sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19361: Notas de leitura (1137): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (67) (Mário Beja Santos)


Edifício da Agência do BNU de Bissau e zonas circundantes, 1921.
Por amável deferência do Arquivo Histórico do BNU.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Não subsistem dúvidas que entre 1962 e 1963 o gerente de Bissau teve acesso privilegiado a informações que lhe eram fornecidas a título sigiloso pelo inspetor da PIDE, daí o manancial informativo que extravasava os comunicados oficiais, assim será até ao início de 1964 em que por razões que escapam à investigação o gerente se irá confinar aos comunicados oficiais.
Em meados de 1963, agravara-se a situação do Sul e a guerrilha estendera-se às vizinhanças de Bissau e era a sigla entre Bissorã e Mansabá, o PAIGC organizava-se no Oio e preparava o seu santuário na região do Morés.

Com as informações que nos irá chegar do gerente de Bissau, no final do ano também o PAIGC marcará presença na região de Bambadinca, a subversão também se organizava para lá do Corubal, as forças portuguesas eram diminutas, estavam então sediadas em Fá Mandinga, o aquartelamento de Bambadinca será posterior.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (67)

Beja Santos

Tinham crescido, notoriamente, as dificuldades económicas, a desagregação que a guerrilha estava a operar no Sul motivara o comentário do gerente de Bissau em 31 de maio de 1963:  “A actividade comercial está hoje muito reduzida e acha-se quase circunscrita às operações da Sociedade Ultramarina e da Casa Gouveia” e é neste preciso contexto que o gerente, sabe-se lá se premeditadamente ou não, lança uma insinuação da maior gravidade:

“Certamente por instruções superiores, o pessoal da Sociedade Comercial Ultramarina tem colaborado com as autoridades na repressão do terrorismo.

Ao contrário, a Casa Gouveia, não só tem negado o seu auxílio dando ordens terminantes nesse sentido, como ainda despede os empregados que ajudem as nossas forças, tendo até demitido o encarregado da sua operação do Xugué, de apelido Barros, que lutou na defesa da povoação.

Por tal motivo, o citado indivíduo vai ser condecorado com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, consta que em 10 de Junho próximo, por actos de bravura praticados.

Como resultado de tal política, poucos prejuízos têm sofrido, ao passo que a Sociedade Comercial Ultramarina, em represália da colaboração prestada, foi obrigada a encerrar algumas operações.
Estamos habilitados a informar que a fábrica de descasque de arroz da nossa cliente Camacho & Correia, sita em Cufar, a cerca de 15 quilómetros de Catió, cremos que a única unidade industrial localizada no Sul e até agora protegida pela tropa instalada no próprio recinto fabril, vai ser desmontada e transferida para Bissau logo que termine a operação de descasque do cereal ainda existente nos seus armazéns.

Nota-se que os indígenas da região sublevada estão a aparecer vindos dos seus refúgios no mato e, caso significativo, dispostos a liquidar o imposto.

Será com o receio das chuvas, este ano muito retardadas, que de novo se aproximam do europeu? Ou do espectro da fome, esperada em face da destruição das colheitas de arroz, seu secular alimento?
Os próximos meses nos darão a resposta!

Como a V. Ex.ª. foi dado conhecimento por nosso telegrama de 25 do corrente, devido à escassez de arroz da produção local, uma vez que no Sul, tradicional celeiro da Guiné, pouco se colheu, vai o Governo da Província importar aquele cereal do estrangeiro. À primeira partida de 4 mil toneladas autorizaram outra igual, que se seguirá. Deste modo, será o habitual défice da balança comercial da Província agravado com mais este encargo da ordem das três dezenas de milhões de escudos”.

O discurso agora é orientado para informações sobre o evoluir da luta:

“A actividade terrorista manifesta-se em pequenas acções mais para marcar a sua presença, na opinião das nossas autoridades, que pelos efeitos destrutivos de que se revestem.

No prosseguimento desta táctica, na madrugada de 16, perto da fronteira senegalesa, foi atacada e em seguida incendiada a camioneta da carreira Bissau-São Domingos, presos os passageiros e pessoal de condução, todos indígenas, que não foram molestados, levados para Zinguinchor e mais tarde libertados.

Também em 4 de maio, um pequeno grupo de 15 a 20 indivíduos que se supõem pertencerem ao Movimento de Libertação da Guiné atacou a povoação de Bigene. Repelidos, deixaram rastos de sangue.

O facto mais saliente da acção militar foi a perda em 22 de maio de dois aviões ‘Harvard’, que em missão de rotina sobrevoando a ilha de Como, se despenharam por motivos ainda ignorados. O corpo do piloto de um deles, cujos destroços foram mais tarde localizados pelas brigadas de socorro saídas em seu auxílio numa bolanha situada na área de Tombali, foi encontrado fora da carlinga, desarmado, nu e coberto de palha. Crê-se que foi retirado já sem vida do aparelho sinistrado por elementos rebeldes. O outro avião, descoberto também pelas brigadas na mesma região, foi incendiado depois de uma aterragem normal. Do piloto, Sargento Lobato, não se encontraram vestígios. Corre aqui com certa insistência que está prisioneiro dos rebeldes na ilha do Como. Porém, concreta e oficialmente, nada pudemos saber. Há informações da existência de bandos armados nos territórios vizinhos das Repúblicas do Senegal e Guiné com o beneplácito dos governos respectivos”.

O gerente de Bissau regressa à escrita em 6 de julho, toda a temática se prende com a evolução da guerra. O gerente revela que a sua habitual fonte informativa é o inspetor da PIDE, demorou algumas semanas a poder estabelecer contacto e diz mesmo: “Ainda esta manhã nos deslocámos novamente ao seu gabinete com o mesmo objectivo, sem resultado positivo, não tinha comparecido ao serviço” e pede desculpa pela insuficiência de detalhes nas informações que vai prestar:

“Na semana que hoje termina, a situação atingiu uma fase muito delicada que dia-a-dia se vai tornando cada vez mais grave.

As nossas tropas aqui estacionadas são comprovadamente insuficientes para a manutenção de uma cobertura militar capaz de proteger bens e vidas dos habitantes guineenses.

Os elementos terroristas vindos dos campos de treino existentes em territórios vizinhos do Senegal e Guiné infiltram-se pelas nossas extensas e desguarnecidas fronteiras, disseminando-se pelas terras do Interior, onde praticam os ensinamentos colhidos e fazem o aliciamento das populações nativas.
Os seus últimos e violentos ataques a forças do Exército caracterizaram-se por uma ousadia e conhecimentos de táctica de guerrilhas fruto por certo de aturado treino, que causam espanto e em contraste absoluto com o seu anterior procedimento.

Nalguns sítios do Sul, caso da ilha do Como, onde estão instalados, de pedra e cal como se costuma dizer, possuem mesmo armas pesadas.

Nas margens do rio, entre Cacine e Cabedu, instalaram metralhadoras pesadas que alvejam comboios de navios de transporte de arroz, não obstante a escolta de lanchas da Marinha.

De meados de Junho a esta parte, os seus ataques recrudesceram num ritmo que está a causar perturbações e, nalguns casos mesmo, alarme na população menos calma, alargando as suas actividades a zonas onde até há pouco ainda não tinham feito a sua aparição.

Deste modo registou-se um ataque a uma coluna militar na estrada Mansoa-Bissorã. 
A três quilómetros de Farim, a caminho de Binta, foi atacado um carro particular ocupado por indígenas e feridos gravemente os seus dois passageiros.

O Sr. João Herculano Graça, sócio-gerente da Guimal, de que a Sociedade Industrial  [ou Comercial ?] Ultramarina também faz parte, ao saber da presença de elementos terroristas nas imediações da fábrica de serração daquela firma, descolou-se a Mansabá, distante poucos quilómetros, para avisar o pelotão militar ali sediado, sendo no regresso alvejado a tiro de arma automática, felizmente não foi atingido, todavia o jipe que conduzia ficou danificado.

Houve, também, uma tentativa de destruição de um pontão na estrada Nhacra-Mansoa, a 5 quilómetros desta localidade, presumindo-se pelo buraco encontrado pretendiam utilizar cargas de plástico.

Foi ainda tentado, na mesma estrada, o incêndio de uma pequena ponte de madeira com emprego de gasolina.

Os prejuízos causados, quer em homens, quer em material, a destruição por deflagração de uma mina colocada na estrada São João-Fulacunda, nos primeiros dias deste mês, de um veículo militar com novos ocupantes, foi ocorrência de maior relevo dos últimos tempos. Há a lamentar neste acidente a morte instantânea de dois militares e, mais tarde, de um terceiro que expirou a caminho do Hospital Militar desta cidade, segundo nos foi dito por médicos do Exército por queimaduras provocadas por gasolina derramada pelo depósito do veículo. Os outros quatro feridos, com queimaduras em elevado grau, seguiram para a Metrópole, de avião militar, em estado desesperado.
Chega-nos também a notícia da morte de um alferes em combate, na área de Cabedu.

