quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20122: (De)Caras (135): Carlos Marques de Oliveira, membro da Magnífica Tabanca da Linha, ex-fur mil, Pel Mort 2115, 5º Pel Art e 7º Pel Art (Catió e Cabedu, 1969/71): tive o privilégio de comandar valentes artilheiros


Guiné > Região de Quínara > Fulacundia > Obús 10.5 [ Foto do álbum de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)]

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do nosso camarada Carlos Marques de Oliveira, membro de A Magnífica Tabanca da Linha (desde  2 de maio de 2017), natural de Lisboa, vivendo em Sintra [, tem página no Facebook, temos cerca de 150 amigos em comum: fica desde já convidado para integrar, de pleno direito, a Tabanca Grande, com o nº 796, a seguir ao Domingos Robalo, o nº 795] (*)


Meu caro Domingos Robalo, felicito-o pelo poste sobre a artilharia na Guiné. (*)

O mundo é pequeno. Para além de termos viajado no Niassa de 7 a 12 de Maio de 1969, foi meu instrutor na BAC1/GAC7, quando da minha formação artilheira, de recurso. Fiz parte do grupo de Furriéis e Alféres Milicianos Armas Pesadas de Infantaria que recebeu instrução de Materiais e Tiro de Artilharia tendo sido colocado no 5º Pel Art  em Cabedu e mais tarde, por falecimento em combate do 2º Sarg. Issa Jau, no 7º Pel Art  em Catió. 

Tive a honra e o privilégio de comandar valentes artilheiros. Conheci pessoalmente o Sarg. Issa Jau, que admirei, pois o meu Pel Mort 2115 foi colocado de reforço ao BART 2865 em Catió. 

Na fotografia dos artilheiros de Catió está o então major de artilharia António José de Mello Machado, 2º Cmdt do BART 2865,  mais tarde promovido a ten cor,  passando a comandar o BART até final de comissão. (*)

Meu caro Luis Graça, obrigado pela possibilidade que nos tens dado de podermos partilhar e recordar tanto do que todos nós , os que estivemos na Guiné , temos de comum. Tanto que temos para conversar. 

Um abraço,  Domingos Robalo, e quero que saiba que a instrução que recebemos valeu a pena. Não o deixámos ficar mal.

Carlos Marques de Oliveira (**)
Magnífica Tabanca da Linha
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Guiné 61/74 - P20121: Historiografia da presença portuguesa em África (175): O jornal Bolamense, fonte de informação e cultura (1956-1963) (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Um dia, em conversa com o nosso estimável camarada António Estácio, estava ele a escrever sobre Bolama, referiu-me a importância de se conhecer os conteúdos do Bolamense.
Chegou a hora, li na íntegra todos os números na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. A História de Bolama entre 1956 e 1963 ganha mais luminosidade, caminhava para um escombro quando, fruto da guerra subversiva, escolheu-se Bolama para centro de instrução militar. E havia o turismo, a praia do Ofir, que o jornal tece os maiores encómios. Era publicação nacionalista sem rodeios, os discursos de Salazar eram publicados na íntegra. E havia a cultura, de que neste e no próximo texto se dará notícia.
Vale mesmo muito a pena ler o Bolamense.

Um abraço do
Mário


O jornal Bolamense, fonte de informação e cultura (1956-1963) (1)

Beja Santos

O primeiro número deste jornal publicado em Bolama data de 1 de agosto de 1956, trazia uma consigna: “Servimos Bolama, os governos da Província e toda a família guineense”. O jornal irá desaparecer em 1963, do que se consultou os editores não deram quaisquer explicações. Era oficioso, nacionalista, teimava pela causa de Bolama, por tudo e por nada. Quando o Instituto Honório Barreto passou a liceu, reclamou-se um liceu para Bolama. Pedia-se colaboração a pessoas entendidas e conhecedoras, Teixeira da Mota foi um deles. Folheando a coleção existente, dá para perceber que havia pouca publicidade, Bolama já estava na mó de baixo, com a ascensão do nacionalismo e a chegada da tropa a Bolama, a cidade ia reagindo, falava-se em turismo, nas belezas do arquipélago, a praia de Ofir parecia rivalizar com Varela, o leitor apercebe-se que havia dificuldades em arranjar bons conteúdos, a redação socorria-se de fotografias entre outras do fotógrafo Geraldo, qualquer conferência era motivo de duas a três detalhadas páginas, o Intendente Santos Lima foi promovido a inspetor, logo uma basta notícia, o jornalista Armando de Aguiar, natural de Bolama visita a sua terra natal e fez uma opípara conferência, casa cheia. Veio a guerra subversiva, e o jornal hasteou a bandeira da sua causa: “Os nossos territórios ultramarinos são a impiedosa cobiça dos desvairados blocos mundiais que se gladiam em feroz luta e por isso reconheçamos no passado as virtudes do presente e unamo-nos sem reservas, nem críticas maldosas, para o bem comum que é o da Guiné, cônscios do dever a cumprir numa tranquilidade de espírito cheia de altos impulsos e de novos sentimentos e não de outros que só deprimem, destroem e desorientam!”.

Para se avaliar o que o leitor pode encontrar com grande interesse cultural na curta vida deste periódico vamos fazer referência a subsídios para a história da ilha de Bolama, da autoria de António Pereira Cardoso, um administrador colonial que era possuidor de raridades, um artigo de Ruy Barreto sobre o fanado Bijagó e um artigo de Teixeira da Mota intitulado “A morte de dois franciscanos setecentistas, na Guiné”, ao tempo, o Comandante Teixeira da Mota era deputado da Nação pela Guiné.

Comecemos pelo trabalho de António Pereira Cardoso, que publica algumas epístolas. A primeira data de Bolama, de 26 de agosto de 1858, assina José Carlos Rebello Cabral, comandante de Marinha Mercante e dirigida a Honório Pereira Barreto. Informa-o que chegara um vapor de guerra inglês, desembarca um 1.º Tenente, arvorara bandeiras britânicas que foram içadas com três tiros de peça a bordo, o tenente percorreu as pequenas povoações e voltou a embarcar, regressou mais tarde e levou para bordo o agricultor João Marques de Barros, preso. E a carta termina assim: “Não sei isto em que acabará, e por isso me apresso a participar a V. Ex.ª pedindo-lhe por parte do Sr. Barros o seu socorro e auxílio para ele, antes que as coisas subam a mais, quer dizer ao ponto de o levarem preso a bordo, para a Gâmbia ou Serra Leoa, por alguma injusta quimera. Nada mais se oferece dizer a V.ª Ex.ª nesta triste situação, em que tanto carecemos dos seus conselhos e incansável auxílio”. Pelo meio, ficamos a saber que o tenente falava na libertação de cativos, era uma das moedas de arremesso dos ingleses, sabiam perfeitamente que ainda praticávamos a escravatura.

A segunda carta é também assinada por José Carlos Rebello Cabral e endereçada a João Marques de Barros. Pergunta-lhe se quer que mande a sua família para Bissau, refere que não está interessado em ficar em Bolama “por causa das intrigas do Manuel Barbosa a meu respeito e que eu já há muito sabia tudo”. E assim termina: “Estimo a sua saúde e felicidade, tal como para mim, e que agora tenha a força necessária para suportar estes pequenos incidentes da vida, e adeus até à vista”.

A terceira carta datada de 30 de agosto de 1858 é dirigida novamente a Honório Pereira Barreto: “Esta só serve para agradecer quanto em mim cabe o obsequioso serviço que V. Ex.ª fizera ao Sr. Barros, em consequência da que eu lhe tinha escrito em data de 26 do corrente; o que V. Ex.ª pode ficar certo é que eu nunca me cansarei em apregoar, se bem que a minha voz é ainda débil, nesta terra esquecida dos verdadeiros patriotas, a nossa infelicidade”.

Comenta António Pereira Cardoso que a violência levada a efeito em 26 de agosto de 1958 era injustificada, porquanto em 29 de abril daquele ano, D. Pedro V declarara livres os escravos portugueses, com obrigação de prestarem serviço aos seus senhores até abril de 1878.

O artigo de Ruy Barreto é sobre o fanado Bijagós dos Kanhocãs. E escreve:
“O Kanhocã é o indivíduo de idade compreendida entre os 15 e os 22 anos, aproximadamente. As cerimónias começam com batuques que duram vários dias e realizam-se em cada uma das tabancas onde há Kanhocãs. Estes apresentam-se durante o tempo das cerimónias com os melhores trajes: ‘lopés’ de couro cuidadosamente curtido e enfeitado, contas, grande variedade de efeitos metálicos, espelhos, campainhas, e na cabeça a conhecida cabeça de vaca. Após os dias de festa, que duram cerca de uma semana, chega o dia, previamente fixado, em que se vão sujeitar ao cerimonial, têm que dar entrada no mato em lugar retirado, onde são feitas barracas para abrigo dos rapazes.
É vulgaríssimo – e parece que até de tradição – verem-se os parentes do sexo feminino, aos quais é vedada a aproximação do mato, acompanharem, em alta grita e lavados em lágrimas, o ruidoso grupo dos homens que formam o cortejo dos Kanhocãs.

A classe dos Kamabis é a dos palhaços. Só se podem vestir de sarapilheira e, quanto mais suja for, melhor. E é de ver as tropelias que fazem e as brincadeiras que inventam. A cerimónia é iniciada por volta do princípio da tarde, com os mancebos de joelhos ou assentados, trajando unicamente um pequeno lopé. Cada Kamabi aparece armado de um bom molho de chicotes feitos de ramos flexíveis e bate em cada um com as chibatas, até que estas se quebrem.
Às vítimas só é permitido defender a cara, para o que só podem elevar o antebraço. Devem mostrar-se insensíveis à dor e vê-se alguém a ser sovado valentemente enquanto, sorridente, conversa com os circunstantes, indiferente ao sangue que corre pelo seu corpo. Grande glória é para aquele, e respectiva família, que suporta com mais valentia e, inversamente, é indizível a vergonha que provoca o que demonstre sofrimento.

Durante alguns dias permanecem os mancebos no mato, assistidos e tratados pelos mais velhos. Cerca de oito dias após a entrada no mato, regressam em visita às casas que tinham percorrido. Assim termina a primeira das duas cerimónias intervaladas de alguns anos a que têm de sujeitar-se os Kanhocãs antes de passarem a Kabarós, adultos".

(continua)


Duas fotografias de Francisco Nogueira, retiradas do livro “Bijagós, Património Arquitetónico”, Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.

Comandante Vasco Martins Rodrigues, Governador da Guiné entre 1962 e 1964. Foi efetivamente o último Governador da Guiné, sucede-lhe Arnaldo Schulz, Governador e Comandante-Chefe, acumulação que continuará com António de Spínola e Bettencourt Rodrigues. Imagem retirada do “Bolamense”.

Imagem retirada do “Bolamense”.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20104: Historiografia da presença portuguesa em África (173): “Dicionário da Expansão Portuguesa, 1415-1600” com direção de Francisco Contente Domingues, Círculo de Leitores, 2016 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20120: Facebook...ando (53): Grande foi a abnegação dos artilheiros no CTIG, a avaliar pelo que lá vivi e testemunhei (Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau e Fulacunda, 1969/71; reside em Almada)


O 7º Pel Art de Catió, comandando pelo 2º sargento Issa Jau, morto em combate em 27/2/1970. Na foto, o único elemento não guineense, na segunda fila, de pé, o terceiro a contar da esquerda, é o major art José Manuel Mello Machado (1928-2012),  2º cmdt e mais tarde comandante, depois de promovido a tenente coronel,  do BART 2865 (Catió, Cufar e Bedanda, fev 1969 - dez de 1970). 

Foto do cor art Mello Machado, reprodizida no poste P9514, de 21/2/2012. Presumimos que a fonte  seja: Mello Machado - Aviltafos e traídos: resposta a Costa Gomes. Lisboa: Editora Literal, 1977, 120 pp.



1. Comentário de Domingos Robalo, ao poste P20107, a partir da página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça (*);

[O Domingos Robalo tem página no Facebook desde março de 2009; vive em Almada, está ligado à Universidade Sénior Dom Sancho I, de Almada, onde faz voluntariadodo, desde julho de 2013, como professor da disciplina de "Cultura e Arte Naval"; é praticante de golfe; foi nosso camarada na Guiné, 1969/71; e fica desde já convidado a integrar a Tabanca Grande, com o nº 795; gostaríamos de ter o seu endereço de email e uma ou mais fotos do tempo do BAC 1 / GAC 7; temos dois amigos comuns,  os artilheiros João Martins e José Francisco Borrego] (**(

Fui artilheiro na Guiné (BAC1/GAC7),  de maio de 69 a maio de 1971.

Muito milicianos passaram por esta unidade artilheira daí que cada um tenha a sua história e o seu conhecimento não só em relação ao periodo em que prestou serviço, como também no lugar (leia-se Pel Art) em que esteve. 

Em agosto de 1969, estava eu colocado na sede em Bissau (BAC1), onde dava a especialidade de artilharia aos militares africanos que vinham com a recruta feita de Bolama, quando recebemos cerca de 2 dezenas de obuses 10,5 cm para reforçar as companhias distribuídas pelo TO. 

Em setembro de 1969, sou nomeado para dar instrução de artilharia a furriéis, sargentos e alferes pertencentes a pelotões de morteiro do TO. No início de outubro os obuses 10,5 cm começam a ser distribuídos pelo TO, em reforço a companhias e de forma a que todo o teatro de operações pudesse ser batido pela artilharia e entreajudarem-se entre si. 

Em outubro de 1969, sou nomeado para ir instalar um pelotão de artilharia em Fulacunda, a quem foi atribuído o nº 22, estava constituído o 22º  Pel Art e eu como comandante do mesmo, tendo o posto de furriel. Estive em Fulacunda até principio de maio de 1970, sendo colocado na sede em Bissau. 

No fim do mesmo mês, maio de 1970, sou destacado para uma operação em Cutia/Mansoa, para flagelar a mata do Morés (?). A artilharia flagelava de noite e a FA [Força Aérea] de dia. Nesse período, vêm a falecer os deputados à Assembleia Nacional que nos visitaram em Cutia [, José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra, Vicente de Abreu e Pinto Bull].(***)

Um dos deputados era pai de um camarada meu da artilharia que estava colocado em Catió, razão pela qual o deputado trocou com um outro para poder visitar o filho. Deslocação inglória, porque não se encontraram. 

Colocado na BAC1/GAC7 tenho entre muitas outras tarefas na sala de operações a incumbência de dar escola de cabos a naturais da Guiné e especialidade de artilharia a mais mancebos que vinham de Bolama. Outra das tarefas era a de participar nas principais operações de artilharia levadas a cabo no TO. Outra das missões coadjuvando o capitão Fradique, era a elaboração das cartas de tiro para todos os Pel Art do TO.

A observação do tiro era efetuada por DO - 27 da FA. De notar que os alferes e os furriéis tinham todos a mesma função nos seus pelotões, independentemente de terem a especialidade de Campanha, IOL ou PCT. Os pelotões estavam bem estruturados e as guarnições competentemente cumpriam com as suas tarefas. 

Participo nas cerimónias de passagem de BAC 1 para GAC 7, com a presença do Comandante Chefe e Governador, General Spínola. Nesse mesmo dia é dado à parada o nome do 2º Sargento Issa Jau, natural da Guiné e falecido em combate junto à sua boca de fogo [, em 27/2/1970; foi subtituído, no comando do Pel Art de Catió por Carlos Marques de Oliveira]

Eu próprio, sou mobilizado em março de 1969, já com dois cursos mobilizados, a seguir ao meu. Fui em rendição individual substituir o furriel A. Batista [, António da Conceição Dias Baptista], morto em combate em [14 de] fevereiro de 1969 juntamente com o alferes [, José Manuel de Araújo Gonçalves, natural de Lisboa], agarrados à boca de fogo depois de terem mandado os soldados para o abrigo. 

Na semana de carnaval do ano de 1971, participo na operação Mabecos,  em Piche [, Acção Mabecos, em 22 de fevereiro de 1971]. Nesta operação e durante a deslocação para o local onde viria a ser executada a flagelação,  somos emboscados ficando com alguns mortos e creio que dois soldados da companhia de Piche que nos dava proteção apanhados à mão, entre eles o soldado Fortunato que já vi entrevistado na televisão, tendo sido libertado após o 25 de abril. [ Duarte Dias Fortunato, ex-1º cabo at art,  CART 3332, 1970/72].

Esta pequena descrição não dá a ideia do que foi a abnegação dos artilheiros em todo o TO, pelo menos no periodo em que eu lá estive. Sei que, posteriormente, a guerra teve outro desfecho quando os Strela são utilizados pelo IN. 

Para finalizar, muito teria a contar mas o tempo já vai demasiado longo para recordações. Durante anos estes temas não eram abordados sob pena de sermos apelidados de reacionários. Com as redes sociais aparecem relatos aqui e ali, mas [nem sempre com] objectividade esclarecedora e muitas vezes analisando a guerra com as ideias de hoje.

É verdade que a nossa perspectiva mudou, mas nem isso deve fazer com que tenhamos vergonha da nossa passagem por África para uma guerra que, supostamente, seria para dar tempo ao poder politico para resolver a contenda. A descolonização terá tido efeitos mais nefastos que a própria guerra e quase 50 anos passados ainda temos relações frias entre povos, embora os governos digam que temos boas relações, o tanas. 

No pós 25 de abril, uma das coisas que mais me chocou com a descolonização foi o fuzilamento de muitos dos soldados a quem não devia ter sido negada a opção de ser português. Fuzilamentos em força, comandos africanos, milícias, artilheiros etc...etc.. Já vai longa a prosa.. 

Saudações de Artilheiro

Domingos Robalo
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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 19 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19994: Facebook...ando (52): Viva o STM - Serviço de Transmissões Militares, embora as nossas "comunicações" andem um bocado lentas... (Guilherme Morgado / Hélder Sousa)

(***) Vd. postes de:

10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

Guiné 61/74 - P20119: Parabéns a você (1677): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488 (Guiné, 1963/65); José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)



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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20117: Parabéns a você (1676): Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Guiné, 1973/74) e Luís Gonçalves Vaz, Amigo Grã-Tabanqueiro, ex-Fur Mil PE (EPC, 1983/84)

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20118: Agenda cultural (698): Rescaldo da Sessão Solene de apresentação do livro "Brunhoso, era o tempo das segadas, na Guiné, o capim ardia", de Francisco Baptista, levada a efeito no passado dia 24 de Agosto, em Mogadouro (José Ferreira da Silva)

Lançamento do livro do Camarada Alfero Francisco Baptista

“Brunhoso, era o tempo das segadas. Na Guiné, o capim ardia”




Em Mogadouro nunca se viu uma coisa assim. Eram 192 pessoas que se “aconchegaram” na Biblioteca Municipal Trindade Coelho para assistirem a este evento.




Familiares do Francisco Baptista acarinharam o acontecimento

Dezenas de Camaradas de Guerra, vieram do Porto, Matosinhos, Penafiel, Vila Real e Régua

Está de parabéns o Francisco Baptista, não só pela sua obra mas, também, pelo apoio e carinho que ali recebeu, quer do Município do Mogadouro, quer dos amigos e conterrâneos e, ainda, de outros vindos de outras lusitanas paragens. É de realçar a presença de 40 elementos do “Bando de ex-combatentes” (do Porto, de Penafiel, de Vila Real e da Régua) e, ainda, outros camaradas em representação da Tabanca de Matosinhos.

Vereadora Virgínia Vieira, Engº José Mário, Profª Regina Gouveia, Dr. Ricardo Figueiredo e Francisco Baptista 

Abriu a sessão a D. Virgínia Vieira, Vereadora da Cultura, que justificou a ausência do Presidente Francisco Guimarães e apresentou, na Mesa, os oradores intervenientes. Assumiu o papel de anfitriã, manifestando a satisfação do Município do Mogadouro, pelo honroso evento cultural e agradeceu a enorme presença de cidadãos. Lembrou, ainda, vários testemunhos contemporâneos e enalteceu a sua obra, a qual muito orgulha os Mogadourenses.

De seguida, brilhou, com a sua intervenção o Eng.º José Mário, escritor e homem de letras, bem conhecedor dos temas tratados no livro, sejam os relacionados com a guerra do ultramar, sejam os usos e costumes da região.

A Poetisa, Professora Regina Gouveia, esposa do camarada Fernando Gouveia, mostrou-se entendedora na arte de bem escrever e aproveitou para focar a qualidade literária do autor. Leu, na circunstância, alguns excertos do livro do Francisco Baptista, sublinhando que a qualidade literária dos mesmos se assemelha, também, ao de um poeta.

De seguida, assistimos à brilhante intervenção do camarada de guerra da Guiné Dr. Ricardo Figueiredo. Conhecedor profundo do tema militar, dissertou vários aspectos que visaram complementar a obra em apreço. Sublinhou a camaradagem existente entre os combatentes, socorrendo-se de um dos textos do Baptista, evidenciando a indesejada crueldade da guerra, os seus horrores e referiu a supremacia, em sede de armamento, do PAIGC. Terminou clamando a dignidade devida aos Combatentes do Ultramar pelo Governo da Nação.
Por fim, o autor Francisco Baptista, começou por justificar a a edição do livro, com origem nos textos publicados no Blogue de Luis Graça & Camaradas da Guiné.
Pretendendo realçar os textos publicados, acrescentou outros elementos bastante enriquecedores. Falou com bastante emoção de alguns episódios da Guiné e doutros episódios marcantes da sua terra natal.
Entretanto, aproveitou a ocasião para solicitar a colaboração de sua sobrinha e afilhada Inês Baptista Leite, para ler um texto que muito emocionou a assistência. Esse texto referia-se a uma homenagem póstuma ao seu sobrinho, cujo falecimento ocorreu em 2015, de forma abrupta (enfarte do miocárdio) e que a todos deixou entristecidos pela forma em que ocorreu, quando muito havia de esperar dele, pois tratava-se de um jovem, médico veterinário de profissão, com um enorme coração.
Visivelmente satisfeito, o Francisco Baptista preocupou-se em manifestar a sua gratidão à D. Virgínia Vieira, Vereadora da Cultura, à Dra. Marta, bibliotecária, às funcionárias da Biblioteca, ao povo de Brunhoso e a todos os seus habitantes, ao José Francisco, Presidente da Junta de Freguesia e a todos os autarcas da terra. Não esqueceu os amigos, que vieram de longe e de perto. Aos amigos que o ajudaram a apresentar o livro, à Regina Gouveia, ao Ricardo Figueiredo, ao cunhado José Mário. Não esqueceu Margarida Peixoto, uma senhora amiga e distinta, ligada ao Bando do Café Progresso através do seu saudoso marido, Joaquim Peixoto, falecido há cerca de um ano, acontecimento que deixou todos muito tristes. Não esqueceu o Bando do Café Progresso, coordenado pelo Jorge Teixeira, José Ferreira e Ricardo Figueiredo. Agradeceu, ainda, a presença dos vários elementos da Tabanca de Matosinhos.
E quando, no seu remate final, referiu que na Guiné por vezes gritávamos, como quem quer dar respiração à alma, propôs que, para ajudar a essa libertação, se cantasse “O Adeus Guiné” do conjunto Feirense “Armando Campos”, com um texto adaptado, mais actualizado. O Ricardo dirigiu com voz forte e mestria, ao microfone, acompanhado por um coro afinado de ex-Combatentes, com muita emoção. Houve aplausos entusiásticos de todos os presentes no final.
Foi uma festa linda.

A Lareira, bem gerida pelo patrão Chef Eliseu, esteve muito activa, mas não interferiu na agradável temperatura sentida no salão, contrariando com os 32º que imperavam no exterior

Nota final: Este evento teve o condão de proporcionar um excelente convívio dos amigos do Francisco Baptista, quer no almoço nos restaurantes A Lareira e O Cantinho, famosos pela Posta à Mirandesa, quer no Porto de Honra oferecido pela Edilidade nas excelentes instalações da Biblioteca Municipal. José Ferreira (Silva da Cart 1689)

Entrevista de Francisco Baptista à Localvisão Bragança que deu grande relevo ao acontecimento
Com a devida vénia



O interesse pelo livro foi bastante notório

Francisco Baptista com sua mulher Fátima Anjos, cortam o gigantesco bolo que assinala o inesquecível evento


O Porto de Honra, oferecido pela Câmara Municipal do Mogadouro, prolongou o agradável convívio

As ilustres: Júlia Gomes, Carminda Cancela, Margarida Peixoto e Luísa Valente, também conhecidas pela ligação aos “Bandalhos” Isolino Gomes, José Manuel Cancela, saudoso Joaquim Peixoto e José Manuel Lopes, respectivamente.



Algumas fotos do almoço que antecedeu o evento.

Dois camaradas contentes

O autor

(Agradece-se a colaboração fotográfica de:
- Município do Mogadouro
- José A. Sousa
- Fernando Súcio
- Luís Bateira
- José M. Cancela)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20062: Agenda cultural (697): Convite para a apresentação do livro "Brunhoso, Era o Tempo das Segadas - Na Guiné, o Capim Ardia", de Francisco Baptista, a levar a efeito no dia 24 de Agosto de 2019, pelas 15,00 horas, na Biblioteca Municipal Trindade Coelho, Rua dos Bombeiros Voluntários, Mogadouro

Guiné 61/74 - P20117: Parabéns a você (1676): Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Guiné, 1973/74) e Luís Gonçalves Vaz, Amigo Grã-Tabanqueiro, ex-Fur Mil PE (EPC, 1983/84)


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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20112: Parabéns a você (1675): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20116: Notas de leitura (1214): Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1627), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Não se deve esperar desta literatura de viagens uma qualquer visualização da Guiné do século XX, tal como a conhecemos. Estes navegadores e comerciantes partiam habitualmente da ilha de Santiago e percorriam a Costa naquilo que mais tarde veio ficar a ser conhecido por Grande Senegâmbia, ou seja, Senegal, Gâmbia, a atual Guiné-Bissau, a orla da Guiné-Conacri e a Serra Leoa. Repare-se como na descrição de André Donelha se fala livremente do reino da Etiópia, aliás vários autores falarão da região guineense dando-lhe o nome de Etiópia Menor. A Serra Leoa era fundamental por causa do ouro, naquele tempo ninguém falava em diamantes. A descrição de Donelha deixa bem claro que a nossa presença o que é hoje a Guiné era francamente residual.

Um abraço do
Mário


Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1625), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (2)

Beja Santos

Dando continuidade ao que há de melhor da literatura de viagens na Costa da Guiné, desde o século XV ao século XVII, dirigimos a atenção para um relato que, não podendo competir no brilho da observação da obra de André Álvares de Almada, complementa e enriquece muita informação anterior sobre as paragens entre o rio Senegal e a Serra Leoa. O Almirante Teixeira da Mota trabalhou arduamente neste documento e na investigação sobre o autor. Vamos agora dar a palavra a Donelha, perceber como o seu sentido crítico e a sua capacidade de observação se tornaram um valioso contributo para a literatura de viagens do século XVII. Logo no capítulo 2, falando de árvores, diz que as malagueteiras são umas árvores que dão boa madeira, altas; a casca pisada serve de estopa para os navios e dela se faz morrões e mexas para escopetas de boa brasa. Os frutos são umas malaguetas compridas como dedos de galinhas; Tem por dentro sementes e pimenta. O veludo é árvore de boa altura, dá boa madeira; o fruto do tamanho de um botão de veludo preto e dessa cor e afeição, tomada nas mãos engana a muitas pessoas por ser macio e parece ser veludo, mas não se come. Diz que há na Serra Leoa um unicórnio e Teixeira da Mota comenta assim:  
“Os primeiros portugueses que viajaram ao longo da costa da Serra Leoa trouxeram de perto do Cabo do Monte um cativo africano que em Lisboa asseverava que havia unicórnios na sua terra (leia-se Cadamosto); e em 1470 alicorne era um dos produtos da Guiné declarados como monopólio real. O produto era presumivelmente o chifre do rinoceronte, ainda que seja duvidoso que algum tenha sido obtido na Guiné”.

No capítulo 7 fala dos Sossos e Comchos e dos imperadores chamados Farins que há pelo sertão do nosso Guiné e do grande Mandimansa. Diz que os Sossos são muito belicosos guerreiros. A sua terra é rica de ouro, marfim, panos, ferro, gado vacum, carneiros. São grandes frecheiros; as suas frechas são de ferro, envenenadas. Fala igualmente de Farim Cabo, é o Farim que está mais ao Norte de todos, pelo sertão do rio da Gâmbia, a mais de 120 léguas, onde está o porto de Cantor, onde há grande resgate de ouro, cera e marfim. Este Farim em Mandinga. O outro Farim chama-se Farim Brasó, está sobre o rio grande de Bonabo, é também nação Mandinga. Este Farim é senhor de diversas nações – Casangas, Banhuns, Bramos, Balantas, Beafares e outras nações. Há um outro Farim que é o Farim Cocali que está sobre os Nalus e é também terra de grande resgate de ouro. Diz que das terras destes Farins vem todo o ouro que corre pelo nosso Guiné. Todos pagam um tributo ao grande Mandimansa, que é o monarca de toda a Etiópia. A este grande rei devem obediência os Fulas, Jalofos, Berbecins, Mandingas e todos os demais reis que há para além da Serra Leoa.

Diga-se a propósito que o topónimo Serra Leoa foi empregado pelos portugueses nos séculos XVI e XVII para designar uma longa extensão de cota da Guiné, normalmente do cabo da Verga ao cabo do Monte. A descrição de Donelha prossegue no rio Sanaga, província de Jalofos e diz que o rio de Sanaga é um dos três rios maiores que há no nosso Guiné. É muito largo, alto, todo de água doce; pode-se navegar por ele com naus grossas mais de cem léguas. Deste rio Sanaga para a banda do Sul corre o reino dos Jalofos. O seu rei intitula-se Grão Jalofo. A Costa dos Jalofos corre até ao Cabo Verde. E diz que os Jalofos é gente mui guerreira, mui valentes cavaleiros e mui destros a cavalo. Estes Jalofos eram gentios: há menos de 80 anos que tomaram a lei de Mafamede. Vivem no seu reino judeus portugueses e portugueses cristãos, que andam lá lançados.

Falando no do resgate e trato comercial, Donelha refere coiros, ceras, marfim e algum ouro, se lá vai navio das ilhas de Cabo Verde, como antigamente iam quatro ou cinco navios carregados de cavalos, lá se carregavam de escravos e outras coisas. Homens e mulheres andam bem vestidos, com sapatos mouriscos calçados.

Donelha prossegue viagem e fala-nos de Cantor, terra onde há grande resgate de tudo e refere o rei Fula Dulo Demba, que chegou ao reino dos Beafares em Guinala (Quínara e Forreá), nosso porto antigo do rio Grande de Buba, o melhor e da melhor escravatura e toda a Guiné. Saiu-lhe ao encontro Famena, rei dos Beafares, os Fulas foram vencidos, o rei Dula Demba morto, ficando tantos mortos e cativos, que, por memória, dos ossos dos mortos, depois dos corpos serem gastados das aves, fizeram os Beafares uma grande cerca.

Estamos finalmente no capítulo 14, descreve-se a viagem da costa que corre do rio de Gâmbia até ao de S. Domingos, depois rio Grande de Guinala e Biguba, diz-se que se passou do rio de Casamansa cujos habitantes são os Cassangas, ali há um rei mui ufano guerreiro, amigo dos brancos, mui liberal de nome Masatamba, que conquistou o reino dos Banhuns. Descreve costumes e diz-nos depois que Cacheu é terra dos Bramos e observa que o rei dava por um cavalo, se fosse bom, 10 a 15 negros. A viagem de Donelha prossegue até Bolama e depois dá-nos uma pormenorizada descrição da Guinala de cujo reino fala com detalhe, reconhecendo-lhe a importância para o comércio.

Da leitura que se faz desta descrição de Donelha depreende-se que os navegadores e mareantes tinham uma visão bastante fluída do território desta porção da costa Ocidental africana, não há um só documento que nos deixe uma ideia clara o que se entendia por “o nosso Guiné”. Acresce que a descrição deixa na sombra a presença de outros navegadores e comerciantes, neste tempo de domínio filipino o mais poderoso adversário eram os holandeses, seguindo-se os ingleses e os franceses. Não há uma menção à presença missionária mas há referências esporádicas a lançados e aos escassos representantes da Coroa. Em jeito de conclusão, a nossa presença episódica estende-se do rio Senegal à Serra Leoa, neste tempo aquilo que virá a ser a Guiné Portuguesa é um território longínquo, não mensurável.

Mapa de África datado de 1572 
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Notas do editor

Poste anterior de 26 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20095: Notas de leitura (1212): Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1625), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20109: Notas de leitura (1213): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (21) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20115: Manuscrito(s) (Luís Graça) (170): Viagens ao fundo da (minha) terra e outros lugares: Parte III: a vida são dois dias e a festa são três: o 6º encontro da família Ferreira...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Sitio da N. Sra. do Socorro > 31 de agosto de 2019 > Cerca de um centena de membros da família Ferreira participaram no seu 6º encontro anual (que se realiza desde 1985)... O próximo já está marcado para 29 de agosto de 2020.


A capela de Fandinhães, o que dela resta (o altar mor) (séc. XIII)






A capela de Fandinhães(séc. XIII); cachorro.apresentando um exibicionista, figura masculina representada nua e com a mão direita sobre os órgãos genitais.




Capela de Fandinhães (séc. XIII): o adro, uma das duas tampas sepulcrais, esta  com a representação de uma espada.


Marco de Canaveses > Penha Longa e Paços de Gaiolo > Fandinhães > Rota do Românico > 35. Capela de N. Sra. da Livração de Fandinhães (c. meados séc. XIII)




"Hoje titulada Capela da Senhora da Livração, a antiga Igreja de São Martinho de Fandinhães constitui um verdadeiro enigma. Quando o visitante se aproxima, vislumbra o que parece ser um edifício arruinado. 

"A tradição refere o seu desmantelamento e a documentação não o contradiz. As escavações arqueológicas (2016) confirmam-no por terem identificado os alicerces das paredes norte e sul da nave, na continuação do atualmente visível à superfície.


"Aqui se cruzam várias influências românicas. As figuras apoiadas em folhas salientes no portal encontram-se também nas Igrejas de Travanca (Amarante) e de Abragão (Penafiel). No adro veem-se vestígios de uma cornija sobre arquinhos, motivo comum no românico da bacia do Sousa, que a esta chegou via Coimbra. Os toros diédricos nas frestas evidenciam a influência portuense, provinda da região francesa de Limousin. As "beak-heads" [cabeça de animal com um bico proeminente] na fresta lateral sul lembram a influência do românico beneditino do eixo Braga-Rates.

"Embora a maior parte dos cachorros exiba motivos geométricos, um deles apresenta um exibicionista, figura masculina representada nua e com a mão direita sobre os órgãos genitais, motivo encontrado na Igreja de Tarouquela (Cinfães).

"No adro, duas tampas sepulcrais: uma com a representação de uma espada e outra com uma cruz inscrita." (Fonte: Rota do Românico > Capela de Nossa Senhora da livração de Fandinhães, com a devida vénia...)


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Pode vir a ter, talvez, no futuro,  algum interesse, documental, para a sociologia e a história da família em Portugal, as festas de família que se realizam anualmente, um pouco por toda a parte, no verão, no nosso país,em espaços públicos, ao ar livre, geralmente em parques de merendas.



Afinal, porque é que as famílias se encontram ? Para se conhecerem (os mais novos), para voltarem às "raízes" (os que vivem na cidade ou no estrangeiro), para matarem saudades (os que estão longe), para partilharem memórias e afetos, para recuperarem sabores e cheiros da infância / adolescência, para reforçarem laços de parentesco e aliança, para exercerem a arte do dom (a obrigação de dar, receber e retribuir), para dizerem bem e mal uns dos outros, para fazerem, nalguns casos, as pazes e enterrarem o machado de guerra, para conviverem, para se divertirem... enfim,  para celebrarem a vida e exorcizarem o medo da doença, da incapacidade, da dependência, da solidão,  da infelicidade e da morte...



É o caso da família Crispim & Crisóstomo (, que os nova-iorquinos João e Vilma Crisóstomo têm vindo a animar, no verão, em Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras, sempre que vêm a Portugal). Ou é o caso da família Ferreira, que tem o seu núcleo duro em Candoz, Tabanca de Candoz,  Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, a que o nosso editor, por casamento, com a Maria Alice Ferreira Carneiro (n. Candoz, 1945), se veio aliar em 1976, já lá vão mais de 4 décadas.



A família, alargada, da Alice (, que é Ferreira, do lado materno, e Carneiro, do lado paterno, ) reúe-se há 35 anos, no verão. Anteontem, dia 31 de agosto, juntaram-se  4ª gerações dos Ferreira e ficaram em comunhão espiritual com mais outras 4, que nasceram e cresceram nestas terras da bacia do Tâmega e Douro, pelo menos desde 1820.

O primeiro encontro foi a 29 de setembro de 1984, em Fandinhães, Paços de Gaiolo, terra antiquíssima, freguesia do extinto concelho de Bem-Viver, onde nasceu toda a 4ª geração, incluindo a Maria Ferreira, mãe da Alice e avó do João Graça, nossos grã-tabanqueiros.




Marco de Canaveses, Paços de Gaiolo, Fandinhães > 1984 > 1º encontro da família Ferreira > Ainda eram vivos os três casais dos quatro casais da 4ª geração: (i) António Ferreira ("Vitorino") e Amélia Rocha (com residência no Alto, Paredes de Viadores); (ii) Maria Ferreira e José Carneiro (residentes em Candoz, Paredes de Viadores); e (iii)  e Ana Ferreira e Joaquim Cardoso (residentes Cacia, Aveiro e, mais tarde, Leiria)...







O segundo encontro, no ano seguinte, em 1985, foi na serra de Montedeiras, no respetivo parque de merendes (, pertencente atualmente à freguesia de Sande e S. Lourenço do Douro, Marco de Canaveses). Enfim, perto de Fandinhães.



Por causa dos sucessivos "lutos" (, dos que morreram na sua idade, e dos que decidiram apressar a morte, e já foram três ou quatro!), os encontros interromperam-se, a partir desse ano, só se realizando o terceiro, em 10 de julho de 2011, em Paredes de Viadores, no parque de merendas da igreja de N. Sra. do Socorro. (Sim, que o luto é pesado, por estas bandas!)



O quarto encontro seria no mesmo local, dois anos depois, em 7 de setembro 2013; o quinto em 25 de agosto de 2018 e, agora, o sexto, em 31 de agosto de 2019. E o 7º já está marcado para 29 de agosto de 2020, sábado. 


35 anos depois do primeiro, parte da família (os mais novos...) ainda não tinha nascido.

Da geração nascida em Fandinhães, a 4ª (a contar de 1820), para além da Maria Ferreira (1913-1995), havia ainda os manos António Nunes Ferreira (1910-1990), Rosa Ferreira (1915-1960) e Ana Ferreira (1917-1995), todos filhos de Balbina Ferreira (1876-1938), casada com José Nunes Ferreira (,de alcunha ‘Vitorino’) (1875-1948).

O mais antigo Ferreira, até agora conhecido, é o avô da Balbina Ferreira, o João Ferreira(1821-1897), casado com Mariana Soares (1822-1895) (,considerada a 1ª geração), portanto:

(i) bisavô da Maria Ferreira;

(ii) trisavô do António Ferreira Carneiro;

(iii)  e tetravô das suas filhas (que são 4: Paula, Becas, Suzana, Romi);

(iv)  e pentavô dos filhos destas (que ainda não têm filhos);

(v) e  hexavô dos bisnetos da Rosa e do Quim [, Joaquim Barbosa,]  (um) e da Lena, viúva (dois)...




São estes as antepassados comuns, da família Ferreira, de Fandinhães, os conhecidos, por documentos escritos, os mais antigos, donos originalmente  das terras de Candoz e Leiroz: João e Mariana tiveram 6 filhos, 3 Ferreira e 3 Soares...

Enfim, quando se completar a árvore genealógica, ir-se-á descobrir que uma vulgaríssima família como os Ferreira é naturalmente muito mais velha, tão velha como qualquer outra família portuguesa aqui destas terras onde nasceu Portugal... (Não é por acaso que a rota do românico passa sobretudo pelos vales do Sousa e do Tâmega).
































Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Sitio da N. Sra. do Socorro > 31 de agosto de 2019 > 6º encontro da família Ferreira > Os elementos da festa...o pão, o vinho, a alegria, a música, a reinação, as cantigas à desgarrada, a dança, as crianças, oa adolescentes, os pais. os avós e os bisavós...Cada "família" trouxe o seu pestisco, que foi partilhado à mesa... Era já noitinha quando arrumou o trouxa e voltou às suas casas, uns mais perto, outros mais longe, com vontade de voltar no próximo ano, em 29 de agosto de 2020. Afinal, a vida são dois dias e a festa da vida deviam ser três... 




Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




No sábado passado, no, 6º encontro, marcaram presença cerca de uma centena de membros da família (, não couberam todos na fotografia que acima se publica, é praticamente impossível juntar todos para a "foto de família"):



(i) representantes da 5ª geração (a contar de 1820) (ou 4ª, a mais velha das gerações vivas), como o "mano mais velho", o António Ferreira Carneiro (n. 1939), o "brasileiro", filho de Maria Ferreira e José Carneiro (1910-1996); tudo gente na casa dos 70/80;  vários membros desta geração foram mobilizados para a guerra colonial / guerra do ultramar (Angola, Guiné, Moçambique): é o caso do "mano mais velho" da Tabanca de Candoz, o António, que esteve em Moçambique(1964/66), onde foi ferido com gravidade, sendo hoje DFA...

(ii) Representantes da 6ª geração (ou 3ª geração das 4 que estão vivas), como as filhas (quatro) do António e da Graça; tudo gente na casa dos 40/50;

(iii) Representantes da 7ª geração, a dos netos do António e da Graça; tudo gente na casa dos 10/20/30...

(iv) E já temos gente da 8ª geração: por exemplo, a matriarca Lena, prima da Alice,  trisnetas de João ferreira e Mariana Soares, sendo  a mais velha dos Ferreira vivos (n. 1935,  já é duas vezes bisavó);

Da 4ª geração, os pais da Alice, gente que hoje teria mais de 100 anos, não temos infelizmente já cá ninguém. Mas estão cá os seus descendentes:

(i) O mais velho era o António Nunes Ferreira, o ‘Vitorino’, o "brasileiro", que nasceu em 1910 e casou com Amélia Rocha, pais da Lena e outros;

(ii) A mais nova era a Ana Ferreira, nascida em 1917, e que casou com Joaquim Cardoso; tem netos e bisnetos no Brasil, que este ano não virão,mas também no Porto, em Aveiro, em Leiria...

(iii) As do meio eram a Maria Ferreira, que casou com José Carneiro; tiveram seis filhos, incluindo a Alice, que vive hoje na Lourinhã;




(iv) e a Rosa Ferreira, que casou com o José Vieira Mendes…

Em 2019, no 6º encontro, estava previsto publicar-se um livrinho com a árvore genealógica da família Ferreira, em edição revista e aumentada… Mais as receitas das nossas "comidinhas", as letras e as músicas das nossas "tunas rurais", bem como os "cantaréus"... Mas não tempo para tudo... Fica para o ano...




Este ano, como é habitual, não faltaram os comes e bebes, a música, a poesia, os afetos, a alegria, a dança, as paródias, as cantigas à desgarrada, a reinação...Sobretudo, elas, as "primas", são danadas para a brincadeira---



Por mera curiosidade, e para os eventuais leitores interessados, aqui ficam as quadras populares, encadeadas, que o poeta da Tabanca de Candoz, Luís Graça,  escreveu para a ocasião... 




1. 
Em Paredes de Viadores,
Temos encontro anual,
Os pequenos e os maiores
Da família Ferrei…ral!

2. 
Da família Ferrei…ral,
Vivos são quatro gerações,
Quem veio é bestial,

Quem não veio tem suas razões.

3.
Quem não veio tem suas razões,
Saúde, amores, dinheiro,
P’ra eles xicorações,
… Mas não dançam no terreiro.

4. 
Mas não dansam no terreiro,
Só dançam os qu’ aqui ‘stão, 
Os do Porto e os d’ Aveiro,
Mais os de cá do Marão.

5. 
Mais os de cá do Marão,
De Montemuro e da Abob’reira,
Do Brasil não virão,
E da Lour’nhã, a vez primeira.

6. 
E da Lour’nhã, a vez primeira,
Os tios Alice e Luís,
Ela é Carneiro e Ferreira,
E vai ser uma avó feliz.

7.
E vai ser uma avó feliz,
Entrando p’ró clube dos avós,
É a Rosa quem o diz,
Lá na Quinta de Candoz.

8. 
Lá na Quinta de Candoz,
Deu o bicho carpinteiro,
A notícia correu veloz,
Anda tudo muito foleiro.

9. 
Anda tudo muito foleiro,
Ai o meu braço, ai o meu joelho,
Queixam–se no cab’leireiro,
Ai que horrível ‘tou ao espelho.

10. 
Ai que horrível ‘tou ao espelho,
E já sou cinquentona,
A quem hei de pedir conselho ?
À ‘nha filha qu’ stá uma mocetona.

11. 
À ‘nha filha qu’ stá uma mocetona,
Quer casinha para casar,
E, como é uma valentona,
Muitos gajos p’ra namorar.

12. 
Muitos gajos p’ra namorar,
Ou só um, desde que rico,
Mas não sei como é que eu fico,
Longe de me poder reformar.

13. 
Longe de me poder reformar,
Queixam-se as nossas bonecas,
No duro, a trabalhar,
As sobrinhas Paula e Becas.

14. 
As sobrinhas Paula e Becas,
Da geração terceira,
Não são nada de panquecas,
Danadas p’rá brincadeira.

15. 
Danadas p’ra brincadeira,
Tal como os primos do Alto,
Tudo com costela Ferreira,
Para o baile, isto é um assalto.

16.
Para o baile, isto é um assalto,
Qu’a vida dois dias são só,
Diz, meio-soprano, contralto,
O nosso querido doutor Jó.

17. 
O nosso querido doutor Jó,
De filhas lindas escultor,
Mas do João não tenham dó,
Que a Catarina é um amor.

18. 
Que a Catarina é um amor,
Diz a Vera, a priminha,
P’ra vida ter mais sabor,
Vai-nos dar uma Clarinha.

19. 
Vai-nos dar uma Clarinha,
Que p’ro ano vem à festa,
Por ser também Ferreirinha,
E ter estrelinha na testa.

20. 
E ter estrelinha na testa,
É o Manel, neto da Zé,
Toda lampeira e lesta,
Que o batizo amanhã é.

21. 
Que o batizo amanhã é,
E até Deus ‘tá convidado,
Por ser um lindo bebé,
Diz o bisavô babado.

22.
Diz o bisavô babado,
O nosso Joaquim Barbosa,
Aos oitentas mais cansado,
Mas a vida é sempre gostosa.

23. 
Mas a vida é sempre gostosa,
Mais no Porto que em Barcelona,
Diz a Sofia, chorosa:
“Beijos, gato, da tua gatona.”

24. 
“Beijos, gato, da tua gatona”
Só pode ser p’ro Tiago
Anda ele numa fona
Só a mamã lhe dá afago.

25. 
Só a mamã lhe dá afago,
Que a coisa custa a passar,
Mas, ó homem cum carago,
Espanta os males, põe-te a tocar

26. 
Espanta os males, põe-te a tocar,
Viola ou acordeão,
Tua tristesa há de passar,
Diz-lhe o F’lipe, que é o irmão

27. 
Diz lhe o F’lipe, que é o irmão,
Outro dos nossos tocadores,
Primos são um batalhão,
E todos bons comedores.

28. 
E todos bem comedores,
Dos Mendes aos Cardoso,
Mão se acanhem, meus amores,
Que o arroz está gostoso.

29. 
Que o arroz está gostoso,
Parabéns à cozinheira,
E p’ra quem for mais guloso,
Temos o doce da Teixeira.

30. 
Temos o doce da Teixeira,
E nos versos deste poeta 
‘Tá a família toda inteira.
… Viva a festa, o resto é treta!

31. 
Viva a festa, o resto é tretas,
Viva a Lena, a matriarca,
Sortuda, tem duas bisnetas
E grande enxoval na arca.

32.
E grande enxoval na arca,
Já não têm gajas d’hoje,
Só querem roupas de marca,
Foge, moço, delas foge!

33. 
Foge, moço, delas foge,
Não é coisa que se diga,
Cada um tem o seu alforje,
Tanto rapaz como rapariga.

34. 
Tanto rapaz como rapariga
Cá da família Ferreira,
Não tem o rei na barriga,
Mas é gente de primeira.

35.
Mas é gente de primeira,
Qu’ honra seu antepassado,
E esta quadra é a derradeira,
A todos digo… obrigado!


Paredes de Viadores, sítio da Nª Srª do Socorro, parque de merendas, 31 de agosto de 2019


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Nota do editor: