quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19259: (D)o outro lado do combate (39): Vídeo de 2/3/2008 com entrevista a antigo guerrilheiro do PAIGC, contemporâneo do cerco a Darsalame, em julho de 1962, pelo grupo de combate da CCAÇ 153, comandado pelo cap inf José Curto (Luís Graça)



Guiné-Bissau > Seminário Internacional de Guiledje, 1-7 de março de 2008 > Visita, no dia 2, ao Cantanhez, na região de Tombali. Reconstituição do antigo acampamento ("barraca") Osvaldo Vieira. O nosso saudoso Pepito (1949-2014) fala com um antigo guerrilheiro do PAIGC, sentado à sua esquerda,  sobre o início da luta aramada em 1962.

Vídeo Guné. Cantanhez. Acampamento Osvaldo Vieira5. Alojado no You Tube > Nhabijoes (*)

Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guné]


1. Guiné-Bissau, Região de Tombali,  Mata do Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, domingo, de manhã, 2 de março de 2008... Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, à Baraca  (acampamento) Osvaldo Vieira, outro dos momentos surpreendentes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral.

Neste vídeo (**), um dos homens grandes da região conta como foram os primórdios da luta aramda... Trata-se de um excerto, há informação que perdi...  Infelizmente não consegui fixar o nome do entrevistado. Creio que é nalu. 

"Entrou no mato", como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir a (ou ser aliciado por) o PAIGC, ainda antes do início das hostilidades... Recorde-se que, para o PAICC e para a historiografia portuguesa, a guerra começa oficialmente com o ataque  Tite a 23 de janeiro de 1963.

A designação deste acampamento corresponde à verdade fática, histórica, não é  apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis (, de resto, controversos...) do PAIGC, o Osvaldo Vieira  (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional)... Ao que parece, o Osvaldo Vieira não actuou só na região do Óio (Frente Norte), também terá andado pelo Cantanhez (Frente Sul).

"Quando começou a mobilização, quando entre no mato, foi em 1962. Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"...

O entrevistado fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o que diz ou quer dizer o entrevistado...

E a narrativa continua: 

"Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto".  (Aqui o  Pepito acaba por baralhar a audiência, maioritariamente estrangeira, ao falar em dois capitães Curto,  um dos quais teria andado a espelhar o terror no chão manjaco; ora, o capitão a que o antigo guerrilheiro se referia era o cap inf José Curto, comandante da CCAÇ 153, com sede em Fulacunda, e reportando ao BCAÇ 236, que estava em Tite.)

Na mesma altura apareceu o Nino. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça, ninguém podia dar um passo… Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… Alguns mais novos conseguiram-se escapar e pedir socorro ao grupo do Nino, que estava na "barraca".

O Nino ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o Mão de Ferro, com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. "Tu não vais. Vão lá saber o que se passa com a populaçãi"...

Quando os camaradas lá chegaram, o cap Curto já não estava lá. Foram informar o Nino. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque. “Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Cantanhez)…

2. O vídeo, ou pelo menos este excerto, é omisso sobre a data em que acorreu o cerco de Darsalame, e suas consequências em termos de baixas (mortos, feridos ou prisioneiros). Mas tudo indica que tenha sido em julho de 1962 e que foi na mesma ocasião em que, às tantas da madrugada, houve mortos entre um grupo de alegados simpatizantes e militantes do PAIGC, entre eles o 'comandante' Victorino Costa (1937-1962). (Já cadáver,  terá sido reconhecido por um cipaio ou guia que acompanhava o grupo de combate do cap Curto.)

Enfim, não tive, no Cantanhez, e em Bissau, em 2008, oportunidade de confirmar esta história  dos "anos de chumbo", em que se cometerem muitas arbitrariedades e ações de terror de um lado e do outro... Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconciliação, entre homens que tinham combatido de um lado e do outro, para aprofundar a história (macabra) da cabeça do Vitorino Costa que terá sido levada para Tite.

Por outro lado, tanto o Nuno Rubim como o José Martins me confirmaram, na altura, em 2008, que no TO da Guiné, em 1961/63,  só havia um oficial com o apelido Curto....

Escreveu-me então o Nuno Rubim:

 "Só há dois [ com esse apelido,] que poderão ter comandado companhias: (i) José dos Santos Carreto Curto, oriundo de Infantaria, mais tarde com o curso de EM [Estado Maior,], promovido a Major em Jul 1966; e (ii) Luís Manuel Curto, Cap de Artilharia, promovido a este posto em Ago 1969. (...) 

Quanto à "companhia manjaca do Bachile", o José Martins esclareceu o seguinte:

(...) "A unidade que esteve em Bachile foi a CCAÇ 16, criada em 04Fev70 com elementos Manjacos enquadrados por graduados e praças especialistas metropolitanas. Em Bachile colocou 2 pelotões em substituição da CCAÇ 2658 em 04Mar70. Em 30Abr70 assumiu e responsabilidade do subsector, então criado. Em 26Ago74 entregou o quartel de Bachile ao PAIGC recolhendo a Teixeira Pinto, sendo extinta a 31 desse mês. Não consta nenhum Capitão de nome Curto, no seu historial." (...).

Sobre o cap Curto, falecido há dias (com o posto de ten gen reformado), escreveu  ainda o seu camarada George Freire (radicado na América há 5 décadas e meia, e membro da nossa Tabanca Grande desde 29/12/2008):

(...)  Formei-me na Academia Militar, (nesses tempos com o nome Escola do Exército), no ano de 1955. Servi na Guiné de 26 de maio de 1961 a 26 de maio de 1963 (...) A companhia de que originalmente fiz parte quando partimos para a Guiné, no dia 26 de maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes, onde eu ainda tenente, segundo comandante, e o capitão Curto, comandante, (do curso um ano mais velho do que o meu), passámos semanas a organizar a companhia.

(…) Comecei em Fulacunda como Tenente na Companhia 164 [, deve ser  153, e não 164], comandada pelo capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ª CCaç  [, Indígena, mais tarde, CCAÇ 6].  Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade" (...)
_____________


(...) De acordo com as coordenadas do GPS do Nuno Rubim (...), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso... Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar directamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iremos almoçar nesse domingo).(...)


(***) Vd. postes de:

11 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

10 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

12 de janeiro de  2009 > Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em 1962

Guiné 61/74 - P19258: Parabéns a você (1534): José Pereira, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 5 (Guiné, 1966/68) e Manuel Carvalho, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 2366 (Guiné, 1968/70)


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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19251: Parabéns a você (1533): Herlânder Simões, ex-Fur Mil Art das CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19257: Agenda cultural (661): "Voando sobre um ninho de Strelas", livro de memórias de António Martins de Matos, ten gen pilav ref. Sessão de apresentação: 11 de dezembro, 3ª feira, 18 horas, no Hotel Travel Park, na Av. Almirante Reis 64, Lisboa (metro Anjos). Estamos todos convidados.


Guiné > Nova Lamego > 1 de fevereiro de 1974 > O António Martins de Matos, então ten pilav, ao comandos de um Fiat G-91. Era o nº 2, na escala hierárquica da Esquadra  121 (Fiat G-91, T-6 e D0-27, tendo 6 pilotos de Fiat, "Os Tigres" (que voavam também um dos outros aviões), e mais 14 pilotos, milicianos (alferes e furriéis) que voavam indistintamente o T-6 e o DO-27.  Foto reproduzida, a preto a branco, no livro, pág. 245)


Guiné > Bissau > Bissalanca > BA 12 Um grupo de bravos da BA 12, Bissalanca, 1972/74, posando junto de um Fiat G-91, e tendo por trás um "radar-fantasma", que ficou inoperacional por volat de 1970 (foto reproduzida no livro, pág. 184).



Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1972/74 > "Em dia de São Avião": o Nord-Atlas (foto reproduzida, a preto e branco, no livro, pág.  50)


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c- 1972/74 > O DO-27 que o António Martins de Matos (, nome de guerra, "Batata",)  também pilotou muitas vezes, sobretudo no primeiro ano da comissão. (Foto reproduzida a preto e branco, pág. 107).



Capa do livro, "Voando Sobre um Ninho de Strelas", de António Martins de Matos (Lisboa: BooksFactory, 2018,   375 pp.)


Fotos (e legendas): © António Martins de Matos (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de ontem, do António Martins de Matos, ten gen ref, 73 anos feitos há um mês atrás, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, membro da Tabanca Grande, de longa data, com mais de 80 referências no nosso blogue, em especial na série FAP:

Caros amigos da Tabanca Grande, da Tabanca do Centro e do blogue dos Especialistas da BA 12 (Bissalanca, 1965/74):

A uma semana do lançamento do meu livro, “ Voando sobre um ninho de Strelas”, está na altura de me ajudarem a divulgar o evento.

Mando-vos algumas fotos, a ideia não é utilizarem-nas na totalidade, apenas uma ou outra que acharem por bem publicar a acompanhar a notícia. E até podem ser outras que entendam…

Recordando, o lançamento será na Terça Feira,  11 de Dezembro pelas 18 horas, no Hotel Travel Park, na Av. Almirante Reis 64 (, do lado que sobe para a Praça do Chile; metro Anjos).

Desde já o meu Muito Obrigado  pelo vosso apoio.

Abraços

AMM


Hotel Travel Parque, na Av. Almirante Reis, 64, Lisboa

2. Comentário do editor LG:

Recorde-se que o livro teve a sua sessão de lançamento, no mês passado,  no Estado Maior da Força Aérea (EMFA), em Alfragide, com a presença do Chefe do EMFA, gen Manuel Teixeira Rolo (*), sendo a obra apresentada pelo maj gen Campos Almeida, que foi colega de curso na Academia Militar, do autor (tal como outros colegas ilustres, o Virgílio Varela, do 16 de Março, e o Salgueiro Maia, do 25 de Abril, sem esquecer o 'strelado' Miguel Pessoa, também nosso mui querido grã-tabanqueiro).

Recorde-ser também que foi preocupação imediata do autor fazer um apresentação do livro para  os "amigos e camaradas da Guine" (**)... Confirma-se então que essa sessão vai realizar-se na  data e locais previstos, e que na mesa de honra irão estar presentes além do autor, os representantes dos 3 blogues que se têm dedicado a este tema, a saber:

- Luís Graça, fundador, administrador e editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné;

- Joaquim Mexia Alves, régulo da Tabanca do Centro;

- Vitor Barata,  fundador, administrador e editor do blogue Especialistas da Base Aérea 12.

Contamos com a presença de todos/as, em especial, dos ex-camaradas do ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972/74), dos três ramos das Forças Armadas. (***). Divulguem pelos contactos. Ontem como hoje, "um por todos, todos por um"...

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19197: Agenda cultural (659): O António Martins de Matos ,"Voando Sobre um Ninho de Strelas", sente-se agora totalmente realizado por, depois de ter plantado duas árvores, e dado o seu contributo para fazer dois filhos, acaba de publicar um livro, que é muito da sua história de vida, e em especial como piloto da FAP, mas também um bocado das nossas vidas de ex-combatentes...

(**) Vd. poste de 14 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19193: Agenda cultural (658): sessão de apresentação, ao público, em geral, e aos ex-camaradas do CTIG, em particular, do livro do ten gen ref António Martins de Matos, "Voando sobre um Ninho de Strelas", no dia 11 de dezembro de 2018, terça-feira, às 18h00, no Hotel Travel Park Lisboa, Av. Almirante Reis 64.

(***) Último poste da série > 3 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19255: Agenda cultural (660): Lançamento do livro "O Homem do Cinema", por Lucinda Aranha Antunes; editora Alfarroba, levado a efeito no passado dia 18 de Novembro na FNAC do CC Vasco da Gama, em Lisboa

Guiné 61/74 - P19256: Blogoterapia (290): Um combate algures na Guiné (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

Guiné >Cacheu > CCAÇ 3 > Cacheu > Barro (1968) > Os "jagudis" montando uma emboscada 
Foto: © A. Marques Lopes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1690


1. Em mensagem do dia 3 de Dezembro de 2018, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviou-nos este relato de um combate algures na Guiné, ocorrido sob o seu comando, ou não. Verdade para nós antigos combatentes, ficção para os mais novos que tiveram a sorte de crescer sem a ameaça de terem de participar na guerra.


UM COMBATE ALGURES NA GUINÉ

Francisco Baptista

O pelotão seguia pela estrada de terra batida, como já acontecera tantas vezes, para ir fazer segurança a uma coluna de reabastecimento. Nos últimos dias era frequente verem pegadas estranhas, possivelmente de guerrilheiros que atravessavam a estrada. Enfim teriam reactivado um carreiro na zona da companhia, que podia trazer complicações. Faziam sentir a sua existência em ataques frequentes de armas pesadas ao quartel mas nunca tinha havido um confronto directo, com armas ligeiras no mato, entre uns e outros.

O alferes seguia à frente dos militares brancos e à frente dele seguiam quatro soldados milícias africanos. De repente dá-se conta que o soldado milícia da frente recua e lança um olhar aterrorizado para trás. De imediato dispara uma rajada de G3 para a mata em frente e os soldados seguem-lhe o exemplo. Da mata respondem as costureirinhas e outras armas e durante alguns minutos o silêncio da floresta é substituído pela barulheira infernal da batalha. Atrás do alferes está um cabo armado com o lança-granadas aflito porque não consegue fazer fogo com a arma. Está aflito e medroso porque não consegue reagir para se defender e defender o grupo e manifesta isso repetidamente ao comandante que só lhe diz que se resguarde e que tenha calma. Com receio de que as munições se esgotassem, pela rapidez com que os homens disparavam manda moderar a intensidade do fogo e nesse entretanto olha para o lado e vê o soldado milícia mais próximo com o rosto pousado sobre a terra. Sem ter tempo para se condoer, a hora era de acção, somente pensou, este já "lerpou", sem pensar sequer se aquela bala lhe poderia ser destinada. O soldado africano da frente, o que tinha dado o alarme, de cara assustada, morreu também. Sente uma adrenalina furiosa que o empurra para a vingança, para um ajuste de contas com o inimigo pela perda desses dois homens.

Os mortos do nosso grupo, seja qual for a sua origem, cor ou religião deixam-nos a alma marcada com cicatrizes negras que jamais desaparecem.

O tiroteio terminou, a calma voltou à mata e à bolanha próxima, os macacos-cães calam-se e as árvores da floresta choram silenciosamente a perda das vidas de dois filhos da Guiné. Entre os combatentes do outro lado não soubemos se houve perdas Acabou por não se saber se os guerrilheiros se preparavam para aguardar a coluna e atacá-la, pôr minas na estrada, emboscar o pelotão ou simplesmente iam passar, hipótese mais plausível.

Porque a nossa missão ainda não terminara, fazer segurança à coluna auto, que vinha a caminho e porque a perseguição ao inimigo podia acarretar outros perigos e mortes, o alferes procura refrear o seu instinto guerreiro que não conhecia e o surpreende.

Foi neste troço de estrada retratado na foto, um pouco mais à frente ou um pouco mais atrás, que aconteceu este combate entre o meu pelotão e os guerrilheiros do PAIGC. Ficava situado na estrada entre Buba e Nhala, a poucos quilómetros de Buba, antes da Bolanha dos Passarinhos.

Foto: © Francisco Baptista

Contra os desmentidos do Estado Novo e posteriormente dalguma opinião pública, que a quis negar, porque não quis compreender o abandono desses territórios, a guerra existiu, com muitos feridos e mortos, na Guiné com muito barulho de armas ligeiras, pesadas com bombas potentes da artilharia dum lado e do outro e bombas de avião.

