quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20223: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (2): prevalência do HIV/SIDA; comportamento de risco e práticas socioculturais e tradicionais, que tornam mais vulnerável a população guineense face ao risco de transmissão de HIV/SIDA e outras DST



Guiné-Bissau > Bissau > HIV / SIDA > Dístico colocado sobre a estátua Maria da Fonte, na rotunda do Império, praça dos Heróis Nacionais, em Bissau. Foto de DW - Deutsche Welle / B. Darame. Com a devida vénia...



1. Mais alguns dados sobre a Guiné-Bissau, relativamente às "doenças sexualmente transmissíveis" (*), com destaque para o HIV / SIDA.


A fonte consultado é o relatório da CPLP sobre a Guiné-Bissau, e que corresponde ao capítulo 4 (da pag. 272 à pag. 337) do relatório final. A autora é a consultora brasileira Helena Lima.

Fonte: Helena M. M. Lima - Diagnóstico Situacional sobre a Implementação da Recomendação da Opção B+, da Transmissão Vertical do VIH e da Sífilis Congênita, no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa- CPLP: Relatório final, volume único, dezembro de 2016, revisto em abril de 2018. CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa, 2018 [documento em formato pdf, 643 pp. Disponível em: https://www.cplp.org/id-4879.aspx]


(iii) Doenças sexualmente transmissíveis (DST)(Continuação

HIV / SIDA

Prevalência de HIV entre mulheres grávidas: 5%

Prevalência de HIV entre grávidas 15-24 anos: 3,4%

Prevalência nacional geral: 3,3% | Meio rural: 2,3% | Urbano: 3%


Prevalência por género: Homens: 1,5% | Mulheres: 5%


% de recém-nascidos filhos de mães HIV + que nascem infectados pelo HIV: 26%


Número de pessoas vivendo com HIV (2013): 41 mil


Crianças < 15 anos vivendo com HIV: 6.100


Órfãos por causa da doença: 10.614




(iv) Comportamentos de risco e práticas socioculturais e tradicionais, que tornam mais vulnerável a população guineense face ao risco de transmissão de HIV/SIDA e outras DST:




Tráfico de mulheres e violência de género



Alguns problemas estruturais vulnerabilizam a população de Guiné Bissau para os agravos diversos relacionados  com a sexualidade, como tráfico de mulheres e as diversas modalidades de violência baseada em género. 

O modelo patriarcal legitima as práticas socioculturais e tradicionais sobre grupos étnicos que compõem o país.



Circuncisão feminina e masculina



A Mutilação Genital Feminina (MGF), embora proibida por lei, é praticada em ambiente doméstico. 

Estima-se que as mutilações genitais tenham atingido 44,9% das mulheres entre 15-49 anos e cerca de 49,7% das crianças 
entre 0 – 14 anos.

A circuncisão masculina é socialmente incentivada e tem apoio no serviço público de saúde. 

Em inquérito de 2014, alguns dados apresentados sobre a situação dos inquiridos perante a circuncisão / MGF, por sexo:  
64,1% dos homens confirma a circuncisão, contra 35,9% que ainda não foi circuncisada. 

Para o sexo feminino 37,2% respondeu 
que sim foi submetida a MGF,
contra 62,8% que responde que Não.


Casamento precoce



Em relação ao casamento precoce, 7,1% referem-se a crianças com menos de 15 anos e 37,1% entre menores de 18 anos.



Contracepção


Em relação à taxa de contracepção, 
dados de 2014 apontam que 84% da população não usa método algum contraceptivo.


Os homens nunca são responsabilizados por eventual esterilidade, esta é uma questão meramente feminina e de mulheres, em alguns casos são sancionadas pelo divórcio. 

Essa verdade não é diferenciada por zonas ou espaços rurais/urbanos, 
é uma realidade cultural. 



A religião, a cultura e a tradição obrigam as mulheres a procurarem formas de conseguir despistar os maridos para poderem usufruir dos métodos contracetivos, porque,  segundo estes, elas são casadas para se procriar. 



Para se livrarem dos maridos, muitas das vezes, elas inventam desculpas em levar as crianças para as vacinas e/ou consultas e aproveitam para fazer controlo 
do implante dos métodos.




Planeamento familiar, gravidez e aborto 
entre os manjacos e os papéis



Segundo inquérito de 2014,  entre os manjacos, as mães não deixam os filhos fazer o planeamento e, quando aparecem grávidas, não as deixam fazer o aborto, porque é uma prática tradicionalmente interdita ("mandjidu") (...) 



Similaridade em Quinhamel, entre os papéis, onde se testemunhou um grau de liberdade das raparigas em ambientes noturnos e, quando aparecem grávidas, as mães não as exigem, temendo represálias de defuntos e/ou "kansaré". 



Segundo a crença dos papéis, se uma mãe se zangar com a filha grávida, ela não poderá tocar na criança após a nascença, porque representa uma rejeição a priori, o que faz com que as mães tenham que se consentir com a gravidez das filhas. 



Ainda neste mundo animista, segundo um técnico entrevistado em Caió, uma localidade de elevada taxa de prevalência do VIH, os homens desta localidade contraem matrimónio com mais de cinco mulheres, o que se associa a um elevado índice de promiscuidade, sobretudo nas deslocações de mulheres ao Senegal e das oportunidades sexuais que se lhes assistem.



Curandeiros tradicionais, muros, djambacus e balobeiros





Outras experiências demonstram que 
as mulheres casadas em dificuldade de gravidez recorrem sempre aos "murus" ou "djambacus" para receberem tratamentos tradicionais ou ainda as "balobas" de "ferradias",  fazendo pedidos e consequente promessas, em detrimento de aconselhamento e/ou tratamento médico.



Relativamente ao HIV/SIDA, segundo as perceções de alguns técnicos de saúde 
e ativistas de organizações 
que lidam diariamente com esta pandemia, 
uma larga percentagem de pessoas infetadas recusa a existência, considerando-a "tarbeçado", doença de "badjudeça".

De acordo com certas tradições animistas,  a doença é igualmente interpretada como falta de cumprimento de alguns rituais, 
caso de se tornar "djambakus" 
e/ou cerimónia de "rônia iran".


Fonte: Excertos do supracitado relatório. 
Com a devida vénia...

(Continua)

Guiné 61/74 - P20222: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte IV: Depois de 4 meses a dar formação de artilharia de campanha, a graduados de pelotões de morteiro, sou colocado em Fulacunda, a comandar o 22º Pel Art



Guiné > Bissau > BAC 1 > Dezembro de 1967 > Obuses 10.5 cm-

Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012). 
Todos os direitos reservados. {Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]



RECORDAÇÕES E DESABAFOS DE UM ARTILHEIRO > 

Parte IV: Depois de 4 meses a dar formação de artilharia de campanha, a graduados de pelotões de morteiro, sou colocado em Fulacunda, a comandar o 22º Pel Art


por Domingos Robalo (*) 



[ Domingos Robalo:


(i) tem página no Facebook desde março de 2009 e administra também o grupo Artilharia de Campanha na Guiné-BAC1/-GAC7;


(ii) filho de militar, foi fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71;


(iii) vive em Almada, está ligado à Universidade Sénior Dom Sancho I, de Almada, onde faz voluntariado, desde julho de 2013, como professor da disciplina de "Cultura e Arte Naval";


(iv) trabalhou na Lisnave; é praticante de golfe;


(v) e passou a integrar a Tabanca Grande, com o nº 795, desde 21 de setembro último]




Durante cerca de quatro (4) meses permaneci em Bissau[, no BAC 1], participando nas “escolas de recrutas” que era levada a efeito com soldados do recrutamento da Província. 


O Governador da Província, General António de Spínola, estava criando condições para alargar a ação da artilharia a todo o TO (Teatro de Operações). 

Sendo eu um “maçarico” (, nome dado aos recém-chegados à Província), porque fico em aparente posição privilegiada e não ser reencaminhado de imediato para o mato (leia-se interior do TO)?

É que na Metrópole, enquanto colocado no RAL1 (Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, Lisboa) tive funções de monitor em “escola de recrutas e de cabos, na especialidade de artilharia de campanha". Tinha fresca a matéria teórica necessária à especialidade que o Comando necessitava.

Em agosto, sou nomeado para ser o instrutor na formação de artilharia de obuses 10,5cm e a 14,0cm, a furriéis, sargentos e a oficiais subalternos, oriundos de pelotões de morteiros. 


Qual a razão desta necessidade, porque não vinham militares formados e preparados da Metrópole com as respetivas especialidades?

O Governo de Portugal tinha acedido ao pedido do General Spínola no envio de mais material de artilharia. Os obuses chegaram, mas sem acompanhamento de sargentos e oficiais para se poderem constituir os Pelotões, esse teria o General de arregimentar na Província. 


Estávamos levando a cabo a formação de cabos e soldados artilheiros, no seguimento da recruta que estes tinham concluído em Bolama. Como não havia sargentos e oficiais para formar os pelotões que as circunstâncias obrigavam, o General recruta-os dos vários pelotões de morteiros espalhados pelo TO. 

Sou então nomeado para dar formação de artilharia, em "estilo de reconversão", a esses militares "recrutados"

Decorrida a formação com a dedicação de todos os "formandos",  é necessário atribuir uma nota de classificação.

Por minha sugestão, o comando aceita a realização de uma prova prática que consistia na desmontagem e montagem da culatra do obus 10,5cm, cronometrada. Sargentos e Oficiais concordam com o teste.

Como se fosse hoje, lembro-me de um dos primeiros classificados da classe de sargentos, o furriel Jacinto, ser chamado para escolher o aquartelamento para onde desejava ser colocado. De imediato e sem pestanejar, escolhe o aquartelamento de Fulacunda onde vai ser instalado um novo pelotão de artilharia.

- Fulacunda, Jacinto? Tens aqui outros aquartelamentos mais perto de Bissau e mais calmos sem tiros, etc. etc.


- Sim Fulacunda, estão lá os "Boininhas", já meus conhecidos,  e que são uns "gajos porreiros". 

Era a designação oficiosa pelo qual eram conhecidos era "Boinas Negras", dos quais eu nunca tinha ouvido referência.  

- Tudo bem, a escolha é tua. Aguarda instruções para te juntares aos soldados, aos outros furriéis e ao comandante de Pelotão para partirem daqui a dois ou três dias. 

Procedeu-se à colocação dos furriéis, dos sargentos e dos alferes pelos pelotões a criar e a distribuir pelo TO, conforme indicações do Comando. 

Dois dias depois (ou três), sou chamado ao Comandante da Bataria, que me nomeia como comandante do 22º PEL ART. Eu era furriel e estava a ser nomeado comandante de um Pelotão, porquê? 

Havia falta de oficiais subalternos para preencher todos os comandos dos Pelotões de Artilharia e eu tinha o perfil adequado para essas novas funções. 

Recebi a nomeação e perguntei para onde ia o 22º PEL ART: 

- Para Fulacunda...

(Continua) 
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Nota do editor:
 

Último poste da série >  5 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20206: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte III: recebido em Bissau, pelos camaradas do BAC 1, de braços abertos, na noite de 12/5/1969

Guiné 61/74 - P20221: In Memoriam (352): Homenagem da Tabanca de Matosinhos ao João Rebola, falecido no dia 1 de Outubro de 2018 (Armando Pires e José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70), com data de 8 de Outubro de 2019:

Camaradas

Ponderosas, e inesperadas, razões da minha vida pessoal fizeram com que tardasse em cumprir com o pedido que me fez o nosso muito estimado camarada José Teixeira, membro da Tabanca de Matosinhos. É que no passado dia 2, a Tabanca de Matosinhos homenageou a memória de um dos seus maiores, o João Rebola, e o Teixeira pediu-me que vos falasse dos momentos de profundo recolhimento que se viveram no cemitério da Senhora da Hora, e, depois, no almoço, das palavras solidárias que foram dirigidas à D. Elsa Rebola, a viúva do João.

Já no dia anterior teve lugar, na Igreja da Senhora da Hora, uma Missa de Sufrágio em intenção do primeiro aniversário do seu desaparecimento físico, porque o seu espírito de grande humanidade, de grande camaradagem, de homem sério e sempre presente ao lado daqueles que mais precisavam de uma palavra, de um gesto de conforto, esse continua presente junto dos familiares que amou, e dos camaradas que honrou.

À romagem ao cemitério, o Teixeira chamou o ex-combatente Inácio para fazer ouvir, no seu trompete, Toque de Silêncio.

O padre Augusto Baptista, Ten-Cor Reformado, que ainda alferes miliciano foi nosso Capelão em Bissorã, e que com o Rebola, já na sua freguesia de Perosinho, estabeleceu fortes laços espirituais e de amizade, dirigiu palavras de conforto à Maria João, filha do Rebola e ali presente, e recordou, num momento que causou grande comoção entre os presentes, que foi através dele que o João sentiu o último conforto da sua imensa fé católica.

O Capitão Abreu, que foi comandante da CCAÇ 2444, a Companhia do Rebola, falou das suas qualidades de homem e militar de grande postura, convidando-me depois o José Teixeira a que eu usasse da palavra para exprimir a profunda amizade que nos ligava desde o nosso encontro em Bissorã (ver os meus P12905 e P11195), e tendo eu ainda vivas as conversas que mantínhamos pela manhã, através do Skype, onde a vida da Tabanca de Matosinhos, e a sua obra social na Guiné, estiveram sempre presentes.

A campa do ex-Fur Mil João Rebola, no cemitério da Senhora da Hora, onde os seus camaradas da Tabanca de Matosinhos foram prestar-lhe homenagem
Ao lado da Maria João Rebola, filha do João, o Pe. Augusto Baptista, Ten-Cor Ref. na sua alocução
O ex-Fur Mil Armando Pires recordando a sua grande amizade com o Rebola, nascida em Bissorã, e depois mantida vida fora
No uso da palavra, o Cap. Abreu, Comandante da CCAÇ2444, a Companhia do João Rebola
O Pe. Augusto Baptista, Ten-Cor Ref, numa conversa privada com a Maria João Rebola
Ao almoço, no restaurante Espigueiro, "quartel-general" da Tabanca de Matosinhos

Por último, falou-nos a Maria João Rebola:

“Eu cresci a ouvir falar de vós. Por vezes não vos reconheço porque a última vez que estive convosco foi a vinte e tal anos, trinta anos, mas os vossos nomes eu sei-os. O meu pai falava muito dessas estórias que partilharam aqui também e sei de muitas outras que aconteceram na Guiné. Sei que foi um período muito importante para o meu pai. Sei que o meu pai fez irmãos na Guiné e é muito bom saber que esses irmãos o acompanharam até aos últimos momentos. E, quando o Pe. Baptista chegou agora de manhã eu disse-lhe que foi muito importante ter ido visitar o meu pai naquele domingo por que eu sentia que o meu pai não passava desse dia e disse-o ao Pe. Batista quando estive com ele no sábado e o Pe. Baptista conseguiu reformular a sua vida toda para esse domingo e ir lá ao Hospital naquela manhã e estar com o meu pai e dar-lhe a bênção. Eu soube logo, de certeza absoluta, que isso foi muito bom para o meu pai, porque, assim como o Pe. Baptista disse esta manhã, o meu pai era uma pessoa muito espiritual e ter aí nesse momento a bênção de um irmão da Guiné que representava tudo o que vocês sabem para ele, foi o fecho, não sei se hei de dizer, perfeito. Por isso queria agradecer, o acompanhamento todo, os projetos que fizeram juntos, pelos tempos bons que passaram juntos e os difíceis também, e por estarem aqui hoje a partilharem connosco. Obrigado.”

Que o João Rebola repouse em paz, que viva está a sua memória junto de nós.

Fotos: José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20211: In Memoriam (351): António Leal Faria (c. 1942-1966), ex-alf mil SG, AB3, Negage, Angola, natural de Torres Novas e antigo seminarista, capturado e executado pela FNLA, na sequência de acidente com DO 27, em Ambrizete, em 24/3/1966... O seu corpo, tal com o dos seus restantes companheiros de infortúnio, não foi resgatado

Guiné 61/74 - P20220: Historiografia da presença portuguesa em África (180): “Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Fevereiro de 2017:

Queridos amigos,
Estas duas descrições seiscentistas podem ter muito interesse para quem pretenda conhecer a presença portuguesa nesta região da costa ocidental africana no século XVII. Ainda se pensava que aquela terra chamada Guiné era a Etiópia Menor ou a Etiópia Inferior. Francisco de Lemos Coelho possibilita-nos um excelente registo do que atrai os portugueses à região: fundamentalmente o comércio e algumas preocupações religiosas. Daí o detalhe e os comentários sobre os reinos, o acolhimento, os poderes instalados, a facilidade com que se trocavam metais e cavalos por seres humanos. Do que vou conhecendo, depois de André Álvares de Almada nenhuma outra narrativa sobre a Guiné é tão completa e viva como esta.

Um abraço do
Mário


Francisco de Lemos Coelho, aventureiro seiscentista na Guiné (3)

Beja Santos

Francisco de Lemos Coelho é autor de duas impressivas descrições que avivam e complementam os conhecimentos e relatos de outros viajantes anteriores e contemporâneos.

Em 1953, a Academia Portuguesa de História deu à estampa, com introdução e anotações históricas de Damião Peres, as "Duas Descrições Seiscentistas da Guiné". A primeira é datada de 1669 e intitula-se “Descrição da Costa da Guiné desde Cabo Verde até à Serra Leoa com todas ilhas e rios que os brancos navegam”; e em 1684 há outro manuscrito intitulado “Descrição da costa da Guiné, e situação de todos os portos, e rios dela, e roteiro para se poderem navegar todos os seus rios", feita pelo Capitão Francisco de Lemos, em São Tiago. Damião Peres encontra nestes textos afinidades clamorosas e para ele não subsistem dúvidas que o Capitão Francisco de Lemos e Francisco de Lemos Coelho são a mesmíssima pessoa.

Concluída a breve apreciação do manuscrito de 1669, vamos agora para a "Descrição da costa da Guiné e situação de todos os portos e rios dela", documento de 1684.

Dirigindo-se ao “leitor amigo”, justifica a obra:  
“Sabe que me obrigou a força do amor de um irmão e amizade de muitos parentes e amigos a pôr este epítome em estilo que pudessem ter conhecimento da dita costa, portos e rios, levando alguns deles dos desejos de os irem ver e navegar (…) Obrigou-me também para me ajustar as suas vontades o considerar que por aqui se vivia em conhecimento dos muitos reinos e nações que estão aptos e capazes de receber a religião católica (…) Move-me também a fazer este breve epítome, deixando com ele a porta aberta aos doutos, para que saibam os que se deliberarem a virem morar em alguns dos portos de tantos reinos, venham prevenidos de que se não levarem cabedal lhes será necessário que para o tirar há que passar alguns trabalhos”. E por fim justifica-se: “Em este breve tratado resumirei com a brevidade possível a diversidade de reinos, rios, portos que há desde o Cabo Verde até à Serra Leoa, que é o que os Portugueses moradores daquela costa e os que vão desta ilha de Cabo Verde navegam”.

Como é evidente, deste documento, que não é epítome, mas uma descrição bem detalhada, far-se-á resumo de tudo quanto o capitão observa, demorando mais no que é hoje a Guiné atual. Começa por fazer a descrição de Cabo Verde até ao Rio de Barçallo. Não nos esqueçamos que a cartografia da época era rudimentaríssima, e daí ele poder escrever: “A costa de Guiné que descrevo é aquela parte da região da Etiópia… Compreende o Cabo Verde e vai correndo até à Serra Leoa. Deste Cabo Verde ou rio de Sanagá (Senegal) até ao rio de Gâmbia há de costa 33 léguas e neste distrito todo está a região do Grão Jalofo”.

Carta náutica de Fernão Vaz Dourado de 1571
Encontramos nos dois manuscritos, como é óbvio, repetições e aproveitamentos de descrições do primeiro para o segundo. É o caso quando o autor diz “em passando Cabo Verde está a ilha de Bersiginche, desviada de terra firme uma légua, a qual os holandeses, que eram no meu tempo senhores dela, chamam Goreia, nela tinham duas fortalezas. Um general era superintendente assim da guerra como da paz, e para o negócio tinha sempre ferro e fazendas do norte com muita abundância. Também aqui vinham os navios de Cacheu ou ele mandava lá os seus a comerciar”.

Francisco de Lemos Coelho é primoroso em certos detalhes, como se exemplifica: “Os negros da beira-mar são todos pescadores e têm muitas canoas não grandes, mas trazem-nas com duas velas de galope ambas em um mastro, e são grandes marinheiros. A principal fazenda para estes protos de Jalofos é coral fino comprido e quanto mais grosso melhor, o qual se vende em pedras, e há coral que dão por uma pedra um coro; e a mim me deram um formoso negro por um ramal de coral”.

Comerciar em terra de Jalofos tinha requisitos obrigatórios, e o autor explica:  
“São os portugueses que aqui moram obrigados, a não ser que impedidos por doença, a irem visitar o rei da terra todos os anos uma vez e levarem-lhe muito bom presente conforme suas possibilidades, que às vezes custa mais de cem mil reis, isto em muito boas peças de prata, aguardente em barris ou frasqueiras, coral fino, escarlatas e outras coisas; o rei lho gratifica e lhe dá muitas vezes mais do que vale o que lhe leva; o que lhe dá são negros, couros, cavalos, camelos, que nos brancos servem muito para conduzirem os couros”.
Faz uma apreciação muito positiva do acolhimento: “Os negros são muitos amigos dos Portugueses, mais do que qualquer outra nação; os da beira-mar, os mais deles, falam a nossa língua e a flamenga e a francesa”. Confinante com o reino do Grã Jalofo está o reino do Grã Fulo. E afirma: “É este reino dos Fulos tão dilatado que os conhecemos pela terra dentro do rio Sanagá até à Serra Leoa". E faz a descrição do rio de Barçallo para o rio da Gâmbia. Refere que o caminho que se faz por terra desde o porto do reino de Sangedegra é terra de hereges até à praça de Cacheu. Assim chega ao Porto dos Lagartos, que está junto da madre do rio de Casamansa. Segue-se, após esta digressão, a descrição do rio da Gâmbia e depois da barra de Gâmbia até ao rio de Cacheu. Descreve Cacheu, que é praça onde há capitão-mor, a viagem do rio até à povoação de Farim e comenta os seus portos e comércio. Só vejo interesse em detalhar alguns dos comentários avançado por Francisco de Lemos Coelho: “Os Banhuns antigamente eram vassalos do rei de Casamansa (…) Saindo até à madre do rio chega-se a uma aldeia de Cassangas, que na religião, trato e comércio são o mesmo que os Banhuns”. Detalha Farim e aldeia de Tubabodaga e fala no porto de Genicó que está antes de chegar ao porto de Farim, onde se compram negros e marfim. “O gentio todos são bárbaros, sem religião nenhuma, capazes para receber a fé católica”. E adianta: “Desde porto de Farim à aldeia dos brancos é uma maré. Está a povoação da banda do Norte, ao longo da água, na terra de Farimbraço, cujo título é como o do imperador. A sua terra é muito dilatada, repartida em Farinados que são como reis. Estes cognomes de Farim só quatro o têm em toda a Guiné, que são: Farimbraço, que é este de que tratamos; Farim Cabo, que fica mais por cima; Farim-Cocoli e Farim Landima".

Dá-nos uma descrição de Cacheu que é muito semelhante à que escreveu em 1669.
E a viagem prossegue a caminho de Bissau.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20197: Historiografia da presença portuguesa em África (178): “Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20219: (Ex)citações (360): O sucesso do posto de controlo sanitário de Nhacra, ao tempo em que por lá passavam as "trabalhadoras do sexo" de Bissau, em missão patriótica... (José Ferreira da Silva, autor do bestseller "Memórias boas da minha guerra", 3 volumes, Chiado Books, 2016-2018)


Guiné > Região autónoma de Bissau >  Nhacra > c. 1972/74 > Casa do administrador


Guiné > Região autónoma de Bissau > Nhacra > c. 1972/74 > Igreja, escola e campo de futebol

Fotos do álbum de Eduardo Ferreira Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540 )Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74)


Fotos (e legendas): © Eduardo Campos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região autónoma  de Bissau >> 11 de março de 1968 > O alf mil SAM Virgílio Teixeira,   CCS/BCAÇ 1933 ( Nova Lamego e São Domingos, 1967/69),  de motorizada, em Safim, a caminho de Nhacra.


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Òio > Mansoa > 1968 > CCAÇ 2405 (1968/70) > O Alf Mil Inf Paulo Raposo, membro sénior da nossa Tabanca Grande, junto à placa toponímica que indicava as localidades mais próximas: para oeste e sudoeste, Encheia (a 18 km), Nhacra (a 28 km), Bissau (a 49 km)...; para leste sudeste e nordeste: Porto Gole ( a 28 km), Enxalé (a 50 km), Bambadinca (a 65 km), Bafatá (a 93 km)...

Foto (e legenda): © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. A propósito da nossa "despreocupada sexualidade" em tempo de guerra, segundo uns, ou "miséria sexual", segundo outros,  quando já havia a santa penicilina (desde finais de finais dos anos 40, eficaz no combate às doenças sexualmente transmissíveis), mas ainda ninguém suspeitava da diabólica pandemia do HIV/Sida que se haveria de abater sobre o primata do "homo sapiens sapiens" nos cinco continentes (a partir dos anos 80), já  aqui foram evocados ou chamados a capítulo  dois dos nossos mais talentosos contadores de histórias, o "alfero Cabral", mais "softcore", e o Zé Ferreira, mais "hardcore"... 

O Cabral é incapaz de dizer uma asneira, uma palavrão, uma indecência (*), o Zé Ferreira chama os "bois pelos cornos", como nós chamávamos naquele tempo, em que tínhamos testosterona para dar e vender...Enfim, idade ideal para matar e morrer... Não é por acaso que nos chamavam para a tropa nessa idade...Mas também era um tempo em que a hipocrisia social havia feito do sexo um tabu.

Hoje cabe a vez de "repescar" uma das "memórias boas da minha guerra",aqui já publicadas há mais de dois anos (**), mas também já passadas para livro: e já vão três, os volumes com a assinatura do José Ferreira da Silva, sob a chancela da Chiado Books. (***)




2. Memórias boas da minha guerra > Controlo sanitário (**)

por José Ferreira



Todos os rapazes do meu tempo sabem bem do perigo que se corria quando se procurava uma relação sexual com uma das “badalhocas” que proliferavam nos arrabaldes do Porto e de Gaia. Dizia-se, até, que as prostitutas “mais limpas” eram as “meninas” da baixa do Porto, porque eram submetidas a um rigoroso controlo sanitário, uma “modernice” imposta pelo regime de Salazar.

José Ferreira 
da Silva
É claro que as relações amorosas surgiam por todo o lado. Não havia santa terrinha que não exibisse (ou ocultasse) enredos dignos da pena de um Camilo Castelo Branco. Ora, os resultados apareciam como cogumelos no pinhal, umas vezes com as gravidezes involuntárias e outras com os inesperados “esquentamentos”. Tudo fruta da época.
Enfim, tudo normal. Porém, por vezes, surgiam alguns rumores de que o Senhor Fulano de Tal, também andava “esquentado”, devido a descuidos da sua bela e fidelíssima amante. Mas isso era abafado e rapidamente esquecido, por falta de testemunhos credíveis e por alguns receios de represália. Quando muito, e para se salvaguardar situação social tão melindrosa, fazia-se a alusão aos lugares públicos, onde possivelmente se sentara, sem a protecção do lencinho estendido debaixo do rabo.

Esta juventude foi mobilizada para defender patrioticamente as nossas Províncias Ultramarinas. Influenciada pelos princípios patrióticos incutidos desde a instrução primária, ela aparece, assim, repentinamente, relacionada com os nativos. 


Os “turras”, no interior, que, em termos de guerra subversiva, dominavam as populações, levavam as jovens e deixavam as crianças e as velhas para as proteger. Raramente ficava alguma mulher adulta para apoio a essas pessoas mais fragilizadas. As mulheres que mais se viam, eram as da tropa milícia, que combatia ao nosso lado.

Isto quer dizer simplesmente que a actividade de prostituição, fora de Bissau, era quase nula, apesar dos apetites sexuais de tanta e tão potente clientela.

Pergunta-se:
- E como é que a malta se “safava”?

Os portugueses sempre foram conhecidos pelo seu primor no desenrascanço. Aqui, como manda a sua educação católica, cada um teria que se confessar dos seus pecados contra a castidade e de um ou outro caso de relação furtiva, por vezes não muito correcta. Estou a lembrar-me do caso do Fafe que apareceu na enfermaria “à rasca da piça”, porque uma jovem adolescente o havia masturbado, não tendo lavado as mãos, que estavam impregnadas de piripiri.

Por altura dos princípios dos anos 70, com a evolução da guerra, foram aumentados os contingentes militares, a par de outras consequentes movimentações. Uma delas, foi o aparecimento de prostitutas brancas, na cidade de Bissau. No bar Mon Ami já “trabalhavam” regularmente. 


Tal como no Texas, nos tempos da corrida ao ouro, essas profissionais carregadas de ambição, tudo arriscavam pelo dinheiro fácil obtido no “negócio das carnes”. Agora, na procura de clientes do interior, deslocavam-se de táxi e de outros meios de transporte (até onde as novas e poucas estradas alcatroadas o permitiam), saindo, assim, de Bissau, rumo a norte… com regressos rápidos e seguros.

Fora de Bissau, elas passavam por controlos militares. Na zona de Nhacra, esse movimento era cada vez mais notório. Perante essa situação, os militares locais viam-nas passar, a caminho da satisfação dos outros camaradas, deixando-os chateados porque também queriam usufruir desse “serviço”. 


Foi então que o Maia, mais o Seixas, assumiram a liderança reivindicativa dos “justos direitos” e foram interpelar o comandante do destacamento, o Alferes Bastos:
- Meu Alferes, nós também queremos foder. Estamos a deixá-las passar e …ficamos “a ver navios”. E quando lhes dizemos qualquer coisa, elas mandam-nos ir a Bissau, que é perto. Aqui o Seixas, há dias, ainda conseguiu, disfarçadamente, dar-lhes umas apalpadelas, com o pretexto de ter que fazer “controlo de armas”, mas uma mulata quis “assapar-lhe” o pelo.

O Alferes, que também já se apercebera dessa movimentação, e que até já fora mimoseado por reconhecimento dessa sua autoridade local, em visita ao Mon Ami, acalmou-os e disse que ia pensar no assunto.

À noite, com os Furriéis, enquanto bebiam umas cervejas, a conversa versava o assunto da prostituição versus “necessidades fisiológicas” da nossa tropa. O Furriel Moura aproveitou para demonstrar os seus conhecimentos nessa matéria, dando como exemplo o que se se passava no Vietname. Falou do grande número de prostitutas que quase chegava a rivalizar com os 500 mil militares. Ao contrário da nossa situação na Guiné, aos americanos “não faltava onde despejar os tomates”. 


Mesmo assim, lembrou o facto de grandes artistas americanos visitarem periodicamente as tropas, moralizando-as e mantendo-as racionalmente ligadas ao seu mundo de origem. Lembrou a Raquel Welch e a Joan Collins. Esta, que sendo capa da Playboy, foi pessoalmente entregar exemplares da tiragem dos 7 milhões dessa edição recorde. A Playboy subira de tiragem desmesuradamente, graças à sua procura no seio das forças armadas.

Por sua vez, o Alferes Bastos referiu um facto curioso, também relacionado com o Vietname. Dizia que numa determinada zona, ocupada por cerca de 20.000 militares, se haviam desenvolvido doenças venéreas com tal gravidade que, por precaução sanitária, os militares foram impedidos de se deslocarem à cidade mais próxima, o que provocou nocivos reflexos psicológicos, sociológicos e económicos. 


Então, o chefe dessa região teve uma ideia brilhante. Em parceria com as autoridades militares, fundou um enorme bordel, conhecido por “Disneyland Oriental”, que consistia essencialmente numa zona de 10 hectares, devidamente cercada, implantada com 40 quartos/casa dispersos, para satisfação sexual dos visitantes. E, em simultâneo, foram admitidas, identificadas e controladas as prostitutas, bem como o desenvolvimento de condições de tratamento aos infectados, tudo integrado num adequado serviço de controlo e apoio sanitário.

Porém, é sabido que, apesar do grande esforço médico, apoiado em carradas de “Penicilina” e “Penisulfadê”, o drama causado pelas doenças venéreas foi dos piores inimigos enfrentados pelos militares. Fala-se muito de suicídios de militares, incapacitados sexualmente, na hora do regresso do Vietname, mas, nós sabemos que isso também acontecia entre os nossos combatentes da Guiné. E muitos dos afectados optaram por ficar por lá.

Da conversa, voltou-se à análise da nossa situação e à nossa real dimensão. Momentaneamente, o que mais preocupava estes graduados era o aproveitamento do movimento “putéfio” para resolver a satisfação sexual da tropa do seu destacamento. E foi assim que com mais cerveja ou menos conversa, o Alferes determinou democraticamente, sem qualquer votação, contestação ou parecer superior, que ali também seria criado um serviço contínuo de Controlo Sanitário. A partir de agora, todas as mulheres, supostamente prostitutas, que ali passassem para exercício do seu métier em outras zonas, teriam que ser submetidas a exame prévio. 


Desta forma, se daria a oportunidade dos nossos militares, agora habilitados ao uso de bata branca, poderem, alternadamente, usufruir de (e cobrar) contactos seguramente mais agradáveis.

Uns dias depois, perante as novas valências do Controlo Militar e o enorme entusiasmo criado, o Alferes Bastos foi obrigado a aprovar uma rigorosa escala de serviço na Enfermaria, por via do Controlo Sanitário de mulheres, em trânsito, a caminho do norte.


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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 6 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17146: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (27): Controlo sanitário


(***) O autor não precisa de apresentações... Mas, para os que chegaram só agora à Tabanca Grande, podem a ficar a saber o seguinte sobre ele:
José Ferreira da Silva:

- Nasceu em 1943, no concelho da Feira.

– Aos 10 anos de idade começou a trabalhar no sector corticeiro.

– Fez os estudos liceais e outros através de ensino particular.

– Durante o serviço militar, esteve nas seguintes unidades: Escola Prática de Cavalaria – Santarém Set/Dez 1965;  Escola Prática de Artilharia – Vendas Novas,  Jan/ Março 1966; GACA 3 – Espinho,  Abr/Set 1966;   CIOE (Rangers) – Lamego,   Set/Dez 1966; RAP 2 – V. N. Gaia, Jan/Fev 1967

– Partiu para a Guiné no Navio Uíge em 26 de Abril de 1967, integrado na CART 1689 do BART 1913. Chegado a Bissau, a CART 1689 saiu do Uíge directamente para barcaças rumo a Bambadinca, subindo o Rio Geba.

– A CART 1689 esteve colocada em Fá Mandinga, Catió, Gandembel, Cabedu, Dunane, Canquelifá e Bissau. Com Companhia de Intervenção, a CART 1689 actuou em mais de metade do território do CTIG, vindo a ser premiada com a Flâmula de Honra em Ouro do CTIG, o mais alto galardão atribuído a companhias operacionais.

– Regressou da Guiné, chegada a V. N. Gaia em 09 de Março de 1969.

– Começou a trabalhar como Comercial no ramo de Tintas e Vernizes, mas logo seguiu para Angola, terra de seus sonhos.

– Trabalhou na secção de Contabilidade da Câmara Municipal de Cabinda.

– Regressado de férias, em 1974, demitiu-se da C.M. Cabinda e foi viver para Crestuma, Vila Nova de Gaia, terra natal de sua Mulher.

– De 1975 a 1985, trabalhou numa empresa de fundição, como Director de Serviços.

– De regresso ao sector corticeiro, trabalhou como Director Comercial, vindo a criar uma pequena empresa direccionada para o apoio ao engarrafador.

– Como amante do desporto e do associativismo, ajudou à criação e desenvolvimento de vários clubes e associações desportivas, cultura, solidariedade e recreio.

– Praticou Canoagem, chefiou a Federação Portuguesa de Canoagem,   é Sócio Honorário, por aclamação, da F. P. Canoagem.

– Foi reconhecido pela Comunicação Social como Presidente do Ano, mais que uma vez; também foi homenageado em Espanha.; foi galardoado como Personalidade Desportiva do Século XX (como foram Eusébio, Joaquim Agostinho, Moniz Pereira e outros ilustres desportistas).

Guiné 61/74 - P20218: Parabéns a você (1691): José Carmino Azevedo, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 2868 (Guiné, 1968/70) e Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Guiné e Cabo Verde, 1963/65)


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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20215: Parabéns a você (1689): Luís Mourato Oliveira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20217: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte III




Foto 1 – Uma das duas GMC's da CCAÇ 423 (São João e Tite: de 22Abr1963 a 29Abr1965) danificadas por efeito do rebentamento de mina anticarro/fornilho colocada na estrada Nova Sintra – Fulacunda. A primeira, em 03 de Julho de 1963 (4.ª feira), no sítio de Bianga. A segunda, em 18 de Julho de 1963 (5.ª feira), no mesmo itinerário. Na sequência destas ocorrências, registaram-se, no total, oito baixas [Vd. quadro acima]




 O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, 
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
indigitado régulo da Tabanca de Almada; 
tem mais de 225 registos no nosso blogue.


ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA (PARTE III)





1. – INTRODUÇÃO


Continuamos a divulgar e a analisar os resultados apurados nesta investigação, tendo por objecto de estudo o universo das "baixas em campanha" de militares do Exército, e como amostra específica os casos de mortes de "condutores auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército, conforme demos conta no P20126, o primeiro desta séria.

No segundo – P20179 (*), para além da apresentação de mais quadros e gráficos estatísticos, incluímos os primeiros cinco "casos", escolhidos de forma aleatória, onde foram descritos os contextos e alguns dos factos que podem servir de explicação para cada um dos episódios. Como já referimos anteriormente, esta opção aleatória teve por critério de escolha: datas diferentes, bem como locais, épocas e missões, de modo a fazer-se, se possível, uma análise comparativa entre os acontecimentos.
Porque não o fizemos no fragmento anterior por razões de gestão do espaço, o que irá acontecer agora, retornamos às duas ocorrências (fotos 1) que ficaram na historiografia da guerra como tendo sido as primeiras, por efeito de rebentamento de minas/fornilhos, as quais originaram as oito mortes do quadro acima.

Para esse efeito, socorremo-nos das memórias do camarada Gabriel Moura, do Pel Mort 19, escritas no livro de 2002 - «Tite: 1961/1962/1963, Paz e Guerra» - de que é autor.

Na obra citada, é referido que o Comando em Tite, na sequência do pedido urgente de socorro que lhe foi enviado por uma coluna militar que vinha de S. João, para patrulhar a zona de Buba e Fulacunda, faz sair um pelotão em seu auxílio.

O pedido de ajuda estava relacionado com a missão atribuída à força em trânsito [CCAÇ 423] onde "uma viatura com cerca de 20 militares foi apanhada por uma carga de explosivos [TNT] colocados no chão, projectando a viatura [GMC] a cerca de 30 metros, ficando curvada pela potência dos explosivos que detonou [Deve ser a de 18Jul63]. (…)

"A distância a que se encontravam do nosso aquartelamento [Tite] ainda era de umas dezenas de quilómetros e as restantes viaturas, que não foram apanhadas pela explosão da mina anticarro, não tinham condições de continuar uma vez que não sabiam se havia mais minas colocadas. A nossa missão era bater todo o caminho até lá, fazendo uma inspecção do chão e das margens no sentido de evitar qualquer ataque ou emboscada preparada. O barulho da detonação, apesar da hora a que se deu, era já noite, talvez cerca de 23 horas, foi ouvido em Tite como se de uma coisa próxima se tratasse, quando de facto era a uma distância considerável, tal era a potência do engenho." (pp 91-92).


2. – ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)


Recordamos que a análise demográfica incluída nesta investigação, e as variáveis com ela relacionada, foi feita a partir dos casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados nos "Dados Oficiais", elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).




Para contextualizar a análise estatística desta narrativa, lembramos que no estudo foram apurados cento e noventa e um casos de mortes de "condutores auto rodas", do Exército, durante a guerra no CTIG (1963-1974).

Deste universo, as causas de morte foram estratificadas em três variáveis categóricas: combate - acidente - doença, em que na variável "combate" foram registados 112 (58.6%) casos; seguida pela variável "acidente", com 57 (29.9%) casos e, finalmente, a variável "doença", com 22 (11.5%) casos, conforme se indica no gráfico acima.

 



Quanto à variável categórica "combate", o estudo mostra que existem três causas principais (factores) para as mortes:  (i) "em combate" (operações/emboscadas); (ii)  "por minas" (explosivos); e  (iii) "por ataque ao quartel" (aquartelamentos/destacamentos/instalações militares).

Das 112 causas de morte "em combate" (58.6%), n=69 (61.6%) foram "por "contacto" com o IN; n=31 (27.7%) por engenho explosivo e n=12 (10.7%) por consequência de "ataque" IN ao quartel, conforme representação gráfica acima.


3. – MAIS ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERA

MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO
DE REBENTAMENTO DE "MINAS"



Neste ponto, continuamos a observar um dos principais objectivos deste trabalho, onde, para além dos números, se recuperam algumas memórias, sempre trágicas, quando estamos em presença de perdas humanas. Assim, e em homenagem a todos os camaradas que tombaram em campanha, apresentaremos, de seguida, mais quatro "casos" (do total de trinta e três), enquadrados pelos contextos conhecidos.

Como principal fonte de consulta, foi utilizado o espólio do blogue, ao qual adicionámos, ainda, outras informações obtidas em informantes considerados privilegiados.


3.6 - 03 DE JUNHO DE 1965: A SEGUNDA BAIXA DE UM "CAR" POR MINA - O CASO DO SOLDADO DOMINGOS JOÃO DE OLIVEIRA CARDOSO, DA CCAÇ 508, ENTRE PONTA VARELA E O XIME



A segunda morte em "combate" de um condutor auto rodas do Exército, por efeito do rebentamento de uma mina ("bailarina") [categoria de "minas"], foi a do soldado Domingos João de Oliveira Cardoso, natural de São Cosme, Gondomar, ocorrida em 03 de Junho de 1965, 3.ª feira, no itinerário entre a Ponta Varela e o Xime. O soldado 'Car' Domingos Cardoso pertencia à CCAÇ 508, uma Unidade mobilizada pelo RI7, de Leiria, chegada a Bissau a 20Jul1963, sob o comando, interino, do Alferes Augusto Cardoso.

Durante a sua comissão de dois anos (20Jul63 a 07Ago65), o contingente da CCAÇ 508 cumpriu importantes missões em dez locais diferentes, como sejam: Bissorã (Ago63-Mai64 - treze meses - sendo substituída pela CART 643); Barro e Bigene (Ago63-Dez63), Olossato (Dez63-Mai64), Bissau e Quinhamel (Set64-Mar65), Bambadinca (Mar65-Abr65, sendo substituída pela CCAV 678) e Galomaro, Xime e Ponta do Inglês (Abr65-Ago65).

Porém, a sua última missão em zona operacional iniciou-se em Março de 1965, com dezoito meses de comissão, ao ser transferida para Bambadinca, onde ficou instalado o Comando, sob a liderança, desde Jul64, do Cap Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles, assumindo este a responsabilidade do respectivo subsector, com Gr Comb destacados em Xime e Galomaro e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697, designado a partir 11Jan65 por Sector L1, sediado, à época, em Fá Mandinga, sob o comando do Tenente-Coronel Mário Serra Dias da Costa Campos.

Em 16Abr65, a CCAÇ 508, ao ser substituída pela CCAV 678, foi deslocada para o Xime, tendo assumido a responsabilidade do respectivo subsector, criado nessa data, com grupos de combate destacados em Ponta do Inglês e Galomaro.



Recordo que o tema relacionado com os factos ocorridos em 03 de Junho de 1965, perto da Tabanca de Ponta Varela, na estrada Xime-Ponta do Inglês (infogravura acima), local onde se verificaram quatro baixas no contingente da CCAÇ 508, como consequência de ter sido accionado um engenho explosivo, já foi devidamente abordado em narrativas anteriores, estas associadas com a morte do Cap Francisco Meirelles (1938-1965), tendo como principal fonte de consulta e análise, o livro publicado em sua memória pela sua família (pp 8-11). [vidé P19597; P19613; P19640; P19656 e P19687].



Foto 2 – Ponta Varela (Xime), 03JUN1965. Momento antes da explosão que originou quatro mortes nos efectivos da CCAÇ 508. O Cap Francisco Meirelles (à esquerda) junto do Domingos Cardoso que, segundo julgo saber, era o seu condutor. [P19640]


Entretanto, neste contexto, é oportuno recuperar alguns factos que estiveram ligados às suas mortes, enquadrando-os na situação particular do camarada Domingos Cardoso.

Sabe-se hoje, pela literatura consultada, que a visita de uma equipa de reportagem da Radiotelevisão Portuguesa {RTP] ao Xime, constituída pelos técnicos Afonso Silva (operador) e Luís Miranda (realizador) tinha por objectivo principal recolher imagens e depoimentos sobre a detecção de minas. Tal interesse nascera do facto de naquela zona – Xime-Ponta Varela-Ponta do Inglês – ser muito frequente a colocação de engenhos explosivos por parte dos guerrilheiros do PAIGC, comprovado pelas cerca de quatro dezenas de minas detectadas e levantadas pelas NT, entre Março e Maio de 1965.

Coube essa particular missão ao capitão Francisco Meirelles, na qualidade de Cmdt da CCAÇ 508, ficando decidido que a mesma teria lugar no dia 03 de Junho de 1965, 3.ª feira. Como combinado, as forças destacadas para a missão, os repórteres da RTP e alguns oficiais superiores responsáveis pelo Sector L1 deram início ao compromisso assumido superiormente.

Logo ao 2.º km do Xime, o primeiro percalço: foi detectada uma mina anticarro  [mina A/C]  [foto 3, ao lado]. Como os trabalhos de levantamento da mina demorassem, o capitão Francisco Meirelles propôs ao major Abeilard Martins, 2.º Comandante do Batalhão 697 [BCAÇ 697], irem a pé até à tabanca de Ponta Varela, pois queria mostrar a conveniência da sua reocupação pelos nativos, em regime de auto-defesa, reocupando-se dessa forma uma região muito fértil. Ficariam assim os Comandos a dispor de mais um ponto de observação e de vigilância, e também dificultada a colocação de minas naquela zona.

A sugestão foi aceite. Partiram, então, aqueles oficiais, juntamente com o major Afonso, do Estado Maior do Comando Chefe, que acompanhava os operadores da TV, com o régulo da tabanca de Ponta Varela, com alguns pisteiros indígenas e com duas ou três secções que seguiam nos flancos. Percorridos os 4 ou 5 kms que distam de Ponta Varela, foi esta povoação observada minuciosamente bem como os pontos de defesa e apreciado o panorama do Canal do Geba e dos planos que o ladeiam.

Como fosse perto do meio-dia foi iniciado o caminho do regresso ao Xime. A umas centenas de metros da tabanca de Ponta Varela rebentou repentinamente uma mina antipessoal [, mina A/P], vulgo "bailarina". A mina ao rebentar ocasionou a morte instantânea do soldado condutor auto rodas Domingos João de Oliveira Cardoso, do 1.º cabo José Maria dos Santos Corbacho, natural de São Pedro e Santiago, Torres Vedras e o soldado indígena Braima Turé, natural do Xime. O capitão Francisco Meirelles ficou gravemente ferido na garganta e no tórax, vindo a falecer vinte minutos após a explosão.

Em função da violência da detonação, os corpos dos dois primeiros militares foram sepultados no Cemitério de Bafatá.


3.7 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ALBERTO TEIXEIRA SANTOS, DO PEL REC DAIMLER  1077, EM 28.OUT.1966, ENTRE CAMECONDE E CACINE


A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Alberto Teixeira dos Santos, natural de Vidago, Chaves, ocorreu no dia 28 de Outubro de 1966, 6.ª feira, durante a «Operação Renascença», por efeito do rebentamento de uma mina, no itinerário Cameconde-Cacine, quando as forças no terreno procediam ao socorro de alguns feridos provocados por outros engenhos explosivos, nomeadamente minas A/P, e depois de ter sido detectada e levantada na mesma zona uma mina A/C.

O soldado "CAR" Alberto Teixeira dos Santos pertencia ao Pelotão de Reconhecimento Daimler 1077 (Fev66 a Nov67), Unidade sem qualquer referência no blogue.

Daí que, para a elaboração deste fragmento foi utilizada, como principal fonte de consulta, a literatura Oficial publicada pelo Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 6.º Volume, Aspectos da Actividade Operacional, Tomo I, Guiné, Livro 1, 1.ª Edição, Lisboa (2014), p417, à qual adicionámos outras informações pontuais para alargar o âmbito temático.



 «OPERAÇÃO RENASCENÇA» - 28 DE OUTUBRO DE 1966


A operação em título foi programada pelo Batalhão de Caçadores 1861 (BCAÇ 1861) [18Ago65-17Abr67], sob a liderança do TCor Inf Alfredo Henriques Baeta, Unidade que sucedera ao BCAÇ 600, em 25Ago65, assumindo a partir desta data a responsabilidade do Sector Sul 2 [S2], com sede em Buba e abrangendo os subsectores de Aldeia Formosa, Guileje, Gadamael, Sangonhá, Cacine, (cuja sede passou para Cameconde no início de Dez66) e Buba. A partir de 23Out66, foi reforçado com uma companhia [CCAÇ 1477], que se instalou em Mejo.

A realização desta operação no dia 28Out66, no território de Quitafine, previa, sobretudo, acções ofensivas nas regiões de 'Cambeque' - 'Cassaprica' - 'Cabaz Balanta' - 'Cabaz Sosso' e 'Caboma', e outra acção secundária na direcção de 'Cabonepo', localidades indicadas na infografia abaixo.

Para cumprir esses objectivos, foram mobilizadas as seguintes forças:


► CCAÇ 779 (28Abr65-20Jan67) do Cap Inf José Manuel da Silva Viegas. Assumiu a responsabilidade do subsector de Cacine desde 10Jun65, por troca com a CART 496, com um destacamento em Cameconde, para onde já deslocara um Gr Comb em 08Jun65, e que seguidamente foi reforçado com um segundo Gr Comb. Ficou integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 600 e depois do BCAÇ 1861.

► CCAÇ 1477 (26Out65-27Jul67) do Cap Inf Waldemar Sesinando Monteiro Batista (1.º) e Cap Inf José Alberto Cardeira Rino (2.º). Assumiu a responsabilidade do subsector de Sangonhá desde 14Jan66, após a sobreposição com a CART 640, com dois Grs Comb em Sangonhá e Cacoca, respectivamente. Ficou integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1861 e depois do BART 1896.

► CCAÇ 1488 (26Out65-01Ago67) do Cap Inf António Manuel Rodrigues Cardoso. Em 12Out66, por rotação com a CCAÇ 1438, terminou o deslocamento para Colibuia, iniciado em 29Set66, com um Gr Comb destacado em Nhala, a fim de reforçar o BCAÇ 1861 na missão de execução de um plano de emboscadas continuadas no corredor de Guileje, em coordenação com outras subunidades.

► CCAÇ 1567 (13Mai66-17Jan68) do Cap Mil Inf João Renato de Moura Colmonero. Unidade de reforço na manobra do BCAÇ 1861.

► Para além das Unidades acima, participaram, ainda, o PSap do BCAÇ 1861 e o Pel Rec Daimler 1077, bem como os apoios de Artilharia, Aéreo e Naval.




Mapa da região de Quitafine, onde decorreu a «Operação Renascença»



Desenrolar das acções (síntese):


Em 28 de Outubro de 1966, 6.ª feira, deu-se início à «Operação Renascença». À saída de Tanene, o IN emboscou as NT, tendo retirado perante a reacção destas. Próximo de Cameconde, foi detectada uma mina A/P  de salto e fragmentação, que foi rebentada no local. A cerca de 1 km de Cabaz Balanta explodiram várias minas A/P que causaram às NT seis feridos.

Na progressão para Caboma, na sequência do contacto com o IN, foi-lhe capturada uma espingarda e material diverso, do qual resultou 1 morto e outras baixas prováveis. Na orla da bolanha de Caboma foram destruídas oito casas de mato. Quando seguiam para Cabaz Sosso, as NT foram emboscadas, sofrendo um morto (guia nativo) e cinco feridos. Na reacção, o IN sofreu um morto e a captura de duas granadas de mão.

A cerca de cinquenta metros para além de Caboxanquezinho foi detectada e levantada uma mina . Alguns metros depois as NT accionaram duas minas A/P  implantadas no meio da picada e simultaneamente, já no interior da mata, dois fornilhos causaram às NT quatro mortos e dez feridos. Os cinco mortos eram elementos da CCAÇ 799, de recrutamento local, a saber: Amadú Baldé e Sacamissa Quetá, de Fulacunda; Alfa Djaló, da Ilha Formosa; Gale Jaló, de Bafatá e Opa Colubali, de Catió.

Quando se socorriam os feridos foi accionada nova mina A/P , a poucos metros da mina mina A/C anteriormente levantada, sofrendo as NT mais um morto – o soldado condutor auto rodas Alberto Teixeira dos Santos, do Pel Rec Daimler 1077 – e mais dois feridos.

Depois desta narrativa, sempre muito difícil de descrever e mais ainda de comentar, importa agora dar conta de uma outra, esta bem mais interessante e relevante no contexto da guerra.

Embora não seja caso único, em função de experiência feita, o desenrolar da «Operação Renascença» permitiu sinalizar os valores da solidariedade, da camaradagem e do companheirismo, entre outros, em defesa da vida, que era uma das duas faces da mesma moeda naquele contexto.

A história é a do soldado condutor auto rodas José dos Santos Pedrosa, da CCAÇ 1567. Este, ao aperceber-se de que a sua Unidade tinha apenas um 1.º cabo "maqueiro", logo se ofereceu como voluntário para ajudar o seu camarada sempre que fosse preciso. Ao ter conhecimento da sua disponibilidade, o seu Cmdt - Capitão João Colmonero - concordou com a troca, deixando este de actuar como condutor.

Ora, em função do seu desempenho na «Operação Renascença», foi-lhe atribuída uma condecoração – a medalha de Mérito Militar, bem como concedido um louvor, cujo teor se transcreve:


"Louvado [José dos Santos Pedrosa] porque não sendo um elemento da especialidade de  enfermagem, mas possuindo alguns conhecimentos do mesmo ramo, graças à sua vontade e intuição para tal, foi no decurso da OPERAÇÃO RENASCENÇA um óptimo auxiliar do pessoal enfermeiro, acorrendo a todos os lugares onde era preciso, indiferente ao perigo que a sua constante movimentação o expunha; foi ainda já na viagem de regresso das NT, após a operação, o mesmo elemento incansável, indo buscar, no fundo do seu Ser energias quase impossíveis de admitir, para com a sua acção proceder à recuperação física dos elementos mais necessitados: demonstrou com este sublime exemplo a sua solidariedade para com os camaradas, sendo o soldado Pedrosa, já antecedentemente apontado como militar cumpridor e correcto, merecendo a estima de camaradas e superiores". - Ordem de Serviço 261 de 22/11/1966 do BCaç 1876/CCaç 1567 [cuja divisa era: "No exemplo estará nossa glória".]

Fonte: combatentesdeavintes.blogspot.com/2011/03/jose-dos-santos-pedrosa-guine.html


3.8 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' MANUEL PINTO DE CASTRO, DA CART 1661, EM 16.SET.1967, ENTRE PORTO GOLE E MAMBONCÓ


A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Manuel Pinto de Castro, natural de Lobão, Vila da Feira, a nona na "categoria de minas", verificou-se no dia 16 de Setembro de 1967, sábado, no cruzamento de Mansoa, na Estrada de Mamboncó-Porto Gole, por efeito do rebentamento de uma mina A/C, ocorrida no regresso de uma coluna realizada a Porto Gole visando, por um lado, deixar um graduado que estava em trânsito para cumprir o seu período de férias na metrópole, e, por outro, aproveitar essa oportunidade para transportar alguns géneros alimentícios e medicamentos para o destacamento de Bissá.

O soldado "CAR" Manuel Castro pertencia à CART 1661 (06Fev67 a 19Nov68) comandada pelo Cap Mil Luís Vassalo Namorado Rosa (1.º); Alf Mil Art Fernando António de Sá (2.º) e Cap Art Manuel Jorge Dias de Sousa Figueiredo (3.º).

Do ponto de vista da missão, esta Unidade deslocou-se para Fá Mandinga em 06Fev67, para substituir a CCAÇ 818 e realizar um curto período de adaptação operacional, sob a orientação do BCAÇ 1888, a ter lugar nas regiões do Xime, Enxalé e Xitole até 08Mar67.

Após rotação, por fracções, com a CCAÇ 1439, a CART 1661 assumiu em 03Abr67 a responsabilidade do subsector de Enxalé, com Gr Comb destacados em Missirá, Porto Gole e Bissá, mantendo-se integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1888 e a partir de 01Jul67 do BCAÇ 1912, por alteração dos limites dos sectores daqueles Batalhões.


Para historiar esta ocorrência foram importantes as consultas ao livro (Diário do autor) do camarada Abel de Jesus Carreira Rei «Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968», edição de autor. Lousa. 2002, conforme capa ao lado.

Analisados os apontamentos explícitos no diário (livro) do Abel Rei, redigidos no dia 16 de Setembro de 1967, sábado, em Bissá, retivemos alguns detalhes:

"Às nove e tal da manhã dava-se o primeiro grande "acidente" da companhia [CCaç 1661]. Balanço quatro mortos, sendo dois brancos e dois pretos, e mais treze feridos graves; uma viatura em pedaços; e diversos materiais estragados!"

Os mortos foram: soldado 'Car' Manuel Freitas de Castro, da CART 1661, natural de Lobão, Vila da Feira, e o furriel Álvaro Maria Valentim Antunes, do Pel Caç Nat 54, natural de São Lourenço, Portalegre, ambos continentais, e do recrutamento local, Mamadu Jamanca e Adulai Sissé, do Pel Caç Nat 54, ambos naturais de Bissorã.

Continua: "Uma viatura "pisava" a primeira mina. E íamos fazer oito meses, que nós andávamos a pisar estradas da Guiné! A coluna [foi] feita para levar o furriel "meu vizinho" à Metrópole, em férias – ou melhor, até Porto Gole, para daí seguir para Bissau – trazia-mos géneros e medicamentos, indo tudo pelos ares.

"Morreu o condutor de nome [Manuel Pinto de] Castro, bastante meu amigo e o comandante da coluna, e meu amigo também, furriel [Álvaro Maria Valentim] Antunes, que conhecia a Marinha Grande, tendo já lá trabalhado, pelo que me contou um dia. (…)

"De salientar o espírito de sacrifício com que andaram os sete quilómetros que faltavam até cá [Bissá], mesmo debaixo de fogo, trazendo a notícia de tão grave acontecimento, vindo um deles, o cabo nativo Ananias, com uma perna aberta e os ossos à mostra e um pulso partido, além de outros também bastante amassados, pois andaram pelos ares, e caíram de qualquer maneira, ficando ainda alguns debaixo da viatura que se virou ao contrário, ao lado do buraco, com mais de três metros de diâmetro, originado pela explosão da mina."

Sobre a possibilidade e interesse em publicar uma foto desta ocorrência, dos contactos realizados concluímos que dela não existem registos, o que se lamenta.

Sobre este acontecimento ver, também, o P4858.

 

3.9 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' MANUEL DOS SANTOS CRAVO, DA CART 2340, EM 26.MAR.68, ENTRE JUMBEMBEM E CUNTIMA

 

A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Manuel dos Santos Cravo, natural de Febres, Cantanhede, ocorreu às 22h20 do dia 26 de Março de 1968, 3.ª feira, por efeito do rebentamento de uma mina A/C, no itinerário Jumbembem e Cuntima, durante o deslocamento da força militar que ia participar na «Operação Onça Parda - 26 e 27 de Março'68». Para além desta baixa, verificada na última viatura da coluna, ficaram feridos mais doze elementos dessa força, dos quais três considerados graves.

O Manuel Cravo pertencia à CART 2340, do Cap Mil Art Joaquim Lúcio Ferreira Neto, cuja comissão decorreu entre 15Jan68, chegada a Bissau, e 03Nov69, embarque para a Metrópole (Lisboa). Esta Unidade deu início à sua actividade operacional em 23Jan68, assumindo a responsabilidade do subsector de Canjambari, com dois Grs Comb no destacamento de Jumbembem, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1932 e depois do COP 3.

Para a elaboração deste ponto foram fundamentais os relatos publicados no P2075 «História da CART 2340» pelo seu Cmdt, ex-Cap Mil Joaquim Ferreira Neto, do qual retiramos a imagem abaixo.

 


Foto 4 - O Unimog da CART 2340 destruído por mina A/C, do P2705, 
com a devida vénia.

(Continua)


Fontes Consultadas:

 Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

28Set2019
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Nota do editor: