quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19196: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (58): os reordenamentos populacionais (Francesca Vita, doutoranda em arquitetura, Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto)


Guiné > Região de Bafatá >  Setor L1 (Bambadinca) > Nhabijões > CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Um grande aglomerado populacional, de maioria balanta, com parentes no "mato" (, isto é, nas fileiras do PAIGC; como guerrilheiros, ou elementos da população civil, sob a adinistração do PAIGC).

A dispersão das diversas tabancas (1 mandinga e 4 balantas: Cau, Bulobate, Dedinca e Imbumbe), sua proximidade ao Rio Geba, fazendo ponto de cambança para a margem direita (Mato Cão, Cuor...) e as duas grandes bolanhas (um delas a de Samba Silate, uma enorme tabanca destruída e abandonada no início da guerra), foram motivos invocados para começar a construir, a partir de novembro de 1969, um dos maiores reordenamentos da Guiné no tempo de Spínola. A aposta era também a conquista da população, fugida no mato e sob controlo do PAIGG, vivendo ao longo da margem direita do Rio Corubal (desde a Ponta do Inglês até Mina/Fiofioli)

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. [Edição  e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bafatá >  Setor L1 (Bambadinca) > Nhabijões > CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) e CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) >  Uma pausa nos trabalhos do reordenamento de Nhabijões (1970). Foto gentilmente cedida por Luís R. Moreira, ex-slf mil sapador,  CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e membro da equipa técnica de construção do reordenamento.

Foto )e legenda): © Luís R. Moreira (2005). Todos os direitos reservados. [Edição  e legendagem: complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Fotococópia da capa da brochura Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações. Província da Guiné, Bissau: Comando-Chefe das Forças Armadas da Guine. Quartel General. Repartição AC/AP. s/d.

Foto: © A. Marques Lopes / António Pimentel (2007). Todos os direitos reservados. [Edição  e legendagem: complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Capa do livro "A Engenharia Militar na Guiné - O Batalhão de Engenharia". Coord. Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar. Lisboa : Direcção de Infraestruturas do Exército, 2014, 166 p. : il. ; 23 cm. PT 378364/14 ISBN 978-972-99877-8-6.  Cortesia de Nuno Nazareth Fernandes.


1. Mensagem da nossa leitora Francesca Vita, italiana, a fazer um doutorame em arquitetura (FAUP):

Data: terça, 30/10/2018 à(s) 10:28
Assunto: Guerra Colonial Guiné-Bissau | encontro conversa

Bom dia,  Sr. Prof. Luís Graça,

Chamo-me Francesca Vita, sou professora na Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos e doutoranda em Arquitectura na FAUP do Porto com uma investigação sobre a transformação do espaço doméstico na Guiné-Bissau.

Venho com este meio contactá-lo de seguimento a um email que enviei ao sr, Eduardo Magalhães Ribeiro. Este último sugeriu-me que era melhor entrar em contacto consigo para algumas questões que estou a investigar.  

Estou a realizar uma pesquisa sobre os reordenamentos populacionais durante os últimos anos da Guerra Colonial na Guiné-Bissau: 

(i) quando começaram a ser construídos;

(ii) de que forma;

(iii) quais foram os aldeamentos prioritários;

(iv) como se chegou a sua construção no campo;

(v) eventuais problemas encontrados etc.

Tenho algum material encontrado no Arquivo Histórico Militar em Lisboa, nos Arquivos de Bissau e no Arquivo Histórico Ultramarino sobre o qual queria conversar: fotografias aéreas, plantas, relatórios, etc.. 

Se estaria disponível gostaria muito de conversar consigo sobre estes assuntos.

Agradeço desde já a sua disponibilidade e atenção,

Aguardando uma sua resposta

Os meus melhores cumprimentos

Francesca Vita
____________

Francesca Vita
PhD student in Architecture at FAUP
FCT PhD studentship
PT / IT
(Port) +351 915544599
(Ita) +39 3312831235

francesca.vita0@gmail.com


2. Uma primeira resposta do nosso editor LG;

Francesca, terei muito gosto em ajudá-la... Conheci o grande reordenamento de Nhabijões, no setor de Bambadinca, região de Bafatá.... Bem como o de Bambadincazinho, Posso pô-la em contacto com alguns camaradas meus que  trabalharam em Nhanijões. Eu caí numa mina A/C à saída do reordenamento. Não tenho por isso as melhores recordações do lugar... Tenho escritos sobre isso no blogue... Há 20 referências no blogue com o descritor "reordenamentos".

Já falámos, enretanto, ao telefone. Para além de uma entrevista comigo, a agendar para a semana, há para já dois contactos que lhe vou dar, de dois camaradas que são profundos conhecedores da temática dos reordenamentos, por terem trabalhado nas suas equipas técnicas:


Tem 31 referências no nosso blogue. Engenheiro Técnico de Construções Civis no Ministério das Obras Públicas, prestou serviço na Guiné como Capitão Miliciano de Artilharia, entre 1970 e 1972, no BENG 447, com sede em Bissau. É autor, entre outras obras, do   livro "Memórias da Guiné", Edições Polvo, Lda, 2005 [, vd. capa à direita,]  de que publicámos diversos excertos. (*)

No BENG 447, e dadas as qualificações da vida civil, chefiou os Serviços de Reordenamentos Populacionais.

(,,,) "Tratava-se de um serviço dirigido por militares que era essencialmente destinado às populações civis. Tinha em vista proceder ao agrupamento de diversas pequenas "tabancas" com o fim de constituir aldeamentos médios onde fosse rentável dotá-los com algumas infraestruturas tais como escolas, postos sanitários, fontanários, tanques de lavar, cercados para o gado, mesquitas ou capelas. Além disso tinha-se também em vista, com a execução dos reordenamentos, a defesa e o controle das populações." (...)

Nessa qualidade, a sua actividade não estava por isso circunscrita à cidade de Bissau;

(...) "Tinha por vezes que me deslocar ao interior do território para resolver localmente problemas que surgiam durante as obras dos reordenamentos populacionais. Fiz, por isso, algumas viagens para o interior da Guiné em helicóptero ou em avião militar (Dornier). Essas viagens tinham alguns riscos devido aos independentistas, a certa altura, se terem apetrechado com mísseis terra-ar [, s´a partir do 1º trimestre de 1973,] e devido aos tornados que por vezes se formavam e que eram perigosos principalmente para as pequenas aeronaves." (,,,(

(...) Comigo as deslocações ao interior da Guiné correram sempre sem perigo, mas para outros militares não foi sempre assim. O Batalhão de Engenharia 447 tinha como funções dar apoio às tropas aquarteladas na Guiné no âmbito de garantir o regular funcionamento dos quartéis, promover o fornecimento de geradores eléctricos, orientar e apoiar as obras de reordenamentos populacionais, fornecer material de manutenção, construir estradas, pontes e portos de atracagem, quartéis e abrigos subterrâneos, etc." (,..)

Há uma página no Facebook sobre o BENG 447, Brá, Guiné - Comunidade (sem movimento desde há um ano...). No nosso blogue há cerca de 7 dezenas de referências ao BENG 447. E temos vários camaradas da engenharia militar na nossa Tabanca Grande.


Tem 23 referência no nosso blogue. Foi alf mil sapador,  CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e membro da equipa técnica de construção do reordenamento de Nhabijões (**). Foi gravemente ferido numa mina A/C, à saída do reordenamento.  Completará a sua comissão de serviço militar no BENG 447, depois de tratado e recuperado no Hospital Militar 241, em Bissau. É hoje DFA - Deficiente das Forças Armadas.

Vou pôr a Francesca em contacto com estes camaradas.

Leia também este documento: Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações. Província da Guiné, Bissau: Comando-Chefe das Forças Armadas da Guine. Quartel General. Repartição AC/AP. s/d.

O documento em causa foi reproduzido, julgo que na íntegra, no nosso blogue em 2007: aqui tens os dois postes (***) 

Boa saúde, bom, trabalho. Luís Graça (****)

PS - Veja também o livro "A Engenharia Militar na Guiné - O Batalhão de Engenharia".
Coord. Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar. Lisboa : Direcção de Infraestruturas do Exército, 2014, 166 p. : il. ; 23 cm. PT 378364/14 ISBN 978-972-99877-8-6.
 _________________

Notas do editor;

(*) Vd. poste de 18 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12057: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (9): Os reordenamentos populacionais

(**) Vd. poste de 21 de setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P182: O reordenamento de Nhabijões (1969/70) (Luís Graça)

(***) Vd. psotes de:


 16 de setembro de  2007 > Guiné 63/74 - P2108: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (2) (A. Marques Lopes / António Pimentel)

Vd. também poste de 26 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14189: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXI: outubro de 1973: Flagelação, pela primeira vez, do reordenamento de Nhabijões, de maioria balanta, com parentes no mato...

(****) Último poste da série > 1 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19157: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (57): Contactos de fotocines precisam-se para documentário sobre o seu papel na guerra colonial (Hélder Sousa/ Marisa Marinho)

Guiné 61/74 - P19195: Parabéns a você (1525): António Inverno, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 (Guiné, 1972/74); Orlando Pinela, ex-1.º Cabo Reabast Mat da CART 1614 (Guiné, 1966/68) e Coronel Cav Ref Pacífico dos Reis, ex-Cap Cav, CMDT da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)



_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 14  de novembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19191: Parabéns a você (1524): César Dias, ex-Fur Mil Sap Inf do BCAÇ 2885 (Guiné, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546 (Guiné, 1972/74) e Maria Arminda Santos, ex-Enfermeira Paraquedista (1961/70)

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19194: Em busca de... (291): Fotocines que tenham feito a guerra do ultramar,,,Contactos, precisam-se, de António Heleno (Lisboa) e Vicente Batalha (Pernes, Santarém) (Marisa Marinho, telem 969 321 386)


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > O cinema ambulante do sr. Manuel Joaquim dos Prazeres: o filme da semama: Riffi em Paris, película francesa, de 1966, dirigida por Denys de La Patellière e com Jean Gabin no principal papel... Filme de gangsters, popular na época... Chegava à Guiné três anos depois...Melhor do que nada...

[Também havia os "fotocines" que levavam algum cinema aos quartéis do mato... Pessoalmente nunca vi nenhum, em carne e osso,  "embebded" nas nosssas forças, como a minha CCAÇ 12, que andavam na porrada, no mato] (LG)

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem da nossa leitora Marisa Marinho  [Pesquisa & Conteúdos]

Assunto: Ainda os FOTOCINES

Data: 9 nov 2018


Olá,  Luís & Hélder,

Muito obrigada pela ajuda que nos deram, conseguimos informação realmente útil! (*)
Estou agora a agendar algumas conversas informais, como ponto de partida para a construção do tal filme sobre Fotocines [, ex-militares dos Destacamentos de Fotografia e Cinema]

Como em todas a pesquisas, uma cereja puxa a outra, e há duas pessoas, que surgem no seguimento de comentários do blog, mas com quem me está a ser difícil chegar à fala:

António Heleno e Vicente Batalha


Conseguem, por ventura, fazer-lhes chegar a informação de que há uma moça, de boas famílias , que lhes quer falar?  Telem 969321386

Posso deslocar-me até eles, caso não estejam na capital.

É que, hoje em dia, nem me atrevo a pedir telemóveis, porque os 'dados pessoais' são uma flor de cristal numa redoma intocável, e é preciso ter cautelas adicionais, para que ninguém se ofenda.

Muito grata por qualquer ajuda, (**)

Bem hajam,

Marisa Marinho
Telem 969321386

2. Comentário do editor LG;

Nenhum dos nossos camaradas que procura é membro da Tabanca Grande, sendo pouco provável, de resto, que leiam o nosso blogue...

Sabemos, por pesquisa na Net, que o ex-cap mil Vicente Batalha, comandente do Destacamento de Fotografia e Cinema 3011, na Região Militar de Angola (1972/74), é natural de Pernes, Santarém.  Esteve antes, na Guiné,  como  alf mil cav da CCAV [, Companhia de Cavalaria,] 1483 (1965/67).

Desta CCAV 1483, temos um contacto, de um camarada que organizou, em 2013,  um convívio do pessoal, em Moita do Ribatejo, Palmela... Pode ser que ele tenha o telemóvel do ex-al mil cav Vicente Batalha, comandante do 2º pelotão. Eis os elementos de contato que pediu para publicar no nosso blogue há 5 anos atrás:

Albino Marques dos Santos
Rua 25 de Abril – CCI: 25910 Venda do Alcaide
2950-234 PALMELA
Telm. 960 406 819 / 963 039 105

Foi o Vicente Batalha que criou, em Angola, a revista Fotocine, entretanto suspensa. Sugiro que contacte o Correio do Ribatejo, semanário de Santareém,  que publicou um extenso testemunho geracional, da autoria deste nosso camarada. Julgo também, pelo que me recordo, do seu currículo, que terá sido também programador cultural, na cidade de Santarém, depois do 25 de Abril. O realizador de cinema Fernando Matos Silva deve conhecê-lo, já que foi seu instrutor na tropa.

O Vicente Carlos Flor Batalha tem página no Facebook e tempelo menos 11 amigos em comum com a nossa página Tabanca Grande Luís Graça. Já lhe pedimos amizade...

Quanto ao António Heleno, de Lisboa,  não temos mais elementos do que aqueles, escassos, que constam do seu blogue: Fotocines.

Apelamos à boa (e muitas vezes frutuosa)  colaboração dos nossos leitores, com destaque para os amigos e camaradas da Guiné.

(**) Último poste da série > 20 de setembro de  2018  > Guiné 61/74 - P19030: Em busca de... (290): Mais elementos informativos sobre o memorial em Bachile, na região do Cacheu, com os nomes dos fur mil op esp José Duarte Franco Verde, e sold Humberto dos Santos Aires, da CCAÇ 2572, "Os Sem Pavor", mortos por acidente com arma de fogo em 26/11/1969 (António Salvada, CCAÇ 2584 / BCAÇ 2884, Có, 1969/71)

Guiné 61/74 - P19193: Agenda cultural (658): sessão de apresentação, ao público, em geral, e aos ex-camaradas do CTIG, em particular, do livro do ten gen ref António Martins de Matos, "Voando sobre um Ninho de Strelas", no dia 11 de dezembro de 2018, terça-feira, às 18h00, no Hotel Travel Park Lisboa, Av. Almirante Reis 64.


Alfagride, Amadora > Estado Maior da Força Aérea > 13 de novembro de 2018 > O António Martins de Matos a autografar o seu livro "Voando sobre um ninho de Strelas"


Alfagride, Amadora > Estado Maior da Força Aérea > 13 de novembro de 2018 > O Miguel e a Giselda Pessoa, na assistência, no autório gen Lemos Ferreira, na sessão de de lançamento do livro do António Martins de Matos "Voando sobre um ninho de Strelas"  (Lisboa: BooksFactory, 2018, 375 pp.)

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos, ten gen ref, 73 anos feitos há dias, em 3 do corrente, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74,  membro da Tabanca Grande, de longa data, com mais de 80 referências no nosso blogue, em especial na série FAP: 

Data: quinta, 8/11, 16:08


Assunto:  apresentação de livro

Caros amigos:

Conforme já devem ter tido conhecimento, acabei de escrever um livro sobre a Guerra Colonial e a Guiné, a que chamei: “Voando sobre um ninho de Strelas”.

Sendo um livro que interessa essencialmente os que passaram por aquelas terras, achei que seria importante fazer uma apresentação dedicada a todos esses antigos combatentes.

Para essa Apresentação gostaria de ter na Mesa de Honra os Representantes dos 3 Blogues que se têm dedicado a este tema, a saber:

- Luís Graça & Camaradas da Guiné;

- Tabanca do Centro;

- Especialistas da Base Aérea 12


Em princípio o livro irá ser apresentado no Hotel TRAVEL PARK, Av. Almirante Reis 64, no dia 11 de Dezembro, pelas 18 horas, o hotel tem parque subterrâneo, com acesso directo ao interior do mesmo.

Proponho-me desde já oferecer-vos um exemplar do livro, para tal preciso que me indiquem uma morada CTT. Conto com a vossa ajuda para uma “publicidade” ao evento.

Também gostaria que, no dia da apresentação, cada um dos “Representantes dos Blogues” tomassem a palavra para um eventual comentário ao livro, entre 5 e 10 minutos (facultativo).

Aguardo as vossas respostas e\ou comentários

Cumprimentos

AMM

2. Comentário do editor LG:

Estive ontem no lançamento oficial do livro, aqui ao meu lado, em Alfragide, no Estado Maior da Força Aérea (*), evento de que farei uma notícia, noutro poste, e que foi presidido pelo Chefe do EMFA, gen Manuel Teixeira Rolo. A esposa e a filha do autor estiveram presentes bem como numerosos amigos e camaradas da FAP, do Exército e da Marinha. Do nosso blogue, estive pelo menos eu, o Miguel e a Giselda Pessoa.

Posso desde já confirmar a data e o local, acima referidos, para a sessão de apresentação do livro ao público em geral e aos amigos e camaradas da Guiné, em particular, num ambiente menos formal e mais descontraído do que o de ontem, ni então já referid o Hotel Travel Park Lisboa,  sito na Av. Almirante Reis 64, Lisboa.

Por minha parte e em representação do nosso blogue, aceitei logo de bom grado o convite que me foi feita, para estar na mesa de honra. ao lado do autor.

Então até 3ª feira, dia 11 de dezembro. (**)

PS - A edição do livro é da BooksFactory. Página no Facebook: aqui.
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de outubro de  2018 > Guiné 61/74 - P19149: Agenda cultural (655): lançamento oficial do livro do ten gen ref António Martins de Matos, Voando sobre um Ninho de 'Strelas' , no dia 13 de novembro de 2018, terça-feira, às 17h00, no Estado Maior da Força Aérea, Alfragide... Membro da nossa Tabanca Grande, o autor foi ten pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, tem mais de 80 referências no nosso blogue. Uma sessão de apresentação da obra, aberta ao público em geral, e aos amigos e camaradas da Guiné, em particular, será realizada em Lisboa, em data a anunciar, no princípio de dezembro. próximo.

(**) Último poste da série >  11 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19186: Agenda cultural (657): Convite para o lançamento do livro "O Homem do Cinema", por Lucinda Aranha Antunes; editora Alfarroba, 2018, a levar a efeito no próximo dia 18 de Novembro na FNAC do CC Vasco da Gama, em Lisboa

Guiné 61/74 - P19192: Historiografia da presença portuguesa em África (137): Crenças e costumes dos indígenas da ilha de Bissau no século XVIII - Revista "Portugal em África" (Mário Beja Santos)

Imagem de uma Festa da Luta Felupe (Eran-ai), tirada em Sucujaque, em 8 e 9 de Abril de 2012, enquanto em Bissau decorria o golpe de Estado. 
Fotografia cedida por Lúcia Bayan, investigadora do povo Felupe, a quem agradecemos a gentileza.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Estamos sempre a aprender, por feliz acaso encontrei a publicação "Portugal em África, Revista de Cultura Missionária", tem duas séries, aquela em que ando a remexer data da década de 1940.
Num número de 1945, encontrei este saboroso documento, um ex-Vigário Geral da Guiné, Padre António Joaquim Dias Dinis, franciscano, trabalhou um autógrafo inédito do cronista Frei Francisco Santiago, documento que data de 1697. Por esta época, os franciscanos tinham a seu cuidado os hospícios de Cacheu, Bissau e Geba. Neste manuscrito até então inédito ficamos com um relato dos Papéis, as suas crenças e práticas religiosas, o régulo e os cerimoniais do seu enterro, o que era então a povoação de Bissau e a enternecedora devoção a Nossa Senhora da Candelária.

Um abraço do
Mário


Crenças e costumes na ilha de Bissau no século XVIII

Beja Santos

Causa-me uma certa incompreensão não ver referenciada na principal bibliografia sobre a colónia da Guiné a revista "Portugal em África", Revista de Cultura Missionária, teve duas séries em épocas distintas, vamos agora referir um trabalho do franciscano Padre António Joaquim Dias Dinis, ex-Vigário Geral da Guiné, intitulado “Crenças e costumes dos indígenas da ilha de Bissau no século XVIII”, segundo manuscrito inédito, publicado no Volume II de 1945. Começa por dizer que os missionários franciscanos tinham adquirido, dois anos antes, numa biblioteca particular de Braga, o segundo volume da "Crónica da Província Franciscana de Nossa Senhora da Soledade", autógrafo inédito do cronista Frei Francisco de Santiago. Àquela província pertenceram, depois de 1673, os hospícios de Cacheu, Bissau e Geba. Da Metrópole, os missionários seguiam para a Ribeira Grande, na ilha de Santiago de Cabo Verde, de onde se dispersavam por aquele arquipélago e pelas terras guineenses. Este Frei Francisco de Santiago dedicou algumas páginas aos costumes e crenças dos indígenas, que o autor transcreve dados relativos aos indígenas da ilha de Bissau, têm valor histórico indesmentível por mostrarem costumes dos Papéis, os gentios da ilha de Bissau.
E assim escreve:
“Quadra-lhes bem o nome; porque, com facilidade se dobram, por serem de natural mais dócil e brando que os outros de sua cor, que é negra, o cabelo torcido, como todos os mais daquela Etiópia ocidental. E aos portugueses têm particular inclinação, de tal sorte que, ainda que as outras nações excedam à portuguesa na alvura do corpo, só aos portugueses denominam com apelido de Brancos; ou por ser a primeira nação em que notaram esta cor, para eles estranha no corpo humano, ou porque, com esta antonomásia mostram reconhecer aos portugueses pelos primogénitos da sua veneração.
A sua crença é num Deus, superior a todas as criaturas e essências. Não adoram ídolos, nem os têm. Não crêem na imortalidade da alma racional. Acresce que, supondo que há espíritos diabólicos e que estes lhes podem revelar o futuro e prosperar os seus desejos, lhes fazem sacrifícios, nas suas chamadas ‘Chinas’, que são na forma de um chapéu-de-sol, coberto de palha. Há entre eles feiticeiros chamados Mandingas, etíopes negros, estrangeiros, do interior de África, os quais, feitos missionários do Alcorão, procuram transfundir o veneno da sua diabólica doutrina na singeleza dos naturais daquelas terras.
Porém, é geral a propensão para a religião católica, não somente consentindo que os filhos, sobrinhos e todos em quem têm poder, a recebam, mas ainda algumas vezes espontaneamente os entregam aos missionários para os baptizarem. O motivo que ordinariamente tomam os gentios para consentirem e ainda oferecerem os filhos e filhas ao baptismo é para depois de baptizados se casarem e ainda amancebarem com os cristãos, o que têm por grande honra e crédito. E a isto chamam cunhadio ou parentesco com branco, por ser costume, naquelas partes, sendo todos negros, chamarem brancos aos que são cristãos, sendo pretos, por diferença dos gentios”.

O missionário orienta agora a sua atenção para as guerras e alimentação:
“Quando vão à guerra, chegando à terra dos outros gentios onde têm posto o fito, se escondem nas praias e matos deles, e aí esperam que deles apareçam homens ou mulheres descuidados, e os apanham e amarram com cordas, que para isto levam, e os trazem para vender. Embarcam em canoas feitas de um só tronco de árvore, que tão grandes e grossas são que cada uma delas leva de vinte pessoas para cima. Para se alimentar, levam uma botija com água e fundo, milho ou arroz, esta é a sua vianda comum de toda a vida, com algum peixe seco, mal cheiroso, ou azeite vermelho de palma, que tudo chamam Mafé. Podem também comer uns caranguejos que acham nas covas da terra, na borda das praias, a que chamam Cáquere.
As armas que levam para a guerra são traçados e zagaias. Armas de fogo rara vez as levam. Se acontece matarem a algum ou alguns dos contrários, têm um mais que diabólico costume, que é, podendo havê-los à mão, cortar-lhes as cabeças e as partes pudendas. E, trazendo uma e outra coisa, as cabeças metem em troncos de árvores e as partes vergonhosas as assam ao fogo e, depois de tudo bem torrado, o pisam fazendo-o em pós que todos bebem em vinho de palma. E dizem eles que é para os defuntos não poderem entrar nos seus corpos”.

Frei Francisco Santiago descreve a ilha de Bissau e quem a habita:
“Tem esta ilha de Bissau 28 léguas de circunferência, pouco mais ou menos. É de clima o mais salutífero de toda aquela costa, assim pela pureza dos ares como pela frescura e bondade das águas. O número de seus familiares se estima em 20 mil famílias. Além do rei principal, que se intitula de Bissau, tem a ilha mais outros sete reis inferiores, que são os de Quixete, Cumeré, Safim, Tor, Biombo, Bijamita e Antula.
É esta ilha a mais vistosa e aprazível de toda aquela costa, e os habitantes deles negros bem-parecidos, com dentes e beiços delgados. Tem rei, a respeito do qual é de notar que não herdam o reino os filhos de tal rei; mas, para o ser, vão buscar o filho da irmã do rei. Porque, como este tenha muitas mulheres, duvidam se será o filho seu. Mas o filho da irmã é certo ser parente dele".

Frei Francisco Santiago demora-se nos comentários quanto ao local e cerimonial do enterro do régulo:
“Tanto que o rei se acha mal e se presume que morrerá, poucas pessoas, ainda das suas, entram a vê-lo. Vendo que não tem melhor, prendem a todos os cativos e cativas que ele tem; e apenas morre, se levanta tal alarido de vozes e gritos ao som de tambores, que parece um inferno. E dura este, que chamam choro, muitos dias. Neste choro há de haver muito de comer e beber; e, quanto mais há, mais solene. Nos três dias imediatos à morte do rei, têm todos liberdade para matar, ferir e roubar, sem que por isso se forme crime algum.
Morto o rei, embrulham o corpo em panos e depois em um couro de boi. Põe-no em uma casa de barro, coberta de palha, sobre areia; e aí está até passarem nove dias. Aí o vêm prantear todos os seus amigos. E, se algum não vem, dizem os parentes que o que não vem lhe faz mal; por isso, vêm todos, ainda que saibam que os hão de matar. Nesse tempo, se ajuntam quantidade de ferreiros a fazer-lhe o leite de ferro. Ao terceiro dia da morte do rei, determinam os escravos que o hão de servir na outra vida, e a todos os que se hão de enterrar com o rei dão uma bebida que os faz alegrar excessivamente, e, com esta alegria, bailar de contentes, por irem acompanhar o seu rei, até que, de cansados, caem como mortos. E, dando-lhe garrote, atados ao tronco de uma árvore, os põem de parte, para os meterem na cova com o rei”.

O franciscano faz uma referência à povoação de Bissau e à sua defesa:
“A povoação dos cristãos nesta ilha fica junto ao porto dela, que é à parte do Sul, perto da ponta de Leste. E tem hoje de 500 a 600 pessoas. Já teve mais, e, ainda as tivera se os brancos do reino e das ilhas não fugissem de viver ali, pelas muitas e grandes vexações que lhes fazem o rei e gentios.
Para se defenderem deles os cristãos e portugueses, mandou o rei D. Pedro II levantar ali fortaleza no ano de 1686, com artilharia e munições de guerra”. 

E refere igualmente que foi necessário no reinado de D. José I ali ir um corsário de guerra que travou grande refrega com o gentio, se reedificou a fortaleza, mas praticamente tudo ficou na mesma.
Para finalizar, fala na imagem de Nossa Senhora da Candelária existente na Igreja Paroquial de Bissau, a que dão muita devoção não só os cristãos mas ainda os gentios.
E fala dessa devoção:
“No tempo em que aquela igreja era coberta de palha – que hoje é de telha – costumavam gentios, por devoção, levar dela umas palhinhas para serem bem-sucedidos. E ainda hoje, nas ocasiões de negócio grande, de guerra ou de perigo, invocam a Senhora dizendo em crioulo: Candelária vou-me embora.
Tanta experiência têm já no seu favor e patrocínio em sucessos felizes, que daqui procedia antigamente armarem-se com as palhinhas da sua casa, e hoje procede o invocá-la nas necessidades e perigos”.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19173: Historiografia da presença portuguesa em África (135): Dois mapas da Guiné, 1948, 1951: quantas dúvidas, quantas interrogações (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19191: Parabéns a você (1524): César Dias, ex-Fur Mil Sap Inf do BCAÇ 2885 (Guiné, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546 (Guiné, 1972/74) e Maria Arminda Santos, ex-Enfermeira Paraquedista (1961/70)



____________

Nota do editor

Último poste da série de 13 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19189: Parabéns a você (1523): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19188: A galeria dos meus heróis (14): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – IV (e última) parte (Luís Graça)



Figueira da Foz >  "Placa da Rua Heróis do Ultramar na esquina com a Rua 10 de Agosto, em frente dos Bombeiros Voluntários"...  Foto de Joehawkins, datada de 24 outubro de 2016. Com a devida vénia... Fonte: Wikimedia Commons (2018)

 [Placas como esta abundam pelo país fora, são do início dos anos 60, quando começou a guerra colonial / guerra do ultramar em Angola, e era preciso homenagear os bravos que por lá se batiam, em condições adversas... A guerra depois banalizou-se, estendendo-se à Guiné e a Moçambique.. E os heróis foram ficando para trás... Esquecidos. Como em todas as guerras.. LG]




Luís Graça, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12,
junho de 1969
A Galeria dos Meus Heróis (14): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – IV (e última) Parte  (Luís Graça) (*)



[Continuação...

Sinopse das Partes I, II e III:

Belmiro Mateus, advogado, que não fez o serviço militar obrigatório, e António Mota, ex-seminarista, professor de história, e ex-combatente no TO da Guiné, em 1972/74, numa das companhias da "nova força africana" do Spínola, encontram-se no cemitério da sua terra natal, algures no Ribatejo, por ocasião do funeral de um amigo comum, Zé Nuno, engenheiro técnico, forcado, guitarrista, amante do fado, ex-combatente da guerra do Ultramar, em Moçambique, onde esteve, na Marinha, numa LFG, entre 1973 e 1974. A conversa prossegue num bar a 500 metros do cemitério, incidindo nomeamente sobre o passado dos três amigos e condiscípulos, a infância, a terra, a tropa, a guerra colonial, o 25 de Abril, mas também o fado, a morte, Deus, a fé...]




O Belmiro deu um abraço emocionado ao Tony depois do seu relato da cena da morte do puto da Simonov.

− Tony, é a primeira vez, nestes anos todos, que ouço alguém contar-me uma cena de guerra na primeira pessoa do singular!... Mas guerra é guerra, como é costume dizer-se. E, numa situação de combate, reage-se por reflexos, por instinto de sobrevivência. Foste também treinado para isso. E eu não faria melhor do que tu, se estivesse no teu lugar. Atirava a matar, sem apelo nem agravo.

− Mas era um puto, Belmiro!


− Afinal, com a idade de alguns dos teus soldados que também foram mortos em combate. E alguns, pelo que me contaste, também foram fuzilados, fria e barbaramente, a seguir à independência.

− É verdade... mas sabes o que ainda hoje, ao fim destes anos todos, me perturba, e às vezes me tira o sono ?

− Sim?!...

− É que
aquele (o golpe de mão sobre a aldeia, ou tabanca em crioulo, ) não era o objetivo da operação... A missão era localizar e destruir uma "barraca" (um acampamento temporário) da guerrilha, a sul de uma base no Morés, Sara Sarauol, no centro do país... Não sei se estás a ver o mapa da Guiné...

− Para mim, é chinês, mas continua...

− A operação foi mal planeada e pior conduzida, pelo major de operações, a partir de uma avioneta (que funcionava como PCV , quer dizer Posto de Comando Volante)... Com a história dos mísseis Strela, de que te já te falei, as aeronaves tinham que passar a voar alto ou, então, caso dos helicópteros, a rasar a copa das árvores… Houve uma falha (e já não era a primeira vez) nas comunicações terra-ar. Ficámos por nossa conta, com um guia que conhecia mal o terreno... Por azar, e já no regresso, deparámos com aquele pequeno núcleo populacional, desarmado ou mal armado...

− Mas houve resistência!?...

− Fraca, a população deu conta da presença tropa e começou logo a debandar ainda antes dos primeiros tiros... 'Tuga, tuga!'... O puto da Simonov deve ter ficado para trás... com mais alguns homens válidos... que deviam ser milícias (eles também tinham milícias). Depois, como deves imaginar, não tive mãos nos meus homens, fizeram o que tinham a fazer... Nós, e mais outro grupo de combate que fizemos o golpe de mão, com o resto da nossa companhia a cercar parte do objetivo, retirámos rapidamente... deixando atrás alguns mortos da população e as palhotas a arder... Apanhámos o que pudemos: algumas mulheres, crianças e velhos, e armas ligeiras que deviam estar entregues ao chefe da tabanca para autodefesa... O regresso foi um sufoco, com apoio de helicanhão... e de uma "formiga" de um  T6 a dez mil pés de altura, três quilómetros ou coisa assim...


Os dois amigos desciam agora, em silêncio, a rua do Colete Encarnado que ia desembocar ao centro da vila. O António tinha o carro no parque de estacionamento fora do centro histórico, no sentido contrário do cemitério (que ficava a norte). Ainda ia jantar com o filho, mais novo, que estudava em Lisboa.

Passaram pela antiga casa, solarenga, da família do Zé Nuno, agora transformada em biblioteca municipal e centro cultural. Mas já tinham passado, na parte alta, pela antiga casa dos avós e dos pais do António, uma casa modesta, de piso térreo, agora restaurada. Tinha sido comprada há uns anos por um casal de emigrantes que vivia no Luxemburgo. 

− Gente da terra, trabalhadora... − esclareceu o Belmiro.

O Tony já não tinha mais raízes, na vila, a não ser memórias, depois da venda, há largos anos,  da casa onde nascera, e que fora erguida pelo avô, campino de uma casa agrícola da região. A avó era avieira, nascida na Praia da Vieira, tendo vindo com os pais para a faina da pesca no Tejo, no tempo da miséria. Por seu turno, o seu irmão mais novo também tinha morrido cedo. Em suma, já não tinha família por aqueles lados, e os seus filhos nunca chegaram a fazer lá amizades, eram os dois nados e criados no Alentejo.

− Belmiro, és aqui o meu último amigo e irmão... Quero ver se,  no Dia de Todos os Santos, daqui a seis meses, volto cá para pôr uma flor na campa dos meus velhotes, os meus pais e os meus avós. Combinamos uma almoçarada no Afonso, se tiveres disponível...


− Ainda é aquele que faz a melhor sopa de bacalhau dos campinos, de todos os restaurantes da vila... Mas também pode ser um peixinho do rio...

A antiga rua do Colete Encarnado tinha sido rebatizada, depois do 25 de Abril... Era agora a rua das Forças Armadas...

− Que raio de nome! É homenagem a quê ou a quem ? Foram as Forças Armadas que fizeram o 25 de Abril ?

− Mas também fizeram o 28 de Maio... e o 10 de Outubro... − ironizou o Belmiro.

O Tony também concordava com a opinião do amigo, que vivia na terra e que conhecia melhor do que ninguém as misérias e grandezas  da vida local. De facto, parecia que, aqui como em todo o lado,  as comissões de toponímica municipais eram uma cambada de burocratas que iam atrás das agendas partidárias, eram ignorantes da história local e nacional e sobretudo revelavam  uma miserável insensibilidade sociocultural…

− Limparam as ruas todos, becos, travessas, praças, pracetas… Ficámos amnésicos, Tony. Perdemos a memória da nossa história local. Até o Beco do Quebra-Costas  tem agora o nome de um professor qualquer de Lisboa que era antifascista, e que nunca cá pôs os pés nesta terra...

− Santa incultura geral, Belmiro… Uma tristeza!...


O antigo Solar do Marquês de Marialva, um belo edifício do início do séc. XX, exemplar interessantíssimo da arquitetura regional, e de que o Zé Nuno tanto gostava, acabaria, há uns dez anos atrás, por ser vítima do impiedoso e cego camartelo camarário.

− Sem dó nem piedade! − lamentou o Belmiro. − Nem sequer classificaram o edifício. Hoje é um complexo de apartamentos de luxo, propriedade de gente que nem sequer é da terra. Estão a gentrificar a nossa terra, Tony!

Ainda pararam para beber uma bica, no café que o Zé Nuno gostava de frequentar, e onde costumava parar a malta do grupo de forcados, agora em decadência. E a conversa voltou de novo à tropa e à guerra:

− Costumo dizer, Belmiro, que a Guiné foi a rifa que me saiu em sorte... Só não ganho o raio do Euromilhões!... Mas, pensando bem, não me posso queixar. Pelo menos estou vivo. Podia ter dito que não... Mas será que tinha condições para decidir em consciência ? Para mais, face a um Estado autoritário e repressivo como o nosso, na altura ?

− Não, não tinhas alternativa. A deserção era, e é, um crime grave. Ponho-me no teu lugar, eras o indivíduo, só, desamparado, contra o Estado, todo poderoso.

− Foi a rifa que me saiu na história. Como sabes, na história não há "ses"!... Ah!, se eu tivesse nascido dez anos antes, ou dez anos depois!... Não me posso queixar, ou não me adianta, não posso alterar agora o curso da história, da minha e a dos outros…

− Tony, há muitas formas de heroísmo, não é só na frente de batalha... Mas os desertores, em geral, nunca são tratados como heróis...

− Temos sempre dificuldade em abordar o problema dos refractários e dos desertores... Sobretudo destes últimos, que afinal foram em número ínfimo, tanto quanto sei. Já os refractários podemos falar em um quinto dos homens em idade militar. Quer dizer, da malta da nossa escola, um em cada cinco cavou para o estrangeiro antes da sua convocação entre os 18 e os 20 anos.

− Refratários... ou faltosos ? Tenho ideia, como jurista, que há uma diferença semântica e concetual... Mas não tinha  ideia desses números... 

− Não faço distinção: foram todos os que faltaram à tropa...

− Sim, Tony, a guerra era impopular... Apercebi-me disso quando entrei na universidade...

− Olha, eu acho que foi o salve-se quem puder − concluiu o Tony. − À boa maneira portuguesa. Somos uns safados... O Salazar deixou-nos uma batata quente que rebentou na boca do delfim mal amado, o Marcelo Caetano. Para lá do impasse militar e do desastre político, tínhamos um problema demográfico bicudo. Já não tens braços para segurar a G3 e ir fazer a guerra. Daí o crescente recurso à tropa de 2ª linha, se quiseres, os guineenses do recrutamento local (e nos outros territórios,os angolanos, os moçambicanos...).  Eram bons combatentes, e sobretudo mais baratos, mas não falavam português, pelo menos os guineenses… Como se poderiam sentir portugueses ? Nem sabiam onde ficava Portugal no mapa!...

− Sim, muito me contas, nunca tinha pensado nisso.

− O PAIGC tinha o mesmo problema… Estava exangue, conheci guerrilheiros em 1974 que só falavam francês... A guerra foi um modo de vida, para alguns, de um lado e do outro... Foi um modo de vida para alguns milicianos que se tornaram capitães... De aviário, como a gente dizia...

− Confesso, Tony, que na altura, a seguir ao 25 de Abril, queríamos era apressar o fim da guerra. A todo o custo, doesse a quem doesse, incluindo a tropa e os civis espalhados por Angola, Guiné e Moçambique. Era militar, política, diplomática e economicamente impossível prosseguir a guerra a partir de 1974. Ninguém estava mais disposto a perder três anos da sua vida, e muito menos a vida, por uma causa historicamente perdida… Há limites para o patriotismo...

− Sim, tu foste dos que gritaste "Nem mais um soldado para as colónias"... Estavas a ser coerente, embora eu não pudesse de maneira nenhum estar de acordo contigo nessa altura. Em agosto de 1974 eu passei momentos terríveis a tentar tranquilizar os meus soldados, antes de dissolver a companhia. Vi-me embora em setembro e eles, coitados, lá ficaram entregues à sua sorte... Com os ordenados pagos até ao fim do ano...


− Se calhar eu estava a ser também inconscientemente egoísta. Eu não queria apanhar com as sobras do Império, com os estilhaços do desmoronamento do Império... A conhecê-lo, a ir para a guerra, gostava de ter sido no seu apogeu, mas aí eu ainda não tinha nascido. Nem sei se o império chegou a ter algum momento de apogeu... Em boa verdade estava-me nas tintas para a sorte de quem ainda lá estava, como tu e o Zé Nuno, e mais milhares e milhares de soldados, metropolitanos e do recrutamento local, a par de centenas e centenas de milhares de civis, brancos, mestiços e negros, que temiam pelo seu futuro quando fosse arreada a bandeira portuguesa.

- Acredita, Belmiro, nem nós nem o PAIGC estávamos dispostos a voltar a combater... Ouvi eu da boca de alguns comissários políticos... Seria uma tragédia se as negociações entre os políticos tivessem falhado, em Londres e depois em Argel... Agora, não me perguntes se não teria havido outras soluções... Hoje é fácil brincarmos aos jogos de guerra... E não falta aí gente, nas redes sociais,  veteranos de guerra e outros, a destilar veneno contra o 25 de Abril e a descolonização. 

− Eu não teria moral nem muito menos imaginação para impor um outro fim ao nosso fim da história colonial... Mesmo que esse fim não me agradasse, como não me agradou... vistas hoje as coisas a esta distância.

− Todos ou quase todos concordam que, idealmente, as coisas poderiam ter tomado outro rumo. Sabemos como começa uma guerra, nunca saberemos como ela acaba... No caso de Angola, por exemplo, ela só acabou 40 anos depois e o balanço é aterrador, quase apocalíptico. Na Guiné, tirando os meus soldados fulas, toda a gente festejou o fim da guerra... 

- Tony, fomos todos joguetes nas mãos dos russos e americanos, da Nato e do Pacto de Varsóvia. Estávamos no auge da guerra fria e, cá dentro, à beira de uma guerra civil, no verão quente de 75.

− Eu não tenho a mesma perceção… Seria impossível ter uma Cuba às portas da Europa, ou melhor, em plena Europa. Para mais, num país da NATO… O Salazar tinha isto bem armadilhado. E a Espanha do Franco ainda ponderou intervir, ao que parece, para evitar o risco de contágio.  Os nossos revolucionários eram de opereta. As nossas revoluções foram sempre de opereta, desde a restauração, em 1640.

− "Revolução dos cravos"?!... − exclamou, em tom de ironia, o Belmiro.− Mas, olha, também eu, maoista,  fui na onda do papão do social-fascismo... Como eu gostava então do palavrão!... Mas no 25 de Novembro eu estava ao lado do Eanes e do grande  educador da classe operária, o Arnaldo de Matos...

− Fomos todos ingénuos, mas bem ou mal escrevemos o nosso capítulo da história. Eu, por mim, procuro tranquilizar a minha consciência do seguinte modo: fui para a guerra, não desertei, queria continuar ter o direito de viver no meu país, fiz a guerra, na esperança de que os políticos do meu país encontrassem, a tempo,  uma solução (política) para ela...

− Daqui a 10 anos estamos a debater o 1º centenário do Estado Novo. E, se calhar, os portugueses vão confirmar o Salazar como o estadista português mais importante do séc. XX.

− Espero bem que não... Mas a verdade é que ainda hoje o seu fantasma paira pelas nossas cabeças, tal como o do Marquês de Pombal, mesmo quando os mais novos já não sabem sequer quem foram esses homens... O Salazar esteve em cena quase 50 anos, atravessando terríveis períodos do nosso tempo, da crise de 1929 à Guerra Civil de Espanha, da II Guerra Mundial à guerra colonial…

− Foi o pai da Pátria, o que nos livrou da II Guerra Mundial, como dizia o meu pai lá em casa. E, na verdade, foi, quer gostes ou não.

−... Eu, acho, Belmiro, que ainda não o matámos nem o enterrámos de vez.

E foi com esta conversa melancólica que os dois amigos se despediram. Pela última vez… Passados uns meses, o Tony morreria num brutal acidente de automóvel na A2, quando regressava de Lisboa, a caminho do seu monte no Baixo Alentejo. Nunca se soube a causa de morte, por vontade da viúva e dos dois filhos... 


Ao Belmiro, que ainda tentou, em vão, obter uma cópia do relatório da autópsia, chegaram versões contraditórias: sono, AVC, morte súbita, suicídio ?!... Parece que o veículo, que circulava na faixa direita, foi bater de lado nos rails de proteção, e andou dezenas e dezenas de metros descontrolado, a varrer as faixas de um lado ao outro... Felizmente não havia mais carros a essa hora, da noite... O Tony terá tido morte imediata.

O Belmiro inclina-se mais para a hipótese de acidente por despiste, devido a cansaço e  a sono... O Tony amava demais a vida e a família e o Alentejo, nunca lhe falara em suicídio...

O corpo, depois de libertado, foi cremado. As cinzas repousam agora junto à "oliveira da paz", que o Tony replantara no seu monte, vinda do Alqueva... Era centenária. Os filhos e a viúva cumpriram assim a sua última vontade, mas só em parte: ele deixara escrito que as suas cinzas deveriam ser espalhadas por três sítios que ele amou: a sua terra natal, o monte no Alentejo e "o rio Geba, cuja água ele bebera"... Em alternativa, lançaram parte das cinzas no Cais da Rocha Conde Óbidos numa cerimónia restrita, apenas com a família mais próxima e alguns amigos íntimos. Dali tinham partido, de barco, centenas e centenas de milhares de soldados para as guerras coloniais (Índia, Angola, Guiné, Moçambique)...O gesto era simbólico: o Tony já foi e veio nos TAM - Transportes Aéreos Militares.

O Belmiro ainda chegou a abordar o presidente da Comissão de Toponímia Municipal, um jovem arquiteto, vereador da câmara municipal, membro influente de um dos partidos do arco do poder quanto à hipótese de ser dado o nome do dr. António Mota a um novo arruamento a abrir em breve (ou equipamento escolar a inaugurar no futuro), nos arredores da vila, já na zona extra-muros. A resposta não podia ser mais desencorajante:

− Caro doutor, como sabe tão bem como eu, a comissão é meramente consultiva, dá pareceres, quem atribui os nomes é a Assembleia Municipal... Faça-me uma proposta, fundamentada, por escrito, mas vai ser difícil...

− Difícil ?...− interrompeu o dr. Belmiro Mateus.

− O dr. António Mota era nosso conterrâneo, e depois ?... Fez a guerra do ultramar, mas não foi reconhecido como herói. Tem uma cruz de guerra, a Torre e Espada, ou coisa parecida ? Não tem. Tem alguma comenda ? Não tem... Como sabe, temos muitos candidatos e poucos novos arruamentos ou equipamentos para homenagear os nossos conterrâneos ilustres... E depois a guerra do ultramar, felizmente,  já está esquecida, é uma coisa do século passado... Já temos, por outro lado, uma rua dos Heróis do Ultramar, construímos há dois ou três anos um monumento aos combatentes do ultramar, e no nosso cemitério há um talhão da Liga dos Combatentes... Acho que a nossa terra já fez o que tinha a fazer pelos nossos bravos antepassados que andaram, e alguns morreram, na I Grande Guerra e na Guerra do Ultramar...

O dr. Belmiro Mateus estava quase a explodir de raiva, mas conteve-se... Percebeu onde é que o jotinha queria chegar: o António Mota era um "outsider", um desalinhado, não fazia parte do sistema, "não comia na mesma gamela", nunca tinha sido autarca, presidente de junta de freguesia, presidente da câmara, presidente da Assembleia Municipal, vereador, dirigente partidário, deputado, não chegara sequer a general, nem muito menos era um herói... Por que raio é que deveria ter um nome de rua na sua terra ?! Ele, o Zé Nuno e tantos outros conterrâneos, centenas, anónimos, que afinal foram os coveiros do Império ?!...


Luís Graça
Lourinhã, 11/11/2018, 5h00

[Costuma-se prevenir o leitor de textos 'literários´como este, de que qualquer semelhança destas histórias com a realidade é pura coincidência. Por razões éticas e legais de proteção de dados, os nomes aqui referidos são fictícios, exceto os dos países, os dos lugares públicos e os das figuras públicas. Todos os factos aqui narrados  inspiram-se em factos que aconteceram ou podiam ter acontecido. Uns vividos pelo autor, outros partilhados por camaradas e amigos da Guiné... Se no final tu, leitor,  te sentires desconfortável, peço-te que voltes para a cama e continues a dormir, descansado, como eu faço: afinal a guerra colonial nunca existiu, foi apenas um pesadelo, para alguns, como nós, ex-combatentes. Boa dia, boa tarde ou boa noite, conforme a hora e o lugar em que me estiveres a ler.]

____________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

6 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19171. A galeria dos meus heróis (11): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – Parte I (Luís Graça)

(...) − Meu caro Belmiro, dá-me cá um valente quebra-costelas, como se diz lá em baixo no meu Além... Tejo!

− E tu, como vais, meu velho ? – respondeu efusivamente o Belmiro, ao abraço apertado e prolongado do António, Tony para os amigos.

− Cá vamos andando, menos mal!...Velhos, carecas e gordos! – replicou o Tony.

− Cá vamos andando, como dizem os mouros cá de cima, de Riba... Tejo. (...)


7 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19174. A galeria dos meus heróis (12): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – Parte II Luís Graça)

(...) − O Zé!... Éramos vizinhos da Rua do Colete Encarnado, na encosta do castelo, eu na parte de cima, a dos pobres, e ele, na parte de baixo, a dos ricos… As nossas famílias não eram chegadas, naturalmente, não conviviam. Os teres e os haveres aproximam as pessoas, a pobreza, mesmo honrada, afasta-as. O pai dele era um senhor lavrador, um agrário, o meu, um serralheiro, pequeno patrão, que mal ganhava para ele e o seu moço ajudante. Enfim, encontravam-se na missa, ao domingo. (...)

8 de novembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19175: A galeria dos meus heróis (13): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – Parte III Luís Graça)

(...) E, prosseguindo a sua linha de pensamento sobre o seu passado, quando estudante, justificou-se o Belmiro:

− Aos vinte anos, somos todos revolucionários quando há que fazer revoluções… No passado,à direita e à esquerda, os revolucionários chamavam-se fascistas, comunistas, anarquistas, porque era preciso destruir a burguesia e o Estado capitalista, na Europa nos anos 20 e 30 do séc. XX. Hoje não temos a mesma urgência em mudar as coisas, tal como acontecia em Portugal em 1973, o ano em que nada podia continuar como dantes: tínhamos a escalada da guerra colonial, a ditadura em banho maria, a crise petrolífera, o esgotamento do nosso modelo de desenvolvimento, a emigração em massa, a democratização do ensino… Andávamos em agitação permanente, pelo menos na universidade, em Lisboa, Porto e Coimbra, achávamos que tínhamos que começar a mudar as coisas pela veemência e a urgência da palavra… (...)

Guiné 61/74 - P19187: Notas de leitura (1120): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2016:

Queridos Amigos ,
Pela mão amiga do investigador António Duarte Silva cheguei a esta deslumbrante e controversa obra.
Para minha surpresa, nunca a vejo citada ou comentada pelos melhores analistas da Guiné-Bissau, isto quando o intelectual norte-americano defende a tese que o país tem uma carga histórica de resistência aos poderes centralizados, consegue sempre subsistir por concertações e alianças multi-étnicas: sociedades rurais operativas num Estado permanentemente frágil.

Um braço do
Mário


Guiné-Bissau:
O Estado é frágil, as sociedades rurais são a alma da nação(1)

Beja Santos

O título da obra “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest, Ohio University Press, 2003, parece desconcertante e no entanto trata-se de uma arguta e audaciosa investigação de que, incompreensivelmente, não se vê qualquer alusão nos autores de referência. Tratando-se, em minha modestíssima opinião, de um dos mais importantes trabalhos de tese sobre a Guiné-Bissau, só vejo utilidade em repartir a densa e brilhante argumentação deste investigador norte-americano em vários textos.

Falar em Estado frágil está muito longe de ser uma novidade quando se fala da Guiné-Bissau. Há consenso que um Estado desta natureza tem uma incapacidade estrutural para impor decisões políticas levando a generalidade dos grupos a sentirem-se enquadrados numa perspetiva nacional. Não é frágil o Estado onde se pagam impostos, se possui um sistema educativo, um serviço público de saúde, mecanismos de salvaguarda da segurança pública, intervenções em calamidades, e o muito mais que se sabe. O que não se sucede na Guiné-Bissau. O que Joshua Forrest apresenta como premissa maior é de que este Estado frágil tem as suas raízes no modo de desenvolvimento das sociedades rurais tanto nos períodos pré-coloniais como coloniais. E para dar consistência à sua tese o autor disserta sobre a história da Guiné-Bissau em quatro momentos específico: o espaço político pré-colonial e o encontro afro-europeu; a organização do território durante a presença colonial e a resposta das sociedades civis, na vertente étnica; como as sociedades rurais responderam ao período da ocupação e pacificação; por último, a luta armada e o Estado pós-colonial.

No essencial, Joshua Forrest pretende dar uma sequência às identidades étnico-políticas, mostrando que quando os europeus desembarcaram na chamada Costa da Guiné, Senegâmbia, Terra dos Negros, ou outra expressão equivalente, já existia uma rede comercial e um vasto sistema de alianças à procura de equilíbrio. As identidades étnico-políticas deram provas, sem prejuízo da sua autonomia, de se mostrarem capazes de estabelecer alianças de longo prazo. A relação do colonizador com os reis locais revelou-se bizarra: na generalidade dos casos, o colono, para fazer o seu comércio em paz, tinha que pagar uma taxa, um tributo, não pagando sujeitava-se às mais tortuosas retaliações. Durante séculos, o colono não se propôs ocupar o território e quando o ensaiou encontrou uma reação áspera, daí os múltiplos incidentes e combates. A prova de que estudou e refletiu profundamente sobre os elementos da sua tese, aparecem com clareza quando ele fala nas alianças multiétnicas, à volta do grande cerco de Bissau (1890-1909). Ainda na segunda década do século XX, o Estado colonial controlava uma porção ínfima do território. Há pormenores desta análise do maior interesse, como é o caso do armamento usado por ambas as partes até ao momento em que a evolução do armamento deixou as sociedades guineenses sem capacidade de resposta. O armamento e o número de efetivo a combater. Quando em 1907, o régulo do Cuor, em estreita conivência com outros régulos de regiões limítrofes, impede a navegação do Geba, pela primeira vez Lisboa reagiu autorizando um considerável exército para castigar o rebelde, foram enviados contingentes de Portugal e de Moçambique, embarcações bem equipadas, o exército com o melhor armamento disponível. Mais tarde, durante as campanhas do Capitão Teixeira Pinto, usou-se o terror e a dissuasão combatendo sem tréguas.

Pacificação nunca significou na Guiné domínio absoluto, até porque foi entendido, perante o mosaico étnico e a diversidade de sociedades horizontais e verticais, que o Estado colonial beneficiaria de receber a fidelidade das etnias islamizadas, fenómeno que estará presente na luta armada de 1962 a 1974. Reparo que Joshua Forrest é o primeiro investigador que recua a data da luta armada para 1962, há hoje provas inequívocas de que nesse ano o PAIGC desmantelava infraestruturas, fazia emboscadas, lançava intimidações, socorria-se do terror e assassinava comerciantes brancos e cabo-verdianos. O autor recorda o mercenário senegalês Abdul Indjai, de que Teixeira Pinto fez um herói, no fundo fez do mercenário o proprietário de uma porção do país, embora se tenha virado o feitiço contra o feiticeiro, Abdul Indjai veio a revelar-se um aterrorizador de populações entre o Oio e o Geba, caiu em desgraça, foi preso e retirado da Guiné.

Estamos perante uma investigação em que se pretende dar como facto consumado a autonomia e a capacidade de resistência a nível local. O Estado colonial nomeia régulos que não merecerão a confiança das populações locais. Balantas, Manjacos e Felupes manter-se-ão à margem da administração colonial, a despeito do trabalho forçado e do imposto de palhota. A vida social, política e económica destas etnias manter-se-á inteiramente livre, são sociedades que disporão de uma intensa rede comercial informal, os comerciantes deslocar-se-ão calmamente pelas fronteiras porosas do Senegal e da Guiné Francesa. Quando o Governador Carvalho Viegas escrever nos anos de 1930 o seu importante relato sobre a Guiné não iludirá de que a administração da colónia é mais teórica do que o real, com funcionalismo altamente corrupto e culturalmente desqualificado. Será Sarmento Rodrigues o Governador destinado a ver mais longe e a pretender alterar a situação de ocupação fictícia: Bissau ganha dignidade, lançam-se infraestruturas, procura-se conhecer a cultura guineense, atraem-se os mais capazes, o Governador pretende ver em marcha uma colónia modelo. Serão convocados planeadores urbanos, arquitetos entusiastas, até artistas em lançamento. No momento em que escrevo estas considerações, decorre no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian uma retrospetiva a José Escada. Ele vai aparecer a trabalhar nos painéis da nova Associação Industrial e Comercial de Bissau, no local mais central da cidade. Sarmento Rodrigues cuidou de uma administração mais motivada e capacitada.

Ao iniciar-se a luta armada, a Guiné possui uma administração colonial, um serviço de saúde elogiado pela OMS, Spínola conferirá durante o seu mandato uma enorme respeitabilidade à audição multiétnica através dos Congressos do Povo, eventos que tiveram a particularidade de juntar representantes das sociedades rurais. É nesse contexto que o investigador norte-americano se debruça sobre o soçobro do Estado pós-colonial. Amílcar Cabral falara repetidamente na “armadilha de Bissau”, advertira enigmaticamente quanto ao “suicídio da burguesia”, deixara escrito que o Estado devia descentralizar-se, um país com aquela dimensão, saído de uma dilacerante luta armada, com tais e tantas confrontações étnicas, o Estado pós-independência devia estar junto das populações. Ninguém o ouviu. O Estado na República da Guiné-Bissau permaneceu sempre frágil, distante e indesejável. Os comités de tabanca rapidamente caíram em desuso e praticamente não funcionaram nas regiões onde a presença portuguesa era mais forte. Luís Cabral e Nino Vieira prometiam modernização: surgiram os grandes desastres da pseudo-industrialização, os doadores foram-se cansando de ver tanto projeto posto em abandono. Em poucos anos, as sociedades guineenses aperceberam-se que vinham autocarros oferecidos, automóveis suecos para os governantes, que até o dinheiro da cooperação sueca para pagar aos professores era desviada, os correios deixaram de funcionar, as estradas só eram reparadas com a cooperação chinesa, o sonho dos Armazéns do Povo tornou-se num pesadelo de corrupção e incompetência. Os régulos voltaram a ser a autoridade legítima, floresceram as escolas crónicas.

Enfim, estamos perante um trabalho tão controverso que há inúmeras questões para tentar responder, desde as alianças multiétnicas que precederam a chegada dos portugueses, em que termos mais precisos se pode argumentar que as sociedades rurais guineenses recusaram o Estado, etc. Forrest também implica o novo olhar sobre a luta armada e as propostas de Amílcar Cabral. Creio serem estes os aliciantes fundamentais para percebermos que esta obra é indispensável para entender melhor a Guiné-Bissau de há muitos séculos até hoje.

(Continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 9 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19178: Notas de leitura (1119): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (59) (Mário Beja Santos)

domingo, 11 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19186: Agenda cultural (657): Convite para o lançamento do livro "O Homem do Cinema", por Lucinda Aranha Antunes; editora Alfarroba, 2018, a levar a efeito no próximo dia 18 de Novembro na FNAC do CC Vasco da Gama, em Lisboa

C O N V I T E



1. Em mensagem de 7 de Novembro, a nossa amiga Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim, que foi empresário e caçador em Cabo Verde (1929/1943) e Guiné (1943/1973), o homem do cinema ambulante, enviou-nos o convite para assistirmos ao lançamento do livro que ela escreveu sobre o seu pai, com o título "O Homem do Cinema", editora Alfarroba, a levar a efeito no próximo dia 18 de Novembro pelas 16h00 na FNAC do Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa.




Manuel Joaquim dos Prazeres, empresário de cinema e caçador, que conhecia a Guiné como poucos 
Foto: © Lucinda Aranha (2014)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19163: Agenda cultural (656): Hoje na RTP1, às 21h00, início da minissérie, de 3 episódios, "Soldado Milhões", o herói português da I Guerra Mundial (realização de Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa)

Guiné 61/74 - P19185: Convívios (879): Encontro do pessoal da CCAÇ 3, dia 17 de Novembro de 2018, na Anadia (João Manuel Félix Dias, ex-Fur Mil SAM)



CONVÍVIO DO ANTIGOS COMBATENTES DA CCAÇ 3
DIA 17 DE NOVEMBRO DE 2018, NA ANADIA



____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de Novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19181: Convívios (878): Convite para o Magusto da Tabanca de Matosinhos, dia 14 de Novembro, Restaurante Espigueiro, Matosinhos (José Teixeira)

Guiné 61/74 - P19184: Blogpoesia (594): "Vasos de barro", "As notas da guitarra" e "Com granizo e trovoadas...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Vasos de barro

Vasos vazios de barro sem cor.
Exibindo flores. Secas de sede.
Desejos calados de fome,
Penúria da sorte,
Bem faz a quem quer.
Sementes perdidas que o vento espalha.
Germinam na terra banhada de sol.
Ardentes de sede, secam sem flor.
Aves cansadas vindas de longe,
Procurando ciosas seu ninho,
Onde foram felizes.
Lágrimas sofridas que secaram de dor.
Mesas bem postas, fartas de tudo,
Os filhos não vêm.
Arrecadas de oiro, luzindo no busto.
Estrelas caladas chamando a luz.
Árvores ao ar, batidas do vento,
Perderam as folhas,
Nuas para sempre.

Ouvindo Carlos Paredes - Verdes anos
Berlim, 7 de Novembro de 2018
7h31m
Jlmg

********************

As notas da guitarra

São vibrantes e luminosas as notas frescas da guitarra de Paredes.
Purificam o meu espírito no começo da manhã.
Vibrações telúricas doiradas pelo rio Tejo.
Um incenso religioso se desprende das suas cordas que me perfuma o coração.
Pairam sobre Alfama e a Mouraria as vozes do fado de Lisboa.
Terraços sobranceiros na encosta das colinas espreitando as sereias do Tejo em marcha.
Que suavidade benfazeja vem daqueles infinitos do Alentejo!...

ouvindo Carlos Paredes
Berlim, 10 de Novembro de 2018
7h18m
Jlmg

********************

Com granizo e trovoadas...

Com granizo e trovoada se alisam as calçadas de Lisboa.
Seus pátios amplos expostos onde vegeta ao sol a fraternidade.
Ruelas e ruinhas onde se bebe água-ardente e canta o fado.
Telhados vermelhos escorrendo paz pelos lares das gentes sãs de Lisboa.
Torres e zimbórios altos das igrejas e da Basílica sagrada da Estrela
onde o Deus criador é adorado. Castelo vetusto e altaneiro guardado a pedras pelas muralhas robustas que o defendem.
Rio Tejo que vem de Espanha abençoando as terras e lezírias ribeirinhas.
Ó mar ignoto que nossos magnos antepassados desvendaram assombrosamente, dando a conhecer o mundo a todo o mundo.
Vos bendizem e cantam estas cordas tensas com a toada do fado a toda a hora...

ouvindo a guitarra de Carlos Paredes
Berlim, 9 de Novembro de 2018
7h3m
Jlmg
____________

Nota do editor

Último poste da série de 4 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19165: Blogpoesia (593): "Bateria", "Poesia da Poesia" e "Tempo dos ardinas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728