As nossas autoridades procuram eliminar elementos nativos afectos ao inimigo, mas deparam com inúmeras dificuldades, avultando entre elas o mutismo a que os prisioneiros se remetem, preferindo, muitas vezes, serem maltratados a denunciarem os seus correligionários.

No entanto, consta que há dias foi apanhado o chefe da tabanca de Nhacra e os componentes da sua célula. Tal indivíduo era considerado fiel à nossa bandeira!

Outros acontecimentos se registaram, tais como: ataque a Catió com a população refugiada na igreja; bombardeamento de objectivos em Jabadá, com artilharia de bordo dos navios de guerra em comissão nas águas da Guiné; tentativas de fuga de nativos para se juntarem aos ‘libertadores’.

Do piloto-aviador, Sargento Lobato, que, como dissemos a V. Ex.ª, em 31 de Maio findo, se suponha estar prisioneiro dos rebeldes na ilha do Como, sabe-se que se acha em poder dos terroristas em território vizinho.

Temos ainda a lastimar a morte por acidente do nosso colega metropolitano Furriel Miliciano João Nunes Redondo, vítima do deflagrar de uma mina em Catió.

Não há dúvida que com a proximidade dos acontecimentos, se vive presentemente em Bissau um momento difícil.

É opinião geral que se as nossas forças não forem reforçadas com urgência de modo a abandonarem a táctica defensiva até agora adoptada em face da carência de efectivos, a situação tomará uma feição com tendência a agravar-se”.

No acervo do Arquivo Histórico do BNU encontra-se um importante documento intitulado “Situação Política na Guiné”, provavelmente redigido em maio de 1963 e que é visão do gerente da Sociedade Comercial Ultramarina, trata-se de uma peça que carreia mais informações que permitem melhor compreender o evoluir da guerra e a desagregação do tecido económico e social.

(Continua)

Vista do interior do Cineteatro Bolama, fotografia de Francisco Nogueira.
Retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.

Guarda de polícia numa recepção ao Comandante Mello e Alvim, Governador da Guiné.
Imagem inserida no livro “Guiné, Início de um Governo”, 1954.
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Nota do editor

Poste anterior de 28 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19341: Notas de leitura (1135): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (66) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de31 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19348: Notas de leitura (1136): “Cabo Verde e Guiné-Bissau, As Relações entre a Sociedade Civil e o Estado”, por Ricardino Jacinto Dumas Teixeira; Editora UFPE, Recife, 2015 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19360: (Incitações) (123): "Massor av Sol och blå himmel" [Muito Sol e céu azul !]... Votos de Ano Novo , do réguloda Tabanca da Lapónia, José Belo



1. Foto e texto de José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:

Date: domingo, 30/12/2018 à(s) 14:45

Subject: E...o tempo passa.

Um dos Votos do Ano Novo dentro do Círculo Polar Árctico é o de:

-"Massor av Sol och blå himmel"... Ou seja...Muito Sol e céu azul !

(Com os Invernos de mais de 320 dias pode-se dizer : Obviamente!)

A olhar.se para o futuro dentro da bola de cristal tudo estará...OK!

Um grande abraço do
J. Belo
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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de dezembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19339: (In)citações (122): Às Nossas Mães (Virgínio Briote)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19359: O nosso blogue em números (54): atingimos, no final de 2018, um total de c. 10,9 milhões de visualizações de página... Quem nos visita, vem de Portugal (41,6%), EUA (23,1%), Brasil (6,2%), França (5,3%) e Alemanha (4,5%)...

Gráfico dos países mais populares entre os visitantes do blogue

Gráfico 4A - O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande... A principal origem dos que visitam o nosso blogue (c. 65%) é Portugal (41,6%) e os EUA (23,1%)... Segue-se, à distância, o Brasil (6,2%), a França (5,3%) e a Alemanha (4,5%). No mundo globalizado, somos vistos em todo o lado, da Rússia à China, da Espanha ao Reino Unido e à Polónia...

Fonte: Blogger (2019) (com a devida vénia)



Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


1. O nosso público leitor (ou melhor, quem nos visita e visualiza as nossas páginas), deve ser em grande parte lusófono, oriundo dos seguintes países (Gráfico 1):

Portugal - 41, 6%
EUA - 23,1%
Brasil - 6,2%
França - 5,3%
Alemanha - 4,5%


Seguem-se depois o Reino Unido, a Rússia, a Polónia, a Espanha e a China com um subtotal de 4,8%... Os restantes 14,5 % cabem ao resto do mundo...

Esta estrutura tem-se mantido estável  quando comparamos os números de 2017, 2016 e 2015.

Comparando o ano de 2017 com 2016 (valores colocados entre parênteses retos), já o ano passado concluíamos que continuavam a ser os mesmos cinco países principais, em termos de origem dos nossos leitores ou visitantes.  A França, que vem em 4º lugar, passa de 4,3%  (em 2016) para 5,3% (em 2018), (*)

Portugal: 42,3 % [41,9%]
EUA: 23,9 [24,9% ]
Brasil: 6,4% [6,8%]
França; 4,5 % [4,3%]
Alemanha: 4,4% [ 4,6% ]


Nenhum PALOP (país africano de língua oficial portuguesa) aparece, nos últimos 4 anos, na lista dos "top ten" (dez mais), muito embora saibamos que o nosso blogue é seguido nomeadamente em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Angola.

Sabemos que nos PALOP o grau de penetração da WEB ainda é baixo. Em todo o caso, Cabo Verde chegou a figurar no nosso "top ten" em 2013 (**).

Em 2018, o do resto do Mundo ganha algum peso (relativo), quando comparado com os três  anos anteriores:

2015: 13,2%
2016: 12,6%
2017: 13,5%
2018: 14,5%

Recorde-se, por seu turno, que o Brasil foi destronado do 2.º lugar, pelos EUA, a partir de 2014... Os EUA tinham 7,6% do total em finais de 2013, e têm hoje cerca de 24%.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18192: O nosso blogue em números (48): Quem é que nos lê ou visita? Em 2017, foi sobretudo gente oriunda de Portugal (42,3%), EUA (23,9%), Brasil (6,4%), França (4,5%) e Alemanha (4,4)%)... Mas também Reino Unido, Rússia, Polónia, Espanha e China (, num subtotal de 5%)... O "resto do mundo" representa 13,5%... Não há um PALOP no "top ten"... mas sabemos que temos leitores em Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola...

Vd. também:

7 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16928: O nosso blogue em números (40): No final de 2016, atingimos um total de 9,3 milhões de visualizações... Quem nos visita, vem sobretudo de Portugal (41,9 %), EUA (24,9 %), Brasil (6,8 %), Alemanha (4,6 %) e França (4,3%)

4 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15575: O nosso blogue em números (37): No final de 2015, atingimos um total de 7,6 milhões de visualizações... Quem nos visita, vem sobretudo de Portugal (47,5%), EUA (17,1%), Brasil (8,2%), França (4,9%) e Alemanha (4,8%)


(***) Último poste da série > 1 de maio de 2018 > uiné 61/74 - P18591: O nosso blogue em números (53): atingimos hoje os 10,4 milhões de visualizações em 14 anos de existência... Desde o início do ano, estamos a publicar 4,4 postes em média por dia, com 3,8 comentários por poste... Nos últimos 40 dias entraram mais 6 novos membros para a Tabanca Grande

Guiné 61/74 - P19358: Agenda cultural (667): Apresentação do livro de viagens "Regy", da autoria de Fernando Gouveia, e palestra sobre poesia por Regina Gouveia, dia 12 de Janeiro de 2019, a partir das 15h30, no Clube Fenianos Portuenses, junto à Câmara Municipal do Porto

C O N V I T E


1. No próximo dia 12 de Janeiro de 2019, pelas 15h30, no Clube Fenianos Portuenses, junto à Câmara Municipal do Porto, o nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70) irá apresentar o seu livro Regy, em torno das muitas viagens que tem feito ao longo da sua vida, quase sempre acompanhado da sua Regy (Regina).

Pelas 16h30, Regina Gouveia, sua esposa e nossa tertuliana, irá falar da poesia em geral e da sua obra em particular.

Aqui fica o convite endereçado especialmente à tertúlia da Tabanca Grande residente no Grande Porto.

Capa do livro de viagens "Regy", de Fernando Gouveia




 Recorte de jornal com uma passagem do livro
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19340: Agenda cultural (666): Apresentação da Obra Poética de Vital Sauane - “Mundo di Bambaram”, dia 28 de Dezembro, pelas 18h00, no Centro de Exposições de Odivelas, Rua Fernão Lopes, 2675-348 Odivelas

Guiné 61/74 - P19357: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (15): Patrício Ribeiro com votos de bons passeios em 2019


Guiné > Região de Tombali >  Guileje > 19 de março de 2018 > Estrada para Mejo a ser reparada



Guiné > Região de Tombali >  Guileje > 19 de março de 2018 > Estrada para o lado do cruzamento, a ser reparada


Guiné > Região de Tombali >  Guileje > 19 de março de 2018 >


Guiné > Região de Tombali >  Guileje > 19 de março de 2018 > Bangalôs


Guiné > Região de Tombali >  Guileje > 19 de março de 2018 > Resto de munições e placa toponímica


Guiné > Região de Tombali >  Guileje >19 de março de 2018 >  Interior da capela


Guiné > Região de Tombali >  Guileje > 19 de março de 2018 > Fachada da capela


Guiné > Região de Tombali >  Guileje >19 de março de 2018 >  Casa do Ambiente

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, 

[ Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.]

Data -  Quarta, 2/01, 23:39

Assunto - Bons passeios para 2019

Para 2019, bons passeios, enquanto podemos…

Junto algumas fotos tiradas em 2018, antes que desapareçam dos meus arquivos.

Nos meu passeios pelo Sul, segui por Guiledje, a caminho do Medjo, Iemberem, Cabedú, até Calaque.

Fui tirando as fotos do costume, junto algumas do Quartel de Guiledje, onde almocei e descansei.

Fui recebido pela representante da AD, Maimuna Cassacá (tlm 96 66 70 951), que cuida de tudo e mantém o espaço funcional, limpo e organizado.

Os bungalows estão ok, para quem lá queira ficar a dormir.

“O problema mais uma vez é a água”, que tem que ser transportada em bidons, da Tabanca mais próxima.

O furo que o Pepito mandou abrir, secou. Onde já trabalhou uma bomba solar e mais tarde, uma outra com o gerador. Como se diz por aquelas bandas, “o irã certamente não deixa”.

Ver as fotos: da Capela, bungalow, casa da Cultura, Museu, estrada e lançamento da 1ª pedra, para a reparação da estrada.

A estrada entre o Cruzamento Guiledje e Bedanda, está a ser reparada. Ainda este ano está prevista a reparação desde o cruzamento, até Cabedú passando por Iemberem , que está muito má, quase intransitável. Estes trabalhos têm o financiamento da União Europeia.Luís, peço desculpa do peso das fotos...

Abraço

Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guine Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com
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Nota do editor:

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19356: Historiografia da presença portuguesa em África (143): Meu Corubal, meu amor (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Junho de 2018:

Queridos amigos,

O mínimo que se pode dizer deste relatório que se julga ter sido elaborado pelo antigo administrador de Buba, Capitão Castro Fernandes, e datilografado nos anos 1930 por António Pereira Cardoso, importante funcionário colonial, é que se trata de um documento cheio de informação, de muita história e de saber de experiência feito. 

O administrador, a fazer fé no que escreveu, palmilhou todo o território e sabia do que falava quando descrevia etnias e culturas. à distância de um século, revela preconceitos e ideias feitas sobre etnias, mas o que aqui importa é o seu poder de observação e o vigor do seu testemunho.

Um abraço do
Mário


Meu Corubal, meu amor (2)

Beja Santos

Nos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa consta um dossiê assim apresentado: Província da Guiné – Relatório de autor ignorado (mas que julgamos ter sido elaborado pelo antigo administrador de Buba, Capitão José António de Castro Fernandes, natural da Índia, cujo filhos residem, ainda, na Guiné. 

O original existia em poder do falecido Capitão Alberto Soares, antigo administrador do concelho de Bolama, combatente das campanhas de pacificação). Quem datilografou em 1931 diz que faltam as primeiras páginas, o que reproduz inicialmente está cheio de tracejado, é manifestamente incompreensível. O manuscrito, como iremos ver, é da década de 1910.

O documento datilografado (presumivelmente em 1931) começa por dizer tratar-se de Cópia – Extraída de um relatório, feito por autor desconhecido. Quem terá datilografado foi António Pereira Cardoso, funcionário colonial vastamente referido em diferentes relatórios das décadas de 1930 e 1940.

Depois de ter falado sobre o rio Corubal, e correspondendo às perguntas do inquérito: Que raças habitam a sua circunscrição? Qual a que predomina? Responde que as raças predominantes eram: Fulas-Forros, Futa-Fulas, Fulas-Pretos, Mandingas, Beafadas, Brames ou Mancanhas, Balantas e Manjacos. 

E dá-nos um quadro bastante rigoroso de quem é quem na circunscrição de Buba.

Os Fulas-Forros povoavam todo o território do Forreá, encontrando-se também no Corubal. É raça bastante simpática e nada tem de comum com as outras que habitam a Guiné, distinguem-se pelo seu temperamento linfático e uma constituição fraca, cor mulata, nariz saliente, boca e face regulares, cabelos lanudos e voz suave. 

O aparecimento desta raça na Guiné data de 1851, ter-se-iam estabelecido no Forreá pouco a pouco e como emigrantes vindos do Norte e Oriente de África. Para se estabelecer, tiveram de pagar um imposto aos Beafadas, destes receberam toda a qualidade de represálias e vexames, e exemplifica: não lhes era permitido que se deitassem em camas ou esteiras no sentido do seu comprimento; não lhes deixavam possuir qualquer espécie de armamento, ou mesmo instrumento cortante; aos cadáveres só era permitido que dessem sepultura dentro das próprias palhotas. 

Assim oprimidos os Fulas-Forros, prepararam a rebelião, nomearam vários cabecilhas, entre eles Bacar Guidali, pai do atual régulo Monjur, do Gabu, e este, auxiliado pelo régulo Délabé, na colónia vizinha, conseguiu livrar os Fulas-Forros do jugo dos Beafadas, mas ao mesmo tempo foi nesta época que se iniciou o aniquilamento do falado comércio e das feitorias do Rio Grande.

Descreve assim os Futa-Fulas: distinguem-se por Futa-Fulas os cativos de Alfa Iáiá, isto é, Futa-Fulas Pretos, que povoam a região do Forreá entre o rio Corubal e os marcos da fronteira 20 a 24; e por Futa-Fulas Forros, que andam em grande número espalhados nas mais densas florestas sem domicílio certo. Estes não se dedicam à agricultura, empregam-se na colheita de produtos naturais, especialmente a borracha. Procuram evitar a aproximação da autoridade, esquivam-se ao pagamento do imposto de palhota. Os processos que esses Futa-Fulas Forros empregam na extração da borracha causam grandes prejuízos às matas.

Os Fulas-Pretos povoam todo o território do Corubal. Antigos escravos dos Fulas-Forros, libertaram-se das opressões destes, por uma revolta estabeleceram-se no Corubal. O Fula-Preto constitui um grupo étnico de filhos espúrios nascidos no cativeiro, sendo assim mestiços de Fulas e Beafadas, por quanto durante as lutas entre estas duas raças escravizavam os seus prisioneiros de guerra. São bastante trabalhadores. Embora amigos de álcool, os seus costumes assemelham-se aos dos Fulas-Forros.

Os Mandingas constituem um grupo oriundo das raças Beafadas, Oincas e Soninqués, que deixaram de beber vinho e se tornaram sextários de Maomé. A origem da raça Mandinga propriamente dita é na região de Pacau, do território francês, ao Norte de Farim. Na circunscrição, como em toda a nossa Guiné, são governados pelos Fulas ou outra raça predominante onde se estabelecem. A sua índole denota uma pronunciada falta de caráter, tendo em pouca conta o princípio da honestidade e honradez; mentirosos por hábito, todos os seus atos são regulados para os fins que têm em vista, não se importando com os meios para os alcançar. Dedicam-se principalmente ao trabalho comercial, sendo a lavoura entregue às mulheres.

Os Beafadas são os primitivos habitantes do Forreá e Corubal, donde sucessivamente foram expulsos pelos Fulas. Povoam o centro do território do Quínara, onde vivem na maior miséria, furando palmeiras e bebendo o vinho que extraem. As suas mulheres, pode-se dizer, são as que pensam no passadio quotidiano, empregando-se na agricultura.

Os Brames ou Mancanhas são emigrados do território da circunscrição de Cacheu e de Mansoa, povoam todo o território marginal do Quínara, desde a confluência do Rio Grande com o de Bolama até ao canal das Arcas. Empregam-se, especialmente, na plantação de mancarra. É considerada a raça mais inferior da Guiné e distinguem-se das outras raças não só pelo seu vestuário como por trazerem a cabeça e o corpo untados com azeite de palma, o corpo tatuado com salientes cicatrizes com variados desenhos feitos com instrumento cortante. São muito trabalhadores e ágeis no manejo de pau e espada.

Os Balantas povoam o território marginal do Quínara desde o canal dos Arcos até Gampará. Vieram emigrados da margem oposta, sendo os que vêm de Nhacra até Colicunda, oriundos da primitiva raça Papel; os que vêm de Gole até Malafo, da raça Beafada e os que vêm de Contoiá, uma mistura de Papéis, Beafadas e Brames. De caráter independente, cada um é chefe de sua casa, não têm régulo.

Os Manjacos são emigrantes de Pelundo, Cacheu, Pexixe e Bissau, povoam geralmente todo o território marginal do Rio Grande e seus afluentes. São muito trabalhadores.

O inquérito irá seguidamente abordar a duração da vida humana (natalidade e mortalidade), os produtos naturais da região, a borracha, a escultura, a habitação, e algo mais.

(Continua)


Publicidade publicada no jornal ‘O Comércio da Guiné’, numa edição de 1931.


O Quartel Militar de Bolama, fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19336: Historiografia da presença portuguesa em África (141): Meu Corubal, meu amor (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19355: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (14): João Crisóstomo (e Vilma), em Nova Iorque, a pensar nas crianças abandonadas de Liquiçá, Timor Leste





Cópia da carta do Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, de 5 de dezembro último. Cortesia de João Crisóstomo (2018)



1. Mensagem de João Crisóstomo, nosso camarada da diáspora (EUA, Nova Iorque), ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), casado com a Vilma, e destacado ativista social:


´Data: sábado, 29/12/2018, 19:10 )



Assunto - From New YoirCaríssimo Luís Graça


Embora um pouco atrasado, mas ainda a tempo pois a época festiva ainda está bem viva, os meus melhores votos de continuação de Boas Festas e que 2019 seja um ano tão bom como possas desejar.
Permite-me assinalar que este é não só para ti, mas extensivo aos teus queridos e ainda para os nossos comuns amigos camaradas da Guiné, Tabanca grande, antigos seminaristas e outros comuns amigos que eventualmente venham a receber este E mail.

Sugeriste-me há dias que te desse notícias recentes, nomeadamente duma carta de que falei e que recebi recentemente do Vaticano.

Razões de ordem pessoal ( inclusive de saúde um outro pequeno-- mas chato-- problema de “tendão” que me inibe em muita coisa ) acarretaram uma diminuição de energia e consequente menos actividade. "É a idade”… razão ou desculpa a que nos agarramos quando queremos desculpas para coisas que não têm desculpa possível.

Tento compensar esta indesculpável preguicite aguda mental com outras actividades mentalmente menos “taxativas” como sejam ajudar como voluntário a manter os parques e ruas da minha vizinhança limpas, já que —pelo menos assim explicam— “orçamentos" e número de pessoal disponível não permitem melhor...

Em 2020 espero poder organizar uma lembrança especial sobre o dia 17 de Junho ( 80º aniversário do "Dia da Consciência", projecto que lancei em 2004). Há dias recebi uma segunda carta do Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, que me chamou ao Vaticano no ano passado como te deves lembrar, onde afirma ter participado neste dia 17 de Junho este ano como eu lhe tinha pedido. 

Sua Eminencia encoraja-me ( junto a carta em anexo) a continuar os meus esforços em Timor Leste ( assunto primeiro que me levou ao Vaticano); mas com o mundo todo confuso, onde palavras promessas e compromissos são “esquecidos” como se nunca tivessem sido feitos… nem sei o que dizer …

Eu não alinho nem assino pelo "conselho/solução" de muita gente que se limitam a aconselhar e a rezar, esperando pela "obras e graças do Espirito Santo"… os bons desejos, por si mesmos sós, não chegam: não tiram as crianças esquecidas de Timor Leste da extrema pobreza, nem levam ajuda nem educação a ninguém. Não fora o altruísmo e a generosidade do Rui Chamusco, que eu e alguns poucos outros também apoiamos na medida das nossas possibilidades, até os alunos da escola S. Francisco de Assis que com tanto esforço construimos no ano passado estariam já de novo abandonados.

As expectativas eram promissoras, mas na maioria dos casos as palavras encorajadoras foram só isso mesmo e as “promessas" ficaram por serem apenas promessas também.

Apesar de ter encontrado fechadas a maioria das portas que me diziam estarem abertas, continuo explorando maneiras de dar maior apoio. Oxalá em 2019 tenha mais sucessos e menos desilusões.

Se entre os que lerem este E mail houver alguém com coração grande para dar uma ajuda, grande ou pequena, para que pelo menos os 56 alunos da escola S. Francisco de Assis possam continuar a receber alguma educação e ajuda, eu sugiro contactem o Rui Chamusco 
ruimfchamusco@gmail.com / telefone: 351 96 650 9086 ).

Se alguém quiser ligar para mim será satisfação grande [ o meu tel é… ( USA) 1 917 257 1501]; por favor nada de “facebook” que eu não uso. Ou se quiserem podem usar a conta “Paypal” criada exclusivamente para este fim: E aqui está a informação que sobre esta o Rui Chamusco me deu num E mail de 29 de Setembro:

Já criei a conta Paypal, em nome da Associação de Amigos Solidários com Timor Leste. Deixo de novo o IBAN que corresponde à conta da Astil

IBAN
PT50 0035 0702 00029761730 84
BIC SWIFTCGDIPTPL

A Vilma junta-se a mim para enviar a todos um grande abraço e os melhores votos para 2019
João e Vilma

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Nota do editor:

ÚLtimo poste da série > 31 de dezembro de  2018 > á,Renato Monteiro, fotógrafo, ex-fur mil, CART 2439 / CART 11 (Nova Lamego e Piche) e CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70)

Guiné 61/74 - P19354: Parabéns a você (1552): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19350: Parabéns a você (1551): Margarida Peixoto, Amiga Grã-Tabanqueira - Penafiel

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19353: A Galeria dos Meus Heróis (17): Os caminheiros do parque da cidade - II (e última) parte (Luís Graça): com os meus votos para o novo ano que aí vem, o 2019. Porque a saúde, afinal, não serve para mais nada... a não para sermos livres e felizes!









Porto > Parque da Cidade > 23 de dezembro de 2018 > Um  sítio surpreendente que precisamos de conhecer melhor e usar mais... Já fiz o desafio ao régulo da Tabanca de Matosinhos...

Oxalá, caros leitores e leitoras, exemplos como este [, o da Tertúlia dos Camimheiros do Parque da Cidade]  frutifiquem e se multipliquem pelos belos parques das vilas e cidades que temos no nosso fantástico país. Não deixem os parques tristes, sós com as suas árvores e os seus passarinhos... Por favor, usem-nos, enchem-nos!... São os meus votos para o novo ano que aí vem, o 2019. Porque a saúde, afinal, não serve para mais nada... a não para sermos... livres e felizes!

Fotos  (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


A Galeria dos Meus Heróis >  Os caminheiros do Parque da Cidade (II e última Parte)(*)


por Luís Graça





(Continuação da Parte I) (*)

O “Mister” era dos três, que caminhavam na frente, o mais novo, tinha-se reformado cedo, o sortudo. Fora professor de educação física, e todos lhe reconheciam o jeito (e o gosto) para “puxar a carroça”, para liderar o grupo. Chamavam-lhe “Mister” por que em tempos fora também “personal trainer” em ginásios do Grande Porto, e treinador de futebol em Paços de Ferreira ou Penafiel, não sei ao certo. 

Era natural de Resende, filho de gente modesta, foi trabalhador-estudante, o único dos irmãos que conseguiu formar-se.A “Poetisa”, a mais crítica e contestatária do grupo, gostava de lhe lembrar, de vez em quando, que ninguém estava ali para bater recordes, ganhar medalhas, ir para o livro do “Guinness”. Que o grupo nem sequer era uma “equipa” e muito menos o Parque era um “fitness center”, daqueles “low-cost” que agora proliferam , como cogumelos, pelos nossos bairros, com “personal trainers” brasileiras, pagas à peça, descartáveis…

− Gosto mais dos “bandos” do que das “equipas”. Nunca me apanharam na Mocidade Portuguesa Feminina, apesar de ser filha de um militar. A minha mãezinha encarregou-se de me arranjar um atestado médico, digamos, “vitalício”… Se há expressões que me põem os cabelos em pé, é “espírito de corpo”, “team-building”, e outras do linguajar das artes e ofícios de formatar corpos e almas…− acrescentou a “Poetisa” e explicou:

− Desculpem, é o meu lado anarquista, a costela do meu avô, corticeiro, algarvio de Silves, que chegou a ser desterrado para os Açores por ter conspirado contra a Ditadura Militar, no final dos anos 20… De qualquer modo, gosto da teoria do caos, mais do que a teoria do eterno retorno… Vivo em pânico só de pensar que , quando morrer, vou direitinha para o céu que nem um fuso, e tenho à minha à minha frente uma eternidade de pasmaceira…

− Mas o que fazemos nós aqui, ó criatura, todas as quintas-feiras ?!... “Corpo são em mente sã… em 10 mil passos!”. Tens que ler o meu manual…

− Não me f… com essa! Trata do teu corpinho que eu trato da minha mente: detesto pensar que estou a ser “formatada”, mesmo com as melhores intenções do mundo e por pessoas encantadoras e bem-intencionadas como tu… E esse é o risco da “equipa”, do “pensamento de grupo”, das “tertúlias”…

Desviando a conversa, que já estava a azedar, o “Mister” insistiu que o corpo não fora feito para “criar raízes” como os arbustos e as árvores…

Gostava, um pouco revelia do grupo, de evocar os seus tempos de Lamego e da Guiné, onde fora “ranger”, de 1972 a 1974… “Tempos puros e duros”, recordava com alguma saudade. Foi a sua divisa, “mens sana in corpore sano”, que o ajudou a sobreviver àquela guerra que ele fez com “sentido do dever” mas sem qualquer “entusiasmo patriótico”. Foi um “bom combatente”, conheceu as agruras da guerra em Guidaje… Nunca equacionou sequer a hipótese de desertar, já que “queria continuar a exercer o direito de viver no seu país” e na terra que ele amava, a sua cidade do Porto… De resto, “não tinha ainda grande consciência cívica ou política”, como a maior dos jovens da sua geração…

Enfim, fizera o melhor que sabia e podia para ficar bem classificado na recruta e na especialidade, o que não o impediu de ser mobilizado para a Guiné. Uma vez lá, preocupou-se apenas em não cometer erros e sobreviver, ele e os seus homens:

− Djubi, gosse, gosse!

− Ó “Mister”, o que é que isso quer dizer ?

− É crioulo, toca a andar que se faz tarde.

Juntara-se agora ao grupo da frente o “Coronel”, um DFA (Deficiente das Forças Armadas) que estivera em Angola, no fim da guerra colonial, em 1974/75, nos paraquedistas ou nos comandos, não sei ao certo. Foi ferido, com gravidade no leste, e teve direito a cruz de guerra.

Tal como o “Mister”, gostava de “meter a sua colherada” sempre que se falava da “guerra de África”, coisa com que a “Poetisa” e o “Filósofo” embirravam solenemente.

− Guerra, só a das ideias!− defendia o “Filósofo” que se declarava antimilitarista e que, antes do 25 de Abril, vivera em Paris, como refratário, tendo ainda frequentado o 1º ano da Sorbonne, como ele fazia gala de dizer, para “épater le bourgeois”. (Muito provavelmente nunca lá pôs os pés, na Sorbonne, mas a malta, condescendente, comprava-lhe a história, tal como ele a vendia a seu bel prazer.)

Tendo beneficiado da amnistia aos exilados, refratários e desertores, regressaria a Portugal, só no verão de 1974, matriculou-se ainda nesse ano no curso de filosofia, depois de fazer o “exame adhoc”, andou a sanear professores, ao mesmo tempo que se metia no negócio da edição de livros. Ao que parece, terá tido várias pequenas, pequeníssimas editoras, a maior parte de vão de escada, uma ou outra com algum sucesso editorial e comercial, mas, no cômputo geral, esbanjou bastante dinheiro, da herança dos avós maternos de Ponte de Lima. Foi durante vinte anos também professor de filosofia em colégios privados… Fazia agora traduções, “a recibo verde”, tendo andado portanto “de cavalo para burro”.

− Profissional liberal da treta!... Como se pode ter liberdade (para pensar, escrever, publicar) num país de merda como este ?!

− Olha, eu ando há anos para publicar o meu primeiro livro de poesia, lancei um “crowdfunding”… Faltam vocês, dou-vos depois um livro, com dedicatória, autografado, por cada nota de cinco euros investida. Poesia-diamante de muitos quilates,o que é que vocês querem mais ?!

− Poesia-diamante ou dinamite ?!|...Não é coisa que se coma ou beba, a poesia, por isso não se vende… Somos um país de poetas, mas não é coisa que se exporte como a cortiça… − comentou, irónico, o “Mister” que, de resto, de poesia só conhecia uma paródia do soneto de Camões, “Alma minha, gentil, que te partiste”…

− Cá está, andamos sempre a queixar-nos do mesmo, e a usar as mesmas imagens estafadas de sempre, como o do pequenino Portugal de 89 mil quilómetros quadrados a ir ao fundo, como um barco de papel, juntamente com o “iceberg” da Ibéria… − interrompeu o “Coronel”.

− “Jangada de pedra”, chamou-lhe o Saramago! – completou a “Poetisa”.

Desta feita era o “Coronel” a marcar a sua presença, com a veemência e a indignação próprias de um patriota, face à expressão, pouco feliz, “país de merda”, usada pelo “Filósofo” que ainda por cima fugira ao seus deveres para com a Pátria quando chegou a altura de ir para a tropa…

E continuou o “Coronel”, que lidava mal com “faltosos, refratários e desertores”, agora com a autoridade do historiógrafo (, um dos seus trabalhos recentes era sobre o papel do “Aires de Ornelas nas campanhas de pacificação em Moçambique”,por sinal um distinto africanista, nascido como ele no Funchal):

− É cíclica a nossa crise de identidade, ou melhor, de confiança, desde que perdemos o Brasil em 1821. A crise agrava-se com a guerra civil de 1832-1834, opondo liberais e absolutistas. E, depois, com o humilhante “Ultimatum” britânico de 1890. E vamos perder, já não a identidade, mas a própria independência com o IV Reich que aí vem. E desta vez bem pode ser mesmo, de verdade, o Reich dos mil anos…

− Eh!, “Coronel”, nessa altura, até eu, com esta fraca figura,  pego nas forquilhas da Maria da Fonte para defender a Pátria amada! – vociferou a “Poetisa”…

− Não me lixem, que eu para esse peditório já dei! – ripostou o “Mister”.

E encetou, este último, uma conversa que deu pano para mangas, até ao fim do percurso da primeira parte. A sua parangona incidia agora sobre os portugueses que, desgraçadamente, gostam de dizer mal uns dos outros e, pior ainda, do seu país.

− Somos pequenos, somos parvos (etimologicamente falando…), somos poucos…

− E os espanhóis acrescentam: ‘Portugueses pocos, pero locos’! – insinuou a “Poetisa”.

− Somos vizinhos uns dos outros, da mesma parvónia, próximos, parentes, filhos dos mesmos pais e mães… Dizer mal e usar chavões é próprio dos meios pequenos, tacanhos, em que todos se conhecem uns aos outros.

A conversa virou-se agora para o Facebook e os seus malefícios, um dos cavalos s de batalha do "Mister" nos últimos tempos.

− O Facebook reproduziu a estrutura e ampliou a dimensão da aldeia, agora vivemos na aldeia virtual global. Levámos anos para chegar à Índia, hoje a Índia está ao alcance de um clique.

− Não é tudo mau, ó “Mister”, o telemóvel, o Facebook, o Skype, os blogues… Há novas formas de sociabilidade, é verdade. Posso alargar os meus contactos, ter “amigos famosos”, gente das revistas cor de rosa, enfim, namorar, viajar, ter o dom da ubiquidade como os deuses…

− Pedimos amizade uns aos outros (, gosto da expressão “pedir amizade”…), sem nunca nos termos visto, a não ser por fotografia nas redes sociais. Aceitamos amizade, recusamos amizade. Somos todos “amigos” do Facebook e temos lá as nossas vidas todas... escarrapachadas…

− Sim, não é só desvantagens, o problema é o uso compulsivo, é a adição, o vício… − contrapôs o “Filósofo”.


− Preocupa-me é os meus netos que são viciados nos videojogos… − lastimou-se o “Coronel”.

− Há, de facto, uma falsa sensação de partilha e de comunhão de afetos. Contabilizamos os “gosto”, os “like”… − comentou o “Filósofo”.

Mais enfático, exclamou o “Mister”:

− Vejo muita gente indignada porque foi aceite como “amigo” e, mais tarde, é rejeitada… O “amigo” do Facebook de ontem retirou-lhe a “amizade” no dia seguinte… É quase uma tragédia pessoal para alguns, uma tremenda perda!... Por esta ou por aquela razão, muitas vezes por mal-entendidos, questões de lana caprina, ou por razão nenhuma, ou só porque a página está cheia, sobrelotada… Ou porque o “amigo” fez um comentário desagradável, deselegante ou até insultuoso…

−Acho bem que não se pactue com o insulto, a calúnia, o impropério! – diz o “Filósofo”.

− Ninguém gosta de ser rejeitado, convenhamos! – opinou a “Poetisa”.

− E depois tens o fenómeno do “cyberbullying”, a perseguição, o assédio, moral e sexual, nas redes sociais – diz o “Filósofo” –, é um novo tipo de violência, intolerável, para os nossos padrões de civilização e convívio.

E o “Mister” prosseguiu a sua palestra como se estivesse a falar para o “balneário”:

− Os portugueses dividem-se por dá cá esta palha, o futebol, a política, a religião, o cão, o gato, agora os touros… Ora os conflitos fazem parte da vida, as pessoas não sabem (ou não querem saber ?) lidar com os conflitos, as divergências ou diferenças que se manifestam no seio dos grupos…

−E blá, blá, blá!... Ora, se não fossem os conflitos, nunca haveria mudanças!... Eu cá gosto mais do inferno do que do céu, pelo menos acho que deve ser mais divertido… −interrompeu a ‘desbocada’ da “Poetisa”…


No meio disto tudo, eu, que por mais de uma vez tenho sido um intruso neste grupo, por convite da “Nucha”, e com um papel mais de observador do que ator, fiquei a saber que eles são já um “case study” académico: alguém da Universidade do Minho ter-se-á lembrado de pegar neste caso de alegado “sucesso de promoção do envelhecimento saudável e proactivo”… E eu julgo que houve aqui mão da “Nucha”, que é uma rapariga de Braga, de 67 anos de idade, solteirinha,   e que sempre se interessou pela promoção da saúde, esteve ligada à Rede Europeias das Escolas Saudáveis bem como à Rede Portuguesa das Cidades Saudáveis...

Enfim, posso dizer que tive a sorte de ganhar a confiança do grupo, ao ponto de me chamarem “Mouro” na brincadeira. De vez em quando, quando estou no Porto, apareço com a “Nucha” e junto-me a eles, para para duas horinhas de saudável caminhada e agradável convívio…

Sei, por outro lado, que fazem alguns almoços, e seguramente "um no solstício do inverno, pelo Natal, e outro no solstício do verão", antes das “férias grandes”, imaginem!... É que ainda gostam de "ir a banhos", ou de fazer uns cruzeiros pelos sete mares… No fundo, são circadianos, repetivos, e chatos quanto baste, como qualquer um de nós…

A “Poetisa” costuma escrever uns versinhos para essas ocasiões em que, por sinal, nunca pude aparecer. Dizem-me que são versinhos do tipo “escárnio e maldizer”… Ela adora pôr um pouco de picante no que escreve e diz... Neste último Natal, ela fez um soneto a “castigar”, surpreendentemente, os que só aparecem nesta data para “dar ao dente”. Mas no fundo, é um homenagem a este pequeno grupo fantástico de pessoas do Norte que me surpreendem pela energia e alegria que põem todas as quintas-feiras nas sua "voltinha" pelo Parque da Cidade... 

A “Nucha” teve a gentileza de me mandar uma cópia do texto por email. Pensei duas vezes antes de o publicar, pensei em não fazê-lo para respeitar e preservar a sua intimidade, já que o grupo é avesso à publicidade e à devassa das "redes sociais"...

Mas sei que o grupo também precisa de partilhar estes momentos mais intimistas, em que se juntam caminheiros e ex-caminheiros, cerca de uns trinta, alguns dos quais infelizmente tiveram de arrumar as sapatilhas, por esta ou aquela razão, e nomeadamente de saúde…


Enfim, acho que ficava bem este o soneto, a rematar esta história dos caminheiros nortenhos a quem eu só posso desejar muita saúde e longa vida porque, eles e elas, merecem tudo…

Eis o texto que a "Nucha" me mandou, da autoria da talentosa "Poetisa" (e com a sua generosa permissão):

"Recapitulemos um pouco a história deste grupo, a 'Tertúlia dos Caminheiros da Quinta das Conchas', que é um mix de grupo convivial, e de ajuda mútua, de gente que gosta de caminhar e conviver, mas também de dar à língua e ao dente,e que até podia ser um clube, recreativo, cultural, desportivo,
e até prandial e excursionista:  faz um excursão e dois almoços… por ano, um no solstício do verão e outro no solstício do inverno!

"Quanto ao resto, todas as semanas, à quinta-feira, procuram acrescentar  mais vida à vida, mais saúde à saúde, mais amizade à amizade.

"Para os que chegaram ontem, é bom que se saiba que estão aqui duas mães-fundadoras,
a 'Nucha' e a 'Rosa Mota', como carinhosamente as tratamos.

"Há cerca de 10 anos,  faziam então parte de um grupo de professoras, da escola de X... Quando se reformaram, olharam umas para as outras e houve alguém que perguntou: 'Ouçam lá, e agora ? O que é que vamos fazer amanhã,
o primeiro dia do resto das nossas vidas,
em que deixamos de vir à escola, por dever e obrigação ?!'

"Foi assim que nasceu a nossa tertúlia, como sabem... Entraram uns, saíram outros, vêm uns mais regularmente, outros menos… E é para todos os caminheiros que eu fiz este soneto ou 'sorneto', como lhe chama o nosso 'Mister' que vai mantendo a nossa chama viva...

"Começo, na 1ª quadra, por me dirigir, em tom de saudável brincadeira, aos menos assíduos… Peço a vossa colaboração para adivinharem ou completarem, em voz alta, a última palavra de cada uma das duas quadras e dos dois tercetos.


"Boas festas de 2018, caminheiras e caminheiros!

"Faltosos, refractários, desertores,
Não deixam de ser também caminheiros,
Sentem-se, pois, à mesa, meus senhores,
Que à mesa somos todos compa…nheiros.



"Cá no Parque, não há livro de ponto,
Nem sequer prémios de assiduidade,
Quem quer e pode, vem, e não tem desconto,
Que a quota é só a da ami...zade.

"Sempre com as malas feitas p’ra viajar.
Juntam-se aos residentes, p’lo Natal,
Mas sempre com medo do mundo aca…bar.

"Filhos e netos são outras preocupações;
De saúde, vão indo, menos... mal;
P’ra todos, Bom Ano… e Xico...rações!

"Parque da Cidade, 20 de dezembro de 2018"...



Oxalá, caros leitores e leitoras, que exemplos como este frutifiquem e se multipliquem pelos belos parques das vilas e cidades que temos no nosso fantástico país. Não deixem os parques tristes, sós com as suas árvores e os seus passarinhos... Por favor, usem-nos, enchem-nos!... São os meus votos para o novo ano que aí vem, o 2019. Porque a saúde, afinal, não serve para mais nada... a não para sermos... livres e felizes!


Luís Graça
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 1 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19352: A Galeria dos Meus Heróis (16): Os caminheiros do parque da cidade - Parte I (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19352: A Galeria dos Meus Heróis (16): Os caminheiros do parque da cidade - Parte I (Luís Graça)

A Galeria dos Meus Heróis >  Os caminheiros do Parque da Cidade (Parte I)

por Luís Graça





Às quintas-feiras encontram-se no Parque da Cidade, têm lá um grupo e amigos e conhecidos que gostam de fazer a sua caminhada matinal, de duas horas.

“Duas voltas ao bilhar grande”, dizem eles e elas. Desenferruja-se as pernas, desentaramela-se a língua, massaja-se os neurónios, tonifica-se o coração, estreita-se os laços sociais e afetivos, limpa-se a vista (com o azul do mar, ao fundo, e o verde da vegetação em redor), cultiva-se a boa disposição e o humor, desliga-se o malfadado telemóvel…

O grupo, de dimensão variável, no máximo uns vinte nos melhores dizas, é quase todo ele de gente sénior, como sói agora dizer-se, “colarinhos brancos”, reformados, gente com tempo e vagar, e algumas economias no banco. No essencial, e em comum, têm o gosto por conviver, conversar e andar a pé. É a “tertúlia dos caminheiros do Parque da Cidade”… Já são populares entre os demais utentes e os trabalhadores do Parque e frequentadores dos cafés e esplanadas da zona.

Há de tudo um pouco: professores, talvez a maioria, engenheiros, bancários, magistrados, advogados, secretárias, domésticas, uma médica, uma enfermeira, uma jornalista, e até um editor, um militar e um operador de câmara. Vêm do Porto e de Matosinhos, e até de mais longe.

É a primeira geração de portugueses de que se pode dizer que são filhos da abundância, do Estado-Providência, e que podem aspirar a viver, com alguma tranquilidade e relativa qualidade, o “outono da vida” (, contrariamente ao que se passou com os seus antepassados, pais, avós, bisavós).

Em função da condição física e do número , variável, dos que vão aparecendo às quintas-feiras de manhã, mas também do estado do tempo, das afinidades e das idiossincrasias, o grupo acaba por fragmentar-se ao fim de meia-hora.

Formam-se então pequenos grupos de três ou quatro que continuam a caminhar e a conversar, sem qualquer preocupação aparente com os mais atrasados ou os mais adiantados. Aqui não há solidariedade com os fracos que vêm na cauda do pelotão. A meio do percurso, entre as 10h50 e as 11h00, faz-se uma pausa, de dez minutos, para ir à casa de banho e descansar um pouco, nas esplanadas à beira-mar. É então que o pelotão se reagrupa, antes de atacar o regresso ao ponto de partida, e completar o circuito.

Os temas de conversa são os mais variados, desde as inevitáveis doenças da idade (, há gente com um ou mais doenças crónicas, as famigeradas comorbilidades) às viagens passadas, das deliciosas fofoquices às viagens futuras, das agendas culturais às grandes questões existenciais (tais como: “se Deus não existe, o que é que eu estou aqui a fazer?!”)… Sem esquecer, naturalmente, as preocupações mais terrenas e comezinhas com os filhos que se divorciam e os netos que vão para a escola…

Vêm também à baila os grandes marcos do ciclo de vida de cada um e das suas famílias: nascimentos, batizados, casamentos, divórcios e, cada vez mais, funerais (dos amigos e parentes)… Por uma questão de “bom senso e bom gosto”, ou simplesmente por pudor, “não se fala em sexo nem em dinheiro”, segundo me confidenciou a minha amiga “Nucha”. Percebe-se: muitos tiveram uma formação puritana e conservadora, o sexo praticava-se mas dele não se falava, e o dinheiro não passava do “vil metal” que comprava tudo (ou quase tudo), do amor ao temor…

− Sabes como é, rapariga, o sexo na nossa idade é o último dos tabus! – gracejei eu.

O telemóvel e o tabaco são, agora, dois dos novos pecados mortais… O “no smoking” é uma condição “sine qua non” para a entrada de novos membros na tertúlia. E os ex-fumadores são, nesse ponto, os mais intolerantes. (Aliás, todos os ex-qualquer coisa... são os mais intolerantes!)...

Às quintas-feiras de manhã o uso do telemóvel é “proibido”, a não ser para fazer alguma “chamada de emergência”. E, tanto quanto me apercebo, quando por lá ando, não há fumadores no grupo.

Um ou outro mais “chato” vai, por vezes, desenterrar coisas do passado não menos “chatas” como a escola primária, as férias grandes, o liceu, a mocidade portuguesa, a tropa, a guerra colonial, a ação católica, a militância política, o 25 de Abril, o PREC, o fim do Império… Alguns passaram por África e têm memórias desse tempo, umas boas, outras más. Há retornados e ex-combatentes…

Chegam por volta das 9h15 / 9h30 da manhã, ainda a tempo para “pôr a escrita em dia” e para tomar o “cimbalino” ou a “meia de leite”, numa esplanada perto de uma das entrada do Parque, que é o ponto de encontro, em dias soalheiros e aprazíveis. É toda uma geração do tempo da “meia de leite”, do “cimbalino”, do “Português Suave”, dos “brandos costumes", enfim nascida no Estado Novo.

No caso de alguns, os mais velhos, quando nasceram, ainda estava em vigor o racionamento, imposto durante a II Guerra Mundial, e ainda não havia a “francesinha”, hoje, para o bem ou para o mal, um dos ícones da cozinha tripeira.

São quase todos portistas, mas também não se fala de futebol. Por uma questão de “higiene mental”, e por respeito das “minorias futebolísticas”: os boavisteiros, os benfiquistas, os sportinguistas, os minhotos...

Ficam lá fora as “redes sociais, a par da “política partidária”. São quase todos “desalinhados”, à esquerda e à direita, mas alguns/algumas têm um passado de militância política ou religiosa. Desalinhados, desencantados com as suas “igrejas”, agora mais centrados no seu umbigo, o que até é compreensível.

− Muito autocentrados, para o meu gosto! – confidencia-me a “Nucha”, uma mulher nortenha de grande generosidade.

Quando chove (e aqui chove mais do que no Sul…), ficam a cavaquear no café até próximo do meio-dia, altura em que cada um vai às suas vidas.

− Por que é que repetimos sempre, ou quase sempre, as mesmas histórias, as mesmas anedotas, as mesmas tretas, as mesmas dicas, até as mesmas palavras e expressões ?

− Sim, “ad nauseam”… Essa é uma boa pergunta, mas eu não te sei responder, nem nunca tinha pensado nisso – observa o “Filósofo”, a caminhar ao lado do “Mister” e da “Poetisa”.

E prossegue o “Mister” que vai no meio dos dois:

− Sabes como é, já estamos fartos de ouvir aquela cena passada há tantos anos, com o fulano de tal, lembras-te, pá?!... Aquele gajo que andou no liceu connosco, e cujo pai era da “bófia”…

− Então, não me lembro, carago, o “Focinho de Porco”,  andou na escola com todos nós… É uma figura que me é estranhamente familiar, até a mim que estudei em Bragança – ironizou a “Poetisa”.

Transmontana, a “Poetisa” é uma mulher extrovertida, ‘engraçada’, cuja personalidade é um misto de truculência, rudeza, franqueza, autenticidade e… língua viperina… Chamam-lhe a “Poetisa” porque dá ares da Natália Correia… e também escreve… “versos”. Tanto quanto julgo saber, foi professora de português.

Nem todos os caminheiros (e sobretudo as caminheiras) apreciam e toleram o seu “génio”. Tem fama de ser uma mulher de pelo na venta, muito independente e… feminista. Gosta de fazer, de vez em quando, a sua "peixeirada"...

− E as anedotas, estafadíssimas, do Samora Machel, eivadas de racismo e de revanchismo, que circulavam no tempo do PREC e dos retornados ?! – acrescentou o “Filósofo”.

− Mas desde que morreu o “bicho”, acabou a “peçonha”… Já não oiço uma anedota do Samora Machel, há anos. Em contrapartida, continuas a ter as estafadíssimas anedotas sobre os alentejanos e os mouros de Lisboa… – interveio o “Mister”.

− Ah!, o Portugal plural no seu melhor, agora a cores do arco-íris. Por que dantes, irra!, era tudo a preto e branco – lembrou a “Poetisa”.

− Não concordo, acho que o humor lusitano era mais refinado, e até mais criativo do que é hoje, justamente porque havia a lei da rolha e a censura – acrescentou o “Mister”.

E para reforçar a sua tese de que as pessoas hoje são “repetitivas, circadianas, chatas”, o “Mister” foi buscar mais um exemplo:

− Eu próprio caio na armadilha de repetir as mesmas histórias… Conto muitas vezes aquele episódio, que aconteceu a um casal meu amigo, naquelas férias que poderiam ter sido as melhores férias das suas vidas, lá nos picos da Europa ou coisa parecida, mas não foram porque os melhores amigos são muitas vezes os piores companheiros de viagem…

− Tens razão, ó “Mister”, olha, a mim, já me aconteceu isso, numa viagem ao sul de França, Grenoble, Alpes, Vale de Aosta…

E explicou a “Poetisa”:

− Fiquei escaldada para sempre… Dois poetas no mesmo carro, macho e fêmea, com egos de todo o tamanho, mais as nossas respetivas caras-metade, no tempo em que eu ainda vivia com o meu 1º marido… Imaginem, quatro caramelos num Fiat 127, nos anos 70, foi pior a emenda que o soneto, carago!…

− E sem “airbag”, que era coisa que, nesse tempo, os carros ainda não tinham! – galhofou o “Filósofo”.

E lá foram continuando a caminhar e a tagarelar os três amigos.

Na Tertúlia dos Caminheiros do Parque da Cidade quase toda a gente parece ter alcunhas, diminutivos ou “nicknames”: ao que me disseram, faz parte da praxe e dos “estatutos”… Por outro lado, todos se tratam por tu, o que ajuda a esbater eventuais diferenças de estatuto socioeconómico, entre os doutores e os não doutores.

E também me parece que, pelo convívio que vou tendo(, irregularmente, diga-se de passagem), com este grupo singular, ninguém leva a mal por ser identificado por uma alcunha ou um diminutivo: no fundo, é mais uma manifestação de ternura, uma forma de tratamento entre iguais, o reconhecimento de um traço de personalidade ou de uma particularidade da(s) história(s) de vida.  Enfim, um ou outro, no início, pode não ter gostado lá muito ou ter até rangido os dentes. Os novatos, que têm sido poucos nos últimos dois ou três anos, são sujeitos, como eu, à incontornável praxe de integração.

− Aqui no Norte, ninguém faz fretes. Gosta-se ou não se gosta de uma pessoa… Leva o seu tempo a aceitar-se um estranho. És posto à prova, tens de passar vários testes… Mas uma vez integrado na família ou no grupo, és um amigo para sempre! – explicou-me a “Nucha”, uma velha amiga de há, pelo menos uns 20 anos.

Em rigor, não há regras escritas, e a dinâmica de grupo é que, ao fim de quase uma década, vai criando e modelando valores e normas de sã convívio e até de amizade.

Curiosamente foi tudo trabalho de um grupo de mulheres, de que restam duas ou três, a quem chamam carinhosamente as “abelhas mestras”. São uma espécie de “mães fundadoras”. Trabalhavam na mesma escola, professoras, auxiliares de educação, administrativas… No ano em que umas tantas se reformaram, na maioria professoras, ainda “cinquentonas”, como a "Nucha", olharam umas às outras e perguntaram-se:

− E agora, o que vamos fazer amanhã, que é o primeiro dia do resto das nossas vidas, e em que deixamos de vir à escola por dever e obrigação ?!

Foi assim que nasceu a Tertúlia dos Caminheiros do Parque da Cidade, com a intenção mais ou menos explícita (mas não expressa) de “promover o envelhecimento ativo e saudável”, segundo me contou a minha amiga “Nucha”, que foi professora de biologia… São mais as mulheres do que os homens, o que até é natural neste grupo etário de gente sexagenária e septuagenária… Em dez anos, o grupo sobreviveu e renovou-se. As fundadoras arrastaram os seus maridos ou companheiros… Uns e outros convidaram amigos e amigas… E por aí fora...

Mas no grupo também há a “Viúva Alegre” (que já despachou para o céu os dois "anjinhos" dos seus maridos…), a “Papa-Léguas” (também conhecida por “Rosa Mota”, por ser uma “corredora de fundo”, compulsiva…), a “Facebook…eira” (que se vangloria de ter “cinco mil amigos”), além do “Manuel de Oliveira” (um operador de câmara reformado, sempre muito calado), o “Morcão” (ex-autarca, que vem de Gondomar), a “Dina” (ou “Adrenalina”, por ser uma das mais “stressadas” do grupo…) e o “Coronel”, enfim, outros tantos figurões ou exemplares de diferentes “espécies”, de ambos os sexos, daquela amostra do zoo humano que frequenta o Parque da Cidade, misturando-se com as aves que proliferam por lá, entre as lagoas, as charcas e os pequenos bosques, separados por agradáveis campos arrelvados que, no passado, devem ter dado muitos carros de milho…

− Por que é que somos “repetitivos, circadianos, chatos” ?!... Boa pergunta, ó “Mister” – retomou o “Filósofo” o fio à meada.

E continuou:

− Mas essa questão até nem parece tua!... Tu que vens da área do desporto onde o sucesso, sobretudo na alta competição, é o resultado de mil e um esforços repetidos até à exaustão, de mil e um micromovimentos…

− O treino leva à perfeição, exceto na pistola russa! – ironizou a “Poetisa”, que gosta de “picar” tanto o “Mister” como o “Filósofo”.

Prosseguiu este, que tem sempre uma “teoria” para explicar tudo:

− Deixem-me avançar com a minha teoria… 


− Então, avança lá!...Somos todos ouvidos.

− Somos repetitivos porque somos circadianos, temos um relógio, biológico, que nos obriga, por exemplo, a descansar 6 ou 7 horas por dia… Sem esse relógio, entraríamos rapidamente em entropia, levando-nos por fim à morte… Temos por isso hábitos, automatismos. Somos animais de hábitos, o que tem vantagens e desvantagens. 

− Por outro lado, temos uma memória seletiva, curta, um registo limitado de memórias, de recordações, de vivências…− acrescentou o “Mister”.

− Há uma economia de meios, de energia, de recursos ! – concorda o “Filósofo”. – Avaliamos os custos e dos benefícios das nossas decisões e ações, mas sempre com base em informação limitada, em quantidade e qualidade. Por exemplo, avaliamos a prática do exercício físico, numa ótica de custo-benefício… Custa-me andar a pé duas horas, mas faz-me bem à saúde, se esse esforço for conjugado com uma dieta mediterrânica e com a interação social, como diz a nossa “Nucha”… Enfim, é a minha teoria…

− Como alguém disse – continuou o “Mister” – somos animais dotados de racionalidade limitada, e no futuro seremos ultrapassados por formas superiores de inteligência…

− Queres dizer que somos demasiado estúpidos ? Em termos coletivos, não tenho dúvidas, vê como estamos alegremente a dar cabo do planeta, a abrir a cova para o caixão da humanidade… − interrompeu o “Filósofo”.

− Sim, não somos criaturas assim tão inteligentes quanto apregoa a propaganda do criador – comentou, com sarcasmo, a “Poetisa”.

− E depois achamos graça − completou o “Mister” – a certas situações que afinal são banalíssimas, que acontecem a toda a gente.

− Ou então são confrangedoras! – ripostou a “Poetisa”.

− Sim, repara, tanto rimos como choramos… Ficamos à beira de um ataque de nervos nas bichas para os centros comerciais nas sextas-feiras treze, ou na época natalícia, ou na noite de São João… Por outro lado, somos capazes de achar piada ao mal dos outros, às desgraças alheias, somos maus e, pior, somos capazes de ser cruéis como nenhum outro animal da Arca de Noé!

− A minha teoria – volta à carga o “Filósofo – é a seguinte: mais do que estúpidos ou predadores, somos animais sociais, somos palhaços, palhaços de circo, gostamos (e precisamos) de circo, de fazer rir, de entreter e apaparicar os outros.

− Catar e encantar os outros, como os nossos parentes primatas… − esclareceu a “Poetisa”− Que é a catar os parasitas e a fazer favores sexuais que se reforçam as alianças… Aponta aí, ó “Filósofo”.

− Mas, no fundo, não temos piada nenhuma, não temos sentido de humor!

− O humor cultiva-se, é uma forma superior de inteligência! – diz a “Poetisa”.

− E quanto mais velhos, pior! – sentenciou o “Mister”. − Precisamos de mais mimos, de amar e de ser amados…

− Desculpa lá, mas estou em desacordo total contigo, os velhos são egocêntricos como o carago!... – contestou a “Poetisa” que é ainda, segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde, uma “jovem… idosa”, como ela faz gala de dizer.


(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19208: A Galeria dos Meus Heróis (15): O "Bate-chapas" que queria ser fotocine... (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19351: Blogpoesia (601): "Fantasias", "Sementeira" e "Tédio", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Fantasias

Nosso refúgio é o reino das fantasias.
Onde buscamos o que não temos e criamos o que não nos é preciso.
À margem da nossa vida real nos surgem no horizonte alucinações e ilusões.
Nos seduzem. Atraem nossa vontade e imaginação com promessas de realidade.
Tudo se desvanece ao raiar da aurora.
Basta a claridade do sol e tudo se vai.

Sua fonte é nossa ambição. Nossa vontade de querer mais.
O que temos é sempre pouco.

A felicidade está na contenção.
Pouco e bom é o segredo...

Ouvindo Carlos Paredes
Berlim, 24 de Dezembro de 2018
7h21m
Jlmg

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Sementeira

É verde a sementeira depois de despontar.
Traz a esperança na algibeira e a fé no coração.
Se multiplica em frutos bons.
Sacia a fome e dá o pão.

Cumpre a lei,
Na sombra da terra oculta.
Desperta à hora.
Cresce ao sol.

A ninguém escolhe.
Nem ela sabe,
Sua arte é dar.
Sem olhar a quem.

Não tem pai nem mãe.
Tem tudo em si.
Sua sorte é o sol e a chuva.
Sem eles não…

Ouvindo A sinfonia “Novo mundo” de Dworak
Berlim, 27 de Dezembro de 2018
7h59m
Jlmg

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Tédio

Quando o tédio me ronda a mente,
subo ao monte e busco um poema.
Risonho aparece ao longe.

Vem sorrindo como um amigo que já não via há muito.

Nos abraçamos. Saudosos.
Fervem nossos corações.
Novidades. Dum ao outro.
São tantas as novidades.

Tantas primaveras floridas.
Verões de fogo ao pé do mar.
Que a distância nos tirou à gente.
Aquelas tardes calmas do recolher.
As estrelas que se acendiam diante de nossos olhos na aldeia que nos viu nascer.

Que nos queriam dizer as constelações de estrelas ordenadas,

segundo uma linha de pensamento que alguém escreveu?
Os mistérios que sombreavam nossa mente sobre o mistério do viver.

Aquelas conversas enlevadas que se prolongavam pelas madrugadas.
O encanto das amizades da vizinhança.
Um sabor que, de só o lembrar, nos adoça e extingue o tédio que nos assoma de vez em quando...

Berlim, 28 de Dezembro de 2018
17h46m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19346: Blogpoesia (600): "Horas serenas...", "Adro de areia" e "Ventania e tempestade", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19350: Parabéns a você (1551): Margarida Peixoto, Amiga Grã-Tabanqueira - Penafiel

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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19347: Parabéns a você (1550): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira