terça-feira, 29 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20286: O segredo de... (32): Manuel Oliveira Pereira (ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74) e o mistério do "triângulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda"... Um "encontro de cavalheiros" com o IN


Guiné > Região de Bafatá > CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884 (Contuboel, 1972//74) > O Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, membro da nossa Tabanca Grande, da primeira hora. Aqui no "barco turra", a navegar no rio Geba... num embarque de reabastecimento cokmo delegado de batalhão ou j+a integrado na Companhia de Terminal.

Foto (e legenda): © Manuel Oliveira Pereira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Desde 2008 que temos vindo a contar "segredos", pequenos e grandes segredos", da nossa vida militar, coisas passadas há meio século, mas que só agora, por razão ou outra, temos vindo a partilhar uns com os outros...  E já são mais de trinta,o que dá uma média anual de 3 (três)!...

Recordo que o  propósito deste série, "O segredo de...", é esse mesmo: ser uma espécie de confessionário (ou de livro aberto) onde se vem, em primeira mão, revelar "coisas" do nosso tempo  da tropa e da guerra que estavam guardadas só para nós...

É esperado que os nossos leitores não façam nenhum comentário crítico, e nomeadamente condenatório, em relação às "revelações" aqui feitas, mesmo que esses factos pudessem eventualmente, à luz da época, constituir matéria do foro do direito penal, militar ou civil, infringir a disciplina ou ética militar, etc. ...

Saibamos ouvir sem julgar!... É o caso da "revelação" que, aqui há dias, o nosso camarada Manuel Oliveira Pereira, de Ponte de Lima, aqui deixou, em comentário ao poste P20267 (**).

Recorde.se: (i)  o Manuel [Oliveira] Pereira foi fur mil, CCAÇ 3547, "Os Répteis de Contuboel", (Contuboel 1972/74), subunidade que pertencia ao BCaç 3884 (Bafatá, 1972/74); (ii) é hoje advogado;  (iii) vive em Ponta de Lima; (iv) é membro sénior da nossa Tabanca Grande, tendo cerca de 20 referências no nosso blogue.


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Mapa de Sonaco (1957) (Escala 1/50 mil) > Pormenor da posição relativa de Sonaco, na margem esquerda do Rio Geba, a nordeste de Contuboel, com Jabicunda a sudoeste.. Era uma região bastante povoada e próspera...

Os vagomestres das nossas companhias no Leste conheciam Sonaco, onde iam comprar vacas... Apesar da intensificação da guerra na região fronteiriça, a norte,  já nos anos 70, era uma região calma... Referimo-nos ao truàngulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda.

Temos apenas uma dezena  de referências a Sonaco no nosso blogue... 

Era posto administrativo e pertencia ao subsetor de Contuboel. Tenho ideia de que, no meu tempo (junho/julho de 1969) havia lá um pelotão destacado, da unidade de quadrícula de Contuboel (, que já não recordo qual fosse, mas em princípio não podia ser a CART 2479 / CART 11; seria talvez a CCAÇ 2436, 1968/70: passou por Bissau, Galomaro, Contuboel e Fajonquito; ou ainda a CCAÇ 2435, que esteve em Quinhamel, Fajonquito, Contuboel e Nhacra; ambas pertenciam, tal como CCAÇ 2437,  ao BCAÇ 2856, sediado em Bafatá).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).


2. O segredo de... Manuel Oliveira Pereira (ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74): o mistério do "triângulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda"...  Um "encontro de cavalheiros" com o IN


Sonaco  era, quando lá cheguei, em abril de 72,  um Destacamento militarizado. Vindo do Cumeré onde fiz (fizemos) o IAO, e depois de uma curta passagem (dois dias) pela sede da Companhia, em Contuboel, fui render o Pelotão da Companhia “velhinha”.

A guarnição era composta por 30 militares europeus (Grupo de Combate + Cabo Enf + Condutor auto + Sold Transmissões + Cozinheiro civil, o Malan) e um Pelotão de Milícias com 21 elementos.

O aquartelamento era uma antiga casa colonial, esventrada, sem janelas mas com alguma habitabilidade. Situava-se logo à entrada da parte “urbana” da vila, lado esquerdo e junto ao “mercado”. Ou seja a nascente da “avenida” .

A poente tínhamos o Posto de Correio a Igreja (capela),  o “Palacete” do Chefe da Circunscrição, um Chefe de Posto de “nível mais elevado”, e já à saída na direcção de Nova Lamego a Pista de Aviação e a “Estação Meteorológica”. Ao longo da “Avenida” situavam-se muitas casas comerciais e o “Café do Sr. Orlando Gomes”,  o homem que vendia vacas...

Sobre os contactos com o IN muito poderia dizer mas vou resumir. A minha Companhia era composta nos seus quadros por “milicianos” . A única excepção eram o 1º e 2º Sargentos. O Capitão era um quase Engenheiro civil, dois dos Alferes, andavam em Direito. O terceiro Alferes era já médico (exerceu na Companhia).

Dos Furriéis, um a caminho de Direito, outro de Economia e ainda mais dois dos Institutos Industriais o um quinto do Instituto Comercial. Não cito os outros, porque não faziam parte das “conversas privadas antirregime”, nem tão pouco as suas leituras passavam pelo jornal “República”,  nem eram ouvintes da BBC, Rádio Portugal Livre, Rádio Moscovo ou voz da América. Do mesmo modo pouco lhes interessava a “corrente Marcelista" da Assembleia Nacional e desconheciam nome da "ala liberal" como Miller Guerra, Francisco Lumbrales (Sá Carneiro), Francisco Balsemão, etc..

Éramos um grupo, aparentemente acomodado, mas andávamos  preocupados com o rumo que a guerra estava a tomar. Tínhamos oss problemas de quem  vivia no terreno. Andámos eslocados quase permanentemente da nossa base [, Contuboel,]  em reforço de outras unidades.

Fomos, além disso,   ocupar zonas – uma delas, Bambadinca Tabanca – sem que houvesse um aquartelamento. Para nos abrigarmos nos primeiros dias “requisitamos/tomamos posse” de umas moranças (palhotas de cana e colmo. Depois cavaram-se as valas e os abrigos. A alimentação, inicialmente “ração de combate” e depois a eterna “bianda”, por vezes, acompanhada por mais vianda. A água era recolhida a alguma distância onde o perigo espreitava a todo o instante.

 A morte e feridos de companheiros no Batalhão levaram a um repensar na forma de actuar, principalmente no perímetro de actuação da Companhia (Contuboel) e Destacamento (Sonaco).

Num dos períodos em que estou como comandante do Destacamento de Sonaco, tomo a iniciativa – já vinha abordando de forma subtil o velho comerciante Libanês e a sua esposa (uns anos bem mais nova que o marido), com quem por vezes jantava –  de alargar o meu leque de “amigos” (ficaram mesmo amigos) entre os Homens Grandes, o Cmdt da Milícia o Mali e o Cmdt de uma das secções do Pelotão de Milícias, o Djassi. Basicamente a questão era:

 –  Como vocês acham que o IN reagiria se lhe propusemos um “encontro de cavalheiros” ?

A vila de Sonaco era um centro de comércio muito importante. No meio de tanta multidão que diariamente ali  faziam suas trocas, compras e vendas era impressionante. Obviamente, o IN tinha aqui a sua oportunidade para se infiltrar.

Assim, de forma persistente, mas cautelosa, fui alimentando junto dos meus interlocutores a vantagem de uma aproximação da qual ambas as partes beligerantes beneficiariam. Entretanto a acção psicológica – a mesma que o Capitão – prosseguia com “oferta”,  à população, de víveres (farinha, arroz, sal, etc.),  acesso ao médico e/ou ao serviço de enfermagem, medicamentos, transporte para Bafatá e para reuniões da Assembleia Popular,  etc. Numa palavra: dentro do possível, sempre disponíveis!

O tempo foi passando e em mais um jantar na casa do comerciante Libanês, este atira-me com esta:

 – Alguém do PAIGC está aberto a um encontro, mas você terá que ir desarmado...

Incrédulo, perguntei:

 –  Onde e quando?
 – Aguarde, disse ele.

No dia seguinte, fui a Contuboel e chamei o Capitão de parte para lhe comunicar que, sem ele saber, andei a tentar chegar à fala com o IN. Olha-me de alto a baixo, puxa uma “passa” mais forte no cigarro e diz-me:

 – Sabe que também tenho andado a fazer o mesmo?
–  Então,  e agora o que fazemos?
– Nada, esperamos!...

Duas semanas ou três após esta conversa, recebo o Cap Martins em Sonaco. Salta do Unimog, dirige-se a mim e faz-me sinal para o seguir ao interior do aquartelamento e com o dedo aponta no mapa que eu tinha afixado na parede do meu “quarto”, dizendo:

–  É hoje e aqui!

Seguimos quase de imediato. Subimos para o Unimog e como escolta, uma secção reforçada, escolhida a dedo entre “os melhores” do Pelotão. Durante todo o percurso não trocamos uma palavra. A dado momento o Capitão dá ordem de paragem – estamos no interior de uma mata densa, no triângulo Sonaco/Contuboel/Nova Lamego – manda a secção fazer segurança em circulo e para estar atenta.

Nós os dois e apenas com a pistola à cintura, entramos mata dentro, numa caminhada de medo, mas determinada. Alguém viria ter connosco. E veio!... Eram quatro ou cinco guerrilheiros bem armados que nos emboscaram. Um deles, talvez chefe, diz:

– O  acordo é desarmados. Entreguem as pistolas.
– Não –  responde o Capitão. –  Se nos permitem e para que o “encontro se realize”, iremos fazer a entrega aos nossos camaradas que estão a quinze, vinte minutos de distância.

O mesmo guerrilheiro concorda.

Viramos para o ponto de partida e sempre pensei que naquele momento íamos ser abatidos com um tiro pelas costas. Felizmente não aconteceu. Feito o depósito das armas aos nossos camaradas,  o Capitão deixa a ordem que,  caso não regressássemos dentro de duas horas, deveria ser dado o “alarme” para que aquela zona fosse bombardeada.  Diga-se que o nosso pessoal não sabia nem soube – só já em Portugal vieram a saber – qual a razão daquela incursão na mata. Recordo que já no aquartelamento o sold Pinto me perguntou "se as bajudas eram boas"...

Voltamos a fazer a caminhada. Antes, o Cap Martins, faz-me sinal com os olhos com um "Vamos? "
– Claro que sim!

O nervosismo era muito. O medo existia, mas uma força interior me dizia que tudo iria correr bem. O desistir não fazia parte dos nossos planos. Fomos.

Os guerrilheiros voltam a surgir, mas em local diferente. Já não nos apontam as armas. Fazem-nos andar às voltas e mais voltas, até que entramos numa pequena clareira, de 100 a 150 metros. À volta dela muitos guerrilheiros armados. A um dos lados, uma grande tenda branca com um avançado tipo alpendre. No solo, à entrada da tenda um enorme tapete com loiça e bules e um cheiro agradável a comida fresca.

De dentro da tenda sai um indivíduo muito bem vestido com os trajes muçulmanos, aparentando menos de 40 anos. Atrás dele mais dois, também novos. Dirige-se a nós, estende-nos a mão cumprimentando-nos pela patente e nome. A nossa surpresa é enorme, já que os nossos ombros iam vazios e as fardas não tinham nomes. Convida-nos a sentar, o que fazemos,  ao mesmo tempo que pergunta

 – Surpreendidos?
 – Sim – respondemos quase em coro.  – Este aparato, os nossos nomes e patentes…
Olha-nos e diz-nos.

– Sei tudo ou quase tudo acerca de vocês, A vossa forma como fazem a “guerra”, a postura e a relação com a população, a atitude como encaram a nossa luta pela libertação do jugo colonial, a acção dos vossos grupos de apoio a outras unidades da frente, nomeadamente Sare Bacar, Bambadinca Tabanca, Madina Mandinga e sobretudo o respeito que manifestam pelas gentes de Contuboel, Sonaco e Jabicunda (o grande povoado junto à ponte de Contuboel), e na ajuda diária à sua sobrevivência.

Perante este desenrolar de “conhecimento” sobre a Companhia, fomos ficando à vontade, não tanta, quando fomos convidados a beber o chá de menta e o ensopado, presumo, de borrego, Perante a hesitação (medo de estar envenenada) o nosso anfitrião, rindo, disse:

 – Olhem para mim: vou comer e beber do mesmo que vos oferecemos.

De facto a comida estava óptima. Já a bebida..., uma cervejinha gelada saberia melhor, mas enfim!

Neste entretanto lá fomos dizendo das razões que nos levaram a ter este encontro, nomeadamente a “estupidez” de nos matarmos uns aos outros, quando no cerne da resolução estava um problema meramente politico e não militar.

Demos a conhecer, que a ida para a guerra por parte da juventude portuguesa era uma imposição do regime e não do povo português. Daí propor aos guerrilheiros actuantes no nosso sector “um pacto de não agressão”.

Findo os nossos argumentos, ouvidos num silêncio total, tivemos uma contraproposta muito curta que se resumia em continuarmos de forma mais profunda a acção que desde há muito vínhamos desenvolvendo juntos das populações do perímetro [, subsetor de Contuboel].

O nosso interlocutor, para além de ser um poliglota, conhecia a Europa, Cuba, Checoslováquia e URSS.

Corremos e andamos por muitos sítios e a certeza que “fomos” contemplados pela sorte, tivemo-la em Madina Mandinga (ali a sul de Nova Lamego e ao lado de Cabuca e na estrada para Ché Ché) e depois no Dulombi, mais a sul e também perto do Rio Corubal, onde com o meu Grupo fui fazer a ”reocupação” do quartel, entretanto “abandonado/desactivado” por uma Companhia do Batalhão sediado em Galomaro.

Conclusão: O único morto da nossa Companhia – um Furriel, por ter pisado uma mina – aconteceu ao serviço de outra Unidade, na fronteira com o Senegal, entre Sare Bacar e Sare Aliu, Acrescento que NÃO era o nosso Grupo (o meu) a sair. A “besta” do Cmdt de Companhia onde estávamos destacados, deu por “castigo” essa ordem. Daí darmos o benefício da dúvida de que a mina causadora da morte do Furriel Melo tinha por destino a Companhia Independente,  sediada em Sare Bacar e NÃO o 4º Pelotão da CCAÇ 3547 (Contuboel).
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20 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17686: O segredo de... (29): João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67): Porto-Gole 1966: uma aventura no Rio Geba, para nunca mais esquecer... uma daquelas que nos poderia ter custado a vida!

23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16123: O segredo de... (28): Domingos Ramos e Mário Dias, dois camaradas e amigos da recruta e do 1º CSM (Bissau, 1959), que irão combater em lados opostos... No último trimestre de 1960, Domingos Ramos terá sido vítima do militarismo e racismo de um oficial português quando foi colocado no CIM de Bolama, como 1º cabo miliciano

3 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15192: O segredo de ... (27): A minha prenda de Natal de 1963: a destruição de Sinchã Jobel, com o meu engenhoso fornilho montado numa mala de cartão... (Alcídio Marinho, ex-fur mil at inf MA, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

12 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15107: O segredo de... (26): Ser ou não ser furriel na data de embarque (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

29 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15053: O segredo de... (25): A caneta do Governador (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

14 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15004: O segredo de... (24): Segredo desvendado (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)


 2 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14962: O segredo de... (20): Fernando Brito (1932-2014), ex-1º srgt, CCS/BART 2917 (1970/72): quadro, em "folha de capim", do seu infortunado filho (, morto mais tarde num trágico acidenrte, em 2001), pintado pelo caboverdiano Leão Lopes, em Bambadinca, 1971 (Cláudio Brito, neto)


26 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13046: O segredo de... (18): O ato mais irresponsável nos meus dois anos de serviço como soldado de artilharia (Vasco Pires, ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

28 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12648: O segredo de... (17): O maior frio da minha vida (Fernando Gouveia)

25 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12632: O segredo de... (16): Ricardo Almeida (ex-1.º cabo, CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71): Como arranjei uma madrinha de guerra, como lhe ganhei afeição e amor, e como por causa da minha
terrível doença fui obrigado a tomar uma dramática de decisão de ruptura... A carta de amor pungente que ela me escreveu, em resposta..

13 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6379: O segredo de ... (13): Amílcar Ventura e o seu irmão, artilheiro, ferido gravemente em Gampará

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6257: O segredo de... (12): O meu sobrinho Malan Djaló, aliás, Malan Nanque, o rapazito de 8 ou 9 anos anos, apanhado pelo Grupo Fantasmas, do Alf Mil Comando Saraiva, em 11 de Novembro de 1964, em Gundagué Beafada, Xime... (Amadú Djaló)

18 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5670: O segredo de... (11): Um ataque a Bissau, uma bravata do Hoss e do Django (Sílvio Fagundes Abrantes, BCP 12, 1970/71)

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5529: O segredo de... (10): António Carvalho (ex-Fur Mil Enf, CART 6250, Mampatá, 1972/74): Os tabefes dados ao Bacari

21 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5138: O segredo de... (9): Fur Mil J. S. Moreira, da CCAV 2483, que feriu com uma rajada de G3 o médico do BCAV 2867 (Ovídio Moreira)

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5006: O segredo de... (8): Joaquim Luís Mendes Gomes: Podia ter-me saído caro aquele pontapé no...

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura:Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias

11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

4 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4461: O segredo de... (5): Luís Cabral, os comandos africanos, o blogue Tantas Vidas... (Virgínio Briote)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3578: O segredo de... (3): Luís Faria: A minha faca de mato


(**) Vd. poste de 22 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)

Guiné 61/74 - P20285: (Ex)citações (361): Do meu amigo Zé Saúde, com quem estive estes anos todos sem falar da guerra, até ao segredo dos 'Asas Brancas' de Contuboel (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > Tabanca dos arredores > CCAÇ 2479 (1968/69) > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece, que foi mais tarde integrar a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12... A placa rodoviária assinala alguns das povoações, mais importantes, mais próximas: Ginani (17 km), Talicó (22 km), Canhamina (27 km), Fajonquito (30 km), Saré Bacar (39 km), Farim (96 km)...

Contuboel chegou a funcionar como importante centro de instrução militar (CIM=, no início da política da africanização do Exército Português, no 1º semestre de 1969. Em data que não posso precisar, esse centro acabou por ser transferido para a ilha de Bolama, aparentemente mais segura. Em Junho de 1969, Contuboel era descrita como um "oásis de paz" (*) N e nela dava-se formação às futuras CCAÇ 11 e 12 e a um grupo de combate da futura CCAÇ 14.


Foto: © Renato Monteiro (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Manuel Pereira
1. Comentários, ao poste P20267, do Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74) (**)


(i) Na verdade Contuboel foi sempre (?) um Centro de Instrução de Milícias. Pelo menos com a minha Companhia (CCaç 3547) e com outras duas - tenho a certeza porque tenho amigos dessas Unidades - que a antecederam;

(ii) No período destas três (3) comissões não houve registos de qualquer "incidente";

(iii) Razoes, não sei. Sei todavia, que a "acção psicológica" mantida pela minha Companhia junto das populações nativas eram a "nossa" primeira prioridade, tendo por cabeça o Cmd Companhia, o Cap Mil Carlos Rabaçal Martins;

(iv) Poderei acrescentar ao ponto anterior e, até porque já lá vão 45 anos sobre o retorno, algumas inconfidências que podereis confirmar - já foi escrito e ainda estamos todos vivos - que mantivemos contacto com "intermediários" do PAIGC, fizemos permutas de bens essenciais à nossa sobrevivência e por último (?) e depois de muitas diligências, uma "reunião", bem no interior da mata e DESARMADOS (eu, na altura como Cmd do Destacamento de Sonaco e o Cmd Comp Cap Martins), condição que nos foi imposta pelo "IN" e por nós aceite, com um alto dirigente e comitiva do PAIGC.

Eles bem armados, à excepção do alto dirigente e comitiva do PAIGC. Desse encontro, enre outras coisas, resultou um "pacto de não agressão". Este encontro teve eco na Rádio "Maria Turra", pois fomos apelidados dos "Asas Brancas" (símbolo da paz) de Contuboel;

(v) Esta reunião mostrou-se profícua, quer na "quadricula" afecta à Companhia e Destacamento (Contuboel e Sonaco), como também nas nossas permanências em reforço de outras Unidades e muito em especial na "Reocupação"" - tinha sido abandonado pelo Batalhão de Galomaro - do Aquartelamento do Dulombo, ali nas margens do Rio Corubal, por mim e pelo "Pelotão" que tive a honra de comandar e que resultou em "nenhum" ataque por parte do "IN";

(vi) As Fotografias são viagens diferentes no tempo e reportam-se à minha "missão" enquanto delegado de batalhão. Sim, porque para além de "operacional",  também tive, entre outras, funções de ambito administrativo que me proporcionou, correndo perigos evidentes, "viajar . por mar, rio e pelo ar. Nesta última missão permitiu-me conhecer quase "toda (?)" a Guiné, desde Bissau, Bafatá, Xime, Porto Gole, Farim, Mansoa, Bambadinca, Nova Lamego, Aldeia Formosa e Cacine;

(vii) As fotografias são a bordo dos barcos que faziam o "reabastecimento" para os Batalhões / Companhias Independentes, no caso, presumo serem todas no Rio Geba;

(viii) Para melhor compreensão vejam, aqui no "Blogue" algumas postagens minhas, nomeadamente o poste P3264.

Zé Saúde e Nanel Pereira, em Monte Real
(ix) Respondendo ao Luís Graça...

 È verdade nunca falei com o Zé Saúde (José Saúde) sobre a Guiné. Em momento algum, desde dia em que nos conhecemos, nunca o assunto “tropa” foi aflorado.

As minhas, nossas preocupações era gozar a vida. Éramos novos, vindos da guerra (mas não abordada) e precisamos de “viver”. Foram no meu caso 28 meses de Guiné (só passei à disponibilidade em Agosto) e mais um mês “adido” ao RAL1 (RALIS), já que tinha por missão – todos já estavam em casa desde de Junho – levantar do “Niassa”, ancorado na Rocha Conde d’Óbidos, as bagagens (caixotes) da malta do Batalhão, trazer para o RAL1, organizar (agrupar) por regiões/distrito/concelho e transportá-los até à estação da CP de Sacavém, fazer o seu carregamento nos vagões, selar e dar ordem de marcha para as estações mais próximas dos destinatários.

 Obviamente, a minha missão era meramente administrativa. A minha farda velhinha era respeitada quase como se de um “herói” se tratasse. Voltando ao Zé Saúde.

Como dizia, o tempo disponível era para fazer a desforra de tantas privações. Na altura (75), as movimentações políticas ocupavam-me grande parte do tempo. Na faculdade eram as RGE e as RGA. No trabalho as Comissões de Trabalhadores e actividade sindical. No exterior, havia que apoiar o “povo em luta”. Fazer algo pelas cooperativas. Ajudando de borla, inclusive pagando do meu bolso o transporte para ir apanhar azeitona e outros produtos. Havia que dar corpo e voz à ADFA e no aspecto mais pessoal – aqui entra o Zé – o querer conquistar todas as mulheres bonitas. Não havia tempo, queríamos, talvez, esquecer. As “boîtes” e bailinhos em casas particulares completavam-nos. Foi assim que numa noite “bem bebida” quem sofreu as consequências foi o carter do “Morris Mini”,  do Zé Saúde.

È verdade! Só em Monte Real, falamos da Guiné. Fiquei curioso quando vi o nome dele na lista para o “Encontro [Nacional da Tabanca Grande" c e por isso não poderia deixar de estar presente. Foi muito bom!

A minha afirmação de Contuboel nunca ter sido atacada ou flagelada, tem duas fontes. A primeira, a minha (Companhia), porque durante toda a “comissão” (Março de 1972 a Junho de 1974) passamos incólumes. A segunda porque tenho amigos ( 1968/70 e 1970/72 ), um até sogro do meu filho, de seu nome Plácido Lamas, esteve em Contuboel – foi ele e mais alguns que construiu a “moradia” no exterior do arame farpado, quase colada ao parque da “ferrugem”, entrada lado direito da “porta de armas”.

Relativamente ao “centro de instrução de milícias – no meu tempo – foi um facto. Antes de nós, a informação chegou-me pelos os amigos referidos acima. Talvez não percebido a diferença entre Tropas nativas e Milícias.

Nota: Gostaria de incluir algumas fotografias. Como se faz?


Como tenho, ainda, boa memória, estou ao dispor para qualquer dúvida que possa suscitar.
Um Abraço a todos.

Manuel Oliveira Pereira

Fur Mil do BCAÇ 3884 / CCAÇ 3547,
Guiné, março de 72 / julho de 1974. (***)

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Notas do editor


(...) O que eu observo, sob o frondoso e secular poilão da tabanca, é uma típica cena rural: (i) as mulheres que regressam dos trabalhos agrícolas; (ii) as mulheres, sempre elas, que acendem o lume e cozem o arroz; (iii) as crianças, aparentemente saudáveis e divertidas, a chafurdar na água das fontes; (iv) os homens, sempre eles, a tagarelar uns com os outros, sentados no bentém, mascando nozes de cola. (...)

(**) Vd. poste de 22 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)

(***) Último poste da série > 9 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20219: (Ex)citações (360): O sucesso do posto de controlo sanitário de Nhacra, ao tempo em que por lá passavam as "trabalhadoras do sexo" de Bissau, em missão patriótica... (José Ferreira da Silva, autor do bestseller "Memórias boas da minha guerra", 3 volumes, Chiado Books, 2016-2018)

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20284: Notas de leitura (1231): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Agosto de 2019:

Queridos amigos,

A comissão de Eduardo começa em Quipedro e tem o seu término em Barraca. O imprevisto de toda esta narrativa é, como se observou anteriormente, haver uma descrição oficinal a ritmo moderado, o que começa por se contar parece um fotomaton que cabe no currículo de muitos de nós, e de chofre, depois de uma estadia em Quipedro, numa tensão habitual de guerrilha, chega-se ao Leste e é uma autêntica descida aos infernos, daí não hesitar em dizer que nada de mais explosivo se escreveu sobre os horrores da nossa última guerra em África.

E termina-se com uma citação um tanto cabalística do autor na apresentação do seu livro:

"Um forte sentimento de culpa, aliado a laços de camaradagem e de cumplicidade, tem levado os ex-combatentes ainda vivos a silenciarem acontecimentos dramáticos que protagonizaram de modo ativo ou passivo. Esse é um dos grandes óbices a que se escreva a verdadeira história da guerra colonial".

Um abraço do
Mário


Uma das mais explosivas obras da literatura da guerra colonial: “O Alferes Eduardo”, por Fernando Fradinho Lopes (3)

Beja Santos

A obra “O Alferes Eduardo”, por Fernando Fradinho Lopes, Círculo de Leitores, 2000, centrada em acontecimentos ocorridos na guerra de Angola, é um documento com imenso significado. A roda da fortuna lançou um jovem alferes em Quipedro, no Norte, tudo parece levar a crer que é uma guerra de guerrilhas que opõe as forças portuguesas e as surtidas rebeldes, é certo que há população afetada, mas muitíssimo menos grave do que ele vai presenciar no Leste.

Ele escreve em 17 de setembro de 1967, no Alto Cuíto:

“O Alto Cuíto era um simples morro que dominava uma extensa chana onde corria o rio Cuíto, de águas cristalinas. Dentro do espaço protegido por arame farpado, no topo da colina, existiam improvisadas barracas de madeira para utilização da tropa. Contrastavam com a confortável casa de alvenaria do Administrador de Posto.

O Administrador Raposo tinha sob as suas ordens cerca de duas dúzias de milícias mal vestidas e de pés descalços, armadas de velhas espingardas de repetição. Mantinham a sua própria segurança, com um sentinela permanente num torreão de madeira.

Sendo aquela uma zona de guerra, onde as populações haviam abandonado as suas sanzalas e passado para o controlo da UNITA ou do MPLA, não fazia sentido continuar a existir no Alto Cuíto uma autoridade administrativa, pensava o Alferes. Mas o certo é que o Raposo mantinha-se no seu posto como se tivesse sido esquecido pelos seus superiores hierárquicos ou como se estes ignorassem a situação de guerra no terreno.

O administrador convidou o alferes a deslocar-se à secretaria do seu posto administrativo, para participar num interrogatório de negros suspeitos de ligações com a UNITA.

O primeiro detido, ao ser perguntado sobre a localização dos guerrilheiros, nada disse. Os cassetetes dos dois sipaios de serviço funcionaram então implacavelmente, tal como as mãos e os pés do administrador. O interrogado rebolou no chão como se de um objecto qualquer se tratasse.

O segundo detido enfrentou o Raposo com uma aparente serenidade. Também parecia mostrar-se decidido a não declarar nada. E nem sequer reagia às violentas pancadas que um dos sipaios lhe infligia. Poucos saíam dali vivos”.

Mais tarde, o alferes avistou duas vítimas no chão, uma delas com um lago de sangue à sua volta. À noite, os milícias deitaram os corpos num rio.

E comenta-se:

“No Leste, a vida dos adversários ou dos meros suspeitos não tinha significado algum para cada uma das partes do conflito. Assassinava-se a sangue frio, sem dó nem piedade, por tudo e por nada”.

A tropa de Eduardo dá proteção à Junta Autónoma das Estradas, prepara-se uma ponte numa área de intervenção do MPLA, protegem-se serrações de madeiras a 75 e a 95 quilómetros do Alto Cuíto. Ocorrem emboscadas, morre o 1.º Cabo Costa, vítima de uma emboscada próximo da serração do Nhonga. Faz a contabilidade, com apenas um terço da comissão tinham sido feridos e mortos em combate nove soldados. O contexto do terrífico e do horror não abranda.

Ele escreve a 26 de outubro:  

“De manhã saiu, em missão de patrulhamento, uma secção comandada pelo Furriel Marta. Ao cruzar-se com dois negros desarmados, deteve-os e não tardou a eliminá-los, utilizando um processo cruel. Amarrou-os um ao outro, costas com costas. Depois colocou uma granada defensiva despoletada entre os corpos e afastou-se. À distância, gozou o espectáculo macabro dos dois condenados a serem despedaçados pelos estilhaços do engenho explosivo”.

Sucedem-se os patrulhamentos, numa sanzala controlada pela UNITA, os habitantes mostravam-se aterrorizados, nada lhes aconteceu. No regresso de um outro patrulhamento, já perto do Alto Cuíto, “viu o jipe do administrador carregado com cinco negros de mãos atadas atrás das costas, escoltados por sipaios. Não duvidou do destino que os desgraçados teriam mais tarde”.

Os interrogatórios em casa do administrador Raposo não param, Eduardo está enojado, pensou mesmo em prendê-lo mas temeu as consequências. Termina as observações desse dia escrevendo:  

“O morro do Alto Cuíto era um barril de pólvora que mais tarde ou mais cedo teria de explodir”.

Prossegue a atividade operacional, a guerrilha estende-se como mancha de azeite. Os acidentes também não param, caso de um soldado que caiu numa armadilha e ficou espetado num pau aguçado, que lhe entrou na virilha e avançou até perto do pescoço.

Eduardo regressa a Munhango, tinham sido distribuídas armas a uns tantos homens numa sanzala próxima, esses homens passaram-se com armas e bagagens para a UNITA. Já estamos em 1968, os patrulhamentos não abrandam. O relacionamento entre Eduardo e outro alferes é cada vez mais tenso, e o relacionamento com o Capitão Francisco já teve melhores dias. O alferes volta a Cangonga, vem com a missão de penetrar em zonas “libertadas” e surpreender gentes da UNITA, os resultados são magros.

Descreve a 29 de janeiro:

“Verificou que as sanzalas, tempos antes habitadas, iam sendo progressivamente abandonadas pelas populações, entaladas entre as pressões da UNITA e as das tropas portuguesas. Quando se aproximou para cumprimentá-lo, o Sr. Vilaça, madeireiro em Cangonga, insinuou de modo crítico que o alferes era excessivamente brando para com os negros. Defendia que deveria, no mínimo, ser tão duro como o seu antecessor Barradas. A população branca que ainda permanecia no Leste exigia sangue. Queria acções de represália contra os suspeitos. E por ali toda a gente negra era suspeita. Muitos acreditavam que aquela guerra só poderia resolver-se com o terror do branco contra o terror do negro".

Este jogo do gato e do rato com a UNITA, o convite a que as populações se apresentassem frutifica, vão-se apresentando pessoas num pinga a pinga que vai aumentando, vão ser necessárias obras de construção para albergar alguns daqueles que haviam participado em atos cruéis de terrorismo. Melhoram as relações entre os oficiais da companhia, o sofrimento das populações é inesgotável, os episódios de horror repetem-se, como se exemplifica:

“Sentado junto de uma tenda de campanha, vi um negro cambaleante e esfarrapado aproximar-se da porta de armas do quartel de Munhango. Desatou o cordão que trazia amarrado à cabeça e o maxilar inferior caiu-lhe de imediato, deixando-lhe a boca escancarada.

Segurou o queixo com uma das mãos e, quase imperceptivelmente, foi balbuciando o seu drama.
Residia na sanzala de Magimbo quando uma bala lhe destroçou a face. Refugiara-se na floresta, receoso de ser apanhado pela tropa ou pela UNITA. Mas a fome e o medo acabaram por obrigá-lo a apresentar-se às autoridades portuguesas. Ali estava ele em busca de paz e de alimento”.

Os episódios sangrentos avantajam-se, houvera uma emboscada e a tropa reagiu, dois grupos de combate foram tentar a sua captura e fazer justiça.

E repete-se o horror:

“O jovem oficial levava consigo farinha e peixe, a servir de isco. Era um artifício destinado a incutir nos aldeões a ideia de amistosidade. As pessoas, embora desconfiadas inicialmente, quando viram a comida aproximaram-se, na expectativa de alcançarem a sua quota-parte.

Depois dos habitantes estarem reunidos, apareceu o guia denunciante, incumbido de identificar os elementos hostis. Foi nesse momento que compreenderam a intenção da tropa. Assustadas, procuraram fugir em todas as direcções. Eram centenas de negros em fuga precipitada. O alferes não hesitou. Ordenou aos militares que atirassem impiedosamente. Homens, mulheres e crianças tombavam como animais no matadouro”.

Em março, a CCAÇ 1638 viaja para Barraca, um lugar situado a cerca de cem quilómetros a sudeste da capital, junto da estrada que ligava Luanda ao Dondo. A corrente de alta voltagem que se vivera na região Leste vai-se diluindo, regressa-se ao trivial, às situações corriqueiras, fazem-se férias e em fevereiro de 1969 retoma-se a viagem para Luanda, é o regresso.

“Quando chegou à Covilhã, olhou o recorte noturno da montanha sob o céu escuro. A mesma que via desde a sua infância. Os pais acharam-no pouco falador, muito menos do que outrora. Nunca fora expansivo. Mas parecia-lhes claro que ele não desejava falar sobre a sua vivência em Angola. Antes de deitar-se tomou um Vesparax completo. E adormeceu. Não ouviu nem sentiu o forte tremor de terra dessa noite de 27 para 28 de fevereiro de 1969. O maior das últimas décadas em Portugal”.

E assim se chega ao termo de uma obra avassaladora, onde as descrições no Leste de Angola atingem o pico do horror, do medo, da existência sem sentido, como se sobreviver fosse o santo-e-senha.
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Notas do editor

Vd. postes de:

14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20238: Notas de leitura (1226): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (1) (Mário Beja Santos)
e
21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20263: Notas de leitura (1228): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20276: Notas de leitura (1230): "Retalhos das memórias de um ex-combatente", de Ângelo Ribau Teixeira (1937-2012): excerto do capítulo 11, "Mina na Companhia 305", evocação, pungente, da morte do cap inf Oscar Fernando Monteiro Lopes, vítima de mina A/C, na estrada Buela-Pangala, Norte de Angola, em 10/7/1962

Guiné 61/74 - P20283: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte IV


Foto 1 – Mais uma imagem de explosão de mina anticarro, provavelmente accionada por viatura militar, situação que poderia suceder de forma absolutamente imprevisível, pondo em risco de vida todos os seus ocupantes, nomeadamente os condutores auto rodas.


Fonte: Centro de Documentação da Universidade de Coimbra (Arquivo electrónico),
   com a devida vénia.




  O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, 
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
indigitado régulo da Tabanca de Almada; 
tem 230 registos no nosso blogue.



ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE DOENÇA – PARTE IV



1. – INTRODUÇÃO

Eis o quarto fragmento desta temática iniciada no poste P20126, que combina o interesse pessoal com a busca de outros elementos historiográficos emergentes na natureza da guerra. Assim sendo, prosseguimos com a divulgação e análise de mais alguns resultados apurados, tendo por objecto de estudo o universo das "baixas em campanha" de militares do Exército, e como amostra específica os casos de mortes de "condutores auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.

2. – ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)

Como temos vindo a referir, a análise demográfica incluída nesta investigação, e as variáveis com ela relacionada, foi feita a partir dos casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados nos "Dados Oficiais", elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).


Quadro 1 – Distribuição de frequências das variáveis categóricas "em combate" ("contacto", "minas" e "ataque ao aquartelamento"), segundo a relação "ano" e "estação do ano". Considerou-se "Estação Seca", o período entre 1 de Maio e 15 de Outubro, e "Estação das Chuvas", o período entre 16 de Outubro e 30 de Abril.



Gráfico 1 – Distribuição de frequências acumuladas segundo a variável categórica "em combate", por "ano" e "estação do ano".


No que concerne à distribuição de frequências acumuladas relativas à "Estação do Ano" em que ocorreram mortes de condutores auto rodas do Exército, o estudo mostra que não existem diferenças significativas entre "época seca" e "época das chuvas".

São excepções os anos de 1964, 1966 e 1973. Em 1964, registaram 10 casos na "época seca" contra  2 casos na "época das chuvas". Igual tendência foi observada no ano de 1966 (10 contra 5). Em 1973, verifica-se uma tendência de sentido contrário, com 8 casos na "época das chuvas" contra 2 casos na "época seca".

Em suma, este estudo não nos permite concluir que a "estação do ano" tenha tido alguma influência quantos aos casos de mortes em análise.



Gráfico 2 – Distribuição de frequências acumuladas segundo a variável categórica "em combate - por contacto", por "ano" e "estação do ano".

Quanto à distribuição de frequências acumuladas "em combate - por contacto", relativas à "Estação do Ano", o estudo mostra que continuam a não existir diferenças relevantes entre "época seca" e "época das chuvas". São excepções, uma vez mais, os anos de 1964, 1966 e 1973. Em 1964, registaram 10 casos na "época seca" contra 2 casos na "época das chuvas". Igual tendência foi observada no ano de 1966 (7 contra 3). Em 1973, verifica-se uma tendência de sentido contrário, com 5 casos na "época das chuvas" contra 2 casos na "época seca".


3. – MAIS ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERAM MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO DE REBENTAMENTO DE "MINAS"

Neste terceiro ponto, continuamos a observar um dos principais objectivos deste trabalho onde, para além dos números, se recuperam algumas memórias, sempre trágicas, quando estamos em presença de perdas humanas… umas confirmadas ao nosso lado; outras, um pouco mais distantes. Seguimos, agora, com a descrição de mais três "casos" (de um total de trinta e três), enquadrados pelos contextos conhecidos. A principal fonte de consulta continua a ser o vasto espólio do blogue, ao qual adicionámos, ainda, outras informações obtidas em informantes considerados privilegiados.


3.10 - 05 DE FEVEREIRO DE 1966: A TERCEIRA BAIXA DE UM "CAR" POR MINA - O CASO DO SOLDADO AIRES DE JESUS FERREIRA, DA CCAÇ 674, ENTRE CANHÁMINA E CAMBAJÚ (BONCÓ)

A terceira morte de um condutor auto rodas, do Exército, em "combate", por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, foi a do soldado Aires de Jesus Ferreira, natural de Pombal, Leiria, ocorrida no dia 05 de Fevereiro de 1966, sábado, no itinerário entre Canhámina e Cambajú, perto da Tabanca de Boncó.

Este acontecimento também ficou gravado, na cronologia historiográfica da guerra, como sendo o primeiro no território a Norte da Guiné (Bissau), a poucos quilómetros de Cambajú, localidade situada na fronteira com a República do Senegal.

Por curiosidade, este episódio ocorreu na região que viu nascer o nosso colaborador permanente, e grande amigo da «Tabanca Grande», Cherno Baldé, que, naquela data, teria cinco/seis anos e, daí, certamente, desconhecê-lo.

O contingente a que pertencia o soldado condutor Aires de Jesus Ferreira era a CCAÇ 674, Unidade mobilizada pelo Regimento de Infantaria 16 [RI 16], de Évora, do Cap Inf José Rosado Castela Rio. Chegou a Bissau em 13Mai64, tendo regressado ao Continente em 27Abr66, por ter concluído a sua comissão de serviço.

A missão operacional desta Unidade, representada na infogravura ao lado, iniciou-se com a deslocação, em 01Jul64, para Fá Mandinga, onde chegou como reforço do dispositivo e manobra do BCAÇ 506 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Luís do Nascimento Matos]. 

Uma semana depois, em 08Jul64, assumiu a responsabilidade do subsector de Fajonquito, então criado na zona de acção [ZA] do seu Batalhão, e depois do BCAV 757 [23Abr65-20Jan67; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso], tendo destacado um Gr Comb para Canhámina, desde o início de Out64 até 21 do mesmo mês, seguidamente instalado em Cambajú até 03Abr66. 

Destacou ainda outro Gr Comb para Contuboel, desde finais de Out64 até à chegada da CCAV 705 [?] e consequente transformação em subsector.

Em 12Abr66, foi rendida no subsector de Fajonquito pela CCAÇ 1497 [26Abr66-04Nov67; do Cap Inf Carlos Alberto Coelho de Sousa (1º) e Cap Mil Inf Carlos Manuel Morais Sarmento Ferreira (2º)], por troca, recolhendo a Bissau, onde permaneceu temporariamente integrada no BCAÇ 1876 (26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior), até à sua substituição pela CCAÇ 1565 [26Abr66-22Jan68; do Cap Mil Inf Rui António Nuno Romero (1.º), Cap Inf José Lopes (2.º) e Cap Mil Inf João Alberto de Sá Barros e Silva (3.º)], e subsequente embarque de regresso. É de referir que esta Companhia não tem História da Unidade (Ceca, 7.º vol; p331).

A única fonte bibliográfica que se conhece é o livro «O meu Diário, Guiné – 1964/1966 – Companhia de Caçadores 674, de Inácio Maria Góis. Edição do Autor. Gráfica Mineira, Aljustrel. Abril 2006 [P2286], conforme capa ao lado. 

Como já foi referido anteriormente, um dos objectivos desta série é adicionar valor histórico ao contexto onde se verificou cada uma das mortes de condutores auto rodas, por efeito do rebentamento de explosivos (minas e seus suplementos). Daí que, este ponto teria menos significado e importância, caso não aproveitasse o "caldo de cultura" que o Cherno Baldé ["Jubi", como classifica a sua infância em Fajonquito], nos tem presenteado ao longo dos anos, fazendo "engordar" o, já, notável espólio do blogue. Aconselho, por este motivo e por todos os outros não referidos, a "saborear" a sua leitura, um dos cinco sentidos da natureza humana. 

Porque era impossível resumir as suas narrativas, sob pena de se adulterar o sentido de cada explicação, o melhor método recaiu na citação de alguns dos muitos detalhes, aqueles que considerámos pertinentes para este contexto.

Assim, quanto à localização de Cambajú, para onde seguiu, em Outubro de 1964, um Gr Comb da CCAÇ 674, como reforço do destacamento de milícias aí colocado para assegurar a defesa da sua população e das suas rotinas, "estava situada mesmo na linha de fronteira com o Senegal, o que lhe emprestava um certo ar cosmopolita onde se cruzavam pessoas de várias origens e destinos e um certo movimento de vaivém de pessoas e mercadorias com as suas três ou quatro casas comerciais, algumas pequenas boutiques e contrabando pra cá e pra lá das duas fronteiras" (Cherno Baldé; poste P4567).

Por outro lado, o ano de 1965, é a "altura em que a guerra para a independência se alastrava rapidamente e aterroriza as aldeias daquela área e obrigava a uma concentração maior da população em certos locais com algumas garantias de defesa e protecção militar, Contuboel, Saré-Bacar, Cambajú e Fajonquito constituíam as praças-fortes da área.

"Foi nesse ano, com cinco/seis de idade, como refere Cherno Baldé, "que vi pela primeira vez homens  brancos, armados e equipados para a guerra, que se instalaram em Cambajú, onde o pai era empregado de uma casa comercial… a primeira visão foi de terror e fascínio. 

"Quando chegaram as viaturas, estávamos a jogar no largo da zona comercial que também fazia de paragens para as carroças que traziam mercadorias. Foi o barulho dos motores que nos alertou, como habitualmente, corremos atrás dos veículos, e foi nessa altura que reparamos no insólito. As pessoas que estavam sentadas em cima dos veículos, todos vestidos com o mesmo tipo de tecido, um chapéu que se estendia de trás para a frente da mesma cor na cabeça e uma arma entre as pernas, completamente imóveis, não eram pessoas normais, como estávamos habituados a ver. Eram brancos, meu Deus do céu, tão branquinhos que se podia ver o sangue vermelho rubro a correr nas veias. (…)

"No dia seguinte, através do meu amigo e colega Samba, fiquei a saber que tudo não passara de um susto injustificado pois aqueles sujeitos eram soldados portugueses vindos directamente de Portugal, o que queria dizer nossos amigos e aliados."  (Cherno Baldé; poste  P4580).

Outros aspectos, desenvolvidos nos seus escritos, podem ser consultados em «Memórias do Chico, menino e moço»,  de Cherno Baldé. Obrigado!


3.11 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ARMÉNIO MOUTINHO DA COSTA, DA CART 1661, EM 07.OUT.1967, ENTRE PORTO GOLE E BISSÁ

A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Arménio Moutinho da Costa, natural de Gondim, Maia, em 7 de Outubro de 1967, sábado, no Hospital Militar 241, em Bissau, ocorreu um dia depois da viatura que conduzia ter accionado uma mina anticarro, incendiária, na estrada entre Porto Gole e Bissá.

Pertencia à CART 1661 (02Fev67-19Nov68) que, no espaço de três semanas, ficara sem dois condutores auto rodas, o primeiro - o soldado Manuel Pinto de Castro, em 16Set67 - caso abordado no poste anterior [P20217, ponto 3.8], e três viaturas, para além de outras baixas, entre feridos e mortos.

Para a descrição deste doloroso acontecimento, recorremos, de novo, à análise de conteúdo do livro (Diário do autor) do camarada Abel de Jesus Carreira Rei «Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968», edição de autor. Lousa. 2002, conforme capa ao lado.

Refere que Setembro e Outubro de 1967 vão ser dois meses negros para a CART 1661, onde o primeiro morto da companhia ocorre ao oitavo mês de comissão, em 16Set67, por efeito da explosão de uma mina anticarro, no cruzamento da estrada para Mansoa, quando uma coluna auto, saída de Porto Gole, ia ao encontro de forças de Bissá com o objectivo de lhes fazer a entrega de géneros alimentícios.

Depois, a 5 de Outubro de 1967, 5.ª feira, uma outra viatura, na estrada Porto Gole - Bissá, faz accionar outra mina anticarro, originando mais uma baixa mortal e duas dezenas de feridos. No dia seguinte, ou seja em 06Out67, 6.ª feira, uma nova mina anticarro, esta incendiária, é accionada perto do local da mina anterior, provocando alguns mortos e feridos, entre eles o soldado Arménio Moutinho da Costa que foi evacuado para o HM 241, juntamente com os seus camaradas com ferimentos graves, em particular queimaduras provocadas pela explosão. Dos evacuados, seis acabariam por falecer em Bissau nos dias seguintes, enquanto dois pereceram no Hospital Militar Principal, em Lisboa, a 14 e 23 do mesmo mês.

Para que conste na historiografia desta ocorrência, elaborámos um quadro detalhado dos onze mortos provocados pelas duas minas anticarro, accionadas a 5 e 6 de Outubro de 1967, no cruzamento de Mansoa, no itinerário entre Porto Gole e Bissá, de que foram vítimas os seguintes militares da CART 1661.




3.12 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ADELINO DAS DORES RODRIGUES PEREIRA, DA CCAÇ 2316, EM 05.JUN.1968, ENTRE GANDEMBEL E GUILEJE

A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Adelino das Dores Rodrigues Pereira, natural de Campia, Vouzela, ocorreu em 05 de Junho de 1968, 4.ª feira, por efeito do rebentamento de um engenho explosivo, no decurso da «Operação Boa Farpa – 05 e 06 de Junho'68», missão que incluía a escolta a duas colunas entre Aldeia Formosa - Gandembel - Guileje - Gandembel, locais da região de Tombali, no Sector S2.

Para além da baixa mortal do Adelino das Dores Rodrigues, membro da CART 2316 (Jan68-Nov69), verificou-se, ainda, a morte do Alf Mil Inf Álvaro Ferreira do Vale Leitão, natural de Taveiro, Coimbra, da CCAÇ 2317, pelo mesmo motivo.

Para a elaboração deste subponto foram utilizadas, como principais fontes de consulta, as Oficiais publicadas pelo Estado-Maior do Exército, elaboradas pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 6.º Volume, Aspectos da Actividade Operacional, Tomo II, Guiné, Livro 2, 1.ª Edição, Lisboa (2015), p171, e o livro de Idálio [Rodrigues Ferreira] Reis: «A C.Caç.2317, Na Guerra da Guiné. Gandembel / Ponte Balana». Edição do autor. Fev/2012
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«OPERAÇÃO BOA FARPA» - 05 E 06 DE JUNHO DE 1968

A operação em título foi programada pelo BART 1896 [18Nov66-18Ago68], sob a liderança do TCor Art Celestino da Cunha Rodrigues. Esta Unidade ao render o BCAÇ 1861 [23Ago65-17Abr67; do TCor Inf Alfredo Henriques Baeta], em 05Abr67, assumiu a responsabilidade do Sector Sul 2 [S2], com sede em Buba e englobando os subsectores de Sangonhá, Gadamael, Cameconde, Guileje, Aldeia Formosa e Buba e ainda uma companhia em Mejo [CCAÇ 2316], até 28Mai68, para actuação continuada no corredor de Guileje. Em 09Abr68, foi criado o subsector de Gandembel, e, em 12Jun68, a sua zona de acção foi reduzida da área de Aldeia Formosa, que foi atribuída à responsabilidade operacional do COSAF [Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa], então criado. 

Esta operação de dois dias – 5 e 6 de Junho'68 – visava garantir a segurança a uma coluna com dois itinerários diferentes ligando Aldeia Formosa a Gandembel e Guileje a Gandembel. Cada um dos trajectos contava com apoio aéreo. 

Para cumprir os diferentes objectivos, foram mobilizadas as seguintes forças:

► 1GC/CART 1612 [18Nov66-18Ago68], do Cap Art Orlando Ventura de Mendonça. Esta Unidade seguiu em 13Dez66 para Bissorã, a fim de efectuar a segurança e protecção dos trabalhos de reabertura do itinerário Bissorã-Bula, ficando na situação de reforço do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Henrique Alves Calado (1920-2001); atleta olímpico] e depois do BCAÇ 1876 [26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior], tendo ainda efectuado diversas operações nas regiões de Insumeté, Insantaque e Iusse, entre outras. (…) 

Em 18Nov67, por rotação com a CCAÇ 1591 [01Ago66-09Mai68; do Cap Inf Luís Carlos Loureiro Cadete], assumiu a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa, tendo destacado Grs Comb para instalação, por períodos variáveis, em Colibuia, Cumbijã, Chamarra e Porto Balana. Em 13Jul68, foi substituída no subsector de Aldeia Formosa pela CCAÇ 2382 [06Mai68-03Abr70; do Cap Mil Art Carlos Nery de Sousa Gomes de Araújo] e recolheu a Bissau até ao embarque de regresso. (Ceca; 7.º vol; p 210).

► CCAÇ 2316 [24Jan68-08Nov69], do Cap Inf Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos (1.º), Cap Inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira (2.º); Cap Art Octávio Manuel Barbosa Henriques (3.º) e Cap Cav José Maria Félix de Morais (4.º). Esta Unidade, inicialmente colocada em Bissau, como subunidade de reserva do Comando-Chefe, deslocou dois Grs Comb para Bula em 01Fev68, a fim de efectuar o treino operacional e colaborar na segurança aos trabalhos da Estrada Bula-João Landim, sob orientação do BCAV 1915 [14Abr67-03Mar69; do TCor Cav Luís Clemente Pereira Pimenta de Castro]. A partir de 18Fev68, toda a subunidade foi destacada para Bula. 

Em 20Mar68, seguiu para Mejo, a fim de reforçar os meios do BART 1896, tendo substituído a CCAÇ 1622 [18Nov66-18Ago68; do Cap Mil Inf António Egídio Fernandes Loja], em 22Mar68. De 25Abr68 a 15Mai68, na sequência da «Operação Bola de Fogo», para ocupação e construção do aquartelamento respectivo, deslocou parte dos seus efectivos para Gandembel, em reforço da sua guarnição. 

Em 28Mai68, mantendo dois Grs Comb no destacamento de Mejo assumiu a responsabilidade do subsector de Guileje, no mesmo sector do BART 1896, e depois do BCAÇ 2834, e, de 29Ago68 a 07Dez68 do COP 2, tendo substituído a CART 1613 [18Nov66-18Ago68; do Cap Mil Grad Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz (1.º) e Cap Art Eurico de Deus Corvacho (2.º)].

Em 23Jan69, o destacamento de Mejo, sob o qual o inimigo exercera forte pressão e fortes ataques no final do ano anterior, foi extinto e os Grs Comb recolheram a Guileje. (…) (Ceca; 7.º vol; p 107).

► 1GC/CCAÇ 2317 [24Jan68-04Dez69], do Cap Inf Jorge Barroso de Moura (1.º) e Cap Inf António José Claro Pinto Guedes (2.º). Esta Unidade, inicialmente colocada em Bissau, como subunidade de reserva do Comando-Chefe, seguiu por fracção, em 01Fev68 e 18Fev68, para Bula, a fim de efectuar a adaptação operacional sob orientação do BCAV 1915. Em 02Mar68, deslocou-se para Mansabá, a fim de reforçar o BCAV 1897, com vista à realização da «Operação Alma Forte», na região de Tancroal, recolhendo a Bissau, em 17Mar68. Em 20Mar68, foi deslocada para Guileje, sendo atribuída ao BART 1896 e depois ao BCAÇ 2834 e, de 20Ago68 a 07Dez68, ao COP 2, a fim de reforçar a guarnição local.

A partir de 09Abr68, tomando parte da operação «Bola de Fogo» assumiu a responsabilidade do subsector de Gandembel, então criado, procedendo à ocupação e construção do aquartelamento daquela localidade. Em 29Jan69, por evacuação dessa guarnição e a consequente extinção do subsector de Gandembel, recolheu temporariamente a Aldeia Formosa, no sector do BCAÇ 2834. A partir de 08Fev69, foi atribuída ao COP 4, instalando-se em Buba, para colaboração na segurança e protecção aos trabalhos da Estrada Buba-Aldeia Formosa e onde se manteve até 14Mar69, após o que seguiu para Nova Lamego. (…) (Ceca, 7.º vol; p 108).

► PRecFox 1165 [17Jan67-01Nov68], do Alf Mil Cav Michael Winston Schnitzler da Silva. (únicos dados encontrados)Fox 2022 [15Jan68-23Nov69] (Únicos dados encontrados)

► Para além das Unidades acima, participaram, ainda, o PCaç 51; PCaç 69 e 2 PBAÇ 1, com apoio aéreo. 



Infogravura do mapa da região de Tombali, onde decorreu a «Operação Boa Farpa»

Desenrolar das acções (síntese)

[A referida no 6.º Volume, Aspectos da Actividade Operacional, p 171 – CECA]
"Em 05 e 06Jun [1968] – «Operação Boa Farpa». Forças da CArt 1612, CCaç 2316, 1 GC/CCaç 2317, PCaç 51, PCaç 69, 2.º e 3.º PBAC 1, 1 PRecFox 1165 e PRecFox 2022, com o apoio aéreo, realizaram uma escola a uma coluna entre Aldeia Formosa-Gandembel-Guileje-Gandembel, S2.
Em 05 [Junho], no itinerário Guileje-Gandembel, a NT foram emboscadas, por duas vezes.

No regresso a Guileje, as NT sofreram outra emboscada, neutralizaram sete fornilhos e accionaram um engelho explosivo, sofrendo dois mortos [Adelino das Dores Rodrigues, condutor auto rodas da CCAÇ 2316, e Álvaro Ferreira do Vale Leitão, alferes da CCAÇ 2317], cinco feridos e danos em duas viaturas." 

[A referida por Idálio Reis, no seu livro (pp 163-164) acima citado]

● Antecedentes: 

Gandembel/Ponte Balana continuava a precisar de mais alguns materiais de construção, para acabar definitivamente com as casernas-abrigo, em especial para o reforço das suas coberturas, a fim de os seus homens se protegerem da inclemência das chuvas, e principalmente da deflagração de uma qualquer granada de morteiro. Ainda restava em Guileje, algum desse material, e também lá se encontrava um Gr Comb para regressar ao seio da nossa Companhia. A parte restante do material, os víveres e outros meios logísticos, poderiam aparecer do lado de Aldeia Formosa.

● O que se seguiu:

"E a 5 de Junho [de 1968], partem duas colunas de ambas as origens, e que para efeitos de protecção, foi lançada a «Operação Boa Farpa». A proveniente de Aldeia [Formosa], vem e regressa no mesmo dia, sem incidentes. Contudo, a de Guileje, com a participação da CCAÇ 2316, é sujeita a fortes ataques, por força de emboscadas envolvidas com o rebentamento de fornilhos, que vêm a provocar dois mortos e mais de uma dezena de feridos evacuados para Bissau, para além da destruição de uma viatura; há a registar o rebentamento de onze fornilhos a todo o comprimento da coluna, além da deflagração de mais minas antipessoais, e a visão de uma série de fios eléctricos que conduziam a sete fornilhos, o que levou a que alguns militares, em acto brutal de desespero, onde tudo é oprimente, a tentar cortá-los com os dentes.

Desta fatídica coluna, a nossa Companhia [CCAÇ 2317] perde o seu 3.º elemento, o alferes Álvaro Vale Leitão, que é atingido mortalmente na cabeça por fragmentos de um fornilho (…)."


Infogravura da foto de Luís Guerreiro, ex-Fur Mil do 4.º Gr Comb da CART 2410 ("Os Dráculas" – Gadamael, Ganturé e Guileje, 1968/70), referente a uma coluna de Gadamael para Guileje (subida depois do cruzamento), realizada em 19Mar1969 – P5637, com a devida vénia. A meio da imagem, à esquerda, é possível identificar uma viatura destruída por efeito de uma explosão que, tudo leva a crer, seria a que é referida na descrição acima.

[Continua]

Fontes Consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

11Out2019

© Jorge Araújo (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Último poste da série de 8 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20217: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte III

Guiné 61/74 - P20282: Controvérsias (141): o triângulo Jabicunda / Sonaco / Contuboel... Nunca foi atacado, porque tinha à volta uma série de zonas-tampão, Bafatá e a Geba, a sul e a oeste; Fajonquito, Sare Bacar, Pirada e Paunca, a norte e a leste... (Cherno Baldé)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contuboel > 16 de Dezembro de 2009 > O João Graça, médico e músico, posando ao lado do dignitário Braima Sissé. Por cima deste, a foto emodulrada de Fodé Irama Sissé, um importante letrado e membro da confraria quadriyya [, islamismo sunita, seguido pela maior parte dos mandingas da Guiné; tem o seu centro de influência em Jabicunda, a sul de Contuboel; a outra confraria tidjanya, é seguida pela maior parte dos fulas].

O Braima Sissé foi apresentado ao João Graça como sendo um estudioso corânico, filho de uma importante personalidade da região, amigo dos portugueses na época colonial [, presume-se que fosse o próprio Fodé Irama Sissé].(*)

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Jabicunda (?) > C. 1975/76 > Em primeiro plano, sentado, mais do lado esquerdo,  está Fodé Irama Sissé. Em segundo plano, de pé, à direita, O Braima Sissé está à direita, de chapéu vermelho, ainda jovem; atrás de Fodé Irama Sissé, está Sissau Sissé (já falecido) e, "vestido à civil", Malan Sissé que foi quem em Bissau mostrou a fotografia ao nosso amigo, e membro da nossa Tabanca Grande, o antropólogo Eduardo Costa Dias, e lhe me deixou tirar "fotografia da fotografia". Entre Malan e Braima está Arafan Cont+e, aluno de Irama. Fotografia de fotografia, de autor desconhecido, datada provavelmente de 1975/76. 

Foto (e legenda): © Eduardo Costa Dias (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhes > Zona leste > O triàngulo Jabicunda, Sonaco e Contuboel.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)



Cherno Baldé, Bissau
1. Comentário do nosso assessor para as questões etnolinguísticas, Cherno Baldé (Bissau), ao poste P20267 (**):

Caros amigos,

Acabo de regressar de uma viagem (missão de serviço) à zona Leste, mais precisamente ao Sector de Boé, tendo visitado as localidades de Canjadude, Tchetche (Ché-Ché), Dandum e Beli onde funcionam centros de saúde para a população.

Depois, no regresso e na região de Bafatá,  visitamos Contuboel, Cambaju e Fajonquito. Todas estas localidades estão hoje irreconhecíveis, uma sombra do que foram, sem falar das cidades de Gabu e Bafatá que estão numa situação lastimosa. Entregaram o ouro aos bandidos e não se podia esperar melhor.

Sobre o tema do presente Poste (*), só tenho a dizer aliás a reiterar o que já tinha dito em tempos: Contuboel nunca foi atacada e, na minha modesta opinião, porque não fazia parte dos planos da guerrilha e porque tanto Contuboel como Sonaco estavam rodeados de postos militares que serviam de dissuasão a qualquer ataque (Geba e os seus destacamentos, Fajonquito e seus destacamentos, Saré-Bacar, Paunca, Pirada, entre outros, a servir de tampão).



Mesmo Fajonquito, a 20 km da fronteira e situado perto da região do Oio, só foi atacada em 1964
entre os meses de Agosto e Setembro e, nessa altura, foi muito pressionado com ataques prolongados e sucessivos como nos testemunhou o Diário do soldado Incio Maria Góis´,  da CCaç 674 (1964/66), mas com a resistência da companhia e a colaboração da população e autoridades tradicionais que recrutaram milicias, a guerrilha contentou-se com emboscadas e flagelações aos postos avançados. Na verdade, já tinham conseguido assegurar o isolamento do corredor de Sitató e uma vasta zona de infiltração para o Centro do país e para o  Morés.

Uma observação que queria deixar ao Luis Graça é que, para quem vem de Bambadinca e Bafatá, o trajecto para Sonaco faz-se por estrada a partir da localidade de Djabicunda, antes de Contuboel. Embora muito próximos, a ligação entre as duas localidades fazia-se via terrestre passando por Djabicunda por causa do rio Geba.

Com um abraço amigo.

Cherno Baldé

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Guiné 61/74 - P20281: Parabéns a você (1699): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Coronel Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil Inf da CART 6250/72 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 20 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20259: Parabéns a você (1697): Fernando Súcio, ex-Soldado CAR do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74) e Rogério Cardoso, ex-Fur Mil Art da CART 643 (Guiné, 1964/66)

domingo, 27 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20280: Blogues da nossa blogosfera (112): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (28): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

DEPOIS VEM A LUA

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Depois vem a lua
e os braços do luar
como algas de luz.
Depois vem o pensamento
recuperar os segredos
do fundo do mar.
Depois a terra
toma a forma de búzio
e os cabelos são algas
e o mar e as algas
cantam a mesma canção.
Na praia despida
ao lado do meu corpo
estendes teu corpo
de pedaços de céu
azul e luar.
Mas o mar leva-te
num lençol de espuma
e fica na areia
o meu corpo a chorar.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20210: Blogues da nossa blogosfera (111): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (27): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P20279: Blogpoesia (641): "Noites bravas", "Os frascos" e "Vales sombrios", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


Noites bravas

Rabanadas agrestes de vento desvairado
varrem as telhas
e sacodem as folhas prostradas no chão.

Rugem motores nas estradas molhadas.
Se amodorram nas mantas as gentes cansadas.
A jornada foi dura, na luta do pão.
Vêm à baila na mente ensonada, as partes amargas que o dia deixou.

Até que o sono, em ondas sem espuma,
mergulha na paz o corpo e a alma,
povoados de sonhos como se fosse Verão.

Berlim, 20 de Outubro de 2019
10h53m
Jlmg

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Os frascos

De mel, geleia ou marmelada.
Guardados num armário à mão.
Mitigavam nossas amarguras.
Quando a dor ou a tristeza batiam à porta, sem se lhes dar licença.

Amendoins, pinhões, figos secos e amêndoas.
Levantavam nosso moral.
Nas tardes tristes de Invernia.

Um licor melado de amarguinha.
Ninguém o fazia melhor que minha avó.
Dava vida à sombra quando tudo parecia dar torto.
Mas melhor que tudo. Uma revelação.
Os frasquinhos de goiabada que uma prima trouxe de férias a Portugal…

Berlim, 23 de Outubro de 2019
12h58m
Jlmg

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Vales sombrios

Encurralados nos montes, vegetam na sombra.
Só nesgas de sol.
Escorrem cascatas das serras.
Todas somadas, lhe dão um riacho com vida.
Arredado do mundo.
Só quem lá nasce é capaz de ficar.

Mas, no Inverno, tudo muda de cor.
Deslumbramento.
Se reveste de neve e
Enche de gente.
A festa dos skys.
Ó que alegria.
Não se pode perder…

Bar dos Motocas, arredores de Berlim,
15h13m
Jlmg
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Nora do editor

Último poste da série de 20 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20261: Blogpoesia (640): "Chafariz de pedra", "Começar a manhã" e "Queimou-se o estrugido...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20278: (De) Caras (138): o alf mil at art António Freire Vieira Abreu pertenceu ao 2º pelotão da CART 1648 / BART 1904 (Bissau, Nhacra, Binta, Bissau, 1967/69) (João Crisóstomo / Armindo Azevedo)



Guião do BART 1904 (Bissau e Bambadinca, jan 1967/ out 1969)



1. Mensagem, de 21 do corrente, João Crisóstomo, ex-alf
mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67),  nosso camarada da diáspora, a viver desde 1975 em Nova Iorque, recentememnte promovido a régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona (que é tão grande como o mundo):

Caro Luís Graça, e demais camaradas

Acabo de falar com o Armindo Azevedo que me deu/confirmou algumas informações ontem encontradas e ainda as seguintes.

O Vieira Abreu pertencia à Companhia de Artilharia 1648, BART  1904 [Bissau, Nhacra, Binta, Bissau, 1967/69). Era o  comandante do Segundo Pelotão. Foi para a Guiné no Uige a 11 de janeiro de 1967 e voltou no mesmo barco em novembro de 1968.

O nome completo dele é António Freire Vieira Abreu, nº mecanográfico 09758763.


Ao  2º Pelotão da CART 1648, pertenciam 3 sargentos: 2º srgt at art, Manuel Dias Duarte; fur mil at art, Tibério Augusto F. Branco; e fur mil at art, Joaquim Carvalho Justino... E pelo menos quatro primeiros cabos (, dos restantes não temos o nome): Mário Gonçalves Moreira, Joaquim Leite da Silva, Ramiro Moreira da Costa e José Gouveia Pires...

O Armindo disse ter um livro [, a história da unidade.]  com todas as informações sobre o BART 1904.  Ele ofereceu-se para mo “facilitar”; eu evidentemente que não preciso de toda essa info, mas, no caso de alguém estar interessado, pode contactar com ele. Telemóvel + 351 913 212 651..

Um abraço, João.

 2. Comentário do editor LG:

Pronto, João, está identificada a companhia (e o batalhão) a que o nosso Vieira Abreu pertencia, graças aos teus bons ofícios e à resposta pronta do camarada Armindo Azevedo que organizou o último convívio do batalhão, o 50º, este ano em maio passado, no Norte, o 50º Convívio dos Combatentes do Batalhão de Artilharia 1904 (CCS, CArt 1646, CArt 1647 e CArt 1648). Recorde-se o lema do batalhão: "Firmes e Generosos"...

Agora a questão que eu te ponho é a seguinte: faz sentido integrá-lo na Tabanca Grande, a titulo póstumo, como temos feito com outros camaradas que têm vindo a falecer, nestes últimos anos de vigência do blogue (ou, seja, desde 2004)..., sem sabermos qual era a sua (e da família) última vontade ? Possivelmente, ele até poderia querer "esquecer a Guiné", como talvez a grande maioria dos nossos camaradas... que não nos procuram, não nos lêm, não falam desse seu passado...

Que eu saiba, o António, teu condiscípulo de seminário e teu amigo (***),  nunca nos procurou, nem terá mostrado interesse por esta parte, dolorosa, do seu passado. É possível que tenha escritos sobre a Guiné... .Mas tu, João, tens a liberdade de o fazer, patrocinando a sua entrada na Tabanca Grande... Escreves dois parágrafos...Falas com a viúva. É uma pequena homenagem nossa...

De resto, não temos ninguém que represente,  mesmo a título póstumno, a CART 1648... O António seria o primeiro...  Este convite também é extensivo ao Armindo  Azevedo que, felizmente, permanece entre nós, e que nos pode ir facultando mais informação sobre a história do BART 1904. 

Aquele abraço, Luís

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Notas do editor: