sábado, 16 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19592: (D)o outro lado do combate (48): A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - III (e última) Parte: capa + pp. 9-11.


1. Terceira e última parte do relatório, de 11 (onze) páginas, policopiado, que tem por título em português "A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril de 1972" (*). 

Trata-se de uma versão, mais resumida do original, "Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonization after visiting the liberated Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972)".

A cópia, em papel, de que dispomos foi-nos fornecida, com vista a uma eventual publicação no blogue, pelo nosso camarada António Graça de Abreu, por volta de 2010, na sequência dos comentários ao poste P5680 (*).

O documento de que publicamos agora  as três últimas páginas (9, 10 e 11)  parece corresponder à seguinte referência que encontramos na base de dados bibliográfica do CIDAC - Centro De Intervenção Para O Desenvolvimento Amílcar Cabral:


BAC-051/2
CIDAC

BORJA, Horácio Sevilla ; LOFGREN, Folke ; BELKHIRIA, Kamel
A Missão especial da ONU na Guiné Bissau, Abril 72 / Horácio Sevilla Borja, Folke Lofgren, Kamel Belkhiria . - [S.l.] : PAIGC, 1972. - 11 p


A edição é atribuída ao PAIGC. Mas as partes traduzidas em (mau) português correspondem ao original em inglês. Não sabemos de quem é a tradução. Há diversos erros quer de datilografia quer de português. A autoria é atribuída aos três membros da Missão Especial, os diplomatas Horácio Sevilla Borja (Equador), Folke Lögfren (Suécia) e Kamel Belkhiria (Tunísia), os dois primeiros ainda vivos.

O António Graça de Abreu poderá explicar-nos a origem do documento. É possível que tenha circulado antes do 25 de Abril, clandestinamente. De qualquer modo, é ainda pouco conhecido, ao fim destes anos todos.   Os nossos leitores, e nomeadamente os que combatiam, nesta altura (abril de 1972), no TO da Guiné, têm direito a conhecer o documento. 

É o elementar direito à informação que nos era negada no tempo da ditadura: com o país em guerra, era impensável a censura deixar passar, na imprensa, referências detalhadas a esta Missão Especial da ONU e, muito menos, deixar divulgar o o seu relatório, considerado como "propaganda inimiga".

Por outro lado, no início de abril de 1972 ninguém sabia (nem podia saber por "razões de segurança") desta "missão", a não ser um reduzido número de pessoas do "staff" da ONU, do PAIGC e do governo da Guiné-Conacri, para onde viajaram, desde Nova Iorque, em 28 de março de 1972, os cinco membros da Missão Especial. 

Pormenor curioso: o líder histórico do PAIGC não se jutou  com a Missão Especial na visita  às "áreas libertadas", fazendo as honras à casa, como em  princípio devia... Deixou essa incumbência à estrutura político-militar do PAIGC... Foi Aristides Pereira que deu as boas vindas à Missão Especial, no dia 1 de abril de 1972, no "quartel general do PAIGC"... em Conacri, tendo depois partido para o mato no dia seguinte (entrada no sul da Guiné-Bissau, por Boké-Kandiafara).

De resto,  no início de abril de 1972, os títulos de caixa alta do "Diário de Lisboa" era a escalada da guerra do Vietname", a ofensiva do vietcong e do Vietname do Norte contra o Vietname do Sul e a  os seus aliados dos Estados Unidos: vejam-se os títulos de caixa alta dos jornais da época... "Guiné ?... Isso é longe do Vietname", ironizavamos nós, em 1969, no bar de sargentos de Bambadinca... 



Diário de Lisboa, 14 de abril de 1972 >  Pela primeira vez há uma referência à Missão Especial da Comissão de Descolonização da ONU e à sua visita ao território da Guiné-Bissau, de 2 a 8 de abril (pp. 1 e 24). A Missão Especial, de 5 elementos, afirmou que o PAIGC controlava efetivamente o território,  escreve o jornal.  Por sua vez, o delegado protuguês negou veementemente que: (i) o PAIGC controlava uma ou mais partes do território da Guiné;  (ii) que a Missão Especial  tenha entrado alguma vez no interior da Guiné.




Capas do "Diário de Lisboa", do mês de abril de1972... (Cortesia da Fundação Mário Soares >Casa Comum > Diário de Lisboa / Ruella Ramos)

Eis alguns dos títulos:

"Ofensiva em três frentes no Vietname do Sul" (segunda-feira, 3 de abril de1972)

"Vietname: avanço para Hué" (terça-feira, 4 de abril de 1972)

"Saigão apela para Nixon: a situação militar é muito critica"(quarta-feira, 5 de abril de 1972)

"A aviação americana está a bombardear o Vietname do Norte" (quinta-feira, 6 de abril de 1972)

"Hanói pede negociações secretas comKissinger" (sexta-feira, 7 de abril de 1972)

"Saigão é o alvo" (sábado, 8 de abril de 1972)

"O medo do ano 2000" (domingo, 9 de abril de 1972)

"A 100 km de Saigão: comneçou a batalhade An Loc" (segunda-feira, 10 de abril de 1972)

"Vietcong ao ataque em todas as frentes" (quarte-feira, 12 de abril de 1972)

Os três membros do Comité Especial de Descolonização da ONU, mais dois membros do "staff" da ONU (incluindo o fotógrafo Yutaka Nagata, de nacionalidade japonesa) (*),  visitaram as "áreas libertadas da Guiné-Bissau" (sic), de 2 a 8 de abril de 1972, antes da época das chuvas, a convite do PAIGC, e à revelia do Governo Português. 

Claro que a missão tinha que ser secreta, por razões de segurança. Nesse curto espaço de tempo (menos de um semana), terão percorrido "200 quilómetros", de jipe (no território da Guiné-Conacri, até à fronteira) e depois a pé, tendo visitado "9 localidades diferentes", numa parte restrita da Região de Tombali: sectores de Bedanda, Catió e Quitafine.

Os diplomatos focaram a sua atenção nas estruturas militares, tabancas, escolas e armazéns, e fizeram depois apreciações, que constam no relatório, sobre "a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional". 

Os membros da missão vestiam fardas militares, com insígnias das Nações Unidas, e tiveram escolta de um bigrupo reforçado do PAIGC (cerca de 60 homens armados) sob o comando do Constantino Teixeira. No regresso, já a 6 de abril, a escolta passou a ser de 200 homens, provavelmente com o receio de alguma ação militar portuguesa com vista a capturar os diplomatas.

A principal base do PAIGC referida no relatório, dentro do território da então província da Guiné, era na zona de Balana / Gandembel, ou seja, no corredor de Guileje. Recorde-se que Balana e Gandembel tinham sido abandonados pelas NT, por ordem de Spínola, em janeiro de 1969.

(Continuação)

-9-


-10-


______________



Guiné 61/74 - P19591: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XVIII: ten inf Manuel Belarmino Silva Carvalho Araújo (Guarda, 1940 - Nova Coimbra, Moçambique, 1965)






1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à direita], instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972. Foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar.

Passou a integrar formalmente a nossa Tabanca Grande, com o nº 784, com data de 7 do corrente.

_________________

Nota do editor:

Último poste da  série > 13 de março de  2019 > Guiné 61/74 - P19579: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XVII: cap inf Francisco Xavier Pinheiro Torres Meireles (Paredes, 1938 - Ponta Varela, Xime, Guiné, 1965)

Guiné 61/74 - P19590: Parabéns a você (1588): Joviano Teixeira, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 4142 (Guiné, 1972/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19583: Parabéns a você (1587): Leopoldo Correia, ex-Fur Mil Art da CART 564 (Guiné, 1963/65)

sexta-feira, 15 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19589: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (5): Apelo à solidariedade dos nossos amigos e camaradas: campanha por uma cadeira de rodas para o professor Humberto, que teve paralisia infantil e que é um caso extraordinário de doação aos outros


Guiné-Bissau > Bissau > Escola Privada Humberto Braima Sambu > 8 de março de 2018: o fundador e diretor da Escola, na sua velha cadeira de rodas... 


Guiné-Bissau > Bissau > Escola Privada Humberto Braima Sambu >  17 de abriu  de 2018 >  Aspeto de uma aula.



Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 > Na casa do Cherno Baldé: ao centro, o Humberto Braima Sambu, de camisa azul, na sua velhinha cadeira de rodas, segudo à direita do Luís Mourato Oliveira e do dono da casa... Desconhecemos a identidade dos restantes dois amigos, à esquerda e à direita... Um deles deve ser o Braima Camará um jovem professor que trabalhou com o Humberto Sambu,  e que é professor em Bafatá.

Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


1. Mais três mensagens (, formando a quinta crónica,) do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol; lisboeta, tem fortes ligações à Lourinhã, Oeste, Estremadura...

Chegou a Bissau, a 2 de março, e aqui vai estar 3 meses como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo. (*)


Ser solidário com o professor Humberto Braima Sambu que precisa de uma nova cadeira de rodas...


por Luís Oliveira


(i) 15/3/2019, sexta-feira, 16:26



Olá, Luis


Sem muitas coisas interessantes para contar, de momento, vinha propor por sugestão do professor Humberto a admissão do Braima Camará na Tabanca Grande.

O Braima Camará é um jovem guineense, professor em Bafatá com enorme sensibilidade e capacidade para na escrita transmitir sentimentos positivos.

Infelizmente  está em greve porque os professores não recebem ordenado desde Outubro do ano passado.

Se leres alguns textos dele no Facebook,  creio que apoiarás a sugestão e é também uma forma de renovação da Tabanca Grandeonde infelizmente a idade de todos os que a habitam vai avançando.

Deixo-te o endereço e-mail dele.

 
(ii) Sexta-feira, 09/03/2019, 23:30


Boa noite,  Luís

Acabei de assistir ao prélio entre o Boavista e o Sporting em relato que farei oportunamente.



Quando me preparava para sair tive a visita do Cherno Baldé,  acompanhado pelo professor Humberto e pelo Braima, um jovem professor que trabalhou com o Sambu.

Foi muito gentil e convidou-me para o visitar sempre que quiser para continuarmos as nossas conversas. Pedi-lhe o email e, como não havia forma de registo, autorizou que tu mo facultasses.

Espero que as crónicas sejam divertidas e que consigam dar um cheirinho desta terra tão mal tratada.


(iii) quarta-feira, 13/03, 17:10



Boa tarde, Luís

Após algum tempo sem te enviar noticias, cá estou eu de novo. Os dias decorrem com grande rapidez porque após o Carnaval começaram as aulas e os voluntários estão cá para colaborar, nessa vertente temos passado parte dos dias na escola.

O meu trabalho não tem sido na área que previa porque, apesar de já terem chegado 16 volumes enviados de Lisboa, o preço que pedem para o levantamento nos correios é incomportável para a escola.

Fui hoje com o professor Humberto pela segunda vez aos correios onde entregámos uma carta a tentar sensibilizar o director daquele serviço para dispensar a entrega sem custos ou por custos reduzidos comportáveis com as nossas possibilidades.

Por essa razão tenho auxiliado nas aulas de educação formal e com a falta de professores tive de improvisar e criar sessões de Educação Civica Global, prevista pela ONU e Unesco e creio que muito úteis e interessantes neste país.

Quanto à abordagem que fiz ao professor Humberto para integrar a Tabanca Grande, aceitou de imediato e fica muito honrado com o convite que agradece.

Relativamente às suas condições de mobilidade, queria colocar um desafio à Tabanca. O professor teve paralisia infantil e está agarrado a uma cadeira de rodas em péssimo estado (, eu que o diga que tenho andado com ele para todo o lado e esse exercício faz-me suar mais que uma intensa sessão de ginásio) , não tem apoio para os braços, as rodas estão para o empenado devido aos caminhos donde há mais buracos que terra plana e creio que não irá durar muito mais.

Penso que talvez uma campanha solidária para permitir a continuação do trabalho do professor que iniciou a sua actividade dando educação a jovens, sob uma árvore com um quadro, e que merece muito mais que uma cadeira de rodas pelo seu papel na sociedade.

Se alguns dos nossos camaradas junto de alguma associação de beneficência ou bombeiros arranjasse maneira de fazer voar uma cadeira de rodas para a Guiné, seria um contributo inestimável e que muito prestigiaria a iniciativa. Poderia ser mesmo uma cadeira usada e com uma única condição principal - ser muito resistente para aguentar o futuro que lhe estaria reservado.

Conto enviar mais crónicas, mas cada vez mais apaixonado pela actividade até as minhas leituras tenho descurado.

Recebe um abraço amigo de quem se manterá na Tabanca e partilhará as suas histórias e segredos debaixo do nosso poilão.

Abraço,
Luís Oliveira
____________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de março de  2019 > Guiné 61/74 - P19577: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (4): dia de Carnaval + Eleições = Carnaval Total

Guiné 61/74 - P19588: Notas de leitura (1159): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
Aqui se faz menção da derradeira documentação avulsa constante do Arquivo Histórico do BNU.
São papéis que referem a pretensão de criar uma delegação do BNU em Bafatá, o processo iniciou-se em 1970, nunca foi concretizado, naturalmente se abandonou a ideia com a independência. Fala-se também das expetativas depositadas na CICER - Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, um empreendimento industrial que recebeu o entusiasmo de muitos, desgraçadamente acabou no charco. Fala-se em dádivas do BNU para a construção do busto de Amílcar Cabral e para o monumento aos mártires do colonialismo, em 1975; consta no processo o parecer dado por Lisboa sobre o pagamento da contribuição industrial e imposto complementar do BNU em Bissau. E por fim aqui se refere a notícia de que a Sociedade Comercial Ultramarina estava a ser nacionalizada, o mesmo já acontecera com a Casa Gouveia e com a empresa Barbosa e Comandita.
A última etapa deste trabalho será aqui expor o que demais relevante se encontrou a partir de 1974 para a transferência do património do BNU para o Banco Nacional da Guiné-Bissau, no fundo são peças históricas que terão que ser integradas um dia no que foi a vida do BNU na colónia da Guiné, de 1902 até depois da independência.
Peço a todos que vejam a beleza das imagens que a investigadora Lúcia Bayan nos ofereceu sobre os jogos e a sua função didática na etnia Felupe, que ela investiga com tanto entusiasmo.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77)

Beja Santos

Continuamos à volta com a documentação avulsa constante do Arquivo Histórico do BNU. Em termos cronológicos, há que referir que em 4 de fevereiro de 1972 se produzira um memorando sobre a criação de uma dependência do BNU em Bafatá. Em setembro de 1970, o subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino autorizara a abertura em Bafatá de uma dependência. O Banco já deslocara a Bafatá um funcionário para analisar as hipóteses de escolha de um edifício, concluíra-se que o imóvel com melhores condições era um edifício pertencente ao Banco então arrendado a Afif Elawar, súbdito libanês. O Banco começou os seus preparativos, definindo o modo de funcionamento, o número de empregados necessários e estabeleceu contactos com o arrendatário do prédio, a fim de obter a sua devolução.

Devido à reação do arrendatário, que não queria prescindir do arrendamento, o Banco chegou a encarar a hipótese de tentar a ação de despejo. O representante do arrendatário apresentou uma proposta no sentido de rescisão amigável, a proposta foi aceite. Já em janeiro de 1972 as gentes de Bafatá insistiam na criação da dependência, fora mesmo enviado à filial de Bissau um telegrama em que as autoridades, comerciantes, industriais e agricultores e toda a população dos concelhos de Bafatá e Gabu lamentava que ainda não tinha sido dada execução à promessa feita em 1970.

O processo arrasta-se e vem a independência da Guiné-Bissau, o último documento que possuímos data de 23 de outubro de 1974, o despacho é concludente acerca do novo edifício para a delegação de Bafatá: “Não é oportuno neste momento”.

Passamos agora para o dossiê CICER – Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné. Possuímos dois documentos de junho e novembro de 1974. Diz-se no primeiro que a CICER foi constituída em finais de dezembro de 1971, eram os seus principais acionistas a Sociedade Central de Cervejas, a Companhia União Fabril Portuense, a Cuca de Angola e a Fábrica de Cervejas Reunidas de Moçambique, Lda.
Fazia-se uma relação dos encargos da construção da fábrica da CICER em Bandim. Em novembro de 1974, o BNU emitiu um parecer do seguinte teor:
“Após o 25 de Abril, a sua produção baixou para a média de 4 a 5 milhões de litros anuais de cerveja e 2 a 2,5 milhões de litros de refrigerantes. As suas vendas cifram-se entre 6 a 8 mil contos mensais.
Pensam, muito em breve, lançar no mercado, também, água de mesa e água gaseificada.
Dada a boa qualidade dos seus produtos e o interesse dos territórios vizinhos na sua aquisição, prevê-se num futuro muito próximo que a fábrica volte a trabalhar em pleno. Sabemos ainda que a Nação Cubana está também interessada na produção da fábrica, pelo que se estão encetando as respectivas negociações através do Governo local.
O valor atribuído à fábrica é de 130 mil contos. Tem-na visitado muitos estrangeiros, após o 25 de Abril, tecendo-lhe os maiores encómios, pois esperavam encontrar uma fabriqueta e não uma moderníssima fábrica, muito bem situada e com o privilégio de possuir no seu subsolo uma das melhores águas do mundo – dizem – para a fabricação dos seus produtos.
Em face do que fica exposto, e pelas perspectivas que se antevêem, damos o nosso acordo à concessão do crédito de 50 mil contos solicitado, com vista à liquidação das três conta-correntes caucionadas.”

Estamos já em 1975, o BNU é contactado para contribuir para a construção do monumento aos mártires do colonialismo. O documento reza o seguinte:
“A tarde do dia 3 de Agosto de 1959 ficou dolorosamente marcada na história do nosso povo.
Nesse dia, em Bissau, no cais do Pindjiquiti, armas empunhadas por mãos assassinas de servidores fiéis do colonialismo ceifaram as vidas de dezenas de irmãos nossos, indefesos, levando a dor e a morte a centenas de lares.
Fizeram-se vítimas. E tal acto repercutiu-se tragicamente por todo o nosso país, pela África e pelo mundo.
Mas, nesse dia, o Governo colonial, contrariamente a todos os seus desejos, ajudou a dar um grande passo na caminhada pela reconquista da liberdade e da dignidade do nosso povo.
O massacre do Pindjiquiti jamais será esquecido, dado o seu alto significado na luta de libertação nacional.
Por isso, o nosso Partido e o nosso Estado tomaram a decisão de comemorar essa data, considerando feriado nacional o dia 3 de Agosto. A população de Bissau, no grande comício de 20 de Janeiro último, dia dos ‘Heróis Nacionais’, decidiu dar o nome de ‘Avenida do 3 de Agosto’ à avenida marginal e o nome ‘Praça dos Mártires do Colonialismo’ ao largo existente na zona do Pindjiquiti.
Neste local existia um monumento através do qual o Governo colonialista pretendia glorificar o ‘descobridor da Guiné’, Nuno Tristão.
Pois bem: na actual Praça dos Mártires do Colonialismo, na zona onde esteve o monumento a Nuno Tristão, é dever nosso honrar os mártires do colonialismo, erguendo-lhes um monumento que deve ser inteiramente custeado pelo nosso povo e por todos aqueles que, vivendo na nossa terra, quiserem juntar-se a nossa homenagem de gratidão eterna aos que ficaram pelo caminho nos longos anos de resistência contra a dominação e a exploração estrangeiras.
Para começar a concretizar essa ideia, foi criada uma comissão para recolha de fundos”. 

E indicavam-se os nomes: Rui das Mercês Barreto, Tiago Aleluia Lopes, Carlos Gomes, Armindo Ferreira, Teodora Inácia Gomes e João Maurício Chantre. A comissão era designada por “Comissão do Abota Nacional para o Monumento aos Mártires do Colonialismo”. O Comissário de Estado Rui Barreto, Presidente da Comissão assinava o manifesto em 26 de julho de 1975. O BNU ofereceu 5 mil escudos como oferta na contribuição do busto mandado erigir a Amílcar Cabral. O recibo de receção é assinado por Carlos Domingos Gomes com a data de 16 de maio de 1975, tratou-se de uma dádiva distinta da anterior.

Em 30 de junho de 1975, a administração em Lisboa informa a gerência do BNU em Bissau que a atividade exercida pela filial obedece a condicionalismos legais que têm de ser tidos em conta, no pressuposto de que as disposições fiscais, então vigentes, não sofreram alteração: o BNU continuaria a ser tributado pela contribuição industrial; sujeito a ser coletado pelos rendimentos anuais no Estado quanto ao imposto complementar.
E emitia-se o seguinte parecer:
“Em face do que antecede, é nosso entendimento que os elementos a declarar durante o corrente mês de Junho estão de harmonia com os preceitos legais vigentes nessa ex-colónia portuguesa; é evidente que, salvo acordo ou determinação legal das actuais autoridades desse Estado, os preceitos legais referidos como aplicáveis à actividade do Banco durante todo o ano de 1974, são de aplicar, pelo menos, até à data da proclamação da independência desse território".

Nesta documentação avulsa, encontra-se a fotocópia de uma notícia publicada no vespertino Diário de Lisboa, com a data de 30 de julho de 1976, com o seguinte título: Técnicos portugueses negoceiam nacionalização de duas empresas.
Notícia com a seguinte redação:
“Encontram-se em Bissau dois técnicos portugueses para conduzir as negociações com o Governo da Guiné-Bissau para a nacionalização da Sociedade Comercial Ultramarina, do capital social desta empresa comercial, a segunda do país, depois da Casa Gouveia, já integrada nos Armazéns do Povo, 80% ficará para o Estado guineense e os restantes 20% para uma companhia portuguesa de sabões do grupo CUF.
Foram entretanto transferidos para os Armazéns do Povo os bens da empresa Barbosa e Comandita. A integração fez-se a pedido e por iniciativa dos antigos proprietários, devido às dificuldades encontradas para a realização dos lucros anteriormente auferidos. Segundo o Comissário de Estado do Comércio, Armando Ramos, ‘nenhuma destas empresas tinha possibilidades de sobreviver sem a intervenção do Estado para transformar as suas estruturas. Isto porque os moldes em que foram implantadas na nossa terra estão em desacordo com os princípios da nossa sociedade que estamos a criar’. A Sociedade Comercial Ultramarina começara como sociedade por quotas, com o capital social de 500 contos. Mas com a subida vertiginosa dos lucros, o capital foi sendo aumentado até chegar a 100 mil contos e até assumir a forma de sociedade anónima. Dedicava-se ao comércio de exportação, mas na fase final passou também a explorar o comércio interno e pequenas unidades industriais. Possui 54 postos de venda espalhados pelo País e emprega 672 trabalhadores efectivos”.

Assim se encerra a consulta à documentação avulsa do Arquivo Histórico do BNU.

A derradeira parte deste trabalho tem a ver com a documentação do BNU para a transferência do património para a Guiné-Bissau, documentação extensa, a que procedemos necessariamente a uma simplificação dos elementos considerados mais pertinentes, até ao momento em que o BNU da Guiné se extinguiu e passou a estar integrado no Banco Nacional da Guiné-Bissau.

(Continua)

Foto 1

Foto 2

Foto 3

Foto 4

Comentários de Lúcia Bayan, investigadora da etnia Felupe, que amavelmente cedeu estas imagens para o nosso blogue, agradeço-lhe em nome de todos esta prova de consideração:

Os jogos tradicionais entre Felupes

As sociedades tradicionais africanas, como a Felupe, utilizam estratégias próprias para a educação e integração dos jovens na organização social. É sabido que os Felupes prezam muito a liberdade individual, mas sempre limitada por regras e valores sociais. Um exemplo é “meter a mão em seara alheia”, considerado um dos maiores crimes, podendo ser penalizado com expulsão da tabanca. Desta forma, em chão Felupe, raramente alguém é roubado. A eficácia do método felupe para resolver estas questões tem levado a que seja adotado em algumas povoações multiculturais, como, por exemplo, em São Domingos.

Uma das estratégias felupe para educar as suas crianças e jovens e os integrar na sua organização social são os jogos e as lutas. Dos primeiros ficam aqui fotos de dois: o jogo das vacas e um jogo, que não sei o nome, mas é do género do “Seega”, um jogo de tabuleiro tradicional jogado em partes do Norte e da África Ocidental, por dois jogadores, num tabuleiro de 5×5, geralmente com pedras. Um exemplo deste jogo pode ser visto aqui: https://elegbaraguine.wordpress.com/2015/02/11/jogos-africanos/.

O jogo das vacas é jogado por dois jogadores, munido cada um de um pequeno pau com um fruto espetado numa ponta, simbolizando uma vaca, e consiste numa luta de vacas. Indicado para rapazes da 2.ª classe de idade (dos 5 aos 12 anos), este jogo, além da função lúdica, visa desenvolver as capacidades necessárias para estes rapazes exercerem a principal obrigação desta classe de idade, pastorear e tomar conta do gado, e também o início da sua preparação como guerreiros.

O jogo do Seega visa estimular o raciocínio lógico matemático e cognitivo. Na sociedade Felupe, o tabuleiro é o chão, onde são escavados 25 pequenos buracos e as 12 pedras, que não existem em chão de areia, foram trocadas por paus ou palhas, num jogo indicado a adultos e crianças. As três fotos mostram três homens a jogar (foto 1), um adulto a ensinar crianças (foto 2) e estas a jogarem (foto 3).
____________

Nota do editor

Poste anterior de 8 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19562: Notas de leitura (1156): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (76) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 13 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19581: Notas de leitura (1158): o caso do jornal diário "O Arauto", extinto em 1968, num artigo da doutora Isadora Ataíde Fonseca, sobre a imprensa na época colonial (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19587: (D)o outro lado do combate (47): A Missão especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - Parte II: capa + pp. 4-8





1. Continuação da publicação, para conhecimento e análise crítica dos nossos leitores, do relatório, de 11 (onze) páginas,  policopiado, que tem por título em português "A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril de 1972" (*). É uma versão, mais resumida do original, "Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonization after visiting the liberated Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972)".

A cópia, em papel, de que dispomos foi-nos fornecida, com vista a uma eventual publicação no blogue, pelo nosso camarada António Graça de Abreu, por volta de 2010, na sequência dos comentários ao poste P5680 (**)

O documento que agora estamos a publicar parece corresponder à seguinte referência  que encontramos  na base de dados bibliográfica do CIDAC - Centro De Intervenção Para O Desenvolvimento Amílcar Cabral:

BAC-051/2

CIDAC

BORJA, Horácio Sevilla ; LOFGREN, Folke ; BELKHIRIA, Kamel
A Missão especial da ONU na Guiné Bissau, Abril 72 / Horácio Sevilla Borja, Folke Lofgren, Kamel Belkhiria . - [S.l.] : PAIGC, 1972. - 11 p

Portanto, a edição é atribuída ao PAIGC. É uma edição tosca, para não dizer mesmo, "pirata", do relatório da Missão Especial. Mas as partes traduzidas em português correspondem ao original em inglês. Não sabemos de quem é a tradução. Há diversos erros quer de datilografia quer de português. A autoria é atribuída aos três membros da Missão Especial, os diplomatas Horácio Sevilla Borja (Equador), Folke Lögfren (Suécia) e Kamel Belkhiria (Tunísia).

Não sabemos a origem do documento: o António Graça de Abreu poderá explicar-nos. É possível que tenha circulado antes do 25 de Abril, clandestinamente. De qualquer modo, é ainda pouco conhecido, ao fim destes anos todos. No tempo da ditadura, com o país em guerra, era impensável a censura deixar passar, na imprensa, referências detalhadas a esta Missão Especial da ONU e, muito menos, ao seu relatório. 

Em abril de 1972 ninguém sabia (nem podia saber...) desta "missão". De resto, o medo dos portgueses era...  "a guerra do Vietname" e a iminente derrota militar dos Estados Unidos: vejam-se os títulos de caixa alta dos jornais da época... "Guiné ?... Isso é longe do Vietname", ironizavamos nós, em 1969, no bar de sargentos de Bambadinca...

Os três membros do Comité Especial de Descolonização da ONU, mais dois membros do "staff" da ONU,  visitaram as "áreas libertadas da Guiné-Bissau" (sic), de 2 a 8 de abril de 1972, antes da época das chuvas, a convite do PAIGC, e à revelia do Governo Português. Claro que a missão tinha que ser secreta, por razões de segurança. Nesse curto espaço de tempo (menos de um semana), terão percorrido  200 quilómetros, quase sempre a pé, visitando 9 localidades diferentes, numa parte restrita da Região de Tombali:  sectores de Bedanda, Catió e Quitafine.

Os diplomatas focaram a sua atenção nas estruturas militares, tabancas,  escolas e armazéns, e fizeram depois apreciações, que constam no relatório, sobre "a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional". Os membros da missão vestiam fardas militares, com insígnias das Nações Unidas, e tiveram escolta de um bigrupo reforçado do PAIGC (cerca de 60 homens armados) sob o comando do Constantino Teixeira. 

No regresso, já a 6 de abril, a escolta passou a ser de 200 homens, provavelmente com o receio de alguma ação militar portuguesa com vista a capturar os diplomatas.

A principal base do PAIGC referida no relatório, dentro do território da então província da Guiné, era na zona de Balana / Gandembel, ou seja, no corredor de Guileje.

Já agora ficam aqui os nomes e os cargos dos cinco elementos que compuseram a Missão:

(...) Mr. Horacio Sevilla-Borja, Deputy Permanent Representative of Ecuador to
the United Nations (Chairman)~

Mr. Folke Löfgren, First Secretary of the Permanent Mission of Sweden to the
United Nations

Mr. Kamel Belkhiria, First Secretary of the Permanent Mission of Tunisia to
the United Nations

The Special Mission was accompanied by the following Secretariat staff: 

Mr Cheikh Tidiane Gaye (Principal Secretary) and Mr. Yutaka Nagata (photographer). 

(Fonte: relatório original em inglês)

Publicam-se mais 5 páginas do documento supracitado (pp. 4-8).

Repare-se no cuidado que o PAIGC teve com a segurança dos elementos da Missão Especial:  foram escoltados, à partida, por uma força de 60 guerrilheiros, de 1 a 3 de abril; na noite de 3 de abril, na viagem, da base central em Balana (corredor de Guileje) até ao setor de Cubucaré (zona de Catió), tiveram uma escolta de mais de 400 homens armados; na tarde de 6 de abril, iniciam a viagem de volta (até à fronteira com regressso a Conacri,via Kandiafara e Boké), com uma escolta armada de 200 homens...

O PAIGC levava a sério as forças armadas portugueses... O que não o impediu de, muito possivelmente,  encenar algumas situações para "onusiano ver": a Missão especial passa pela aldeia de Botche [Boche] Djate [Jate] [, vd. carta de Bedanda], por entre ruínas  das palhotas recém-queimadas, celeiros destruídos, grande quantidade de arroz queimada... E neste cenário não podia faltar uma bomba da FAP,  daquelas que não explodiam... A Missão tomou nota das inscrições na bomba: "The bomb bore the following markings: MI-7, 61A; TNT; BPE-I-124; 8/69; 50-7KG-0.035-M3."...

Atenção: o original tem 10 anexos, onde não faltam os itinerários, as datas e as horas e locais das visitas e entrevistas, a lista (fornecido pelo PAIGC) do armamento usado pelas Forças Armadas Portugueses, o  mapa da Guiné-Bissau (fornecida pelo PAIG), a lista (parcial) de filmes, livros e artigos sobre as "áreas libertadas", as fotografias tiradas pela Missão, e até os formulários usados pela administração nas "áreas libertadas"... 

O relatório do secretário geral do PAIGC sobre "a agressão (portuguesa) contra a Missão Especial da ONU" é o anexo III, reproduzido a seguir, mas que não faz parte do corpo do relatório no original...


(Continuação) (**)






-7-

-8-


(Continua)

________________

quinta-feira, 14 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19586: (D)o outro lado do combate (46): A Missão especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - Parte I: capa + pp. 1-3



Capa do relatório, de 11 (onze) páginas do relatório, policopiado que é uma versão portuguesa contendo a parte principal do "Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonization after visiting the liberated Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972)"... 



1. Ainda não encontramos, na Net,  o documento original, em inglês, do Comité Especial para a Descolonização, das Nações Unidas, que visitou as "áreas libertadas" da Guiné-Bissau, em plena guerra colonial, em abril de 1972, a convite de...Amílcar Cabral. Ou, melhor, temos encontrado excertos... Mas o relatório original, em inglês,  está documentado com fotos, mapas, itinerários, etc.

A cópia, em papel,  de que dispomos foi-nos fornecida há anos [, por volta de 2010, na sequência dos comentários ao poste P5680 (*), e não foram poucos: cerca de duas dezenas e meia!] pelo nosso camarada António Graça de Abreu, com vista a uma eventual publicação no blogue.

O documento é capaz de corresponder à seguinte referência bibliográfica que encontramos no portal das Memórias de África e de Oriente:

BORJA, Horácio Sevilla - A missão especial da ONU na Guiné Bissau, Abril 72 / Horácio Sevilla Borja, Folke Lofgren, Kamel Belkhiria. - [S.l.] : PAIGC, 1972. - 11 p.. - Corresponde a: Relatório [...]
Cota: BAC-135|CIDAC.

A iniciativa da sua publicação e divulgação, em Portugal, logo na época, deve ter pertencido ao CIDAC - Centro De Intervenção Para O Desenvolvimento Amílcar Cabral, com sede em Lisboa. Aliás, o o documento, de 11 páginas, consta da sua base de dados bibliográfica.

Logo na página não numerada, entre a capa e a página 1, se explica qual é  a natureza e a autoria do documento:

(i) o texto editado, em português,  é "a parte principal do relatório escrito e apresentado pela Missão Especial";

(ii) três membros do Comité Especial de Descolonização da ONU visitaram as "áreas libertadas da Guiné-Bissau" (sic), de 2 a 8 de abril de 1972, a convite do PAIGC;

(iii) nesse curto espaço de tempo (menos de um semana), terão percorrido 200 quilómetros (ida e volta), quase sempre a pé, visitando 9 localidades diferentes (o que, convenhamos, é obra para quem, como nós conheceu a Guiné, ou uma parte dela, a "penantes" ou de "viatura militar": Unimog, GMC, Berliet, Jeep...);

(iv) o objetivo da visita, que se fez à revelia do governo português de então, e sob protesto deste, era "assegurar informações em primeira mão sobre as condições nas áreas libertadas" (sic) e, simultaneamente, "averiguar as intenções e aspirações do povo no que respeita ao seu futuro";

(v) além de dois  funcionários da ONU (,1 secretário e 1 fotógrafo),  os membros da missão eram  os seguintes diplomatas: Horácio Sevilla Borja (Equador), Folke Lögfren (Suécia) e Kamel Belkhiria (Tunísia); Borja foi o relator principal. (É hoje representante permanente do seu país na ONU, tendo sido até 2016, embaixador residente no Brasil.)

A edição do documento é atribuída. pelo CIDAC, ao PAIGC. Amílcar Cabral fez o que  lhe competia e convinha: tirou o máximo proveito  propagandístico desta polémica missão a que já nos referimos em poste anterior (*).
"
O documento, policopiado,  que agora reproduzimos tem a página 2 está pouco legível, as restantes estão com qualidade aceitável. Na página 2,  reconstituímos alguns parágrafos. O relatório foi digitalizado pelo nosso editor Luís Graça. Damos hoje início à sua publicação (, nove anos depois!...), esperando entretanto os preciosos comentários dos nossos leitores, e nomeadamente os que conheceram a região de Tombali, e em particular o "corredor de Guileje" por onde andaram os visitantes...vindos de (e regressados a) Conacri-Boké-Kandiafara. 

Na capa vem um mapa da Guiné, com o território assim distribuído: (i) "áreas libertadas"; (ii) "áreas onde há luta"; (iii) "áreas controladas pelo exército colonial português"; e (iv) "aquartelamentos do exército colonial"... Presume-se que o mapa seja da autoria do PAIGC e se reporte à situação militar no 1º trimestre de 1972. 

Salta logo à vista que faltam, no que diz respeito às posições das  NT em 1972,  inúmeros aquartelamentos, destacamentos e tabancas em autodefesa, com pelotões de milícia, em todas as três grandes regiões: Norte, Leste e Sul...Logo no setor L1, que eu conheci: há só referência a Bambadinca e Saltinho, faltam 3 importantes aquartelamentos (Xime, Mansambo e Xitole), fora os destacamentos do exército e das milícias...


2. Recorde-se o que aqui, neste blogue, já foi dito em 2010, no poste P568o (*): esta missão decorreu no sul, na atual região de Tombali. Representou para Amílcar Cabarl e o seu Partido uma suas maiores vitórias diplomáticas. A Região de Tombali engloba, hoje, os sectores de Bedanda, Catió, Como, Quebo e Quitafine, tendo um total de cerca de 3700 km2 e 90 mil habitantes. Na época teria muitíssimo menos população.

A missão da ONU  restringiu-se à zonas de Bedanda,  Catió  e Quitafine. Os diplomatas  focaram a sua atenção nas estruturas militares, aldeias, escolas e armazéns, e fizeram depois apreciações, que constam no relatório, sobre "a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional".  Os membros da missão vestiam fardas militares, com insígnias das Nações Unidas, e tiveram escolta de um bigrupo reforçado do PAIGC (cerca de 60 homens armados) sob o comando do Constantino Teixeira.

O(s) autor(es) do relatório inclui(em), nesta síntese, excertos de um relatório de Amílcar Cabral sobre "a agressão [portuguesa] contra a Missão Especial da ONU" (pág. 5, vd. no próximo poste)... Os números que utiliza são fantasiosos,  e faz referência as meios, alegadamente utilizados pelas NT que já não existiam, ou não existiam de todo no CTIG: por exemplo, os aviões de combate F-86 F, a artilharia de 130 mm... (confusão com a peça 11.4 e o obus 14).

Sabe-se qual foi a musculada resposta de Spínola, alguns meses depois: a decisão de reocupar o mítico Cantanhez, que o PAIGC controlava desde 1966, em termos territoriais e populacionais... A Op Grande Empresa, conduzida pelo recém-criado COP 4, teve início em 8 de Dezembro de 1972, com desembarque de forças e a sua instalação nas tabancas de Cadique Ialala, Caboxanque e Cadique. Seria também ocupada a região de Jemberém e construída uma estrada táctica a ligar as duas margens da península do Cantanhez...

Na sua mensagem de Ano Novo 1973, Amílcar Cabral denuncia e reconhece as tentativas de reocupação do Cantanhez, aos microfones da Rádio Libertação, três semanas antes de ser assassinado (Oiça-se o registo aúdio, disponível no Dossier Amílcar Cabral, da Fundação Mário Soares).





Página não numerada, que antecede a página 1 do documento, de 11 págunas e que vem a seguir à capa.





[resta, pântanos e savana. Durate o percurso, a Missão atrvessou três ribeiros e rios e cruzou numerosos arrozais. Algumas horas antes do amanhecer de 3 de Abril, a Missão chegou ao seu primeiro destino, no coração das florestas do setor Balana, uma base do exército do PAIGC, fortemente guardada,  formada por várias tendas,  cabanas e barracas, que é o Quartel General do Comissariado Político para a Região Sul.  Aqui a Missão encontrou , entre outros, os seguintes líderes e membros do Comité Executivo:  João Bernardo Vieira (Nino), comandante do exército de libertação; Vasco Cabral, ideó.]



[feitos por atilharia pesada: as culturas tinham sido destruídas com napalm e havia muitas palhotas e celeiros destruídos. Durante o percurso a Missão visitou a aldeia de Ien-Kuntei que foi totalmente destruída no dia seguinte por bombardeamentos aéreos, e passou a 2 km do acampamento militar português de Bedanda.

Na manhã de  4 de Abril, a Missão chegou à escola  Areolino Lopes Cruz, no sector Cubucaré (região Catió), onde ficou duas noites. Esta escola, que tem o nome de um dos primeiros professores mortos durante um ataque dos portugueses, ministra o ensino primário a 65 alunos, entre os 10 e os 15 anos. A maioria dos alunos são órfãos ou filhos dos soldados do PAIGC. Por]




(Continua)

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de janeiro de  2010 > Guiné 63/74 - P5680: Efemérides (41): No 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral, recordando o sucesso diplomático que foi a visita da missão da ONU às regiões libertadas, no sul, 2-8 de Abril de 1972


Na altura, em 22/1/2010, o António Graça de Abreu escreveu o seguinte, em comentário:

(...) Já havia esquecido, mas ontem fui aos meus papéis velhos sobre a Guiné e lá encontrei o relatório da "Missão especial da ONU na Guiné, Abril de 1972."

Está aqui comigo e recomendo a leitura e entendimentos a todos os que passámos pela Guiné na fase final do conflito. Esclarecedor, brilhante, também angustiante.As verdades dos factos. Talvez a publicar no blogue mas são dez páginas em A 4.

Em anexo ao texto dos homens da ONU, são publicados excertos do relatório então escrito por Amílcar Cabral sobre a visita dos homens da ONU.  No nosso blogue temos tido o gosto (eu não) de denegrir a capacidade militar das NT (Guileje, a guerra militarmente perdida, perdida em termos militares, etc.). Pois Amílcar Cabral faz exactamente o contrário, exalta e exagera a capacidade militar das tropas portuguesas em Abril de 1972.

Leiam as palavras de Amilcar Cabral no seu relatório sobre Missão da ONU:  "No dia seguinta da partida da missão (da ONU), o estado Maior Português, declarou o estado de prevenção para os 45.000 militares das tropas coloniais existentes no nosso país, dos quais 15.000 se encontram acampados no Sul (...) 10.000 homens das tropas especiais foram transportados durante alguns dias de Bissau para o Sul. Se juntarmos as forças da aviação e da marinha que operaram no decurso da agressão, o número total de homens mobilizados foi da ordem de 30.000."

Isto num pequeno país onde, segundo a missão da ONU,  3/4 do território eram "zonas libertadas pelo PAIGC" que dispunha de 5 a 6 mil combatentes, e onde (agora em Janeiro de 2010) segundo a opinião do diplomata equatoriano da ONU que fez parte da missão, os portugueses, "entrincheirados nos  seus quartéis" apenas "se deslocavam por via aérea."
Tanto dado falsificado! Difícil fazer a nossa História e a dos povos da nossa Guiné!" (...)


(**) Último poste da série > 27 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19536: (D)o outro lado do combate (45): A morte de Rui Djassi - II (e última) Parte - A Op Alvor, península de Gampará, de 22 a 26 de abril de 1964 (Jorge Araújo)