito na carta que estou a ler agora.

O erro é grande, em vez de 1400 contos foram 1043 contos. E isto para ajudas de custo e um mês de vencimento. Segundo me lembro, não tendo a certeza, por isso quem souber que responda por favor, as ajudas de custo de embarque, correspondia a um mês de vencimento, logo este valor eram de 2 meses, e assim um mês de vencimento para um batalhão, rondava os 521 contos aqui na metrópole, isto é os 1043 contos na Guiné.

Agora é pôr o conversor da Prodata, e ver quanto dava hoje em 'OUROS'. Não esquecer a inflacção que se viveu em Portugal após o o 25A, que chegou a 35% ao ano.

O valor de 1043 contos dava uma média per capita de 1739$. Eu lembro-me que ganhava como alferes entre 5.500 e 6.000 escudos, não tendo a certeza. Isto era muita massa, para um salário mínimo dessa época de pouco mais de 500 escudos mensais.

Virgílio Teixeira

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Virgílio. Fui ao conversor da Pordata e verifiquei que  os teus 1043 contos, em 1967, equivalem a 363.268,46 €, "a preços de hoje" (, ou seja, tendo em conta a depreciação da moeda)... Se um batalhão tiver 600 homens (4 companhias a 150 homens cada uma), dá qualquer coisa como 605 euros por cabeça... 

Quanto aos teus 5,5 ou 6 contos mensais (, vencimento de um alferes no TO da Guiné,) corresponderiam hoje a 1.915,61 € / 2.089,75 €. (***)

PS - Já agora, Virgílio, é bom recordar que não havia salário mínimo, antes do 25 de Abril, nem muito menos mensualização dos salários (com exceção da função pública e de algumas grandes empresas de serviços)... 

Mas atendendo a que as jornas, no interior do país, nessa época, ainda andavam nos 20$00 / 25$00 diários (por exemplo, na construção civil de ramadas, no Marco de Canaveses), os teus valores (500 escudos mensais) não estariam longe da realidade...
_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3370: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (6): O nosso querido patacão

(**) Vd. poste de 20 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)

(...) Comentário de Virgílio Teixeira:

Por falar em dinheiro, por acaso sabem quanto o meu CA do batalhão levantou em Setembro de 67 para pagar ao pessoal todo, +/- 600 homens, ainda em Santa Margarida?

Vou dizer que eram 1400 contos, aquilo que o Ronaldo e companhia ganha sozinho em poucos segundos na guerra dele.

Esta verba seria na Guiné dobrada para o dobro, face ao aumento de 100%, isto é não chegava a 3000 contos. (...)

(...) Comentário de Tabanca Grandeão [Luís Graça]

Esses dados são muito interessantes, arranja mais...   1400 contos em 1967 equivaliam hoje a 467,8 mil euros...ver o conversor da Pordata...

domingo, 22 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18864: Convívios (868): Dois 'piras' no 38º almoço-convívio da Tabanca da Linha, em 19 do corrente, em Algés... Em pleno verão, houve muitos 'desertores', compareceram 37 'magníficos' (Manuel Resende)


Foto nº 1 > Ana, mais o espos, o nosso camarada  António Duque Marques. (a quem convidamos a integrar a nossa Tabanca  Grande, que é a mãe de todas as tabancas...).


Foto nº 2 > Aníbal Ramos, amigo e camarada., da mesma companhia,  do Orlando Pinela (ex- 1º Cabo Reab Mat da CART 1614/BART 1896, Cabedú, 1966/68)

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do Manuel Resende régulo da Tabanca da Linha:

Data: 21 de julho de 2018, 23:28



Assunto - 38º Convívio da Magnífica Tabanca da Linhaés


Caros Luis e Vinhal,  amigos e camaradas:

Realizou-se no passado dia 19 o 38º almoço/convívio da Magnífica Tabanca da Linha. Concorrido q.b., não esquecer que estamos no mês de Julho. Mesmo assim responderam à chamada 37 convivas.

Tivemos neste convívio duas caras novas, o Aníbal Ramos, amigo e da mesma companhia do Orlando Pinela (Foto nº 2) , e a Ana,  esposa do António Duque Marques (Foto nº1).

Parabéns aos "piras", pois parece que é para continuar.

Como de costume, mostro aqui as fotos dos "piras" e quem quiser ver o álbum, clique no limk.

Um abraço

Manuel Resende

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Nota do editor:

Último poste da série > 9  de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P18830: Convívios (867): 38º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, dia 19 de julho, 5ª feira, no sítio do costume, Restaurante "Caravela de Ouro", Algés, Oeiras... Inscrições até às 24h00 do dia 16, 2ª feira (Manuel Resende / Jorge Rosales)

sábado, 21 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18863: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (8): Os meus passeios pelo Boé - Parte II: 1 de julho de 2018: Béli (e a Fundação Chimbo Daribó), Dandum, Madina do Boé, Canjadude...


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1de  julho de 2018 >  Béli > Bangalós da Fundação Chimbo Daribó


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de  julho de 2018 >   Picada para Dandum


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 30 de junho de 2018 > Posto de fronteira de Dandum


Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 > A célebre Fonte da Colina de Madina, construída em 1945 (, data já pouco legível), no tempo do governador Sarmento Rodrigues (I)


Foto nº 8A > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 > A célebre Fonte da Colina de Madina, construída em 1945 (, data já pouco legível), no tempo do governador Sarmento Rodrigues (II)


Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé: restos do antigo quartel abandonado pelas NT em 6 de fevereiro de 1969.


Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé: tabanca.


Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé: monumento ao herói do PAIGC, Domingos Ramos, morto em 1966.


Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Caminhos do Boé, com colinas ao fundo.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (8) > Os meus passeios pelo Boé - Parte II: 1 de julho de 2018:  Béli, Madina do Boé, Dandum, Canjadude...

[ Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.]

(Continuação)

Ultrapassado o rio [Corubal] (`), lá seguimos por cima da estrada de pedra a caminho de Beli, mais ou menos  40 km, passando por algumas poucas tabancas, que outrora eram bem pequenas, com as casas todas cobertas a palha, mas agora são maiores e com mais casas, quase já não há casas cobertas a palha. Este caminho é muito bonito e difícil.

Ao chegar a Beli, iniciamos o nosso trabalho e procuramos alojamento nas instalações da Chimbo, que tem 9 bangalós para alugar.

São holandeses, da Fundação Chimbo Daribó. Andam a instalar máquinas fotográficas nas árvores, para fotografarem os Chimpanzés (muitos), Búfalos, alguns e alguns leões: www.chimbo.org (foto 5)

Não há Internet, mas na vila há telefone. No resto da região, não. A língua falada corrente é o Fula. Por vezes não é possível uma conversa em Crioulo e Português, língua oficial, só com professores e alguns funcionários. Os jovens entendem um pouco.

Ao outro dia [, 1 de julho de 2018} seguimos viagem para Dandum, voltamos para trás até tabanca de Cobolo e seguimos em direção a Sate; dali por um caminho a corta mato para Diquel, por onde as viaturas ainda passam. Passamos por algumas pequenas tabancas perdidas nas colinas do Bolé, mas todas têm escolas. Cruzamos alguns rios que começam rapidamente a aumentar o caudal, com a chuva que está a cair.

Lugares muito bonitos e completamente diferentes do resto da paisagem da Guiné (foto 6). Algumas destas tabancas já existiam. (Ver mapa de 1961 da Província da Guiné, e voltaram a ser implantadas na Carta Geológica da Guiné, do Dr. Paulo Alves, em 2011).

Por aqui começam a aparecer algumas hortas de caju nos vales, assim como algumas pequenas tabancas, porque os terrenos são mais férteis. O que obriga os animais selvagens existentes no Parque Natural do Boé a ter de "arranjar" outros locais … Agora são avistados para os lados de Lugajole.

Chegamos até perto de Madina do Boé, mas seguimos o caminho para Dandum, 3 km mais à frente.

Dandum, a tabanca é muito grande com muitas casas, tem posto de fronteira (foto 7):  alguns funcionários públicos, guardas de fronteira, professores;  tem um hospital, tudo e todos perdidos na distância para Bissau... O local é uma planície com terra muito fértil, com muitas árvores de fruto.

Verificamos o trabalho que tínhamos realizado no hospital há uns meses, está tudo ok!

No regresso pelos mesmos caminhos, mas paramos em Madina do Boé, para as fotos da praxe. A tabanca de Madina do Boé fica em uma planície fértil, com muitos árvores de fruto e tem alguns morros ao longe (Fotos 9,10).

Foto junto da fonte construída,  em 1945, que já tem diversas fotos no blog (foto 8).

Estivemos junto ao Memorial de Domingos Ramos, local onde foi ferido e provavelmente morto (foto 11). Está aproximadamente a uns 500 metros da fonte de 1945 e do antigo quartel, a poucos metros do caminho para Dandum, na planície.

Regresso a Beli, para assistir ao encontro de Portugal / Uruguai no club dos jovens, enquanto a trovoada deixou ver, até que o sinal da parabólica deixou passar.

Grande foi a festa, quando Portugal marcou o golo.

Depois regresso de Beli até Candjadude (foto 12) onde passamos o resto do dia a fazer trabalhos, antes da chegada da noite, a Gabú.

Abraço
Patrício Ribeiro

PS - Sobre, o Memorial ao Domingos Ramos: não, não havia nenhuma inscrição. O pessoal que me acompanhava do Parque Natural do Boé, sabia deste local, indicaram-me talvez porque passamos perto. Das outras vezes que fui a Madina não me indicaram este sitio. Do outro lado da picada, perto a 70 metros, já há algumas casas. Na texto que te enviei, descrevo o local.

A Net por estas paragem não é uma ciência exacta... é muito complicado.


Carta da Província da Guiné (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhe: a região do Boé

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)
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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

Guiné 61/74 - P18862: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché


Guiné-Bissau > Região do Boé > Rio Corubal >  30 de junho de 2018.> Ché Ché  fica(va) do outro lado do rio, na margem esquerda. A jangada do Ché Ché,  puxada à corda, como há meio século atrás... Vídeo de Patrício Ribeiro (Impar Lda, Bissau), gentilmente cedido ao blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Em 6 de fevereiro de 1969, neste mesmo local e com uma jangada deste tipo, houve um trágico acidente: morreram, afogados, 46 militares e 1 civil, na sequência da retirada do quartel de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios).

Vídeo (1´01'') > Disponível em You Tube / Luís Graça


Foto nº 2 > Guiné-Bissau >Região do Boé > Rio Corubal > 30 de junho de 2018 > Rampa de acesso, do lado do Gabu, na margem direita.


Foto nº 2A > Guiné-Bissau >Região do Boé > Rio Corubal > 30 de junho de 2018 > Rampa de acesso, do lado do Gabu... Do outro lado, na margem esquerda,  em Ché Ché (ou Cheche, como vem grafado no nosso blogue...),. vê-se a jangada que faz o transporte de viaturas, pessoas e bens...


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região do Boé > Rio Corubal > 30 de junho de 2018 >  Rampa de acesso, na margem direita; lavadeiras (1)


Foto nº 1A > Guiné-Bissau > Região do Boé > Rio Corubal > 30 de junho de 2018 >  Rampa de acesso, na margem direita; lavadeiras (2)


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região do Boé >  30 de junho de 2018 >   Estrada de Che Ché - Béli.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de ontem, do Patrício Ribeiro, às 18h26

Assunto - Os meus passeios pelo Boé

Luís,

Quero enviar algumas fotos deste passeio [em 30 de junho e 1 de julho], mas como chove em Bissau há mais de 24h, a Net está muito difícil,

Vou enviar as fotos por diversas vezes, incluindo um vídeo.

Abraço
Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guin?? Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com


2. Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7) > Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018:  a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché  (*)


Há poucos dias, fui dar uma volta pela região do Boé. Nos finais de Junho, após as primeiras chuvas, como sempre gosto de fazer.

Nesta época podemos encontrar as encostas das colinas todas verdes, como se lá tivessem plantado relva, o terreno muito colorido com as primeiras flores a desabrochar, após a época seca. Com a falta de chuva nos últimos 7 meses, começando as chuvas, a relva cresce 2 a 3 cm por dia ...

Neste mês ainda se pode passar por todos os caminhos e picadas; os rios de água cristalina começam a correr, mas ainda os podemos ultrapassar com as viaturas todo o terreno.

Claro que em alguns locais já temos mais de um palmo de água nas entradas, durante muitas dezenas de metros (foto 4) mas como o solo é todo de pedra, não há o perigo de ficar atolado na lama.

Depois de sair de Bafatá, passamos em Gabú, a caminho de Ché Ché, estrada de terra batida, em muito bom estado até ao rio.

Lá chegamos ao primeiro obstáculo (fotos 1 e 2),  a travessia do rio Corubal.

Esperamos pela jangada que estava do outro lado e, depois de algum tempo de espera, lá apareceu ela para nos transportar! Estava a ser puxada à mão por diversos homens, porque o motor estava avariado. (Vd.vídeo, acima.)

(Continua)
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sexta-feira, 20 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18861: Notas de leitura (1085): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (44) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,

Estamos ainda num período em que os gerentes de Bolama e Bissau têm a caneta em riste, escrevem desassombradamente, a carta para Lisboa, em 16 de Agosto de 1918, em que o gerente de Bissau pede à administração para receber bem o eis governador Ivo Ferreira, que passava ao gerente informações confidenciais têm o seu quê de maquiavélico e oportunista, não se esquece de dizer que a ação do governador foi simplesmente nula.
Enceta-se um período de grandes dificuldades, o poder de compra deteriora-se, e não surpreende a carta dirigida ao gerente de Bissau, em 14 de Fevereiro de 1921 em que os trabalhadores nas obra do banco em Bissau vêm muito respeitosamente pedir aumento de vencimentos, andam de mão estendida, quando em Lisboa, quando tinham sido contratados os salários eram o triplo. A não serem correspondidos, informa Sua Excelência que tinham que regressar a casa.
Abdul Indjai partira para Cabo Verde, o BNU em Bissau procurava vender tabacos e não descurava a possibilidade de se abrir uma delegação em Bafatá.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (44)

Beja Santos

Introdução 
De V. Senhorias para V. Exas.

Uma das singularidades que encontramos neste período da vida das duas agências do BNU na Guiné é a comunicação franca para Lisboa das opiniões dos gerentes, em matérias compreensivelmente delicadas.

Veja-se a carta enviada por Bissau em 16 de Agosto de 1918 tendo como assunto o ex-Governador Ivo Ferreira que seguia para Lisboa e fora substituído por coronel Oliveira Duque:

“É natural que o senhor Ivo de Sá Ferreira visite V. Exas., e neste caso rogamos a V. Exas. que lhe dispensem todas as provas de especial deferência, auxiliando-o mesmo, se possível for, em qualquer pretensão oficial que este senhor tenha, pois que assim não fazemos mais do que retribuir alguns serviços que nos prestou.

Muitas vezes e quando governador, deu-nos importantes informações, particular e confidencialmente, sobre medidas que iam ser tomadas quer pelo governo da Província quer pelo governo da metrópole; algumas vezes foram-nos essas informações de grande valor, principalmente as referentes à proibição de exportar as oleaginosas para o estrangeiro.

Sobre a sua acção na Província quase nada podemos dizer, porquanto da nojenta e mesquinha política local sempre vivemos bastante afastados; a sua acção administrativa e de fomento foi… simplesmente nula. Enfim, um governador como tantos outros; deixa o cargo com pena porque era rendoso, e não encontrará outro equivalente com facilidade.

É todavia um governador que nos convém, porque tem pelo Banco uma grande consideração, estando sempre e de antemão disposto a conceder-nos tudo quanto lhe pedíssemos”.

No ano seguinte é a vez de Bolama comunicar a Lisboa o triste fim do régulo do Oio Abdul Indjai, um indefetível companheiro de Teixeira Pinto nas diferentes campanhas.

Atenda-se à informação como facto e aos comentários subsequentes:

“Tendo-se rebelado o régulo Abdul Indjai, foi batido pelas forças do governo e aprisionado bem como os seus conselheiros. Estão já em Bolama.

Este régulo era um dos de maior prestígio na Guiné e de nomeada pelos actos de banditismo praticados, que se estendiam até dentro do território das colónias estrangeiras fronteiras à nossa, o que em tempo deu lugar a reclamações diplomáticas por parte do governo francês e inglês. Há anos que foi batido e deportado para S. Tomé, conseguiu, quando passou por ali em viagem às colónias o falecido príncipe real D. Luís Filipe, ser indultado, regressando à Guiné.

Quando das operações levadas a efeito para bater os Papéis, o governo utilizou os seus serviços, tendo desempenhado então papel preponderante e exercendo todos os excessos sobre os vencidos e pilhando alguns milhares de cabeças de gado.

Acabada a campanha, não se julgou suficientemente pago, ficou com armas e vinha de exigência em exigência rebelando-se contra o governo. Dotado de grande astúcia e muito inteligente, chegou a impor ao governo que lhe fosse dada uma percentagem sobre todo o imposto de palhota cobrando actualmente nas regiões que ele ajudou a bater, entre outras exigências. Ultimamente preparava-se para tomar Farim e vir até Bissau. O comércio estava já temendo que com ele fizessem causa outros régulos.

Depois deste feliz resultado, desenhou-se porém um certo movimento político contra governador, capitaneado segundo dizem pelo Major Médico Francisco Regala, que faz serviço em Bissau, que veio aqui, levando alguns membros do Conselho do Governo a votarem contra a expulsão da colónia do régulo, a ser antes submetido a julgamento nos tribunais. Este julgamento seria demoradíssimo e talvez impossível pela dificuldade de se cumprirem determinadas formalidades judiciais. O certo é que o Conselho votou por maioria que fosse entregue aos tribunais e não expulso. Esse facto causou certo alarme entre o comércio pois a permanência na Província do prisioneiro era certamente a repetição dos factos ocorridos e um incitamento para outros régulos.

Hoje reuniu de novo o Conselho do Governo em sessão deliberativa, e talvez porque alguns chefes de serviço reconhecessem o caminho errado que iam seguindo com politiquices contra o governador, acompanharam os vogais eleitos votando por maioria a expulsão da colónia por 10 anos, máximo período que a Carta Orgânica permite, fixando-lhe para cumprimento do desterro, por proposta do governador, a ilha da Madeira”.



Imagens retiradas da revista “Mundo Português”, da Agência Geral das Colónias

Nesse mesmo ano a Companhia dos Tabacos de Portugal é sondada pela agência de Bissau para a venda de tabacos nacionais na Guiné. Em carta endereçada aos diretores da empresa, o gerente de Bissau recorda a necessidade absoluta da empresa tabaqueira fabricar tabaco folha que se rivalize com o importado dos EUA, em pipas, pois esse tabaco tinha grande procura em todas as regiões da colónia, era uma verdadeira fonte de riqueza.
E especificava para Lisboa:
“Para que V. Exas. possam adquirir tabaco idêntico ao preferido neste mercado, fizemos duas amostras com todas as indicações de preços e qualidades. Para que V. Exas. possam avaliar da importância deste artigo de consumo nesta colónia, transcrevemos aqui as quantidades e valores de tabaco folha importado entre 1912 e 1916, elementos este tirados das estatísticas oficiais.
É para lamentar que não esteja completamente nas nossas mãos a venda deste artigo, quer importado de algumas das nossas colónias, quer reexportado para esta; verifica-se que Portugal concorre com um número bastante pequeno, de quilos de tabaco para a sua possessão da Guiné.
Finalmente, temos a informar-lhes que por enquanto o tabaco folha preferido pelo gentio da Guiné é o de produção da América do Norte. Se não estamos em erro, no ano de 1916-1917 a firma desta praça Salomão Pereira Neves & Companhia importou do Brasil tabaco em ramos e não foi bem aceite neste mercado.

Rogamos a V. Exas. a maior atenção neste assunto, aliás muitíssimo importante para os nossos interesses, pois como atrás deixámos dito é um artigo de grande consumo e bastante compensador e de grandes vantagens para o comércio com o gentio. Em certas localidades da colónia chega o tabaco folha a correr como moeda e é um grande auxiliar para os pequenos comerciantes que vão ao interior da Província nas ocasiões das campanhas de compra de produtos.

Quanto aos cigarros, hoje dificilmente poderemos reconquistar o mercado não só pela grande invasão de cigarros e tabacos estrangeiros, sobretudo o brasileiro, por preços relativamente moderados, como também pelo grande atraso com que ultimamente têm sido executadas as encomendas de tabacos nacionais”.


Mostram-se os dois únicos documentos existentes anteriores a 1917, que estão no Arquivo Histórico do BNU, datam de 1911

O BNU em Lisboa pretende saber, em 1920, se deve abrir uma filial em Bafatá. Dir-se-á aqui antes de tempo que a questão da filial de Bafatá se irá arrastar até ao fim da presença portuguesa, em 1974.

A carta do gerente de Bolama avança com os seguintes esclarecimentos:

“Todas as casas importantes têm sucursais em Bafatá, há ali também alguns comerciantes estabelecidos, começando outros a estabelecerem-se para a região de Gabu.

Desde que ali fosse montada uma agência ou subagência, estamos certos que todas as casas que levantam fundos em Bolama e Bissau para operarem ali e que os enviam em embarcações, passariam a levantá-los em Bafatá. E, decerto, os pequenos comerciantes em vez de recorrem às sucursais das casas importantes ali estabelecidas recorreriam à nossa dependência. Esta teria sem dúvida um movimento com resultados compensadores.

A Província está hoje por completo pacificada e assim continuará devido a ter sido proibida há anos a importação de pólvora e a venda de armas ao gentio. O único régulo irrequieto era o Abdul Indjai, que conservava armas em virtude dos serviços prestados ao governo, mas desde que foi batido e expulso da colónia não mais se fala de possíveis rebeliões.
Bafatá dista de Bolama, por via terrestre, aproximadamente 170 quilómetros e por via fluvial aproximadamente 130 milhas; de Bissau por via fluvial dista 90 milhas também aproximadamente. Por terra vence-se a distância a cavalo em alguns dias de marcha, por via fluvial em lanchas à vela, pequenas embarcações a vapor e motores de explosão. As embarcações a motor podem levar 11 a 12 horas de Bissau a Bafatá, sucedendo às vezes levarem muito mais; as embarcações de vela 3 dias normalmente.

As demoras dão-se se não se navega em concordâncias com as marés.

Nos meses de Dezembro a Março só com a maré alta se pode passar no baixo entre Gam-Jarra e Geba.

Não nos consta que haja casa em que nos possamos instalar. Os fundos podem ser transportados com a mesma segurança que de Bissau para Bolama ou vice-versa”.

E envia para Lisboa um mapa indicativo do movimento marítimo de Bafatá, extraído de documentos oficiais, mas dizendo que não merece inteira confiança.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 13 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18841: Notas de leitura (1083): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (43) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 16 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18850: Notas de leitura (1084): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (1) (Mário Beja Santos)