Nos dias seguintes o capitão diz ao alferes para nomear alguns militares do pelotão para serem louvados. Todos os homens reagiram com coragem e disciplina a essa situação de combate imprevista. O alferes que o antecedeu e que morreu num acidente ao pisar uma mina anti-pessoal , alguns meses depois de estarem na Guiné, sendo um jovem de acção e motivado para o combate, tanto em Portugal como na Guiné, tinha-lhes dado uma formação agressiva e guerreira.
Todos mereceriam um louvor mas como só alguns o podiam obter resolve nomear seis que ao longo dos meses, sob o seu comando lhe pareceram os melhores. Não indica o cabo cujo lança granadas se encravou que se irá queixar disso quando ele já nada pode fazer. Um louvor dar-lhe-ia muito jeito, já que pensava ir para a GNR ou para a PSP depois da tropa. Mais uma mágoa menor que não esquece, a juntar às outras.

É uma estória de guerra real ou fictícia porque os ex-combatentes só falam destas memórias em dias de convívio com outros camaradas ou em dias cinzentos com algum desconhecido ou um barman e podem descrevê-las com realismo ou fantasiar porque a sociedade civil nunca lhes deu muito crédito, como se fossem caçadores ou pescadores mentirosos.

Terá acontecido na área do batalhão ou da outra companhia independente onde estive ou algum camarada ma contou.

São factos que aconteciam por toda essa terra de água e florestas, martirizada pela guerra, de que ninguém se orgulhava e dos quais os protagonistas têm dificuldade em falar.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19145: Blogoterapia (289): Aquele toque a finados é uma coisa que me arrepia... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19255: Agenda cultural (660): Lançamento do livro "O Homem do Cinema", por Lucinda Aranha Antunes; editora Alfarroba, levado a efeito no passado dia 18 de Novembro na FNAC do CC Vasco da Gama, em Lisboa


No lançamento de "O Homem do Cinema"

Dia 18 de Novembro, passado, na Fnac[1]


A mesa foi composta por Andreia Salgueiro da Editora Alfarroba, que abriu a sessão, dando a palavra ao escritor Tony Tcheka, que apresentou o livro. 

A assistência ficou suspensa das suas palavras ao reviver a magia do cinema, a personalidade complexa do "Manel Djoquim", figura querida e respeitada na Guiné colonial a merecer que a sua memória não se apague. 

Em seguida, falou a autora, Lucinda Aranha Antunes, destacando a dificuldade com que se debateu ao escrever sobre um passado próximo, mas já longínquo, obrigando-a a recorrer, em grande parte, a fontes orais. 

Por fim, deu a palavra ao público, tendo Vital Sauane emocionado a assistência ao contar como o cinema o obrigou a frequentar a escola portuguesa. 

O lançamento terminou com a habitual sessão de autógrafos.








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O HOMEM DO CINEMA
Romance

Autor - Lucinda Aranha Antunes
Editor - Alfarroba
ISBN - 978-989-8888-27-3
Formato - 21x14cm
Número de páginas - 168
Capa mole
1.ª edição - 11-2018
Preço - 12,50€

A busca por uma vida melhor
O encontro com a aventura e o desconhecido
A liberdade de uma nova terra
Os encontros e desencontros de uma vida amorosa

Com a devida vénia à Editora Alfarroba
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 11 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19186: Agenda cultural (657): Convite para o lançamento do livro "O Homem do Cinema", por Lucinda Aranha Antunes; editora Alfarroba, 2018, a levar a efeito no próximo dia 18 de Novembro na FNAC do CC Vasco da Gama, em Lisboa

Último poste da série de 15 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19197: Agenda cultural (659): O António Martins de Matos ,"Voando Sobre um Ninho de Strelas", sente-se agora totalmente realizado por, depois de ter plantado duas árvores, e dado o seu contributo para fazer dois filhos, acaba de publicar um livro, que é muito da sua história de vida, e em especial como piloto da FAP, mas também um bocado das nossas vidas de ex-combatentes...

Guiné 61/74 - P19254: Recortes de imprensa (99) O capitão José Manuel Carreto Curto, dado como morto pela propaganda do PAIGC, em entrevista à ANI, Bissau, 20 de março de 1963 (Diário de Lisboa, edição de 20/3/1963, pp. 1 e 9)




Diário de Lisboa, 20 de março de 1963.

Citação:

(1963), "Diário de Lisboa", nº 14462, Ano 42, Quarta, 20 de Março de 1963, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_15229 (2018-12-2)

Fonte: Portal Casa Comum > Fundação Mário Soares > Pasta: 06548.086.18229 > Título: Diário de Lisboa. Número: 14462 > Ano: 42 > Data: Quarta, 20 de Março de 1963 > Directores: Director: Norberto Lopes; Director Adjunto: Mário Neves > Edição: 1ª edição > Fundo: DRR - Documentos Ruella RamosTipo Documental: IMPRENSA > Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora. > Diário de Lisboa/Ruella Ramos > 1963. (Reproduzido com a devida vénia...)


O ten gen inf J. S. Carreto Curto,
natural de Castelo Branco, morreu
em 30/11/2018.
Foi cmdt da CCÇ 153
(Fulacunda, 1961/63) (*)
1. Reproduz-se acima uma peça da ANI - Agência de Notícias e Informações, a agência noticiosa do Estado Novo, criada em 1947 (e extinta em 24 de setembro de 1975),  dando conta das peripécias em que andou envolvido o nome do capitão [José dos Santos  ] Carreto Curto (*), seguramente o nome do oficial do exército português que ficou, até hoje, melhor gravado  na memória das gentes da Guiné, associado ao começo da guerra colonial, nomeadamente na regiões de Quínara e de Tombali. 

O capitão Curto a sua CCAÇ 153 foram inimigos mortais do PAIGC. O comandante Vitorino Costa foi morto em meados de 1962 (talvez julho ou junho) pelos homens do Capitão Curto, em Darsalame, e a sua cabeça terá sido trazida para Tite, sede do BCAÇ 237.  Tratava-se de um "grande ronco" para as autoridades portuguesas em luta contra "o início da subversão", e foi seguramente um grande revés para o PAIGC (**) que, oficialmente, só vai começar a luta armada em 23/1/1963, com o primeiro ataque ao aquartelamento de Tite.

Falámos ao telefone, em tempos, em 2010,  com dois camaradas contemporâneos dos acontecimentos: o fur mil Octávio do Couto Sousa, da CCAÇ 153, e o José Pinto Ferreira, ex-1.º cabo radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, 1961/63).  Infelizmente nenhum deles integra ainda a nossa Tabanca Grande, apesar do nosso convite, e de já  termos publicados postes com o seu nome (***).

Seria importante o seu testemunho mais detalhado sobre estes acontecimentos do início (mal conhecido) da guerra. Um e outro reforçaram a ideia de que o  Capitão Curto, pese embora a lenda a que está associada o seu nome na Guiné, foi um militar destemido, corajoso e competente. Não conhecemos outros detalhes biográficos. Sabemos que nasceu em Castelo  Branco, frequentou o respetivo liceu no início dos anos 50. E em 1989 deixou o cargo de comandante da 1.ª Brigada Mista Independente (Decreto nº 40/89 publicado no D.R. nº 140 - I Série de 1989). Era então Brigadeiro. Entre outras condecorações, recebeu a Grã-Cruz da Medalha de Mérito Militar (21 de julho de 1993), atribuída pelo então presidente da República Mário Soares. (****)

Sobre a CCAÇ 153, escreveu o nosso camarada Octávio do Couto Sousa [Mafra, 1959, Tavira em 1959/60; Furriel Miliciano em 1960/61; Sargento Miliciano em 1962/63], em comentário ao blogue Rumo a Fulacunda, em 2/10/2008:

(...) A Companhia 153 proveio do RI 13, de Vila Real, com cabos e praças daquelas redondezas, alguns com nomes das suas terras, o Vila Amiens, o Chaves, etc. Como disse no primeiro escrito, foi uma pena termo-nos separado em Vila Real, terminada a comissão, desejosos todos de partir para as nossas famílias, sem o cuidado de trocar endereços que nestes anos seriam preciosos para nos reencontrarmos. A maioria dos oficiais e sargentos foram mobilizados de outras zonas. No nosso caso e do João M. C. Baptista, estávamos já na disponibilidade e a viver nos Açores.

