sexta-feira, 29 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21019: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (4): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Há um ponto de verosimilhança no delineamento desta aventura ficcional que caiu no charco, ao tempo eu não dispunha de condições para mergulhar nos documentos que conservava da minha comissão militar, não era viável reler as centenas de aerogramas trocados nos dois sentidos com a mulher, os familiares e amigos, a ideia de um diário nem se punha.
Ocorreu, de facto, o tal episódio de uma conversa com uma intérprete de nacionalidade belga, a quem pedi auxílio, congeminava a possibilidade de me lançar num romance apostando nas lembranças que continuavam em vibração, tinha igualmente ao meu dispor a memória de vários colaboradores, furriéis e soldados africanos, podiam ser de grande préstimo para a urdidura do tal romance que metia uma grande paixão luso-belga.
O que aqui se dá ao leitor é uma organização um pouco mais sistematizada do que se chegou a pôr em cadernos, trabalho a que me apliquei durante qualquer coisa como dois anos, com entusiasmo moderado pela implacável agenda das minhas responsabilidades profissionais. O que agora se adiciona, com caráter inovador, decorre do conhecimento que passei a ter da Bélgica e sobretudo de Bruxelas, que me permite "tonificar" a secura do que passei aos cadernos de apontamentos, deitados para o lixo num certo dia em que considerei pôr termo a tal fantasia.
Felizmente que em 2006 voltei à fala com o Luís Graça e foi então que enveredei por outro caminho, de que nunca me arrependi, e com isso assentei praça, com armas e bagagens, e sem termo à vista, neste formidável blogue.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (4): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Annette, não pode imaginar a alegria que tenho nas nossas conversas telefónicas. Percebo perfeitamente que está mordida pela curiosidade em sentir-se envolvida por um processo ficcional que tem por base acontecimentos reais, um mundo novo para si. O que lhe contei naquele almoço, peço-lhe que acredite, é a clara certidão da verdade. Gostaria imenso de escrever um romance onde, a pretexto de uma relação amorosa de dois cinquentões de nacionalidades diferentes, ele fosse contando factos do seu passado, o mesmo se verificando com ela, e um dos temas dominantes seria aquela experiência de guerra na Guiné, que tanto a faz tremer, e percebo perfeitamente porquê, contou-me que teve familiares que viveram a tragédia congolesa em Stanleyville (hoje Kisangani), disse-me que foi um verdadeiro horror, viram gente massacrada ou torturada e regressaram despojados dos seus bens. A nossa presença na Guiné foi um tanto diferente, mais antiga mas sempre superficial, estávamos norteados pelo comércio de troca, depois o tráfico de escravos, que teve alguma expressão, e no século XIX, finda a escravatura, fez-se uma aposta bastante errática na exploração agrícola, é coincidente com um período tortuoso das nossas finanças, chegou-se mesmo a pensar em entregar a Guiné a uma companhia majestática, como aquelas que funcionaram no século XVIII. O que resta de todo esse tempo da nossa presença é uma fortaleza numa vila chamada Cacheu e uma outra fortaleza, feita muito mais tarde, que se chamava da Amura, quando a povoação onde se instalou, pequeníssima, era conhecida por S. José de Bissau.

Fortaleza de Cacheu, 
Com a devida vénia, do blogue Alma do Viajante

Ângulo da Fortaleza de Amura
Com a devida vénia, do blogue Marinha de Guerra Portuguesa

A nossa fixação deu-se sobretudo na orla marítima, sobretudo em pontos salientes dos rios ou rias, dava pelo nome de praças, presídios ou feitorias. A hostilidade da população autóctone era dominante, as autoridades eram forçadas a dar presentes, vivia-se, na maioria dos casos, sempre na expetativa de assaltos e pilhagens. Em pleno século XIX, dá-se um desastre no Norte da colónia, num local chamado Bolor, procurava-se intimidar rebeldes Felupes, acabou tudo num massacre de tropas, sobretudo cabo-verdianos. Foi nessa altura que este território cuja superfície estava mal definida, ninguém sabia ao certo onde começava e acabava, tratando-o por diferentes nomes, um deles eu gosto muito, a Pequena Senegâmbia, e que era administrado por Cabo-Verde, foi desafetado e passou de distrito autónomo à colónia da Guiné, com capital numa ilha do arquipélago dos Bijagós, de nome Bolama, passou a ter governador. As receitas eram escassas, os investimentos mínimos, o pessoal administrativo de péssima qualidade, foi-se introduzindo o arroz, comerciando a mancarra (amendoim), o coconote, curtumes, cera, havia um tributo chamado imposto de palhota de funcionamento muito irregular. As sublevações eram constantes e toda a metade do século XIX veio a conhecer profundas alterações demográficas, os povos Fulas dominaram os Mandingas, no Leste da colónia e envolveram-se em lutas brutais com os Beafadas, numa região do Sul chamada Forreá. Se eu lhe estou a contar estes pormenores é para que a Annette se possa aperceber da frágil ligação entre as autoridades portuguesas e a diversidade étnica da colónia, que se refletia até no quadro religioso, uma maioria dessas etnias eram animistas, tendo deuses ligados à Natureza e um número bastante importante de islamizados. O cristianismo teve sempre poucos aderentes, todo aquele clima palustre, com febres e malária, a quase impossibilidade de se fazer missionação sem o apoio de uma praça ou de um presídio, o que acentuava a desconfiança dos autóctones, foram fatores determinantes para a pouca expressão do cristianismo, que acabou por se circunscrever à capital e a algumas vilas. O ensino era péssimo, daí a falta de elites. É este o pano de fundo sabiamente explorado para a subversão nacionalista que ganhou consistência no final dos anos 1950.

O Governo português ia recebendo informação de toda esta agitação anticolonial, fez-se uma reforma nas Forças Armadas, começou-se a estudar a estratégia das guerrilhas, caso da Argélia, e em 1961 uma onda de terror foi desencadeada no Norte de Angola. Volto atrás para esclarecer de que de 1958 para 1960 apareceram duas nações independentes à volta da colónia da Guiné, a República da Guiné e o Senegal, a primeira delas manifestamente recetiva a exacerbar a luta nacionalista na nossa colónia, o líder africano Sékou Touré tinha claras ambições de alargar fronteiras e constituir um país correspondente ao seu sonho étnico, a Grande Guiné. Encontrou pela frente uma forte resistência do líder nacionalista Amílcar Cabral, que defendeu as fronteiras tal como elas existiam e sempre considerou que a língua que se iria falar no novo país seria a língua portuguesa. Ele sabia bem porquê.

Este líder foi muito cuidadoso a delinear a estratégia da subversão. No interior da colónia, começou o aliciamento de jovens que eram dirigidos para Conacri, onde a direção política estava sediada e tinha uma escola de formação. Um grupo desses jovens foi preparado numa academia chinesa, serão eles os primeiros comandantes da guerrilha e agentes da subversão que começaram a trabalhar no interior, sobretudo no segundo semestre de 1962. Foram conquistando apoios, intimidando e aterrorizando, em poucos meses toda a economia da região Sul se afundou e as populações tomaram partido, uns fugiram para a República da Guiné, à espera que tudo serenasse, outros deram apoio declarado à guerrilha e passaram a viver em lugares pouco acessíveis e protegidos por milícias armadas; outros pediram proteção aos portugueses e em meses cresceram povoações que davam pelo nome de Gadamael, Catió, Cacine ou Cufar.

As autoridades de Bissau (a capital mudou de Bolama para Bissau em 1941) dispunham de poucos efetivos militares, o sistema de informações era nulo, a realidade mudava todos os dias, com esses poucos efetivos militares tinha-se a ilusão que se andava a apagar fogos que se multiplicavam e que só se extinguiam temporariamente. Os efetivos vão crescer a partir de 1963, com grandes discussões quanto ao modo como fazer recuar a guerrilha, que ia crescendo. Esta guerrilha começou com armamento incipiente, melhorou de ano para ano, o nosso armamento, em contrapartida, era muito antigo, o terreno não permitia, de um modo geral, o uso de viaturas de combate, mas deu-se resposta quer com a criação de destacamentos numa tentativa de fixar populações e de dificultar o itinerário dos abastecimentos da guerrilha, passaram a atuar as forças especiais, mas os resultados eram naturalmente efémeros, atingia-se um objetivo, podia haver prisioneiros e mortos, captura material, mas não se podia fixar aí destacamentos ou habitações de autóctones, as flagelações eram constantes, as minas, anticarro e antipessoal, surgiram logo em 1964, era uma das expressões mais temíveis daquela luta armada. E a guerra foi-se prolongando, com períodos de aparente impasse.

Em 1968, quando cheguei à Guiné, pouco tempo antes aparecera o novo Governador que era também Comandante-Chefe e trazia a aura de bravura, dotado de uma grande mentalidade ofensiva, supunha-se que ele iria mudar o rumo da guerra. Eu era um subalterno insignificante, fora retirado de uma unidade que se formara em Portugal, depois de um grave contencioso com o respetivo responsável, um capitão, e apodado de ser ideologicamente inapto para a guerra de contraguerrilha, cheguei a Bissau em rendição individual, competia ao respetivo Comando Militar da Guiné atribuir-me uma unidade. No fim de julho desse ano fui informado de que iria para a região Leste (na verdade, mandaria o rigor que se dissesse região Centro-Leste), cabia-me a responsabilidade de comandar efetivos africanos, Caçadores Nativos e Milícias, em dois destacamentos. No dia 2 de agosto, fui metido numa embarcação civil com a minha bagagem (mais tarde vou contar à Annette o conteúdo dos meus trastes) e depois de dez horas de viagem cheguei a uma povoação chamada Bambadinca, aí dormi e na manhã seguinte um oficial de operações explicou-me qual a missão que me cabia, proteger um regulado, de nome Cuor, com dois destacamentos chamados Missirá e Finete, os efetivos eram dois pelotões de milícias (inicialmente numerosos) e um pelotão de caçadores nativos, Fulas e Mandingas, com população variada, Mandingas sobretudo em Missirá, Balantas, Mandingas e Fulas em Finete.

Esse mesmo oficial que parecia querer tranquilizar-me quanto à densidade de perigos com que eu estaria confrontado, foi muito enfático e elevou claramente a voz para me dizer que havia uma missão da maior responsabilidade, proteger a navegabilidade do Geba, impedir quaisquer atos terroristas sobre aqueles barcos fundamentais para o abastecimento da região Leste. E a 4 de agosto, ao princípio da tarde, veio um grupo de militares de Missirá buscar-me, atravessei de canoa o Geba, uma viatura chamada Unimog, num passeio de autêntica montanha-russa percorreu um estreito caminho sobrepujo a um extensíssimo arrozal, onde trabalhavam mulheres que me acenaram festivamente à passagem. Começava a minha guerra, todos os pormenores são devidos à Annette, para depois, com a sua preciosa ajuda, prepararmos, como eu tanto desejo, a carpintaria do romance. Veja o trabalho que lhe estou a dar e por isso lhe peço desde já que aceite o meu profundo reconhecimento. Daqui a uns dias telefono-lhe, para lhe anunciar a data da minha chegada a Bruxelas. Oxalá que esteja na Rua do Eclipse, temos muito que conversar e gostava muito que organizasse um passeio ou na cidade ou nos arrabaldes. Sinto-me muito bem no seu país, viveria aí sem qualquer dificuldade até ao resto dos meus dias, Paulo Guilherme.

Monumento aos aviadores italianos falecidos em Bolama
Com a devida vénia ao blogue Cadernos da Libânia

A Guiné na Exposição do Mundo Português, 1940


O autor a caminho de uma operação

Restos da viatura destruída pela mina anticarro, em 16 de outubro de 1969, em Canturé, Cuor

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20998: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (3): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21018: Ser solidário (232): Campanha do Banco Alimentar Contra a Fome: 22 a 31 de Maio - Ajude a divulgar ! Obrigado (António Ramalho)





1. Mensagem do António Ramalho [ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, a viver em Vila Franca de Xira, membro da Tabanca Grande, com o nº 757: tem mais de duas dezenas de referências no nosso blogue]
Data: 28 de maio de 2020  | 07:33

Assunto - Campanha do Banco Alimentar: 22 a 31 de Maio - Ajude a divulgar ! Obrigado


Caros amigos, muito bom dia!

Queria lembrar-vos que está a decorrer a referida Campanha Vale do BACF. [Banco Alimentar Contra a Fome].

Se todos puderem e desejarem participar,  vai ser um êxito e contribuirá para aliviar um pouco a necessidade alimentar de muitas famílias.

Nas GMS [, grandes e médias superfícies,] que visitei, os vales estão à vossa disposição nos seguintes locais:

LIDL - Num expositor algures à entrada ou nos corredores recolher os Vales e entregar à Operadora da Caixa;

PINGO DOCE - Solicitar à Operadora da Caixa;

MODELO/CONTINENTE - Solicitar à Operadora da Caixa-

Conto com o vosso espírito de solidariedade, os que assim o entenderem.

Um abraço

António Fernando Rouqueiro Ramalho

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Nota do editor:

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21017: Manuscrito(s) (Luís Graça) (183): Paimogo, poema para dizer em voz alta à janela ou à varanda, uma boa terapia contra os "irãs maus" que infestam agora os poilões das nossas tabancas, em tempos de COVID-19


Lourinhã > Praia de Paimogo > 19 de maio de 2020 > Fim de tarde > Enseada, pequeno porto piscatório e forte militar do séc. XVII (ao alto) (*)


Lourinhã > Praia do Caniçal, contígua à Praia de Paimogo, a sul > 19 de maio de 2020, fim de tarde >



Lourinhã > Praias de Paimogo e Caniçal > 12 de maio de 2020 > Ao fundo, em primeiro plano, à direita, antigos viveiros de lagosta, agora em ruina.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Praia de Paimogo (*)


À memória de Ruy Belo (Rio Maior, 1933 - Queluz, 1978),  

poeta maior da língua portuguesa, vitima do Portugal mesquinho, 

e que nunca aqui esteve, em Paimogo, 

mesmo sendo meu vizinho da praia da Consolação



Oh!, quem me dera que tu fosses o meu berço,
Praia de Paimogo da minha infância,
Trocaria por ti a transumância
Dos passos perdidos pelo universo.

Do alto das tuas jurássicas muralhas,
Questiono a vida e as suas origens,
E o que sinto são apenas vertigens
De barcos naufragados em batalhas.

Quantos dos teus filhos, soldados, marinheiros,
Deram p’lo teu chão as suas vidas,
Que a morte é de todas as medidas
A mais crua, relógio sem ponteiros.

Gostava de subir, um a um, os degraus
Da escadaria do teu velho forte,
Agora abandonado à sua sorte,
E aí ver passar as últimas naus.

Fosse a vida uma ciência, dura ou mole,
Mais do que arte, com os seus horrores,
Não se mataria por mal d’ amores,
A filha do capitão, ao pôr de sol.

Falésias que são lições de geologia,
E extensos, de fósseis,  cemitérios…
E que sei eu da evolução ? Mistérios
Que nem o Darwin desvendaria.

Gosto de perscrutar o sol, o sal, o sul,
Ao fim de tarde, contando as traineiras,
Que à sardinha vêm, lambareiras,
Entre tons de vermelho e de azul.

Lourinhã, Praia de Paimogo, 19 de maio de 2020,
no desconfinamento da pandemia de COVID-19
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Vd também postes de:

18 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11950: Manuscrito(s) (Luís Graça) (8): Périplo amoroso pelas praias da Lourinhã, no nosso querido mês de agosto de todos os aniversários...



18 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16398: Manuscrito(s) (Luís Graça) (91): A ilha da praia do Caniçal...

20 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16405: Manuscrito(s) (Luís Graça) (92): Praia do Caniçal: memórias

(**) Sobre o Forte no Lugar de Paimogo / Forte de Nossa Senhora dos Anjos de Paimogo IPA.00006327. Portugal, Lisboa, Lourinhã, União das freguesias de Lourinhã e Atalaia.

Arquitectura militar, barroca. De planta regular compõe-se de um único corpo com casa forte de planta rectangular, terreiro lajeado e terraço e no interior por corpo principal constituído por 3 divisões maiores, onde seriam os quartéis e por 2 outras dependências onde eram utlizadas ou como casernas ou como paióis. 

O corpo principal do Forte é semelhante ao Forte de Milreu na Ericeira (v. PT031109060052 ) edificado na mesma altura. Constitui o 2º ponto fortificado a S. de Peniche e integra-se na 2ª linha fortificada, de Peniche a Cascais e à barra do Tejo. 

Exemplar quase único de fortificações posteriores à Restauração sem alterações arquitectónicas. Faz parte de um conjunto de fortes constituídos no reinado de D. João IV para defesa da costa contra possíveis investidas de barcos espanhóis. 

Está ligado à história militar porque a pequena enseada protegida pelos seus fogos, serviu de desembarque às tropas inglesas que vieram reforçar as forças anglo-lusas do comando do marechal Wellington que tomaram parte no combate da Roliça e Batalha do Vimeiro *5, aquando da 1ª invasão francesa em 1808. 

Situando-se no limiar do barroco, constitui um valioso exemplar de arquitectura militar do séc. 17 do tipo abaluartado, chamado "obra corna"

Guiné 61/74 - P21016: Pequeno dicionário da Tabanca Grande (12): Pilav, Pil, Pil Nav... Vamos lá a ver se a gente se entende (Gil Moutinho, ex-fur mil pil, BA 12, Bissalanca, 1972/73)


Gil Moutinho, ex-fur mil pil, BA12, Bissalanca, 1972/73


1. Comentário do nosso grã-tabanqueiro Gil Moutinho, ex-fur mil pil, BA12, Bissalanca, 1972/73, é um dos régulos da Tabanca dos Melros;  recorde-se que ele mantém a parte agrícola da sua quinta e faz a gestão do restaurante Choupal dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, especializado em eventos (casamentos, batizados, festas):

Boa tarde,  Luís Graça (*)

Vou dar ajuda quanto aos PIL (abreviatura de Piloto)

(i) Só PIL. era a abreviatura aplicada a  todos os pilotos sargentos milicianos  ou do quadro [ex: furriel mil pil Gil Moutinho]:

(ii) PILAV: todos os oficiais milicianos  ou do quadro [ex., ten pilav Miguel Pessoa, alf mil pilav Jorge Félix]; 

(iii) E havia  ainda os PIL NAV (navegadores): todos os oficiais do quadro que vieram de sargento fazendo o respectivo curso de oficiais por atingirem tempo de serviço.

No meu curso e nos outros os alunos piloto do CSM ou do  COM faziam curso, eram brevetados,sempre juntos e a classificação do fim do mesmo era por mérito, ,vulgo desempenho.

Saúde
Gil

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Gil, vamos corrigir o nosso Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, que estava "asneirado" (**)... Veja-se:

Pil - Piloto (miliciano) da FAP;

Pilav - Piloto aviador, saído da Academia Militar (Os milicianos são apenas Pil) (FAP)

Vamos fazer as devidas correções. (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de maio de  2020 > Guiné 61/74 - P20968: FAP (118): O último voo do «T-6 1795» em Canquelifá, e a morte do fur mil pil Alberto Soares Moutinho, em 4/12/1969 (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 1 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20614: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (10): edição, revista e aumentada, Letras O / P / Q

(***) Último poste da série > Vd. poste de 12 de março de  2020 > Guiné 61/74 - P20726: Pequeno dicionário da Tabanca Grande (11): edição, revista e aumentada, Letras R / S /T / U / V / Z

Guiné 61/74 - P21015: Parabéns a você (1810): António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 17 (Guiné, 1973/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de maio de  2020 > Guiné 61/74 - P21012: Parabéns a você (1809): António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21014: Historiografia da presença portuguesa em África (211): Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
A vasculhar a coleção do Boletim Geral das Colónias e Boletim Geral do Ultramar, publicações naturalmente oficiosas, mas onde, em dado passo, era possível obter informação sobre projetos em curso, encontrei referência ao que se pretendia fazer na regularização e defesa do rio Geba e notícia pormenorizada à Fazenda Experimental de Fá, como aqui se resume.
Seria bem interessante que quem viveu em Fá e conheceu as instalações, e possua delas imagem, aqui as publicasse.
Aproveita-se para pedir aos amigos guineenses se têm imagens atuais do que se procurou fazer para a regularização e defesa do rio Geba e de como é hoje Fá, se algum daqueles projetos teve continuidade ou se está tudo reduzido a ruínas. Talvez o Patrício Ribeiro, um confrade tão esforçado, nos dê notícia do que é a Fá atual...

Um abraço do
Mário


Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra

Beja Santos

Quem procura sempre alcança. Não é taleiga fácil mexer no acervo do Boletim Geral das Colónias e no Boletim Geral do Ultramar, que lhe sucedeu, em 1951, quando deixámos de ter colónias e passámos a ter províncias ultramarinas. Depois de folhear muito papel depara-se no n.º 443, de maio de 1962, um artigo onde a propósito de grandes projetos e realizações em África se faz larga referência às realizações em curso pela Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné: o que se estava a fazer no rio Geba e na Fazenda Experimental de Fá. Vale a pena extrair as informações oferecidas por autores anónimos.

Primeiro o Geba e a sua economia:
“Na agricultura, a principal produção é o arroz de regadio. Outros produtos comercializados da região são o coconote e o óleo de palma. A campanha da mancarra, principal produto de exportação da província, provoca um aumento do movimento de navegação do rio durante a época seca, período em que as condições de navegabilidade são mais deficientes. As estradas existentes na região servem de complemento à rede fluvial de transporte, que, devido às condições topográficas da região, com numerosos cursos de água que tornam a construção de estradas muito onerosa devido às numerosas obras de arte necessárias e desvios anormais dos percursos a que obrigam, se deve considerar como o meio mais económico de drenar os produtos agrícolas da região”.
Não menos curioso é o texto referente às caraterísticas fisiográficas do rio Geba:
“O troço do rio compreendido entre Bafatá e a foz apresenta um primeiro escalão com cerca de 35 km a contar da foz com leito sensivelmente estável, embora meandrizado; a zona seguinte, com 40 km, está altamente meandrizada e é muito instável, com as margens em permanente erosão; a zona final, até Bafatá, é estável, embora ainda meandrizada. Para dar ideia da meandrização, basta dizer que o percurso do rio entre Bafatá e Bambadinca excede 70 km, ao passo que em linha reta a distância se reduz a 27 km. De uma maneira geral pode dizer-se que a largura do leito vai estreitando de Bafatá para jusante, até Fá, onde atinge um mínimo, alargando depois gradualmente até à foz. O leito do rio está em acelerado assoreamento, como prova o facto de se registarem em 1896 marés com a amplitude de 2,40 m em Geba, quando em 1958 não excedem 0,20 metros. Este assoreamento está a dificultar cada vez mais a navegação do rio. As terras baixas marginais, que entre Bafatá e a foz atingem cerca de 18 000 hectares, podem dividir-se em duas partes. A zona de montante, com cerca de 12 600 hectares, é alagada durante a época de chuvas pelas águas do rio, que transborda do seu leito, impossibilitando que aí se faça todo e qualquer aproveitamento agrícola. A zona de jusante, com 5 400 hectares, é somente alagada em alguns pontos de cota mais baixa e nos períodos de maiores marés, sendo já hoje cultivada com arroz”.

Seguidamente, são referenciados os objetivos das obras no setor agrícola, dos transportes, na parte industrial e no setor político-social. Depreende-se que o grande objetivo era a defesa dos terrenos marginais e o aumento da área agricultável, o propósito de diminuir custos dos fretes e das despesas de conservação das vias de transporte. Pretendia-se obturar a foz do rio por um açude, impedir a propagação da maré e das aluviões por ela transportadas e manter o nível das águas a montante a cota suficiente para a navegação. A par deste objetivo pretendia-se construir um canal de navegação, com eclusas, para transpor o desnível entre a albufeira criada pelo açude e a cota natural do canal de Bissau a jusante. Faz-se o elenco do que se pretendia como obras de regularização e navegação: o açude, o canal de navegação, as eclusas de navegação. Em paralelo, haveria obras de aproveitamento agrícola: defesa contra as cheias, obras de enxugo, a estação de bombagem, a rede de rega, sobretudo. Dei voltas à procura de mais elementos sobre o avanço destes projetos, o curioso é que neste artigo do Boletim Geral do Ultramar se veem fotografias da estação de bombagem, da rede de enxugo, do campo experimental de amendoim e da rede de rega. É neste contexto também que se menciona o projeto da Fazenda Experimental de Fá.
Escreve-se o seguinte:
“Para o estudo do interesse agrícola das terras baixas marginais do rio Geba torna-se necessário proceder à experimentação, de modo a obter elementos que permitam elaborar com base segura um esquema de exploração daqueles solos. Com esta finalidade construiu-se em Fá uma fazenda experimental ocupando uma área de cerca de 125 hectares.
Entre as culturas ensaiadas na fazenda contam-se, na zona de terras baixas, arroz, juta, crotalária, cana sacarina, feijão congo e rícino; na zona da base da encosta, a cotas mais altas que a anterior, cana sacarina, citrinos, café, bananeira, coleira, ananaseiro, feijão congo, pimenta preta, mandioca e culturas miscelâneas; finalmente, na zona do planalto, amendoim, rícino e feijão congo”
.

E elencam-se igualmente as obras de defesa contra as cheias, de enxugo, de rega, a estação de bombagem, a piscicultura, referindo-se instalações que muitos militares conheceram: instalações agrícolas da fazenda, que constam de celeiro e eira coberta, instalações para pessoal e serviços, e escreve-se o seguinte:
“Num único edifício, com dois corpos, instalaram-se os laboratórios de análises, hidrobiologia, estudo do descasque do arroz e rendimentos, arquivo de sementes, etc.; os gabinetes de trabalho do pessoal técnico e dos serviços administrativos; uma sala de reuniões e biblioteca; e um anexo com o posto de socorros e enfermaria.
Em duas moradias, uma das quais geminada, fica instalado o pessoal técnico com família; numa casa com quatro quartos, o pessoal técnico sem família. Anexo a esta casa existe um centro cívico, que serve de cantina e centro de reunião.
Prevê-se a construção de outra casa para habitação do pessoal auxiliar assalariado na província da Guiné. Para os trabalhadores da fazenda construíram-se várias casas de madeira e querentim rebocado, com cobertura de alumínio, uma cozinha, um refeitório e instalações sanitárias.
A rede de abastecimento de água consta de um poço, cisterna e central elevatória; dois reservatórios de água; uma estação de tratamento de água; e tubagem de condução e distribuição”
.

Seguramente que este mundo aqui versado desapareceu, terá deixado vestígios. Bom seria que quem passou por Fá e captou imagens as publique aqui, são naturalmente posteriores a 1962. Recordo que este Boletim Geral do Ultramar n.º 443 de maio de 1962, está disponível no site, todas as imagens que acompanham a descrição destes projetos também ali aparecem. Resta saber o que é que as autoridades da Guiné-Bissau fizeram deste projeto ou que reutilização deram à Fazenda de Fá. Talvez o Patrício Ribeiro nos possa ajudar…

Fá Mandinga
Imagem retirada de http://trip-suggest.com/guinea-bissau/guinea-bissau-general/fa-mandinga/

Adriano Moreira faz a sua primeira visita à Guiné, vem de Angola, foi muito bem acolhido em Mansoa e Nhacra. Voltará à Guiné em 1962, então sim, uma viagem um pouco mais demorada, a luta armada estará para breve. Imagem extraída do Boletim Geral do Ultramar

Os meandros do Geba, imagem magnificamente captada pelo confrade Humberto Reis, usei-a com enorme satisfação num dos meus livros.
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Nota do editor

Guiné 61/74 - P21013: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXXIX: Hugo Assunção Ventura, cap pilav (Ilha do Príncipe, S. Tomé, 1945 - Moçambique, 1972)






1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à direita], membro da nossa Tabanca Grande [, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972 ]
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Guiné 61/74 - P21012: Parabéns a você (1809): António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de de 26 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21009: Parabéns a você (1808): Carlos Alberto Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66); Carlos Nery, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2383 (Guiné, 1968/70); Gabriel Gonçalves, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71); João Santiago, Amigo Grã-Tabanqueiro e Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 26 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21011: (In)citações (162): Agradecimento pela homenagem que me foi feita, por ocasião do meu 84º aniversário; espero para o ano poder ir ao convívio do pessoal do meu batalhão (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS / BART 2917, Bambadinca, maio 1970 / maio 1971)

1. Mensagem do nosso camarada, amigo e grã-tabanqueiro Arsénio Puim [. ex-alf mil capelão, CCS / BART 2917, Bambadinca, maio 70/ maio 72; natural da ilha de Santa Maria, RA Açores, vive na  ilha de São Miguel]: 

Date: terça, 26/05/2020 à(s) 13:13

Subject: agradecimento

Grande amigo Luís


Muito obrigado pelas tuas palavras de apreço e indesmentível amizade que quiseste incluir no registo de testemunhos organizado pelos meus filhos no meu 84.º aniversário.

Quero também transmitir o meu agradecimento ao Machadinho, o Guimarães, o Levezinho e o Beja Santos pelas suas mensagens de felicitações e apreço que me escreveram. Semesquecer o lino Bicari. Com tempo, hei-de responder individualmente. (`)

Envio também os meus cumprimentos amistosos a todos os camaradas da Guiné, cujo convívio durante um ano ou um ano e 20 meses para alguns, apreciei muito e a quem procurei servir, conciliando, quanto possível, a minha qualidade de capelão militar e de padre da Igreja de Cristo.

Neste contexto de pandemia, e atento o facto de pertencer a um grupo de risco, vivi os últimos dois meses e meio, e vou continuar mais algum tempo, «internado» em casa mais a Leonor. E foi nestas condições que celebrei os meus anos, dum modo muito «sui generis», conjuntamente com a esposa, filho, nora e netas: nós dentro de casa, na sala, eles fora, debaixo do alpendre, separados uns dos outros por uma janela grande; dentro o bolo dos anos, fora uma réplica do bolo; soprei as velas e cantámos, todos, os parabéns; através dos vidros, saudámo-nos e «atirei beijinhos» às netinhas, que corresponderam com o mesmo gesto.

Posso dizer-vos que gostaria de ainda participar mais uma vez num encontro do Batalhão. Talvez para o ano, se Deus quiser.

Um grande abraço para ti e esposa

Arsénio Puim
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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

9 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20957: (In)citações (160): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte VI (a): Muita saúde e longa vida, Arsénio Puim, porque tu mereces tudo! (Luís Graça)


9 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20957: (In)citações (160): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte VI (a): Muita saúde e longa vida, Arsénio Puim, porque tu mereces tudo! (Luís Graça)

9 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20955: (In)citações (149): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte V: lembranças do capelão do BART 2917 (Beja Santos)

8 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20954: (In)citações (148): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte IV: o termos vivido e sofrido a mesma contradição numa realidade que nos obrigou, cada um de sua maneira, a uma reviravolta na vida (Lino Bicari)

8 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20952: (In)citações (147): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte II: Mais um de nós (Tony Levezinho); Parte III: O único santo que conheci em Bambadinca (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21010: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (8): Álbum fotográfico - Parte I

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 25 de Maio de 2020:
 
Caro Carlos Vinhal
Hoje envio-te a primeira página de meu Álbum de fotos, digo primeiro porque, no total são 9 páginas. Em todas as páginas diz, CONTINUA.
Assim, e para dar trabalho aos Chefes de Tabanca, vou partilhando com todos os Tertulianos coisa que gosto de fazer.
Para todos vocês, vai um grande abraço, também para os Tertulianos e Régulo Luís Graça.
Depois de estar muito tempo parado, aqui está o Albino Silva a disparar...


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Nota do editor

Último poste da série de 19 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20991: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (7): Composição da CCAÇ 2368/BCAÇ 2845

Guiné 61/74 - P21009: Parabéns a você (1808): Carlos Alberto Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66); Carlos Nery, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2383 (Guiné, 1968/70); Gabriel Gonçalves, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71); João Santiago, Amigo Grã-Tabanqueiro e Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12 (Guiné, 1970/72)





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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21004: Parabéns a você (1807): Rui Gonçalves Santos, ex-Alf Mil Inf da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21008: Notas de leitura (1285): 20 de abril de 1970: o meu casamento na Catedral de Bissau (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2020:

Queridos amigos,
Isto de andarmos a remexer em gavetas fechadas há décadas traz resultados como este: encontra-se um filme super 8, o tema é um casamento que se realizou em 20 de abril de 1970, na pomposamente chamada Sé Catedral de Bissau. Retive o essencial do que se passou neste dia no segundo volume do meu diário, O Tigre Vadio, onde se conta que o Comandante de Batalhão se revelou cúmplice de uma proposta do médico, forjou-se uma baixa à psiquiatria para haver casório.
Numa cena da maior indignidade, durante uma visita de Spínola a Missirá, onde era patente a escassez de recursos, e depois mesmo de se ter mostrado a documentação a pedir materiais para dirigir abrigos seguros e melhores habitações para os Caçadores Nativos e Milícias, o comandante de Bafatá entendeu em premiar-me com dois dias de prisão simples por eu não estar a dar o máximo da minha competência para a segurança do quartel no destacamento. Reagi, pedi mesmo para que este processo chegasse a instâncias superiores. O ignóbil veio depois, quando o mesmo comandante de Bafatá me deu o meu primeiro louvor, onde exarou que a minha mentalidade ofensiva e o garbo dos militares que comandava eram apontados como exemplo para todos. Moral da história: não houve férias, e arranjou-se uma estrangeirinha para aquele casamento de 20 de abril de 1970.

Um abraço do
Mário


20 de abril de 1970: o meu casamento na Catedral de Bissau

Mário Beja Santos

O autor do filme super 8, de onde se extraíram estas imagens, foi o Capitão de Engenharia Rui Gamito, alguém que, vindo um dia de helicóptero na Ponte dos Fulas, ficou surpreendido com uma bandeira portuguesa a tremular no meio de uma mata imensa, pediu ao piloto para baixar e veio conhecer-me. Não indiferente à miséria que viu, abriu-me as portas ao descaro, pedi-lhe tudo e mais alguma coisa, a começar pelos vulgares sacos de cimento, passando pelas tesouras de corte de arame, as chapas onduladas e o Sintex, este fazia muita falta, na época das chuvas a bolanha de Finete ficava intransitável, como boa parte do itinerário entre Canturé e Gã Gémeos, autênticos lodaçais, o Unimog enterrava-se até ao volante, o Sintex era a boa alternativa. E nas minhas visitas ao Batalhão de Engenharia 447 conheci o Emílio Rosa, será ele o meu padrinho de casamento, a mulher, Elzira Dantas Rosa, a minha madrinha, a filha mais velha, muito pequenina ainda, aparece numa imagem. Este filme culmina num restaurante que em 2010 já era uma ruína. No momento em que eu estava a pagar o jantar com escudos metropolitanos, o Rui Gamito fez questão de me emprestar dinheiro, alegando que se justificava pagar em escudos guineenses. Imperdoavelmente, esqueci a dívida. Uns bons anos depois, estava a almoçar com a Cristina na Portugália, vejo chegar o Rui e a mulher, e fui direito a eles movido por uma mola, depois dos cumprimentos, sentei-me e passei um cheque, pedindo mil perdões pela tropelia. A mulher do Rui estava atónita enquanto eu falava sobre uma dívida que o próprio Rui tinha esquecido.

O dia foi muito feliz para os noivos e seguramente para os seus convidados, mas nesse dia na estrada entre Có e Jolmete foram despedaçados à catanada quatro oficiais e elementos de uma comitiva, iam negociar os termos da transferência de um grupo do PAIGC para o Exército português. Tudo correu mal, hoje há elementos fiáveis sobre como tudo se passou. Apercebemo-nos de que algo de muito grave se estava a passar quando o Alexandre Carvalho Neto, a trabalhar junto do General Spínola, meu antigo colega de colégio, apareceu esbaforido a dizer que se estavam a viver momentos dramáticos na Guiné, felicitava os noivos, mais tarde falariam. E agora as imagens de um super 8 que estava esquecido e que foi transformado num CD, talvez a minha neta se venha a interessar por esta relíquia do casamento dos avós.



Na sacramental espera da noiva, conversa-se com o Capitão Laranjeira Henriques e mulher. Conheci este oficial quando fui mandado para uma operação em Mansambo, íamos até Galoiel, uma antiga base do PAIGC e patrulhar uma região do Corubal. Não escondi a minha surpresa quando este oficial chamou os alferes intervenientes para uma apresentação do que era a operação, como se iria proceder, os riscos a perder. Em operações anteriores, limitara-me a ser informado em cima da hora do que se ia fazer. Houve mesmo uma operação ao Buruntoni, a uma certa distância do Xime, em que o major de operações me informara que ia em reforço ao grupo atacante, em cima dos acontecimentos logo se veria. Não se viu nada, à saída do Xime desabou uma chuva diluviana, andámos aos tropeços horas a fio, até que ao princípio da tarde o guia considerou que estava perdido, recebemos ordem para regressar. Este oficial era primoroso no trato, quando descobri que estava em Bissau, convidei-o para o meu casamento, prontamente aceitou. Há anos atrás telefonei-lhe, está octogenário, tagarelámos, bem gostaria de o voltar a ver.




Os padrinhos de casamento da Cristina foram o David Payne Pereira e a mulher, Isabel, com gravidez pronunciada do primeiro filho. Conheci o David na crise académica de 1962, contactos de raspão, reencontrámo-nos a bordo do Uíge, e foi com muita alegria que o vi chegar ao Xime, integrado no BCAÇ 2852, um dos três batalhões de que dependi ao longo da comissão. Foi uma amizade muito terna com este casal que se prolongou por muitos anos, o David especializara-se em psiquiatria, e marcava-me almoços num tasco ao pé do hospital Miguel Bombarda, tínhamos começado rigorosamente ao meio-dia porque ele à uma e meia começava as consultas. Dediquei-lhe várias páginas do meu Diário, recebia regularmente os meus militares e a população civil, visitou-me em Missirá algumas vezes, uma delas ele veio na companhia do então Comandante do Batalhão, o Tenente-Coronel Manuel Pimentel Bastos, após o jantar, e sabedores que eu tinha levado várias óperas, “exigiram” ouvir uma fabulosa versão da Aida, de Verdi, e no final preparavam-se para eu pôr no gira-discos As Bodas de Fígaro, mas aí fiz finca-pé, pedi-lhes para irem fazer oó, tinha patrulhamentos para fazer nas redondezas e suas excelências queriam regressar de manhã cedo a Bambadinca. Como aconteceu. Ainda hoje estou inconsolável com a morte do David.



Considero que a passagem deste super 8 para CD foi uma operação quase milagrosa, desapareceram imagens da cena do jantar, convidei dois primeiros-cabos de quem era muito amigo, o António Ribeiro Teixeira, cabo de transmissões, e o Benjamim Lopes da Costa, guineense, que durante muitos anos encontrei em Lisboa, quando vinha a tratamentos. Na primeira imagem estão o Capitão Laranjeira Henriques e o inesquecível Barbosa, andava sempre com uma boina verde, numa terrível emboscada que preparámos na região de Chicri, e que apanhou em completa surpresa uma coluna que vinha de Medina, fizemos uma retirada em passo de corrida, pela noite escura, até estarmos a meio caminho de Missirá. Pois foi nesse exato momento que o Barbosa me disse, e de forma perentória, que teria de regressar a Chicri porque perdera ali a boina, a discussão a tempestuosa, eu afiancei ao Barbosa que lhe comprava uma boina verde, desse por onde desse, que não, respondeu sempre obstinadamente, era prenda de alguém a quem garantira regressar com aquela boina. E quando eu vi jeitos do Barbosa levar uma coça dos seus camaradas, encontrei uma solução, eu sabia que na tarde seguinte tinha que regressar a Mato de Cão, qualquer coisa como seis quilómetros de Chicri, garanti-lhe que ele viria comigo para resgatar a boina verde. Como aconteceu, dentro daquele quadro macabro de haver corpos espalhados, vítimas da emboscada. Foi assim.

Na última imagem está outro inolvidável amigo, o médico Joaquim Vidal Saraiva, que veio para Bambadinca depois do David Payne Pereira ser chamado para o Hospital Militar em Bissau, fiquei também com uma dívida de gratidão insuperável. Muitos anos mais tarde, telefonou-me do Hospital de Gaia, consegui encontrá-lo, chorei comovidamente quando o ouvi, sempre tonitruante e afetuoso. Aquele capitão fardado era o Capitão Miliciano António dos Santos Maltez, então Comandante da CART 2520, era licenciado em Físico-Química, sofreu muito por ter vindo para a guerra, conversámos e ele extravasou o seu estado de alma, sobre tudo quanto se passou depois e que me levou ao Xime um mês antes de casar, vai comigo para o túmulo. Há segredos que não devem ser desvendados.

No exato momento em que vos escrevo, e revisto o CD de onde se extraíram estas imagens, só resta dizer que a noiva trouxe a fatiota para o noivo, o que havia de indumentária civil foi pasto de chamas em Missirá, na noite de 19 de março de 1969, o comportamento do BCAÇ 2852 quando a nossa tropa apareceu em Bambadinca praticamente sem roupa foi inexcedível, três quintos das moranças arderam, como há imagens a atestar a dimensão do desastre, voltámos a cobrir a nudez graças à pronta disponibilidade da malta de Bambadinca; e aquele restaurante de nome Pelicano, voltado para o Geba e com vista desafogada para o Pidjiquiti, podendo-se mesmo olhar o Ilhéu do Rei, estava muitíssimo bem decorado ao gosto da época. Foi um belo jantar que paguei sem juros, uns bons anos mais tarde.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20987: Notas de leitura (1284): “Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21007: 16 anos a blogar (14): A minha visita ao destacamento de Missirá, com o alf mil médico Mário Gonçalves Ferreira", na passagem do ano de 1970, ao tempo do "alfero Cabral (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/71)


Viseu > 26 de Abril de 2008 > 2.º Convívio do pessoal da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas > O Jorge Cabral, ao centro, "entre um Psiquiatra (Marques Vilar) e um Cardiologista (Mário Gonçalves Ferreira, autor do romance 'Tempestade em Bissau")... Diz o Jorge Cabral que ambos os médicos "me visitaram em Missirá, quando eu comandava o Pel Caç Nat 63, tendo o Mário, passado lá o Natal de 70, com o Padre Puim".

[Não foi o Natal, foi o Fim de Ano, emenda o Puim, que apontava tudo no seu famoso caderninho que lhe será confiscado pelo comando do BART 2917, na altura em que veio "a fmigerada ordem de Bissau" para o meterem no avião da TAP, de volta para os Açores, já que tinha passado a ser  "persona non grata" no CTIG; o caderninho, que deve ter ido parar às mãos da PIDE/DGS, só lhe seria devolvido no pós-25 de Abril,  com uma misteriosa folha a menos]...

Os dois médicos foram igualmente companheiros de quarto do capelão. O Marques Vilar substituiu, em março de 1971, o Mário Gonçalves Ferreira. O Arsénio Puim foi expulso do CTIG em maio de 1971.

Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A MINHA VISITA A MISSIRÁ NA PASSAGEM DO ANO DE 1970

por Arsénio Puim

[ex-alf mil capelão, CCS/ BART 2917, Bambadinca, maio de 70/maio de 71; aqui ao centro, ladeado à sua direita pelo Benjamim Durães, e à esquerda, pelo "alfero Cabral" > Viana do Castelo, 16 de maio de 2009 > Convívio do pessoal da CCS / BART 2917 e subunidades adidas (Bambadinca, 1970/72).  nFoto: Benjamim Durães (2009)]

Li no blogue uma evocação de Jorge Cabral relativa à visita do Capelão Puim ao Destamento de Missirá, na Guiné, em Dezembro de 1970. (*)

Foi realmente em Dezembro, mas no último do mês, e aí passei a noite de fim de ano. (**)

O transporte foi de sintex através do rio Geba, à tardinha. A placidez das águas, a arborização das margens, a sinuosidade do trajecto e sobretudo a abundância, a variedade e a beleza das aves – de cores as mais variegadas – fizeram desta uma viagem encantadora.

Da margem ao acampamento, julgo que ainda distavam um ou dois quilómetros, que percorri a pé mais o médico Mário Ferreira, que também visitava Missirá. Numa dada altura, ouvimos um grande tropel dentro do mato. Parámos. Mas logo vimos que era um bando enorme de macacos em deslocação. Ao atravessarem o caminho, olhavam-nos e logo continuavam a correria.

A noite de passagem do ano foi muito alegre, com boa comida e alcoolfarta. Houve discursos e música (admito que também discursei) no acampamento, que – é a impressão que guardo – se caracterizava por quase não haver separação física e humana entre ele e a tabanca,  e por todo um espírito que me pareceu nada ter a ver com o lema, demasiado redutor, pertencente a um Pelotão antigo, que ainda se podia ler, impresso num bloco de cimento, na parada [, referência provável ao Pel Caç Nat 52, anterior ao comando do Alf Mil Beja Santos, Missirá, 1968/69, cuja divisa era 'Os Gaviões: Matar ou Morrer' : vd. foto à esquerda].

No primeiro dia do ano tivemos missa no pequeno aquartelamento de Missirá, e voltei a Bambadinca.

Esta é uma das minhas boas recordações da Guiné, graças também ao comandante do Destacamento e 'grande régulo' de Missirá, o ex-alferes Jorge Cabral, que saúdo com amizade. (***)

Arsénio Puim


2. Comentário do editor LG:

Tem andado arredio, do nosso blogue, o "alfero" Cabral, genial criador das "estórias cabralianas"... De tempos a tempos, quando faz anos, lá lhe dou uma telefonadela... Não sei se ainda está "confinado", o que não acredito, mesmo sendo ele do "grupo de risco"... Aliás, somos todos... De qualquer modo, faço votos para que ele  sobreviva à pandemia e ao pandemónio da COVID-19 de que muitos camaradas já não podem ouvir falar mais...

Quanto ao nosso Cabral, já aqui escrevi em tempos que ele  era descendente de militares e que, na sua rica e frondosa árvore genealógica, havia Cabrais e... que Tais!... Na Guiné, foi meu contemporâneo e vizinho, fizemos operações juntas e até bebemos uns copos em Fá... E recordo-o por, entre outras bizarrias,  reivindicar ser ele "o único e legítimo Cabral" (sic), mesmo que o outro, o "usurpador", defendesse os seus pergaminhos de Kalashnikov na mão...

Apesar da sua linhagem ilustre, posso garantir que nunca o vi, nas terras de Badora e do Cuor, a "cantar de galo"... Sempre prezou (e honrou) a sua linhagem, isso é indesmentível e eu disso sou testemunha: costumava garantir, a quem o queria ouvir, que "na Guiné, Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum"... Ou de Fá, conforme o sítio onde estava (e esteve um  ano em cada lado). 

À força de ser propolada e levada pelo vento, de bolanha em bolanha, a histórica e temível frase deve ter chegado aos ouvidos do Corca Só, o chefe da 'barraca' de Madina / Belel, a sul do Morés, a tal ponto que no tempo do "alfero" Cabral não mais voltou a meter-se com a malta de Missirá...(Este Corca Só tinha jurado tirar o escalpe ao Beja Santos, anterior comandante de Missirá, à frente do temível Pel Caç Nat 52).

Em Missirá, um destacamento mais exposto às morteiradas e roquetadas do IN do que Fá Mandinga, contava-se que o "alfero" Cabral, mais do que temido, passara a ser  "respeitado" (e quiçá "venerado")  pelos camaradas do PAIGC, desde o famoso dia em que foi atrás deles, na bolanha, a apaziguá-los e a tranquilizá-los:
- Vocês não fujam, não tenham medo!!!... Sou o Cabral!!!...
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 16 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2847: Convívios (57): CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Viseu, 26 de Abril (Jorge Cabral)

domingo, 24 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21006: Blogues da nossa blogosfera (132): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (47): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

MÃE

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Mãe
a palavra universal
a palavra mais consensual da humanidade.
Nem Deus…
Deus é de uns e não de outros
Deus é conceito de muitos
e negação de outros tantos.
A mãe é de todos sem excepção
a mãe é de todos e é só nossa
a mãe é do crente e do ateu
a mãe é do pobre e do rico
do sábio e do ignorante.
A mãe é dos poetas
dos filósofos e artistas
dos bons e dos maus
a mãe é do amigo e do inimigo.
Não há mãe de uns e não de outros
não há ninguém sem mãe
e não há mãe de ninguém.
A mãe é de toda a gente
a mãe é de cada um
a mãe é do mundo inteiro
e do nosso mais pequeno recanto.
A mãe é do longe e do perto
da água e do fogo
do sangue e das lágrimas
da alegria e da tristeza
da doçura e da amargura
da força e da fraqueza.
A mãe é certeza e aventura
medo e firmeza
dúvida e crença
a haste que se ergue no céu
ou se aninha rente ao chão
para que a morte a não vença.
A mãe é a outra parte de nós
sem mãe somos metade
sem mãe nada é exacto
igual a um
igual a infinito
onde se tocam princípio e fim
onde os tempos se encontram
sem presente passado e futuro.
A mãe é a lágrima que não seca
no sorriso que não se apaga
a nuvem que chove no sol que aquece
a mensagem da luz e da harmonia
e dos acordes matinais
com que abre o nosso dia.
A mãe levanta-se nas lágrimas da noite
e mesmo cansada
não perde a voz nem a cor da madrugada.
A mãe é a voz que se não teme
a voz que se confia
a voz que tudo diz
nas consoantes do grito
nas vogais do silêncio
nos abismos da agonia.
Mãe
primeira palavra a nascer
a última palavra a morrer.
A mãe é sempre a mesma
a mãe nunca é outra
na sua infinita diferença.
A mãe é criação
a mãe é sempre o fim
da obra-prima inacabada
a mãe nunca é ensaio
nem esboço nem projecto.
A mãe é um milagre
no milagre do mundo
o único milagre concebido
real e concreto.
Chora para que outros riam
ri para que a dor a não mate
mistura-se com a luz das estrelas
para vencer a escuridão
devora as nuvens por um raio de sol.
A mãe é beleza e poesia
aurora fulgurante
aurora adormecida
a mãe é bela porque é simples
porque nasce da silenciosa lógica da vida.
A mãe é fragilidade da semente
a força do tronco
a beleza da flor
a doçura do fruto
o dom de renascer.
A mãe é tudo numa só coisa
AMOR.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20960: Blogues da nossa blogosfera (130): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (46): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P21005: Blogpoesia (677): "Nossas amarras", "O cesteiro das Idanhas" e "Disponibilidade das pétalas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana:


Nossas amarras

Não nascemos soltos e livres.
Trazemos dentro novelos de amarras.
Tolhem-nos os gestos e os rasgos que brotam naturais.
Põem-nos à prova a capacidade de reprimir tendências e inclinações.
Somos híbridos nas nossas manifestações.
Temos ânsias de infinito e de perfeição.
Por outro lado, há chamamentos obscuros que nos apelam.
Nem sempre para o bem e a perfeição.
Temos de chamar a vontade e a razão para refrear nossas inclinações.
Nem sempre boas e puras.
Nascemos com algemas no corpo e na alma...

Mafra, 17 de Maio de 2020
12h48m
Jlmg

********************

O cesteiro das Idanhas

Uma casinha baixa, comprida, ali à face da estrada que vai para a vila.
Existiu ali um cesteiro. Trabalhar o vime era sua arte.
A família ia buscar a matéria-prima na borda do rio. Varas de salgueiro verdes.
Estavam em molhos, encostadas à parede da casa.
A elas recorria para fazer uma giga, um açafate ou, sei lá que mais.
Trabalhava o dia todo. À vista da gente que passava.
Lembro o cheiro forte que se exalava daquelas varas.
Não era agradável.
Mas, a simpatia e a simplicidade tudo suplantava.

A evolução dos tempos destronou o vime.
O malfadado-bem-amado plástico tomou conta de tudo…

Mafra, 17 de Maio de 2020
17h42m
Jlmg

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Disponibilidade das pétalas

As pétalas se abrem ao sol.
Se dispõem a tudo.
Se pintam às cores.
Em prole da fertilidade.
Insinuam.
Pintam a manta.
Seduzem insectos.
Buscam o pólen.
Adejam as asas.
Bailam ao vento,
Com véu de rainhas.
Ficam expectantes.
Querem reinar.
Dispostas a tudo,
Enquanto seu viço durar...

Mafra, 23 de Maio de 2020
15h21m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20982: Blogpoesia (677): "Se a vida fosse um mar...", "Tardes suaves" e "Fugir da terra...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21004: Parabéns a você (1807): Rui Gonçalves Santos, ex-Alf Mil Inf da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20997: Parabéns a você (1806): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)