quarta-feira, 8 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21151: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Óio-Morés em 1963: o caso da queda do T6 FAP 1694 em 14 de outubro de 1963 (Jorge Araújo) - Parte I


Foto 1 - exemplo de um T-6 (matrícula 1688).
(com a devida vénia)



Foto 2 - exemplo de uma parelha (ou esquadrilha) de T-6 (matrículas: 1620 e 1661 …) In: http://riodosbonssinais.blogspot.com/2014/09/ 
( com a devida vénia)




O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada, está atualmente nos Emiratos Árabes Unidos; tem cerca de 260 registos no nosso blogue.


MEMÓRIAS CRUZADAS
NAS 'MATAS' DA REGIÃO DO ÓIO-MORÉS EM 1963
- O CASO DA QUEDA DO «T-6 FAP 1694» EM 14OUT63 -
PARTE I




Mapa da região do Óio-Morés com infografia da queda do «T-6 FAP 1694», pilotado pelo Cap Pilav João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, ocorrida em 14Out1963. Identificam-se, com pontos a azul, três das bases existentes naquela região: Maqué, Fajonquito e Morés. Quartéis das NT mais próximos: Olossato e Mansabá.



1.   - INTRODUÇÃO

A quantidade de documentação histórica que continua em silêncio nos arquivos é de tal monta que será difícil, a cada um de nós, dela ter conhecimento e, quiçá, encontrar respostas às dúvidas que persistem… teimosamente!

É dessa teimosia, que se traduz em revisões continuadas do trabalho histórico, emergente da "pesquisa" e do seu estudo, que às vezes faz-se "luz", e, por acumulações de verdades parciais, conseguimos ir mais longe na objectividade histórica, pois esta deverá ser consistente.

Em novo regresso "às matas da região do Óio-Morés" (*),  o Lourenço Gomes e eu, através de «Memórias Cruzadas» de há cinquenta e sete anos, foi possível reconstruir uma parte do nosso «puzzle» da "guerra", que continua incompleto, mas ao qual lhe adicionamos mais algumas peças, retirando as que não encaixavam correctamente, como procuramos provar ao longo das duas partes em que foi dividida esta narrativa.    

2.   - VISITA A BASES DO NORTE DA GUINÉ: - MISSÃO ATRIBUÍDA A LOURENÇO GOMES, EM OUTUBRO DE 1963

Três meses depois da entrada dos primeiros grupos de guerrilheiros do PAIGC em território da Guiné – Frente Norte – para início da sua acção de guerrilha contra as forças militares portuguesas (europeias e do recrutamento local), Lourenço Gomes, o versátil operacional em território do Senegal, responsável pela "gestão" de problemas logísticos (recursos e informação) dos dois lados dessa fronteira, com particular relevância para os cuidados de saúde, onde se incluíam os primeiros socorros e transporte dos feridos em combate resgatados do interior, foi incumbido de realizar mais uma "missão", esta agendada para o período entre 08 e 18 de Outubro de 1963, cujo objectivo era o contacto com algumas das bases da Região do Óio-Morés.

Eis o que deixou escrito sobre esta sua "missão":

2.1 – RELATÓRIO (elaborado por Lourenço Gomes)

Dakar, 24 de Outubro de 1963 (data em que assinou o documento dactilografado)

Visita ao interior (Bases)

Parti de Samine (Senegal) no dia 8 deste mês (Outubro'63), (3.ª feira), para uma visita ao interior. Cheguei à base do camarada Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira; 1938-1974], no dia 09-10-63 (4.ª feira). 

Visitei três bases do Óio [Morés (Central), Fajonquito e Maqué; bases assinaladas a azul na infografia acima].

Pude fazer a visita das bases de dia sem qualquer perigo. Só causa aos camaradas um pouco de preocupação os aviões portugueses. Vi as armas que vieram e são muito boas. A moral dos camaradas é excelente. Estão animados de uma vontade extraordinária. Visitei todos os sítios onde foram abatidos os aviões portugueses. Contei 16 restos de aviões abatidos.

◙ No dia 14-10-63 (2.ª feira) = 

Na minha presença, os aviões portugueses tentaram atacar a base [Central do Morés] do Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira]. Os camaradas abateram três aviões inimigos [apenas um: o «T-6 FAP 1694», do Cap Pilav João Rebelo Valente]. 

Nós tivemos nove mortos e oito feridos. Esses feridos deviam ser transferidos comigo para Samine [no Senegal], mas tiveram que voltar para o Óio, porque os portugueses descobriram uma cambança por onde deveríamos passar e tentaram apanhar-nos nesse mesmo sítio.

# «MC» ▼ A informação do Lourenço Gomes, sobre os "três aviões abatidos no Morés", é extramente relevante para a historiografia militar relacionada com a "Guerra do Ultramar", em particular os "acidentes da aviação militar" no CTIGuiné.

De facto, em nome da verdade, não foram três os "aviões abatidos", como ele refere. Somente o «T-6, matrícula FAP 1694», pilotado pelo Cap Pilav João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, caiu naquela região na data por ele indicada, e que se confirma.

Seria igualmente relevante saber se esta aeronave era a única que estava em "missão", naquele momento, ou se, porventura, fazia parte de uma parelha ou esquadrilha? uma vez que Lourenço Gomes refere-se a três unidades.

Já anteriormente esta ocorrência tinha merecido o meu interesse no seu aprofundamento, como, aliás, deixei expresso na narrativa publicada em 25 de Julho de 2019 – P20010 – a que dei o nome de «O T-6G FAP 1694 e o Cap Pilav João Rebelo Valente, desaparecido em 14/10/1963, na região do Óio-Morés».

O "mistério" ou o "conflito histórico" nascera da discrepância observada entre as fontes consultadas, em que, no primeiro caso, a causa foi consequência de "voo de experiência do avião, embatendo no solo ao fazer acrobacia a baixa altitude", conforme registo abaixo: 




No segundo caso, o acidente é descrito que a mesma aeronave "ao colidir com o solo após manobra acrobática, em Olossato, provocou a morte do Capitão Piloto aviador João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, facto que pode ser comprovado com a informação seguinte:



A recuperação das duas imagens, que se apresentam abaixo, servem para testemunhar que a aeronave «T-6 FAP 1694» se despenhou na região do Óio e, segundo Pedro Pires (1934-), "muito próximo da base [Central] do Osvaldo Vieira, perto da tabanca de Morés".

Perante a violência das imagens observadas ao estado em que ficou a aeronave, onde só se vêm ferros retorcidos, é aceitável considerar-se que durante o movimento da queda ou após o seu embate com o solo, o avião se tenha incendiado, e o corpo do piloto carbonizado.

Mesmo tratando-se de fotos "preto e branco", fica-se com a sensação de que o capim e as folhas das árvores se encontram queimadas. É que estas imagens não foram registadas no dia do acidente, mas sim algum tempo depois… certamente!




Foto 3 - Citação: (1963) "Lay Sek junto de um pedaço de um avião português abatido pelo PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: 



Foto 4 - Citação: (1963) "População junto de um pedaço de um avião português abatido pelo PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: 

Quanto aos nove mortos contabilizados por efeito do bombardeamento, referidos por Lourenço Gomes, este mesmo acontecimento volta a ser abordado por Osvaldo Vieira, no documento que enviou do Óio ao Secretário-Geral, em 10 de Novembro de 1963, relatando: "no dia 14 do mês de Outubro'63 sofremos um bombardeamento na base onde perdemos 13 [treze] camaradas entre eles o 1.º responsável das mulheres do Morés, de nome Joncon Seidi", o que difere dos números avançados por Lourenço Gomes.



Ainda no que concerne a este episódio, nomeadamente em relação às mortes registadas, Amílcar Cabral (1924-1973), em carta dirigida, de Conacri, a Osvaldo Vieira, datada de 31 de Dezembro de 1963, destaca um nome – o de Joncon Seidi.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36712, com a devida vénia.

Medicamentos no interior = 

O camarada [enfermeiro] Tiago Lopes já não dispõe de mais medicamentos. Há dias tive de comprar 30.000 francos de medicamentos para o interior. Precisamos de ter em conta que hoje muita gente não pode ir à consulta dos portugueses. Todas as crianças doentes vão ver o Tiago Lopes. 

Gasta-se muito medicamento. Os feridos menos graves têm sido tratados pelo Tiago Lopes. Só têm saído os feridos graves. Hoje necessitamos de muitos medicamentos.

Material de Guerra = 

Segue o camarada Chico Té [Francisco Mendes; 1939-1978], que há-de fazer um relatório completo sobre o que foi discutido e decidido.

Despesas = 

Recebi os cem mil francos pelo Pedro Pires. Esse dinheiro é pouco. Hoje, se não gastamos com a alimentação de camaradas, temos que gastar muito com os feridos. Tenho de comprar medicamentos para mandarmos para o interior e de pagar todos os tratamentos feitos no Hospital de Ziguinchor. O transporte dos feridos são pagos por mim. Há dias gastei 20 mil francos por duas viagens com feridos. 

No Hospital de Ziguinchor temos de pagar tudo. A alimentação dos doentes também é paga. Pago à Carmem 30.000 francos por mês para alimentação dos doentes. Só por esses dados podem ver as despesas que fazemos. Temos de comprar até as ligaduras.

Com os camaradas do interior também temos despesas: compro óleo para as armas, sal, etc.. Tenho comigo uma lista de artigos de necessidade urgente que tenho de mandar, quando voltar a Samine. Peço que avaliem qual é a nossa despesa, hoje, no Norte. Preciso que enviem mais 200 mil francos para despesas até ao fim do mês de Novembro'63. Mas tem de ser urgente, porque estou à espera dos oito feridos do interior e nessa altura terei catorze feridos em Ziguinchor. 

Se vocês não me mandarem a quantia pedida, estou a ver que terei de ir a Conacri para discutir convosco a questão das despesas e arrumar as contas com o Aristides Pereira [1923-2011]. Nestas condições, sairei de Dakar no dia 08 de Novembro'63. Conto que vocês saberão compreender as nossas necessidades actuais e terei a quantia pedida dentro de pouco tempo.

Viatura = 

Novamente tenho de vos falar da questão de uma viatura. Torna-se necessário ter-se uma viatura para transporte dos feridos. Como vocês sabem, Samine é uma vila muito pequena e muitas vezes não há carro nenhum de aluguer aí. Também as despesas de transporte são grandes por isso insisto nesta questão da viatura.

Refugiados Portugueses = 

Vieram de Bissau dois militares portugueses, enviados pelo camarada Zain Lopes [Rafael Barbosa]. Foram conduzidos até à base do Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira] por um camarada do Partido [Biagué]. Tratam-se do alferes miliciano Fernandes Vaz [subtenente Manuel José Fernandes Vaz] e do sargento miliciano Fernando Fontes [ambos militares da marinha].

Quando chegaram a Ziguinchor foram presos pela Polícia de Sureté [Segurança] senegalesa e transferidos para Dakar. Também estive preso com eles em Ziguinchor durante três dias e transferido para Dakar. Em Dakar fui posto em liberdade. 

Os camaradas portugueses encontram-se ainda na polícia a fim de prestarem declarações. A minha prisão em Ziguinchor foi motivada mais pelas intrigas do 'Ndjai Bá, que tive que expulsar do Comité de Ziguinchor porque estava pedindo dinheiro em nome do Partido.

# «MC» ▼ 

Os dois desertores da marinha portuguesa, acima identificados, por terem entrado em território do Senegal, foram detidos pela Polícia de Fronteira e levados para Ziguinchor, onde permaneceram em cativeiro durante três dias. Seguiu-se a sua transferência para Dakar, a fim de concluírem o processo de interrogatório. Após serem postos em liberdade, tomaram a iniciativa de escrever uma carta de agradecimento a Amílcar Cabral, pelo apoio prestado, de cujo conteúdo reproduzimos a parte que segue:



Citação: (1963), Sem título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, 

Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36581, com a devida vénia.

Fico aguardando ou a vossa resposta urgente ou a minha partida para Conacri.
Dakar, 24 de Outubro de 1963.
Lourenço Gomes.



Citação: (1963), "Relatório sobre a visita de Lourenço Gomes à região de Óio", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41412, com a devida vénia.
Continua…
► Fontes consultadas:

Ø  CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07075.147.046. Título: Relatório sobre a visita de Lourenço Gomes à região do Óio. Assunto: Relatório assinado por Lourenço Gomes sobre a sua visita ao interior, região de Óio. Visita aos locais onde foram abatidos os aviões portugueses; ataque à base de Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira]. Necessidade de medicamentos no interior. Material de Guerra. Despesas. Viatura para transporte dos feridos. Envio dos militares portuguesas, Fernandes Vaz e Fernando Fortes, para a base de Abel Djassi. Em anexo documento assinado por Pedro Pires, datado de 21 de Outubro de 1963, com as informações colhidas das declarações de Biagué. Data: Quinta, 24 de Outubro de 1963. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XI 1961-1964. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
04JUL2020

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 2 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21130: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Oio-Morés em 1963/64 (Jorge Araújo) - II (e última) Parte

Guiné 61/74 - P21150: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLI: Custódio Janeiro Santana, cap pilav (Vendas Novas, 1945 - Angola, 1973)





1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à direita], membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

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Guiné 61/74 - P21149: Parabéns a você (1835): José Zeferino, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4616 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21137: Parabéns a você (1834): Jorge Ferreira, ex-Alf Mil Inf da 3.ª CCAÇ (Guiné, 1961/63)

terça-feira, 7 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21148: O que é feito de ti, camarada? (13): Pessoal da CCAÇ 3460 / BCAÇ 3863, Cacheu, 1971/73



Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > DFE 21 (Cacheu e Bolama, 1973/74) > Da esquerda para a direita:

Alferes Silva (CCAÇ 3460) [1];
2º Tenente, oficial imediato, Castro Centeno (DFE 21) [2];
Furriel Lopes (CCAÇ 3460) [3];
2º Tenente Macedo (DFE21)[4];
 e, em primeiro plano, Alferes Médico Moura (CCAÇ 3460 / BCAÇ 3863) [5], de quem não se sabe nada atualmente, tal como de resto não se sabe dos restantes, com exeção do dono da foto...  (*)

[O 2TEN FZE RN Manuel Maria Peralta de Castro Centeno, 19.º CFORN, ingressou nos QP; o 2TEN FZE RN José Joaquim Caldeira Marques Monteiro de Macedo era do 21.º CFORNm e vive os EUA.  Fonte: Reserva Naval, blogue do nosso amogo e camarada Manuel Lema Santos]

Foto (e legenda): © Zeca Macedo (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Sobre o Cacheu e esta CCAÇ 3460 (1971/73) (**), contemporânea, em parte,  do DFE 21 (1972/74),  temos relativamente poucas referências, e apenas um camarada inscrito na Tabanca Grande, o Joaquim Ascensão, natural da Maia.

Sobre esta subunidade do BCAÇ 3863 (, Comando e CCS, sediados em Teixeira Pinto), escreveu o António Graça de Abreu o seguinte, no seu Diário da Guiné (Canchungo, 30 de Setembro de 1972):

(...) O capitão Morgado veio do Cacheu até cá [, a Teixeira Pinto, sede do CAOP1] , o que sucede com alguma frequência, para tratar de pequenas operações com o meu coronel [ Cor Cav Pára Rafael Durão. que ele nunca identifica, a não ser pela incial do apelido, D.] de outros assuntos com o seu comandante de batalhão [, o BCAÇ 3863, ten cor inf António Joaquim Correia].

O Morgado é miliciano e comandante da Companhia 3460, a que pertenci. Sempre mantivemos um bom relacionamento, é boa pessoa, afável no trato e nas ideias. Hoje dizia-me: 
- Você não sabe o que perdeu em não vir para a minha Companhia, aquilo lá no Cacheu é uma estância de férias formidável. 

E ria, ria. Não lhe falei nos fuzileiros mortos, recordei-lhe apenas a perna desfeita do alferes Potra, meu substituto. Já não riu, não me falou mais nas delícias do Cacheu.

Mas é verdade que o lugar, uma das vilas mais antigas da Guiné, vive em paz, não é atacada. O problema é a Caboiana e Jopá, as zonas libertadas do PAIGC perto do Cacheu e de Canchungo. A companhia 3460 não vai lá, por isso vivem tranquilos.

Sinal de paz e boa vida, o capitão trouxe-nos uns quilos de camarão cozido, fabuloso, grande, gostoso, pescado nas águas do rio Cacheu. (...)


2. Comentário de José Pardete Ferreira, ex-alf mil médico, CAOP1, Teixeira Pinto; HM 241, Bissau, 1969/71

(...) Linda terra! Em 1969, não havia lá FZE, só uma CCaç de açoreanos e outra de madeirenses bem como uma pequena lancha da Marinha, com um 2,5 à proa. Por acaso num dos dias em que lá estive, passou por lá o Capelão da Base Naval. Não me lembro do nome, só me recordo que era gordinho, baixote, louro e que usava óculos com aros castanhos.


3. Comentário Lacasta, ex-fur mil, 1º Gr Comb, CCAÇ 3460 (Cacheu, 1971/73) (*):


(...) Pertenci à CCaç 3460, tal como o Siva (2º grupo de combate ) e o Lopes (fur mil de informações e operações) [Vd. foto acima]

O Capitão Morgado era,  sem dúvida,  um optimista. Contudo,  tanto o Cacheu como Bianga eram, do ponto de vista militar, bastante pacatos, embora ainda hoje eu carregue no braço um estilhaço de um RPG 7, resultado de uma emboscada na curva de Capo,  em 19 Abril 1973.

Já o Gabriel Horta, condutor da Berliet, perdeu a vida nesse dia.

O Morgado era uma figura sui-generis, obcecado pela "lerpa", alheio dos seus homens, profícuo em "papaias",  sempre dado ao auto-elogio, o "maior",  como se intitulava.

Foi, para mim, um suplemento de dificuldades. O Potra, o Sousa, o Rodrigues, o Dias também lhe tirariam a vontade de rir. É que chamar àquilo "estância de férias",  não lembra ao diabo. Ou melhor, só lembra mesmo ao diabo.

Fui Furriel na CCaç 3460, 1º Grupo de combate, Lacasta. (...)

4. Esclarecimento do António Graça de Abreu (***):

(,,,) A minha companhia 3460 foi parar ao Cacheu, mas eu não parti para a Guiné juntamente com estes homens.

Uma operação a uma velha luxação crómio-clavicular no ombro direito, resultado de uma cena de pancadaria em que fui o personagem principal quando tinha dezassete anos, devidamente explorada, possibilitou-me a passagem aos serviços auxiliares. Fui reclassificado com a especialidade de Secretariado e desmobilizado. (...)


5. Comentário de Camilo Santos (*)

(...) Caros camaradas:
Sou o Camilo Santos, ex-1º cabo  da CCAÇ 3460 / BCAÇ 3863. 

Só há pouco soube deste blogue, tendo estado a  ler a crónica do AGA  [António Graça de Abreu], sobre a minha (e dele) companhia. Sobre o alf.Potra,  ele foi o comandante do meu grupo até ir para uma companhia  africana,  tendo vindo a ficar sem uma perna como descrito. Quanto ao capitão Morgado, esse,  já faleceu há  4 anos. Tenho ido aõs almoços do batalhão e até jé me revi em algumas fotos. 

Aqui.vai um abraço. camilosantos50@sapo.pt (...)

5 de março de 2013 às 17:54 


6.  Apresentação de Joaquim dos Santos Ascenção, ex-Fur Mil AP Inf da CCAÇ 3460/BCAÇ 3863 (Cacheu, 1971/73) (****)

(...) Tenho adiado este momento muitas vezes. Não me é fácil mexer na caixa de recordações, mas eis que chegou o dia. 

(...) Assentei tropa no dia 7 de outubro de 1970, embarquei para a Guiné em 16 de Setembro de 1971 e regressei a 22 de Dezembro de 1973. Estive em Bolama a fazer o IAO e depois fui para Cacheu. Pertenci ao Batalhão de Caçadores 3863 e Companhia de Caçadores 3460. Fui Furriel Miliciano com a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria. (...)

7. Apresentação do  Luciano Vital, natural de Valpaços, Trás-os-Montes, ex-fur mil, de rendição individual, que andou pelas CCAV 3463 (Mareué), CCAÇ 3460 (Cacheu) e Adidos (Bissau), 1973/74

(...) Foi por acaso que encontrei esta página. Também eu pertenci à CCAÇ 3460,  sob o comando do capitão Morgado, aonde cheguei em rendição individual em1973 para ajudar o furriel Lacasta a comandar o pelotão que ele comandava sozinho até à minha chegada.

Outros nomes de que me lembro: Furriéis Canha, Bravo, Pacheco, Pinto.

Antes de ir para o Cacheu, estive 14 meses na CCAV 3463 em Mareué, batalhão de Pirada, Capitão Touças, Furriéis Santos, Peres, Freitas, Ivo, Luís, Malhoa, etc. (...)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12292: Facebook..ando (31): Memórias da histórica vila de Cacheu, ao tempo do Destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos, DFE 21 (Zeca Macedo, 2º tenente fuzileiro especial, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74, a viver agora nos EUA)

(**) Último poste da série > 1 dr abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20797: O que é feito de ti, camarada? (12): Virgílio Teixeira, "aquarentenado" em Vila do Conde...
(****) Vd. poste de 9 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15094: Tabanca Grande (474): Joaquim dos Santos Ascenção, ex-Fur Mil AP Inf da CCAÇ 3460/BCAÇ 3863 (Cacheu, 1971/73)

Guiné 61/74 - P21147: (In)citações (164): Há 50 anos: Quando a Igreja Católica Apostólica Portuguesa abençoava Guerra do Ultramar e a Igreja Católica Apostólica Romana abençoou a Guerra Colonial (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

Paulo VI em Fátima
Com a devida vénia a Renascença


1. Em mensagem do dia 6 de Julho de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: Há 50 anos: Quando a Igreja Católica Apostólica Portuguesa abençoava Guerra do Ultramar e a Igreja Católica Apostólica Romana abençoou a Guerra Colonialal.


Há 50 anos: Quando a Igreja Católica Apostólica Portuguesa abençoava Guerra do Ultramar e a Igreja Católica Apostólica Romana abençoou a Guerra Colonial

Há 50 anos, o Papa Paulo VI tramou Marcelo Caetano, o regime e semeou os ventos da tempestade da mutação de Portugal.

Foi o primeiro Papa a visitar Portugal e Fátima, em Maio de 1967, a contragosto do Governo de então, Salazar considerava-o um “cidadão estrangeiro perigoso” e o seu ministro Franco Nogueira passou a imputar-lhe agravos gratuitos, inúteis e injustos a Portugal.

Salazar fora derrotado pela velha cadeira do Forte de Santo António da Barra e o Papa Paulo VI, tendo recebido em audiência o Ministro Rui Patrício, em 25 de Maio de 1970, que rendera Franco Nogueira, que lhe foi abordar a agenda da nossa guerra africana, no dia 1 de Julho de 1970 e, sem invocar a inspiração divina, recebeu em audiência privada (na Sala dos Paramentos?) e abençoou os três líderes da guerra colonial Amílcar Cabral (PAIGC), Agostinho Neto (MPLA) e Marcelino dos Santos (FRELIMO), este em representação do operacional Samora Machel, indisponível por estar a braços com o General Kaúlza de Arriaga e os 8000 militares portugueses, investidos na extensa e impetuosa “Operação Nó Górdio”.

Para o efeito, essa “troika” de exilados portugueses (só perderão a nacionalidade em 1975), ora líderes independentistas africanos, forjados na CEI, Casa dos Estudantes do Império e nos quartéis do Exército Português, aproveitara a dinâmica da II Conferência Internacional de Solidariedade para com os Povos das Colónias Portuguesas, convocada pelas centrais sindicais italianas CGTL, CISL e UIL em Roma, que teve o concurso de 177 organizações de 64 países, incluindo os exilados políticos de Portugal, do PCP de Álvaro Cunhal, da ASP de Mário Soares, da FPLN de Piteira Santos e Manuel Alegre, órfã de Humberto Delgado e militantes do Movimento a Favor da Paz, fórum lisboeta de católicos vanguardistas, segundo uns e de “cristãos pagãos” segundo outros, motivados pela encíclica “Pacem in Terris" do Papa João XXIII e a “Populorum Progressio” do Papa Paulo VI.

A ideia do aproveitamento dessa Conferência para uma audiência papal foi da inteligência revolucionária de Marcelino dos Santos, residente em Paris, em Janeiro desse ano encetou em Roma as diligências, mas a sua materialização será devida a Amílcar Cabral, que persuadiu o Bispo de Conacri, Raymund-Maria Tchimdibo, a negociá-la com o Vaticano e mobilizou a jornalista e militante católica progressista Marcella Glisenti, sua amiga desde 1968, Presidente da Associação Italiana dos Amigos da “Presence Africaine” (revista da negritude francófona, editada em Paris e Dacar), que, no maior segredo, se encarregou de toda a logística e de manipular com um perfil de líderes cristãos e democráticos o ex-Núncio no Senegal, Cardeal Giovanni Benelli, o segundo na hierarquia do governo do Vaticano (o Secretário de Estado, cardeal francês Jean Villot, estava ausente).

Às 12H00 foi-lhes franqueada a entrada pela Porta de Santa Ana, o Pontífice recebeu-os afectuosamente às 12H30 e mostrou-se particularmente deferente com Amílcar Cabral, que serviu de porta-voz, em francês.

A notícia correu o mundo, sem fotos, com o registo do embargo de um monsenhor português da Pontifícia Comissão para a Comunicação Social ao acesso dos jornalistas, Marcelo Caetano soube do caso logo na manhã do dia 2, informado pelo jornalista americano Dennis Redmont e a Censura congelou a notícia até ao dia 5.

A Comunicação social não teve acesso, não puderam tirar fotos, mas os audientes tiraram. No seu livro “Crónica da Libertação”, Luís Cabral reproduz a primeira página do boletim “PAIGC actualités” com uma foto dos intervenientes, no primeiro patamar da escadaria interior do Vaticano (de acesso à Sala dos Paramentos?), com a Marcella de costas e Amílcar Cabral em destaque…

Todo o mundo os conhecia como marxistas-leninistas ortodoxos e ateus confessos, do género de não olhar a meios para atingir os fins, não entraram na Santa Sé como “penetras”, o Governo protestou a ofensa da Igreja à sua “Nação Fidelíssima”, a comunicação social do Vaticano, em vez de invocar a sua “inspiração por Deus”, ridicularizou-se com a afirmação de que o Papa ignorava quem eram, a sua diplomacia a negar uma audiência no sentido do termo e a fazer passar a mensagem do carácter religioso do acontecido.

Com a devida vénia a Fundação Amílcar Cabral

Os muros de Roma e da Praça de S. Pedro apareceram pichados de “Viva il Portogallo”, o corte das relações diplomáticas esteve iminente, a diplomacia desempenhou o seu papel, as relações voltaram “à cordialidade antiga”, o evento passou a “facada pelas costas” ao Papa e Marcelo Caetano tramado.

Essa audiência papal no dia 1 e a morte de Salazar no dia 27 desse mês serão o início da contagem decrescente do fim do regime do Estado Novo. Com o “Botas”, o desfecho seria o mesmo? Em apenas 7 minutos, aqueles protagonistas da audiência papal fecharam o ciclo histórico de 545 anos de cumplicidade da Igreja com a afirmação do Portugal africano, estabelecida pela Bula “Romanus Pontifex” do Papa Nicolau V ao rei D. Afonso V, O Africano, e ao infante D. Henrique, O Navegador, – o documento de direito internacional da escravatura da raça preta pela raça branca.

Os três líderes independentistas que o Papa Paulo VI recebera e abençoara tinham a força do “espírito do tempo”, eram senhores da guerra, com as mãos manchadas de sangue dos seus próprios compatriotas. Não eram da dimensão política e humanista do bem-aventurado Nelson Mandela.

Em Fevereiro de 1964, no I Congresso de Cassacá, Amílcar Cabral introduziu a pena de morte no normativo jurídico do PAIGC, julgou sumariamente e mandou executar de imediato alguns compatriotas e correligionários (o regime de partido único e ditatorial do irmão Luís Cabral aplicá-la-á a alguns milhares, arbitrariamente, sem qualquer julgamento); montara uma cilada e em Abril de 1970 ordenara o assassinato de 4 oficiais do Exército Português e seus impedidos, que ousaram ir desarmados ao encontro do PAIGC; havia montado uma cilada e, na véspera de partir para Roma e ao encontro do Papa, ordenara a execução do seu conterrâneo bafatense, enfermeiro Paulo Gomes Dias, seu opositor anti-marxista, então presidente da FLING Progressista, um partido moderado sediado em Dacar; mandara executar imediatamente o “sniper” do PAIGC que, por rebate de consciência, não eliminou o General António Spínola de visita à sua tabanca; etc.

Marcelino dos Santos era “a FRELIMO sou eu”, segunda figura de partido único e ditatorial, pela aplicação seus pressupostos ideológicos e implementação do “socialismo científico” tornou-se responsável, no mínimo moral, da guerra civil subsequente à independência, que devastou Moçambique e dilacerou os moçambicanos durante 17 anos.

Agostinho Neto, pela recusa à coexistência e com a perseguição sanguinária aos seus adversários políticos FNLA e UNITA, tornou-se responsável pela guerra civil, subsequente à independência, que devastou Angola e dilacerou os angolanos durante 27 anos, que lhe imputam a assinatura em branco de cerca de 25 000 sentenças de morte de angolanos, no contexto da “crise fraccionista”, espoletada pelo seu opositor Nito Alves; etc.

A História reflecte o seu autor, mas não se reescreve. Alçados ao poder em Angola e Moçambique, em 1975, mandatados pelo MFA, deriva das FA Portuguesas, aqueles líderes de Angola e Moçambique, por convicção ideológica, não fizeram os caminhos da Paz na base da Verdade, Justiça, Caridade, Liberdade e do Desenvolvimento e dos Direitos Fundamentais dos dois Povos, paradigmas daquelas duas encíclicas que evocavam.

O Cardeal Benelli, que o Cardeal Villot censurara de abusador da sua ausência, notabilizar-se-á na promoção eleitoral dos Papas João Paulo I e II; o Bispo Tchimdibo, admirador de Amílcar Cabral, passou 9 anos como prisioneiro do sanguinário ditador Skou Touré; tido na consideração do mais talentoso e moderado dos “três líderes terroristas”, Amílcar Cabral morreu às mãos dos seus correligionários, diz-se que a impulso do mesmo Sekou Touré, mas o insuspeito Agostinho Neto, no seu relatório de Presidente da Comissão Internacional de Inquérito à sua morte, diz ter colhido em Conacri os depoimentos de 500 dos seus correligionários, 325 exprimiram-se abertamente contra Cabral e apenas 20 a seu favor; Marcella Glisenti continuou activista, católica progressista e livreira na sua “Paesi Nuovi”,envolvida na revista “Presence Africaine" pela negritude, émula dos textos de Albert Camus, de Jean-Paul Sartre e dos poemas de Leopold Senghor; Agostinho Neto foi morrer a Moscovo; Marcelino dos Santos morreu de velhice, na sua cama; Marcelo Caetano morreu exilado no Brasil; e o inclusivo Papa Paulo VI, pela sua áurea de anti-colonialista, de progressista, no entanto condenatório da regulação artificial da natalidade, subirá aos altares, beatificado em 2014 e canonizado em 2018, pelo Papa Francisco.

O ano português de 1970 foi tempo de mutação.

O desgaste físico e moral pelos 10 anos de luta evidenciava-se nos três teatros de guerra no Ultramar, com ambos os beligerantes a braços com a sua rejeição, a falta de recursos humanos, refractários, deserções e aquela audiência papal teve repercussões nas chancelarias internacionais e na própria Igreja portuguesa.

Os sacerdotes deixaram de invocar o auxílio do “Deus dos exércitos” e alguns sacerdotes mais corajosos falavam abertamente contra a guerra ultramarina nas suas homilias, havia excursões populares às suas missas, lembro os padres Feliciano Alves, os capelães militares Mário de Oliveira e Arsénio Puim, estes dois camaradas da Guerra Guiné, expulsos do Exército e do sacerdócio.

Nesse mesmo ano, Maurice Schumann, notável ministro francês e um dos pais da União Europeia, veio a Lisboa instar Marcelo Caetano, estava na altura da solução política, para não deitar tudo a perder, incitou-o a imitar ofereceu a ajuda da França e da CEEE, este confidenciou-lhes a sua impossibilidade, alegando o impedimento do Exército e o seu receio da separação transformar Moçambique num estado racista, apoiado pela África do Sul, sendo plausível que respaldado no facto de, em Janeiro, os USA terem reatado o fornecimento de material militar, abrindo as portas ao rearmamento tecnológico das FA Portuguesas, designadamente de aviões Mirage e da panóplia de mísseis. Havia um ano que a Força Aérea alertara o Governo da forte possibilidade de o PAIGC vir a dispor de aviões MiG e da nova geração de mísseis antiaéreos soviéticos.

Como Alto-comando funcionava e decidia em Lisboa, com o Decreto-Lei 49 170 de Junho, Marcelo Caetano cometeu a responsabilidade das operações nos três teatros de guerra ultramarina aos respectivos Comandantes-Chefes e investiu três provincianos nesses cargos, a nata do corpo de generais de Portugal – António de Spínola, Guiné; Kaúlza de Arriaga, Moçambique e Costa Gomes, Angola.

 O General Costa Gomes, com a prestação do General Bethencourt Rodrigues (que virá a render Spínola na Guiné), resolveu a guerra em Angola; o General Kaúlza de Arriaga encostou a FRELIMO às cordas da derrota com a “Operação Nó Górdio” (os seus detractores dizem que não, mas o comandante seu oponente, o insuspeito Presidente Samora Machel, afirmou que sim), mas foi “derrotado” pelo massacre de Wirimau); e o General António de Spínola, o mais politizado, idealista e “romântico” dos três, não fez o caminho da derrota militar do PAIGC, antes fez o caminho da promoção social das populações e do progresso do território, falhou a manobra no Chão Manjaco (a tragédia dos 3 Majores), logrou um êxito parcial na “Operação Mar Verde” a Conacri (libertação de cerca de 3 dezenas de prisioneiros militares portugueses), mas foi “derrotado” pelo assassinato de Amílcar Cabral.

Um exército pode levantar-se contra a invasão de outro exército, mas não contra a invasão de uma ideia (Victor Hugo).

E a Guiné, calcanhar de Aquiles do Ultramar (Amílcar Cabral), passou a cancro corrosivo das FA Portuguesas (Saturnino Monteiro).

Grandezas e misérias da espécie humana.

Manuel Luís Lomba
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Nota do editor

Último poste da série 13 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21071: (In)citações (163): Sermão antirracista do Padre António Vieira: "Cada um é da cor do seu coração" (seleção: António Graça de Abreu)

Guiné 61/74 - P21146: Álfum fotográfico do Zeca Macedo, com dupla nacionalidade cabo-verdiana e americana (ex-2º tenente fuzileiro especial, DFE 21 (Cacheu e Bolama, 1973/74) - Parte II


Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > DFE 21 (1973/74) > 1973 >  O Zeca Macedo  com as senhoras do MNF - Movimento Nacional Feminino. A da direira era a fundador, mentora e presidente  do movimento, Cecília Supico Pinto. (1921-2011)


Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > DFE 21 (1973/74) > 1973 >  O Zeca Macedo no quartel do DFE 21

Fotos (e legendas): © Zeca Macedo (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Continuação de fotos do álbum do Zeca Macedo, que nps foram enviadas em ficheiro pdf, com fraca qualidade:

(i) ex-2º tenente fuzileiro especial, DFE 21 (Cacheu e Bolama, 1973/74);

(ii) nascido na Praia, Santiago, Cabo Verde, em 1951;

(iii) frequentou o 1º ano da Escola Naval em 1971 (foto à esquerda):

(iv)  a viver nos Estados Unidos, Cambridge, MA, onde é advogado;

(v) tem dupla nacionalidade, americana e cabo-verdiana; 

(v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 13/2/2008; tem mais de 20 referências no nosso blogue.
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segunda-feira, 6 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21145: Da Suécia com saudade (75): Pedagogias várias para proveito do macho-ibérico: as representações sociais das... suecas, "muito dadas" (José Belo)



A propósito das 'muito dadas'...  Midsummer at Skansen, Stockholm. [ Solstício de verão em Skansen,  Estocolmo].  Source / Fonte: Routes North - Scandinavia Travel Guide / Rotas do Norte - Guia de Viagens da Escandinávia . Bilderna kan vara skyddade enligt upphovsrättslagen / As imagens podem estar  protegidas por leis de direitos de autor.] 

(Cortesia de Joseph Belo. Reproduzido com a devida vénia...)


 
1. Mensagem do nosso amigo e camarada José Belo que continua, "de pedra e cal", como régulo da Tabanca da Lapónia,  em pleno solstício do Verão, não se prevendo, no horizonte ( agora que é dia todo o dia), nenhum "golpe de Estado" que lhe derrube a estátua... 

Pelo sim, pelo não, montou guarda, com as suas renas e os seus cães, à entrada da sua morança,  adiando a sua viagem para o "bem-bom" de Key West, a terra no mundo há mais idosos milionários por metro quadrado:


Date: quinta, 2/07/2020 à(s) 16:21
Subject: Pedagogias várias

Os textos por mim enviados para o blogue sob o título “Da Suécia com saudade” são já numerosos e diversificados.
Um dos camaradas comentadores referiu-se a eles( com muito saudável ironia,  tendo em conta as nossas idades) como...”pedagógicos”.
Fez sorrir os lapöes,o que não é sempre fácil.
Vou enviar-te algumas considerações de macho-ibérico velhote quanto ao meu muito usado termo “Muito Dadas” quando me refiro a  pseudo realidades locais.

Segue em duas partes unicamente para não exagerar o E-mail.
Da Suécia com Amizade ....um grande abraço. (Francamente, Amizade,  muita!...Saudade,  só do nosso mar!)
Pedagogias várias >
Estas curtas semanas em que por aqui existe o Sol da Meia-noite são sempre "criativas ".



Provérbio luso-lapão: "Mas ainda melhor que as mulheres ,é o vodca, que faz esquecer as mulheres". (Luíz Pacheco,  escritor maldito, dixit, ou dizem que disse...)

Comentário de José Belo, criador de renas e pensador nas horas vagas do Círculo Polar Ártico: "Entre os rebanhos de renas, e os não menos numerosos ursos, a profunda e universal filosofia lapónica, há muito que têm vindo a eclipsar os muito menos reconhecidos pensadores das antiguidades clássicas grega e romana"

(Ciortesia de Joseph Belo)








Vinte e quatro horas de luz diária servem para muito! Não será por acaso que daqui a nove meses nasce o maior número de crianças suecas, ano após ano,  confirmado pelas estatísticas.

O tema "Suécia ", já demasiado repetitivo para este tipo de blogue, terá para muitos ..."o interesse que tem ". Para outros nada diz. Há ainda os que ,aparentemente , se sentem quase provocados.

Interessante verificar que as asserções tiradas por alguns são sempre mais radicais quanto menor é a altura do campanário da igrejinha. Natural.

Para uns a Escandinávia é um mítico paraíso social, enquanto que para outros mais não é que um pântano de promiscuidades várias.

A Suécia como um país que sempre procurou ajudar os que lutam pela liberdade e justiça social (utilizando os milhões mensalmente pagos ao  Estado pelos cidadãos com os seus impostos), ou a Suécia constituída por idealistas ingénuos,sempre facilmente enganados nos seus investimentos e negócios por esse mundo fora?

Pouco tem sido referido nestes "diálogos" a enorme indústria de guerra sueca e suas exportações que formam boa parte das receitas. Um pouco como quanto ao caso da Suíça.., muitos confundem a palavra "neutralidade " com a palavra "pacifismo".

Desde satélites com fins militares,a aviões de combate e reconhecimento dos mais sofisticados, corvetas, submarinos, mísseis, blindados ligeiros e pesados, artilharia,viaturas todo o terreno,todo o tipo de armamentos ligeiros,etc,....tudo fabricado no país e continuamente exportado.

Como explicar que tão ingénuos "nabos" tenham conseguido a riqueza e realidades sociais do país actual?

E por muito difícil que seja compreender aos nossos mais "estremados patrioteiros", os seus correspondentes suecos também, como eles, se embrulham frequentemente em bandeiras nacionalistas de conveniências várias.

Mas, e regressando aos profundos pensamentos pedagógicos da cultura clássica lapónica tão bem espelhada nestes textos.....não queria terminar esta série sem procurar desmistificar (!) as minhas continuas referências às míticas suecas como sendo,,, "Muito Dadas".

E é sempre muito limitativo isolar as suecas das restantes escandinavas. Um bom exemplo será a vizinha Noruega. Precisamente o mesmo grupo étnico, a mesma cultura, as mesmas tradições, a mesma língua (com a mesma variante de entoação como entre o português e o brasileiro), a somar-se a uma independência da Suécia de unicamente 150 anos, Wm claro, e....as mesmas lindas mulheres!

Mas na mitologia do Sul, e apesar da total inexistência de distinção, as suecas são sempre....as mais "dadas"!

Recordo que, quando já a viver na Suécia, ao tirar o meu curso nos States, verifiquei um dia que tudo o que de pornografia se tratava, fossem filmes, revistas, etc, para ter venda em quantidade,  tinha sempre que ter uma pequena bandeira sueca no canto superior direito.

Curiosamente todo este material era produzido,,, na Dinamarca!

Historicamente as sociedades escandinavas nunca consideraram a sexualidade com as fortes características e "lastros" pecaminosos das culturas católicas.

O forte puritanismo luterano não conseguiu sobrepor-se a toda uma histórica tradição de muitos séculos de igualdade de procedimentos  entre ambos os sexos. Igualdade de procedimento quanto a uma atitude activa por parte de ambos os sexos. A componente pecaminosa não faz parte desta 
tradição.

Nas culturas do Sul apoia-se e encoraja-se o activismo masculino quanto às buscas de relações sexuais, enquanto  na cultura nórdica este "activismo " é olhado como iqualitário.

O menino Zezinho será olhado, invejado e admirado pelos amigos da sua rua ao ter já "engatado" duas dúzias de raparigas. A menina Zezinha, tendo em conta duas dúzias de rapazes, mais não é que uma promíscua.

Na Escandinávia duas dúzias são duas dúzias. As da Zezinha não são maiores que as do Zezinho!

Este pequeno-grande detalhe cria a tal ideia quanto às..."Muito Dadas".

Desde que saí de Portugal,  há mais de quarenta anos, muita água terá corrido sobe as pontes. Mas ao comparar as escandinavas de hoje com as minhas amigas do Estoril, Cascais, Liceu Francês de Lisboa, dos finais dos anos sessenta, o conceito de "muito dadas" torna-se muito relativo.

Voltando às saudáveis ironias quanto a pedagogias várias,  seria muito recomendável que alguns dos nossos jovens machos-ibéricos ouvissem os comentários das jovens suecas quando regressam a casa depois de umas férias felizes no Sul da Europa. Na maioria dos casos a IRONIA em relação aos muitos "mal-entendidos ", e "importâncias" das situaçõesm é demolidora. Faz doer ao ego deste Lusitano.

Um abraço do J. Belo

2. Comentário do editor LG:

José, também é do "mar do Cerro" (onde se apanhm as "sardinhas de Peniche") que eu vou ter saudades quando morrer... Sim, isto das saudades, tem muito que se lhe diga... É o sentimento mais ambivalente que um "tuga" pode experimentar... Há sempre, na saudade, um relação de amor-ódio...que é o que sente um "emigra" em relação ao seu país que ficou para trás...a "pátria que te pariu"

Mas aceita, com bom humor e uma ponta de ironia, este título, "Da Suécia com saudade"... Tem ajudado a "vender o blogue" e a bater audiências... 12 milhões, é obra, mano!

Fico à espera do próximo "material"... Um abraço, aqui do Douro Litoral, da Tabanca de Candoz... Luís

PS - Sim, confirmo que,  "este artista quando jovem",   o primeiro filme pornográfico que viu, nos idos 60, em oito milímetros, era "dinamarquês", mas tinha a bandeirinha da Suécia para enganar... o macho-ibérico!... E mais: embora gostasse mais de "francesinhas", teria sido capaz de desertar (das fileiras da tropa) para a Suécia, só por causa da (afinal, falsa) propaganda de que as "suecas eram muito dadas"... Eu acho que esse mito foi construído só para desmoralizar o Salazar, o Cerejeira e os seus "muchachos"... E, claro, a nossa querida Cilinha!... Mais houve quem lá fosse "ver para crer",,,
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Guiné 61/74 - P21144: Notas de leitura (1292): “BC 513 - História do Batalhão”, por Artur Lagoela, edição de autor, Junho de 2000 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Lê-se este histórico do BCAÇ n.º 513, e temos que preitear o denodo e os sacrifícios que este contingentes provaram em Aldeia Formosa, na ocupação de regiões abandonadas como Gadamael, Guileje ou Mejo, na abertura de itinerários, e no esforço de cortar o corredor de Guileje, procurando algum domínio da chamada fronteira Sul.
Há algo de épico neste relatos, no destemor destes Pelotões Daimler e Fox, nos levantamentos de dezenas e dezenas de minas anticarro, nas flagelações, na reação às emboscadas. Um histórico que permite avaliar os duros combates que se travaram para fixar populações e tropas, naquele combate sempre atrabiliário entre combater forças de guerrilha que podia atuar tanto a partir de uma base externa como, como se comprovará, a partir de bases como Salancaur. Haverá um momento, a partir de 1968, em que se contestará este tipo de dispersão de forças, criticando a fundo a existência de aquartelamentos que marcavam presença mas que não possuíam capacidade ofensiva.
Lê-se agora à distância dos anos que foi esta fixação que teve o mérito de travar a avalancha de um PAIGC que sonhava em mostrar o Sul com uma total zona libertada.

Um abraço do
Mário


BCAÇ n.º 513, a divisa era “Ceder Nunca” (2)

Beja Santos

O livro intitula-se BC 513 História do Batalhão, por Artur Lagoela, edição de autor, 2000. Para quem esteja reticente e cético quando à importância destes documentos, mais a mais publicados muitas décadas depois dos acontecimentos vividos, recomendo vivamente a leitura deste histórico. E por razões muito simples: o investigador ou o simples leitor interessado vão aqui encontrar informações sobre o estado do Sul da Guiné em 1963 e como reagiram as nossas tropas a uma situação verdadeiramente caótica em que a guerrilha, por força da intimidação, do terror puro ou das muitíssimas formas de apoio que recebeu, se assenhoreou do terreno, havia que o repelir. E há algo de épico nas lutas travadas pelos diferentes contingentes BC n.º 513, num tempo em que as autometralhadoras puderam ter um papel relevante e os sapadores viveram assoberbados a detetar e a levantar minas antipessoal e anticarro.

Primeiro esforço de guerra, reocupar o Chão Fula, depois procurar atuar no corredor de Guileje, criar novos destacamentos, como o Mejo, Colibuia e Guileje. Escreve o autor que em toda a região não havia um único europeu, no meio de toda aquela desarticulação, uns procuraram apoio em Buba e Aldeia Formosa, muitos aderiram ao PAIGC e outros refugiaram-se na República da Guiné. Havia que convencer os Fulas a cultivar o arroz, que antes da guerra era cultivado pelos Balantas, pois bem, o Forreá autoabasteceu-se, quando o BC 513 deixou a zona Sul, 30 tabancas ficaram organizadas em autodefesa com redes de arame-farpado e com abrigos. Os Fulas armados atuaram na região de Incassol e causaram destruições ao inimigo. Em 29 de Novembro de 1964, Guileje foi pela primeira vez atacada, todas as casas da tabanca foram incendiadas e destruídas.

O autor descreve a situação geral na fronteira Sul, recorda que o rio Cacine com os seus inúmeros braços penetra até próximo de Guileje. A zona de fronteira é constituída por uma estreita faixa de terreno entre Cacine e Guileje. Nas regiões de Guileje e Aldeia Formosa formam-se dois corredouros terrestres de comunicação com o interior separado pelos rios Cumbijã e seus afluentes Balana e Balanazinho. Ao longo de toda a faixa terrestre entre Cacine e Guileje corre uma estrada que se prolonga através das pontes sobre os rios Balana e Balanazinho para Mampatá e Aldeia Formosa. Esta estrada liga as povoações de Cacine, Cacoca, Sangonhá, Ganturé, Gadamael, Guileje, Gandembel (destruída) e Mampatá. A subversão armada manifestou-se na região de Sangonhá, onde os grupos aliciadores da FLING foram dominados e ultrapassados pelo PAIGC, este teve grande apoio dos Beafadas da região. Assaltos armados às casas comerciais de Gadamael Porto e Cacoca e outros atos de rebelião conduziram a região à colaboração integral com o inimigo, a autoridade portuguesa volatizou-se. A região Fula de Guileje foi abandonada.

Segue-se o histórico da progressão das forças do BC n.º 513. Em 17 de Dezembro de 1963 ocupou-se Gadamael, construindo-se aquartelamento a partir do nada. De 4 a 8 de Fevereiro do ano seguinte ocupou-se Guileje. Em 20 de Fevereiro abriu-se o itinerário Guileje - Gadamael. De 21 a 25 de Fevereiro ocupou-se Ganturé. De 7 de Março a 15 de Abril houve patrulhamentos nos itinerários Aldeia Formosa – Gadamael – Guileje – Mejo, as forças do PAIGC emboscaram por diversas vezes. Em 21 de Maio ocorreu a abertura o itinerário Gadamael – Sangonhá e ocupou-se Sangonhá que logo fio atacada com invulgar violência. Em 24 de Julho deu-se a abertura do itinerário Sangonhá – Cacoca. Deu-se por concluída a abertura do itinerário Aldeia Formosa – Cacoca ao longo de toda a fronteira Sul. Nos regulados de Guileje, Gadamael e Cacine as populações sentiram-se mais seguras. A CART n.º 496, instalada em Cacine passa a executar patrulhamentos na direção de Cameconde. Entre 30 de Novembro e 10 de Dezembro fez-se a abertura do itinerário Cacoca – Cacine e a ocupação de Cameconde. Dava-se por concluída a abertura do itinerário Cacine – Cacoca – Guileje – Mampatá – Aldeia Formosa – Buba. Para completar a ligação por estrada entre as companhias do designado Setor E, faltava abrir à circulação o troço Cacoca – Cacine. Diz o autor que o moral do inimigo era de prever que fosse elevado já que tinha até então oposto com êxito grande resistência à entrada das tropas de Cacine em Cameconde. O PAIGC alardeava que a tropa nunca entraria em Cameconde. É neste contexto que decorre a operação “Fecho”, perfura-se o itinerário Cacine – Cameconde com o apoio da Força Aérea, intervêm uma Companhia de Artilharia e um Pelotão de Reconhecimento, vai à frente o Pelotão Daimler 947 reforçado, seguem sapadores, enquanto as forças navais executam uma operação de diversão.

Haverá muito tiroteio, mas a estrada que segue para Cacoca foi aberta e o Comandante do Batalhão faz os seus comentários:  
“a. A abertura do itinerário Cacoca – Cameconde – Cacine foi feita por duas colunas de Cavalaria, reforçadas, partindo simultaneamente uma de Cacoca e outra de Cacine. Todos os Pelotões de Reconhecimento de Cavalaria ao serviço do BC 513, estavam desejosos de tomar parte nesta operação com a qual se completava a missão geral que lhes fora atribuída de ligar por estrada Buba com Cacine. Não foi, porém, possível atribuir tal missão ao Pelotão FOX 888 que não convinha retirar da Aldeia Formosa. Este facto e o conhecimento das dificuldades criadas pelo IN ao movimento das nossas tropas no sentido Cacaca – Cameconde, levou-nos a decidir que desta vez a acção principal fosse feita no sentido Cacine – Cameconde e portanto em força, reservando para a outra coluna uma progressão mais lenta e cuidada. Isto obrigou a transferir previamente para Cacine, por barco, todos os materiais necessários à instalação das defesas iniciais e também o pessoal da CCS (sapadores) que tinha a missão de as construir. Ali se concentrou ainda um novo Pelotão de Reconhecimento de Cavalaria, o Pelotão Daimler 947.
b. A ocupação de Cameconde era uma velha aspiração da CART n.º 496. O moral da Companhia subiu muito com a sua realização.
c. Saliente-se o extraordinário esforço despendido pelo Pelotão FOX 963 que no dia 29 tivera de acorrer de Ganturé a Guileje em situação de emergência e no dia 30 se deslocou para Cacoca para logo no dia imediato executar a acção.
d. Contudo, as honras inteiras desta acção cabem ao Pelotão Daimler 947, que suportou todo o peso do inimigo com a maior coragem e decisão, acabando por expulsá-lo do seu último reduto”.

Mas a luta pelo domínio das comunicações do setor não tinha pausas. O PAIGC levava a efeito inúmeras emboscadas ao longo de todos os itinerários controlados pelas nossas tropas em especial no de Buba – Aldeia Formosa e Rio Balana – Gadamael, implantou minas, montou emboscadas, muitas vezes conjugadas com o rebentamento de fornilhos. Empenhou-se na destruição das principais pontes e pontões do setor. Na totalidade, o IN implantou 66 minas anticarro, das quais foram detetadas e levantadas 46.

Até 1965, data da sua transferência para a ilha de Bissau e região de Nhacra, o BCAÇ nº 513 averba inúmeras ações que irão ser descritas no próximo e último texto que dedicamos a uma unidade que teve um comportamento admirável num dos teatros de operações mais hostis, entre 1963 e 1965.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21120: Notas de leitura (1291): “BC 513 - História do Batalhão”, por Artur Lagoela, edição de autor, Junho de 2000 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 617/74 - P21143: Manuscrito(s) (Luís Graça) (187): Tabanca de Candoz, entre o pôr do sol e o nascer da lua cheia...





Tabanca de Candoz > 4 de julho de 2020 > Pôr do sol (a oeste, Leiroz) e nascer da lua, cheia (a leste, na serra de Montemuro). Porto Antigo (, na barragem do Carrapatelo, Rio Douro) ao fundo,






Tabanca de Candoz > 5 de julho de 2020 > Pôr do sol (a oeste, Leiroz) e nascer da lua, cheia (a leste, na serra de Montemuro) . Porto Antigo (, na barragem do Carrapatelo, Rio Douro), ao fundo, em primeiro plano, do lado direito.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Há quinze dias "confinado" na Tabanca de Candoz, no cenário de "A Cidade e as Serras", partilho com os nossos leitores dois momentos mágicos do dia: o sol que se põe nos nossos "montes" (pinhais), na parte oeste da propriedade, e a lua cheia que chega, na serra de Montemuro, vista do lado leste... Pelo meio, ao fundo, corre o rio Douro, em Porto Antigo, hoje apresado e domado pela barragem do Carrapatelo...  Era aqui aportavam os barcos rabelos,  antes da sua viagem até Gaia, depois de vencidos os temíveis cachões do Alto Doiro, Daqui vejo um dos barcos de cruzeiro do "Douro Azul" à espera da retoma e dos turistas "desconfinados"...

Noites serenas, quentes, afugentam o vírus, e trazem-nos paz de espírito. Cães ladram à lua, na quinta do vizinho, e há um coruja ou um mocho  por aqui perto, com o seu piar agoirento, que os antigos associavam à morte, O cheiro a terra quente faz-me lembrar a Guiné... Há anos que não sentia este cheiro, porque não é habitual estar aqui, por Candoz, no solstício do verão.

Ao fim da tarde o termómetro ainda marcava  36 graus,,, Como é bom estar cá fora na nossa comprida  varanda,  a jantar ao luar que ainda não é o de agosto, sem os "ruídos" da civilização (a não ser o do "tablet", do "telemóvel" e do "portátil", a maldita televisão desligada)...

Dantes, há 40 anos, nem sequer electricidade havia por estas freguesias de Baião e Marco de Canaveses, de povoamento disperso, apesar de ser produzida aqui perto: a barragem do Carrapatelo foi inaugurada em 1972... Candoz só teve luz elétrica em 1977. Casei aqui em agosto de 1976...(Dizem que foi o primeiro casamento civil do ano, por estas paragens... Sem água benta, terei ficado mal casado, mesmo assim o meu sogro ofereceu-me o anho.)

Já tinha saudades destas noites. Bebo uma "branquinha" do nosso alambiqueiro, à vossa!...Converso com Miguel Torga e Eça de Queiroz. mas também com o "nhô" Baltazar Lopes, cujo "Chiquinho" (1936) estou a reler, maravilhado...(ou não fosse também Cabo Verde uma pequena parte de mim).

Mantenhas para todas as tabancas da Tabanca Grande, da Lapónia a Matosinhos, da Linha à Diáspora Lusófonam do Centro ao Algarve, da Maia aos Melros.... Lá para o meio da semana, talvez regresse, ao sul... Fico sempre dividio entre as saudades do mar e as do campo...A Lourinhã fica a 3 horas de caminho,pela autoestada do Atlântico... As altas temperaturas da semana que agora começa, convidam à praia.


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Nota do editor:

24 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21109: Manuscrito(s) (Luís Graça) (186): "Enquanto há saúde, quedos estão os santos"...Mas hoje nem o são João roga por nós... Afinal, "quando Deus não quer, os santos não podem"... E não houve santos populares para ninguém, nem na Tabanca de Candoz...

domingo, 5 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21142: O nosso livro de visitas (206): Carlos Barros, natural de Esposende, ex-fur mil at art, 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1973/74)

Carlos Barros, Esposende
1. Mensagem do nosso camarada Carlos Barros, natural de Esposende, professor refiormado, ex-fur mil 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1973/74) [, foto à esquerda, do Facebook]:


Date: quarta, 17/06/2020 à(s) 18:06
Subject: Bart 6520, 2ª Cart
Estimado amigo:


Brevemente irei escrever  algo sobre a minha/nossa vivência  em Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará..

Para iniciar, envio este sucinto texo para mim, histórico sobre a entrega ao PAIGC,  do nosso destacamento de Nova Sintra.

Um abraço e parabéns pelo seu trabalho. Carlos Barros, Esposende.

Quando os guerrilheiros entraram no destacamento de Nova Sintra, o Comandante, Capitão Machado e outros graduados, devidamente fardados com os seus camuflados de combate, receberam com dignidade os combatentes do PAIGC acompanhados com uma população civil que lhe era afeta.

Numa fase inicial, depois de contactos prévios com os Comandantes do PAIGC, foram autorizados a entrarem no aquartelamento e, por mera coincidência, os furriéis Barros (eu próprio) e o Ferreira tomaram a iniciativa de irem ao encontro dos guerrilheiro, abrindo-lhes o " portão" junto às bananeiras.

E não houve qualquer problema nessa convivência, embora numa fase inicial, existia um certa "receio", natural, porque algo poderia acontecer de menos bom, como aconteceu em Angola e Moçambique.

Estes são os factos para a história, entre muitos, da Guerra Colonial.


2. Resposta do nosso editor LG,  18 jun 2020 15h35:

Boa tarde, camarada Carlos. Obrigado pela tua mensagem. Registo e saúdo a tua vontade de partilhar, connosco, as tuas boas e más memórias do guerra do fim do império... É um período que precisa de ser melhor conhecido, até porque está carregado de muitas emoções....

Eu já lá não estava, regressei em março de 1971...Vejo que és de 1950, eu sou de 1947...Gostava de saber algo mais sobre ti para te poder apresentar à nossa Tabanca Grande que já reune quase um batalhão e meio de gente... Somos 808 [, agora já 810], entre vivos e mortos, os camaradas (e os amigos) da Guiné... Contigo seremos 809 [, agora 811]...Manga de pessoal!...Preciso apenas de 2 fotos tuas, uma antiga, outra mais atual...

No ficheiro que mandaste, não consigo abrir as imagens...Não seria possível mandá-las, de novo, mas à parte, em anexo, em formato jpg, com boa resolução ?

No teu anexo, só consigo ler as legendas das fotos (que devem ter interesse documental para a nossa história da Guiné):
  • Entrega do destacamento de Nova Sintra ao PAIGC dia 17 de Julho de 1974
  • Os guerrilheiros na entrada do quartel de Nova Sintra .
  • Destacamento de Nova Sintra- 1972/74
  • Visita voluntária ao destacamento S. João: final da Comissão. Eu não fui.  Rebentou uma mina anti-carro: feridos…Parece que adivinhava…
  • Nas tabancas de Nova Sintra: População nos seus afazeres dométicos…1973
  • Regresso a Bissau-Lisboa: Cais do Enxodé : 18 de Julho de 1974
  • Esplanada de Bissau 1973
  • O furriel Barros a almoçar: 1973
  • O convívio dos militares com a população guineense 1974
  • Campo de futebol de Nova Sintra 1973
  • O Barros e o Apolinário, furriéis “matando” a sede…(nunca morria…)
  • Equipa de futebol dos condutores e a dos graduados Junho de 1974
  • Equipa de futebol dos condutores e a dos graduados Junho de 1974.

Fico a aguardar mais notícias. Um alfabravo. LG

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Guiné 61/74 - P21141: Blogpoesia (684): "Noite negra...", "Renascer..." e "Se, de repente...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana:


Noite negra…

Sem estrelas nem luar, a noite fica negra de breu.
Nada puxa ao sonho.
Medonha.
Boa para assaltos pelos caminhos ermos.
Melhor ficar em casa.
À lareira ou sob a manta de estopa.
Boa para contar contos à lareira.
De fadas ou almas penadas.
Se silvar o vento pelas frestas dos telhados.
O pior eram os pesadelos que vinham a seguir sobre o travesseiro.
Lembro-me duma noite longa de vendaval.
De manhã, só se viam ramos de pinheiro e eucalipto pelo chão dos montes.
Foi bom para quem pôde comprar toros de pinheiro a bom preço.
Meu pai foi um deles…

Ericeira, 3 de Junho de 2020
19h42m
Jlmg

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Renascer…

Como um rio largo e vigoroso a vida corre. Abundante e cheia de vida.
Nos banha com suas forças.
Renascendo em nós em cada manhã.
Naveguemos bem. Alegres por estarmos nela.
Frutificando intenso e muito, cada um de nosso jeito, conforme nossos talentos.
É longo o seu cortejo sobre a terra.
Com altos cumes beijando os céus e vales profundos onde abundam os mistérios.
Não vamos ao deus-dará.
A esperança é nossa energia.
Nossa viagem tem seu rumo e porto.
Onde haveremos de chegar festivamente.
Finalmente a paz…

Ouvindo Ennio Morricone - (2002) La Misión [Suite Orquestal]
Ericeira, 30 de Junho de 2020
9h36m
Jlmg

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Se, de repente…

Se, de repente, me saísse a sorte grande, ficaria atónito.
Acalmaria meu espírito.
Para apurar que fazer a tanto dinheiro.
Quem haveria de beneficiar, além dos mais próximos. Os familiares.
Ficar com tudo só para mim seria a destruição total da minha vida.

Mas, se de repente, inesperadamente, fosse acometido por uma doença grave, seria muito pior.
Não há dinheiro ou riqueza que pague a riqueza de ter saúde.
A vida só tem cor se ela reinar em nós.
Se bem que se possa ser feliz mesmo que apanhamos por uma doença.
Tudo vem da dimensão de valores que partilhemos.
Designadamente a espiritual…

Ouvindo Schubert
Bar 7 Momentos, arredores de Mafra,
9h7m
Jlmg
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Nota do editor

Poste anterior de 28 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21116: Blogpoesia (683): "Me agarro à vida...", "Sobraram canhões e castelos" e "As ideias", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728