O nosso Comandante de Companhia foi o Capitão, hoje General, José dos Santos Carreto Curto.

Fomos a única companhia em todo o Sul da Guiné em 1961, com um pelotão em Buba e uma secção em Aldeia Formosa. Tivemos depois um pelotão em Cacine. Estivemos também aquartelados em Cufar numa fábrica de arroz, assim como em Catió, até que tudo se agudizou em termos operacionais. Para Buba chegou uma companhia, a 154, outra para Cacine e por muitas outras localidades foram chegando mais unidades consoante a guerra se intensificava.

As fotos mostram o quartel de Tite onde se instalou o primeiro Batalhão, o 237, ao qual passámos a pertencer como tropa operacional e por questões de organização.

Acompanhámos o primeiro ataque a Tite [, em 23 de Janeiro de 1963,], de Fulacunda saíram reforços nos quais estivemos integrados, visto que o Batalhão, como sede, não estava ainda operacional.

A nossa companhia, a 153, acabou por ficar toda junta e em várias missões percorremos todo Sul na busca e destruição das casas de mato que o PAIGC proliferava por tudo quanto eram zonas mais ou menos isoladas. (...)

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de novembr0 de 2018 > Guiné 61/74 - P19247: In Memoriam (331): O Tenente-General de Infantaria José dos Santos Carreto Curto, ex-Comandante da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63), faleceu hoje, 30 de Novembro de 2018, no Hospital das Forças Armadas de Lisboa

(**) Vd. poste de 25 de janeiro de  2013 > Guiné 63/74 - P11005: Efemérides (119): A morte do comandante Vitorino Costa, um revés para o partido de Amílcar Cabral, em 1962, ainda antes do início oficial da guerra

(***) Vd. postes de:

18 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6866: O Nosso Livro de Visitas (97): José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, Julho de 1961 / Outubro de 1963): Evocando o lendário Cap Curto (CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63)

(...) Fui militar, classe de 1959. Pertenci à Arma de Engenharia, Batalhão de Transmissões , tendo sido telegrafista no RE 2,e posteriormente no Centro de Transmissões do Quartel General da 1.ª RM, nos anos 60/61. Neste Centro de Transmissões fui escravo da especialidade que tinha, trabalhando de noite e dia, com prevenções sucessivas como quando do assalto ao Santa Maria.
Em Julho de 61 fui para a Guiné integrado no Comando do BCAÇ 237, aquartelado em Tite até Outubro de 63.
Depois do que acima fica dito, quero dizer-lhes que a Guerra da Guiné merece ser contada sem paixões nem vaidades. Quase diariamente corro a persiana e espreito a janela do Vosso Blogue, o que me permite dizer ter a opinião de alguma crítica ao que é dito nos Postes referenciados.
Fui telegrafista muito activo ao serviço do Comando do BCAÇ 237, o que me permitiu assimilar algumas verdades nunca desmentidas. Dito isto, peço que aceitem e reflictam no que se diz nos Postes acima referidos:
(i) O Comandante da CCAÇ 153 foi o Capitão José dos Santos Carreto Curto, aquartelado em Fulacunda. Era um oficial corajoso, visto como inimigo fidalgal pela Rádio Conakry. Nunca terá cortado cabeças a ninguém, mas tão só sido acusado injustamente de um acto menos digno que terá sido praticado por um seu subordinado no IN, morto quando fugia para o Rio. Actos repelentes, sem confirmação,  não devem ser credibilizados. (...)
(...) Comentário de L.G.:

Já em tempos, mais exactamente em 23 de Abril deste ano, fui contactado, por telefone, pelo José Pinto Ferreira, natural de (e residente em) Marco de Canaveses, concelho com o qual de resto tenho afinidades, pelo casamento e pela amizade. No essencial, o José Pinto quis dar-me alguns esclarecimentos sobre o Cap Inf José Curto, Comandante da CCAÇ 153/BCAÇ 237, subunidade que estava sediada em Fulacunda, aquando do ataque a Tite em 23 de janeiro de 1963, data tradicionalmente tida como a do início da guerra na Guiné.

Sobre a lenda do então Cap Inf José Curto (de que eu próprio me dei conta na visita que fiz ao Cantanhez, no início de março de 2008, aquando realização do Simpósio Internacional de Guiledje, Bissau, 1-7 de março de 2008), o ex-1.º cabo radiotelegrafista contou-me o que sabia, nestes termos: houve um guerrilheiro que foi morto, já lá para as bandas do Cantanhez, num ataque de surpresa a uma das barracas do PAIGC. Ao que parece, era um tipo importante da guerrilha, que estava no início da sua organização, e que foi reconhecido pelo guia ou por um cipaio. Estávamos no início da guerra, com todo o sul já polvorosa. Um militar da companhia terá, à revelia, do seu comandante, decepado o cadáver, para trazer, para Fulacunda, uma prova da sua eliminação física.

Este terá sido o princípio da lenda... O Capitão passou a ser o diabo, o terror do sul da Guiné, segundo a Rádio Conacry. Para o José Pinto, o Capitão José Curto era um militar corajoso que foi apanhado pelo eclodir da guerra de guerrilha no sul (Regiões de Quínara e Tombali), e para a qual as NT estavam muito pouco ou nada preparadas, em termos humanos, psicológicos e militares... O raio de acção da sua companhia ia de Fulacunda a Cacine (onde tinha um Grupo de Combate!).

Atenção: ele, José Pinto, não presenciou este acto, "ouviu contar" à malta da companhia (que pertencia ao mesmo batalhão, o BCAÇ 237)... Fiquei de voltar a falar com ele, desta vez pessoalmente, em Ariz, o que até agora ainda não se proporcionou... Recebo agora este mail em que ele volta a reabilitar a memória do Cap José Curto (hoje General reformado, ao que ele me diz).

(...) Ao nosso blogue interessa apenas a verdade dos factos. Como é nossa norma, não fazemos juízos de valor sobre o comportamento, individual, de nenhum combatente da guerra colonial na Guiné, muito menos dos nossos camaradas operacionais (de soldado a capitão).

Sobre o episódio acima narrado, tenho uma outra versão, mais consistente e válida, de um graduado da própria CCAÇ 153, e que estava com o seu comandante, o Cap Inf José Curto, nesse dia e local, e que portanto é uma testemunha privilegiada. Sei que, depois do regresso à metrópole, em meados de 1963, o pessoal da CCAÇ 153 nunca conseguiu reunir-se e muito menos com o seu Comandante, sobre o qual de resto esse graduado confirma a opinião do José Pinto de ser um "oficial corajoso".

(...) Este camarada poderá (...) vir a integrar a nossa Tabanca Grande, no caso de aceitar o meu convite. Até à data só tínhamos notícia do João Baptista, fur mil da CCAÇ 153, e açoriano, autor do blogue Fulacunda, mas infelizmente já falecido há um ou dois anos. (...)


10 de setembro de  2010 > Guiné 63/74 - P6965: In Memoriam (50): João Baptista (1938-2010), um camarada, um amigo, um irmão (Octávio do Couto Sousa)

(****) Último poste da série > 2 de novembro de 2018 >Guiné 61/74 - P19160: Recortes de imprensa (98): In Memoriam - Professor Doutor Carlos Cordeiro - Homenagem no Jornal Correio dos Açores (3) - Biografia por Carlos E. Pacheco Amaral

Guiné 61/74 - P19253: Notas de leitura (1127): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Contrariando a opinião de outros investigadores, incluindo René Pélissier, Joshua Forrest entende que todo o período de pacificação e ocupação não permite admitir que a potência colonial tenha ficado numa posição dominante e altamente interventiva nas sociedades rurais - estas, segundo ele, continuaram à margem, refutando os impostos, mantendo o seu próprio comércio, rivalidades e formas de cooperação multiétnicas. Os representantes da administração eram escassas centenas, tirando a CUF e a Casa Gouveia os outros interesses económicos eram assumidos por ponteiros e madeireiros, obrigados a estabelecer relações cuidadas com as populações locais. A administração colonial portuguesa manifestou-se frágil como o Estado pós-colonial continuará a manifestar-se frágil.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau:
O Estado é frágil, as sociedades rurais são a alma da nação (4)

Beja Santos

A I República foi confrontada com as repetidas sublevações das diferentes etnias guineenses, basta recordar o grau de intensidade a que estas se manifestaram entre 1890 e 1909. É neste momento que se decide, custe o que custar, a que o governo de Bolama estenda a sua autoridade fora das praças e presídios e que toda a região se torne segura, obediente e que os nativos paguem impostos. Foi encontrado um oficial experimentado, o Capitão João Teixeira Pinto que, antes de mais, quis conhecer o mato rebelde. Encontrou em Vasco Calvet de Magalhães um aliado extraordinário, arranjou-lhe auxiliares fulas e apresentou-o ao mercenário senegalês Abdul Indjai, em Bafatá. Teixeira Pinto apercebeu-se que Indjai estava à frente de um grupo bem preparado de mercenários, quase todos eles equipados com espingardas de cinco tiros.

A campanha inicia-se no Oio, os povos locais mantinham-se intransigentes, recusando a tributação e não aceitando as ordens de Bissorã. Teixeira Pinto põe-se à frente dos seus auxiliares e confronta-se com os Balantas, de finais de Março a princípios de Abril. Os Oincas atacam Bissorã e é nesse momento que entra em ação o corpo de mercenários de Abdul Indjai. São destruições sem conta, por onde passam incendeiam, pilham e trazem escravos. Em Junho o Norte do Oio rende-se. No fim do ano de 1913 foi morto um oficial português na região de Cacheu. Segue-se uma expedição violentíssima contra os Manjacos de Pelundo, Basserel e Churo, não faltarão destruições e massacres. Um pouco como um castelo de cartas, a resistência é sufocada ou apaziguada. E Teixeira Pinto, sentindo que o Oio, Cacheu e Mansoa já não oferecem luta precipita-se sobre a península de Bissau, bombardeia Nhacra, entra em Antula, Intim e Bandim. Os principais fulcros da sublevação foram estancados, as operações na região do Cacheu, S. Domingos, Farim, Oio, Mansoa, Geba e Porto Gole trouxeram o compromisso de que as populações iriam pagar a tributação. O grande rei Manjaco de Basserel viu o seu território reduzido e os Papéis da região de Bissau viram igualmente a sua estrutura quebrada.

Mas graves problemas vão subsistir: em Canhambaque haverá rendição em 1918, mas será fogo de pouca dura; e a autonomia de Indjai, que passa a ser o senhor do Oio e do Cuor, salda-se num período de terror, que obrigará Bolama a decretar uma expedição sangrenta e que culminará com o exílio de Indjai em Cabo Verde. Ficarão bolsas de resistência que irão sendo temporariamente silenciadas. Graças à tributação, mesmo com altos e baixos, a administração entra no interior do território. Joshua Forrest insiste de que comunidades rurais aceitaram superficialmente acatar o poder colonial, não dispõem de capacidade perante o armamento do exército e da armada portuguesa. Mantém-se uma resistência ao pagamento da tributação e as lutas em Canhambaque prolongar-se-ão em 1925 até terem o seu termo no período de 1935 e 1936. Haverá sublevação em Nhacra em 1924 e o autor repertoria hostilidades em Bolama, Farim, Gabu e permanentes estados de revolta dos Balantas, como aconteceu em Maio de 1944, em Catió. Na década de 1930, houve que sufocar as resistências dos Felupes em Suzana-Jufunco. O Capitão Velez Caroço entrou em Suzana em 1 de Novembro de 1933, destruiu tudo e dois dias depois Jufunco. O tratamento dos resistentes é implacável. O autor observa que são décadas de uma palpável não-aceitação da soberania portuguesa. Mesmo os Fulas e os Beafadas nem sempre foram completamente fiéis à potência colonial, exigiam melhores pagamentos pela sua prestação ao lado das dezenas ou centenas de soldados regulares. Também considerando o que se passou nas sociedades rurais durante estas décadas do século XX, o autor mostra casos de rejeição de chefes impostos pelas autoridades portuguesas, uma vincada manutenção das práticas animistas, caso dos Manjacos, e a manutenção de políticas de relação entre etnias para a vida em assentamentos. Ganhou normalidade a criação de povoações com diferentes etnias, mesmo mantendo as tabancas separadas: esta situação ganhou total visibilidade até ao início da luta armada, Manjacos, Beafadas, Fulas, Mandingas, Balantas, entre outros, aceitaram viver uns ao pé dos outros, cultivando a terra em áreas separadas. O autor mostra o caráter multiétnico da região do Cacheu e cita António Carreira que ali foi administrador, ele registou o bom relacionamento entre Papéis, Balantas, Cassangas, Banhuns e Brames, mas também Manjacos aderiram a viver em comum com as outras etnias, não haverá mesmo conflito com os islamizados, as práticas animistas de uns e dos islamizados por outro lado serão acatadas. Mas tornou-se indiscutível que eram os grupos animistas que ofereciam mais resistência na Guiné, os Fulas e os Beafadas eram mais cooperantes com as autoridades coloniais e num campo de certa indecisão estavam os Mandingas.

Analisando a essência do Estado colonial, Joshua Forrest recorda que o grande atrito passava pelos impostos e pela inexistência de grandes grupos económicos, eram as comunidades rurais as detentoras da terra, eram eles que escolhiam os termos da exportação, nomeadamente o amendoim. O comércio transfronteiriço passava à margem do controlo alfandegário, os guineenses atravessavam a fronteira senegalesa, comerciavam com djilas ou faziam trabalho temporário tanto no Senegal como na Guiné Francesa.

O sistema administrativo era deficiente e corrupto, refere o autor. Na década de 1930 havia na Guiné um total de 359 funcionários, mas os próprios relatórios dos governadores referiam uma quase paralisia por falta de dinheiro, daí a falta de produtividade e a bancarrota moral do funcionalismo. O autor é minucioso na apresentação de dados sobre a recolha da tributação e o trabalho forçado. E diz que o Estado colonial era de uma enorme fraqueza, uma tal fragilidade que impedia uma presença constante nas sociedades rurais, deixando-as autónomas.
No próximo texto far-se-á referência à mobilização multiétnica destas sociedades rurais tanto no período da luta armada como depois no Estado pós-colonial.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 26 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19234: Notas de leitura (1125): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19246: Notas de leitura (1126): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (62) (Mário Beja Santos)

domingo, 2 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19252: Blogpoesia (597): "O render da Companhia...", "As carências" e "Magnos retrocessos...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


O render da Companhia...

Hora feliz da rendição.
No Cachil em guerra.
Duzentos presos em liberdade.
Era o fim.
À frente a mata.
Tanta incerteza,
Com o inimigo à espreita
E sem fim à vista.
Tanta hora de medo,
Nervos em franja,
Arriscando a vida.
Não há quem resista.
Até que, um dia,
No segredo dos deuses,
Chega uma LDM,
Com gente fresca.
Para a rendição...
Ó alvoroço!
Foi uma festa.
Pegámos nas trouxas,
Para Catió,
Outro mundo,
Terra com gente.
Cafés e lojas,
Uma igrejinha branca,
Muitas cubatas,
Tantas famílias.
Vivendo a vida.
Parecia o céu...

Berlim, 27 de Novembro de 2016
10h35m
JLMG


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As carências

Nosso motor de propulsão.
Sem elas se ficaria apático e sem sentido.
Duas fontes.
Do corpo e da alma.
A fome a sede.
O calor, a dor e o frio.
Sempre a gritar, até morrerem.
Para muitos, a razão da luta.
Bem piores são as da alma:
A solidão.
A indiferença.
O esquecimento.
A ingratidão.
A injustiça.
Vêm de fora.
Dependem da sorte.
De quem vai connosco.
Não está à mão o seu remédio.
Quantas vezes é inglória a sua luta.
Só uma ideia-força.
Uma crença sólida nos dão paz
E o sentido à vida...

Bar Edeka, em Berlim, 1 de Dezembro de 2018
16h6m
JLMG

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Magnos retrocessos…

Magnos retrocessos na senda da cultura ocidental a partir do século XX.
Quando o homem chegou à lua e passou a velocidade supersónica.
Se ligou a humanidade por emaranhadas redes sociais.
O que se passa aqui chega logo a todo o lado.
Se alcançaram métodos de perscrutar nosso organismo sem verter uma gota de sangue.
E o computador quase ultrapassa o cérebro humano.
E, depois destas maravilhas, o mundo inteiro vive em guerra permanente e sanguinária
E a riqueza deste mundo está nas garras de meia dúzia de famílias.
Enquanto mais de metade da humanidade passa fome de pão e de justiça…

Berlim, 1 de Dezembro de 2018
9h45m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19230: Blogpoesia (596): "Nossa terra, nosso País", "Negra e só nas terras d'África..." e "Sé de Lisboa", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19251: Parabéns a você (1533): Herlânder Simões, ex-Fur Mil Art das CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19248: Parabéns a você (1532): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Guiné, 1969/71)

sábado, 1 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19250: Os nossos seres, saberes e lazeres (295): Viagem à Holanda acima das águas (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
De há muito que o viandante ambicionava ver a Holanda noutra perspetiva: conhecer a vida de uma pequena cidade, saborear a viagem pelos canais, conhecer a Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, visitar o Rijksmuseum depois das obras, há quem viaje a Paris para ver no Louvre a Vitória de Samotrácia ou a Gioconda, no Rijks o viandante quer deleitar-se em frente da Ronda da Noite, um impressionante Rembrandt, passear despreocupadamente entre a cidade e o campo, observar o movimento nas praias, enfim, a eterna ilusão de que durante uma semana se vê um fluxo de gente com uma certa profundidade, gente que tem uma história comum, andaram atrás do nosso comércio na Guiné, deram-nos guerra no Brasil e na Insulíndia, há um aspeto que o viandante gosta de vincar, na admiração que tem por este povo dos Países Baixos: a relação entre a terra e o mar, entre a arquitetura moderna e a antiga, entre a competência no trabalho e o folguedo, já tão presente na preciosa pintura holandesa do século XVII.
Foram umas belíssimas férias.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (1)

Beja Santos

O viandante encontrou uma solução económica, partindo do aeroporto de Lisboa até Alphen aan den Rijn, nos Países Baixos: viagem low cost até Bruxelas, de comboio até Roterdão, transferência para outro comboio até Gouda, depois um autocarro até Alphen, será o local de onde se irradiará nos próximos sete dias.



O viandante só tem boas recordações das suas passagens fugazes por Haia, Amesterdão, Eindhoven, Hilversum, Utrecht, Groningen, e pouco mais. Viu museus, passou sobre pontes de muitos canais, viu diques e pólderes; ficou especado com tanta bicicleta e ciclistas de todas as idades, nas cidades e campos; gosta do caráter arquitetónico, há um enorme respeito por aqueles edifícios que vêm do passado, mas há arrojo na nova arquitetura, pôde contemplar edifícios impressionantes em Haia como Roterdão. Há gente a viver nas embarcações, o holandês pela-se pelo convívio, os bares a partir do meio da tarde, estão repletos. Pasma igualmente o viandante com a preservação e o ordenamento, há um cuidado esmerado com o mundo floral, os moinhos, não há casas arruinadas. A primeira proposta de passeio foi visitar Leiden ou Leida em português, cidade bem antiga, os batavos deram luta feroz às hostes do Império Romano, na Idade Média há referências de Leida no início do século XII, hoje tem pouco mais de 120 mil habitantes, mas está rica de história, museus e teatros, o seu centro histórico é vibrante e a sua universidade goza de fama mundial. Vamos esquecer os sofrimentos padecidos pela população ao tempo dos exércitos de Filipe II. O viandante recebe a sugestão de cirandar despreocupadamente e centrar a sua atenção no chamado bairro latino onde se situa uma jóia arquitetónica, a Pieterskerk de Leiden, é uma bela proposta para um dia ensolarado, anda tudo em mangas de camisa, os holandeses queixam-se do estilo prolongado, estes campos da Holanda do Sul estão um tanto amarelados, os agricultores preveem dificuldades acrescidas.




Mesmo no bulício das zonas mais movimentadas, entre o shopping frenético e os cafés à beira dos canais, em torno das árvores, a Holanda é muito mais que uma fábrica de túlipas, é o gosto de dialogar com a Natureza, de matizar o urbano com a flora. E sempre com grande sucesso.






Ciranda-se despreocupadamente, dá gosto, neste sábado de manhã, ver os holandeses matinais, captar o seu movimento, os pontos de lazer, o transporte aquático, apanhar a imagem da fachada da sua Câmara Municipal, renascentista, destruída por um incêndio em 1929, bem reconstruida, ufanando-se esta gloriosa fachada de um carrilhão de 49 sinos, os alemães confiscaram todas aqueles toneladas de metal, os holandeses não desarmaram, reconstruiram-nos no fim da guerra. Os alemães destruíram Roterdão, os holandeses reconstruiram, está ali arquitetura moderna que não embaraça ninguém.


A caminho de Pieterskerk e do chamado bairro latino, irresistível ao viandante não fotografar esta montra arte-nova, já confessou mil vezes ser canhestro a fotografar, no caso vertente procurou um ângulo favorável para não fazer parte da foto. Esse ângulo não existia, paciência, ali está ele, como assombração, mas estava felicíssimo da vida com esta descoberta de Leida, prometedora de férias felizes. Como foram.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19227: Os nossos seres, saberes e lazeres (294): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (13): À despedida, uma sentida homenagem a Toulouse-Lautrec (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19249: Fauna & flora (16): as aves e as superstições dos guineenses: ainda é frequente o fenómeno de ataques e de mortes por feitiçaria nas comunidades étnicas das zonas rurais (, aconteceu em Biombo no mês passado) (Cherno Baldé, Bissau)

1. Comentário de Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, que vive em Bissau, ao poste P19242 (*):


Caro amigo Mario Beja Santos,

Este trabalho de Antonio de Almeida, publicado na década de 40 do século passado e que foi baseado numa pesquisa feita junto da população indígena da Guiné,  conseguiu, de facto, captar a parte narrativa e comportamental da cultura indígena dos povos da Guiné (dita Portuguesa), da sua relação com o meio envolvente e das crenças e superstições que resultavam dessa interação e, no caso, relativamente as aves no imaginário colectivo, estando bem ancoradas nas suas diversas tradições e culturas que ainda, em grande medida, subsistem. 

Essas manifestações sócio-culturais fazem do homem africano em geral e guineense em particular, na sua essência e sobretudo um homem supersticioso. A superstição engendra o medo do desconhecido e tudo que seja esquisito aos seus olhos o que, finalmente, leva o africano tradicional a ter um respeito profundo e quase sagrado do meio natural onde ele convive com a parte do mundo invisível e que alimenta e povoa o seu espírito ainda “primitivo”.

Todavia, não me parece que tenham conseguido tocar o fundo da questão que seria de procurar as respostas sobre os porquês.

A titulo de exemplo:

(i) porque é que, nas sociedades islâmicas e não só, à mulher não é permitida proceder ao sacrifício dos animais ou matar e repartir uma galinha ?

(ii) porque é que o indigena que vai para uma viagem não deve cruzar-se, no seu caminho, com uma cegonha gigante das savanas de cor preta ? 

(iii) porque é que determinadas linhagens das famílias tradicionais têm como parente totémico a galinha de (mato) angola ou a perdiz ? 

(iv) qual a origem da superstição sobre a feitiçaria que empresta aos homens e mulheres (sobretudo os velhos /as da aldeia, eternos culpados) a extraordinária capacidade de metamorfosear-se em aves nocturnas (moços e corujas) a fim de se apoderar das almas e corpos das vitimas ? Porquê ... ?

Mas, a dinámica social,  não sendo estanque, certamente, mesmo se o fundo desses fenómenos sociais ainda se mantêm quase intacto nas comunidades tradicionais do meio rural, as suas formas sofreram evoluções ou deixaram de ser sentidas e manifestadas da mesma forma que antigamente em função das mudanças sociais e culturais que, entretanto, vão aparecendo com o fenómeno da urbanização e a vida nas cidades, cosmopolitas e multiculturais, assim como a democratização do ensino oficial e a contribuição das influências externas derivadas da mundialização e da penetração/expansão das diferentes religiões dentro das comunidades «gentílicas ». 

Na Guiné-Bissau, ainda é frequente o fenómeno de ataques e de mortes por feitiçaria nas comunidades étnicas das zonas rurais (aconteceu em Biombo no mês passado) e, não raras vezes, ouvem-se tiros, durante a noite, para expulsar uma coruja mais atrevida que ousase importunar, com os seus agourentos gritos, nos Bairros de Bissau. 

Enfim, ainda tudo se mantem quase intacto, mas nada é como no antigamente.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
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Guiné 61/74 - P19248: Parabéns a você (1532): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19233: Parabéns a você (1531): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Guiné, 1968/70) e Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3476 (Guiné, 1971/73)

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19247: In Memoriam (331): O Tenente-General de Infantaria José dos Santos Carreto Curto, ex-Comandante da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63), faleceu hoje, 30 de Novembro de 2018, no Hospital das Forças Armadas de Lisboa

IN MEMORIAM


Tenente-General José dos Santos Carreto Curto
Ex-Capitão, CMDT da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63)


1. Mensagem de Ana Filipa Curto, filha do Tenente-General José dos Santos Carreto Curto, com data de hoje, 30 de Novembro:

Olá, muito boa noite,

O meu nome é Ana Filipa Curto e sou a filha mais velha do Tenente-General José dos Santos Carreto Curto. Encontrei os vossos endereços de email no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné e estou a contactar-vos no sentido de vos comunicar a notícia de que o meu pai infelizmente faleceu hoje de manhã no Hospital das Forças Armadas em Lisboa.


Como sei que o meu pai tinha uma ligação muito forte com a Companhia 153 da Guiné, gostaria igualmente de solicitar a vossa ajuda no sentido de contactar os seus camaradas para lhes transmitir esta triste noticia, bem como pedir os contactos telefónicos daqueles que gostariam de assistir às cerimónias fúnebres que irão ter lugar muito brevemente (amanhã à hora do almoço já terei mais pormenores que vos transmitirei igualmente via email).(*)

Agradecendo desde já a vossa vossa atenção, ajuda e gentileza, despeço-me cordialmente,

Ana Filipa Curto


Vila Real  > RI 13 > Agosto de 1963 >  CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63) > O regresso a casa... Na foto, o 1.º pelotão... Repare-se no fardamento, o caqui amarelo... O Comandante era o então Cap Inf José dos Santos Carreto Curto,  Ten-General reformado, natural de Castelo Branco, que faleceu ontem em Lisboa. O então Cap Inf José Curto foi o primeiro Comandante da CCAÇ 153, e era contemporâneo do George Freire (e do seu curso da Escola do Exército), que deixou a carreira militar e emigrou para os EUA. Seu nome completo: Renato Jorge Cardoso Matias Freire,  esteve na CCAÇ 153 - mas também comandou a 3.ª CCAÇ Indígena (a antecessora dos Gatos Pretos) e a 4.ª CCAÇ Indígena, antecessora da CCAÇ 6, sediada em Bedanda.

Foto: © João Baptista (1938-2010), autor do blogue Fulacunda.  Todos os direitos reservados [Edição e legendagem:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Já aqui falámos do primeiro grande revés que o PAIGC sofreu, com a morte de Vi(c)torino Costa, Vitorino Costa foi morto, numa emboscada em 1962, antes do início oficial da guerra, por um grupo da CCAÇ 153, comandado pessoalmente pelo Cap Inf José Curto, na região de Quínara, nas proximidades de Darsalame. (**)

Victorino Domingos Costa e o seu irmão, Manuel Saturnino da Costa (, futuro primeiro-ministro da República da Guiné-Bissau), foram dois  dois dos históricos militantes enviados para a China para receber treino político-militar, juntamente com João Bernardo Vieira (Nino), Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira e Hilário Gomes, tendo sido recebidos pelo "grande timoneiro", Mao Zedong, em 1961.

Infelizmente temos poucas referências, no nosso blogue, ao Cap Curto (8) e à  sua CCAÇ 153 (17). E não temos nenhum camarada vivo, registado como membro da Tabanca Grande. Apresentamos à filha e demais família e amigos, bem como aos camaradas, ainda vivos, da CCAÇ 153, as  nossas condolências pela morte de mais um bravo da Guiné.


3. Actualização da notícia:

Mensagem recebida hoje, 1 de Dezembro, no nosso Blogue:

Caro Carlos Vinhal,
muito obrigada desde já pelas suas condolências e pela sua disponibilidade.
Agradeça em meu nome aos Editores da Tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

O meu pai estará em Câmara Ardente na Capela da Academia Militar em Lisboa hoje a partir das 18h30 (entrada pelo Paço da Rainha), sendo que amanhã dia 02 de dezembro será celebrada missa de corpo presente pelas 16:00 Horas, prosseguindo depois para cremação no Cemitério do Alto de São João.

Muito obrigada desde já e até breve,
Ana Filipa Curto
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Notas do editor

(*) Último poste da série de 11 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19089: In Memoriam (330): Diamantino Gertrudes da Silva (1943-2018), ex-comandante da CCAÇ 2781 / BCAÇ 2927 (Bissum, 1970/72), "capitão de Abril", escritor (Carlos Matos Gomes)

(**) Vd. poste de 25 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11005: Efemérides (119): A morte do comandante Vitorino Costa, um revés para o partido de Amílcar Cabral, em 1962, ainda antes do início oficial da guerra

Guiné 61/74 - P19246: Notas de leitura (1126): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (62) (Mário Beja Santos)

Sede do BNU - Lisboa


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Abril de 2018:

Queridos amigos,

Muito tem para dizer o gerente de Bissau, nesta fase que já preludia a subversão. O Ministro Adriano Moreira fez uma curta visita, os comerciantes aguardavam-no com expetativa para resolver o problema dos cambiais, problema eterno, nem novas nem mandados; estão a chegar efetivos à Guiné, os edifícios aprestam-se com medidas de segurança, o BNU mandou instalar em todo o quarteirão luzes elétricas, Bissau é patrulhada, e a questão cabo-verdiana vem claramente ao de cimo, um grupo rival do PAIGC, o Movimento de Libertação da Guiné, capitaneado pelo manjaco François Mendy anuncia em panfleto que nada tem a ver com Amílcar Cabral nem com a sua litania de unidade Guiné – Cabo Verde. O que há de verdadeiramente curioso neste panfleto que diz ser de março de 1951 mas era de março de 1961 é que se apresentava com alguma civilidade e etiqueta, deu provas com o que fez em Susana e Varela de vandalismo puro.

Desses e de outros acontecimentos falaremos seguidamente.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (62)

Beja Santos

Na documentação avulsa constante nos arquivos do BNU, merece todo o relevo o conteúdo da carta enviada em 8 de junho de 1961 de Bissau para Lisboa, conforme se pode ler:

“Conforme os desejos manifestados por V. Ex.ª, fazemos a seguir um relato resumido da situação geral da Província.

O acontecimento que nos últimos meses mais agitou a população, foi, sem dúvida, a visita do Sr. Ministro do Ultramar. Em especial o comércio (e não há outra actividade marcante no sector privado) alimentou esperanças de que Sua Ex.ª resolveria o mais melindroso problema económico que preocupa a Guiné – o problema cambial.

Não havia, porém, razões para tão eufórica expectativa. O problema cambial desta Província entronca-se noutros problemas igualmente complexos, que possivelmente só podem ser examinados e solucionados num vasto plano de conjunto.

Não era crível Sua Ex.ª o Ministro estivesse, na sua curta visita, apetrechado com as soluções que, no caso específico, o comércio infundadamente aguardava.

Outros e mais importantes problemas preocupavam, na altura dessa visita, estamos em crer, o espírito esclarecido de Sua Excelência. E foram certamente esses problemas que determinaram a sua presença nesta terra.

No aspecto político, a situação é estacionária. Os efectivos militares na Província têm aumentado, constando que são actualmente de 4 mil homens. Este efectivo deverá ser aumentado dentro de dias com mais 500 homens. Esta tropa está repartida pela área fronteiriça, com mais densidade na área da vizinha República da Guiné, havendo também fortes guarnições nas principais cidades (Bafatá, Farim e Bolama).

Em Bissau, além das forças de reserva aquarteladas, as de Polícia Militar, PSP e PIDE asseguram a ordem. Pelo que sabemos de fontes autorizadas, está completado o sistema defensivo com vista não só ao perigo exterior (incursões armadas penetrando pelas fronteiras) como ao perigo interno (acções subversivas com núcleos de terroristas civis).

Naturalmente que não conhecemos em pormenor o dispositivo de defesa e como ela se articulará. Temos, porém, informações que nada aconteceu, por hora, mas conta que do lado da República da Guiné se notam concentrações de gente indígena e de chineses. Internamente, em todas as cidades e vilas de maior importância, são rigorosas as precauções e nelas têm colaborado entusiasticamente a população civil e as empresas.

Nalgumas vilas mais distantes, organizaram-se milícias que policiam dia e noite e esta actividade é ‘coberta’ por patrulhas móveis de tropa. Aos que não dispunham de armas, o Comando Militar forneceu-as.

Na cidade de Bissau, as precauções são mais importantes. A Casa Gouveia, por exemplo, contratou na Metrópole paraquedistas de reserva, adquiriu armas automáticas em quantidade, além de isolar todas as suas instalações erguendo muros e montando novos sistemas de luz. A Sociedade Comercial Ultramarina e Barbosas & Cta. tomaram providências semelhantes.

No que se refere ao nosso Banco, como V. Exas. sabem, o nosso edifício e terrenos apenas tinham guarda da PSP das 19 horas às 8 da manhã. Só o edifício principal tinha lâmpadas de segurança. Todo o resto do terreno (pavilhões de pessoal, garagem, etc.) permanecia na mais completa escuridão. Por força das circunstâncias e da urgência, mandámos instalar em todo o quarteirão luzes eléctricas, e para esta despesa pedimos o acordo de V. Exas.

Ao mesmo tempo, oficiámos ao Governo da Província, através da Direcção de Fazenda, pedindo o reforço da guarda. Sua Ex.ª o Governador deu imediatas instruções ao Comando da PSP e o sistema defensivo ficou montado. Porém, há um óbice em tudo o que se conseguiu: os muros que, a partir da área do edifício principal são da altura de 1,20 metro, permitem a passagem de toda a gente. Impõe-se o levantamento desse muro, sem o que as precauções policiais tomadas não terão qualquer eficiência, de modo que toda a propriedade fique isolada, fazendo-se o acesso só pelos portões.

Pedimos ao construtor A. F. Parente um orçamento. Por indicação do Comandante da PSP, tivemos de adaptar uma parte dos baixos do Pavilhão n.º 1 para servir de caserna para 6 guardas, em caso de emergência. Iniciámos já esta pequena obra, mas temos de adquirir 6 camas de ferro completas. Também para este dispêndio solicitamos o acordo de V. Exas.”

A exposição muda agora de azimute, o gerente de Bissau vai informar Lisboa da subversão em marcha:

“A avaliar pelas impressões que temos colhido de pessoas responsáveis, a ideia dominante é a de que o indígena do interior está totalmente alheio a qualquer movimento de subversão e não mostra disposições para aceitar e acolher propagandistas.

Porém, nas cidades e vilas de certa importância existe em evolução um movimento clandestino de independência, dirigido de Conacri e de outros pontos fronteiriços pelo chamado Comité de Independência de Guiné e Cabo Verde, cujos mentores são na realidade cabo-verdianos, como cabo-verdianos são os cabecilhas-médios e propagandistas que têm sido presos pela PIDE, entre os quais figurava um empregado da Filial, já demitido por V. Exas.

Raros são os guineenses que estão no ‘movimento’, à parte o chamado ‘calcinha’, fauna de vadios que vive à custa da família e não quer trabalhar. Infelizmente a acção repressiva sobre esta gente tem sido muito tolerante, em obediência a conceitos e directivas de nível superior que, pessoalmente, consideramos prejudiciais. E assim pensa quase toda a população europeia.

Merece registo que a população nativa da Guiné de todas as raças detesta profundamente os cabo-verdianos. Há evidentes provas disso. Este facto, felizmente, contribui para tornar mais difícil a actuação criminosa dos homens do ‘movimento’, e concorre poderosamente a nosso favor. Como demonstração dessa má vontade dos guineenses pelos cabo-verdianos, parece ter-se criado já um outro ‘movimento’ exclusivamente guineense. Anexo encontrarão V. Exas. um panfleto clandestino que há dias foi enviado, por correio, a muitos cabo-verdianos na Província”.

É evidente que o tom usado pelo gerente no seu documento confidencial é de amenidade e confiança. Mas termina a sua carta não iludindo que começara um certo êxodo europeu:

“Desde Abril e mais intensamente em Maio estão a abandonar a Província quase todas as mulheres e crianças europeias. Têm seguido em aviões militares, em navios, que partem cheios. É um desgraçado sintoma do pânico que impera na Guiné. Também têm seguido alguns comerciantes, após terem liquidado os seus negócios ou deixando-os entregues a empregados interessados.
Este êxodo tem criado um agravamento da crise cambial, pois todos os que partem pedem transferências de dinheiros e a fixação de mesadas.”

A próxima missiva para Lisboa anunciará, em 21 de julho, o ataque a S. Domingos. E em junho de 1962 toda a documentação vai referir com clareza quem é o movimento que está a pôr a região Sul em turbilhão: o PAIGC.

(Continua)




Sala no BNU em Lisboa.
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Notas do editor

Poste anterior de 23 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19225: Notas de leitura (1124): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (61) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 28 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19243: Notas de leitura (1125): 38.ª COMPANHIA DE COMANDOS "Os Leopardos" - A História, coordenação de João Lucas (Belarmino Sardinha)