sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21276: Blogues da nossa blogosfera (136): J. M. Correia Pinto, no seu blogue "Politeia", em 22/1/2013, faz uma recensão do meu livro "Diário da Guiné", de 2007 (António Graça de Abreu)


Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2017 > O Marcelino da Mata, mostrando o livro, "Diário da Guiné: lama, sangue e água pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007), que o autor, António Graça de Abreu, lhe ofereceu autografado. (*)

 Na altura,  o Marcelino da Mata, ten cor ref, era  um participante relativamemnte  frequente dos convívios da Tabanca da Linha.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem coomplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem,  com data de 20 do corrente, 20h31, do António Graça de Abreu [ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com mais de 260 referências no nosso blogue;  é poeta, escritor, tradutor, sinólogo, autor de livros de poesia (8), história (4), traduções (7), e viagens (3)]:

Meu caro Luís

Se achas que deves publicar, avança. O livro nunca teve recensão neste blogue [Luís Graça & Camaradas da Guiné]  pelo Mário Beja Santos.

Ignorava completamente este texto publicado em 2013 no blogue Politeia por J. M.  Correia Pinto, sobre o meu Diário da Guiné, o livro editado em 2007 pela Guerra e Paz, escritos sobre a minha experiência na Guiné 1972/74, num Comando de Operações, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, no norte, centro e sul do território em fogo. (**)

Na foto [, acima,] , estou em Cascais com o Marcelino da Mata, o mais condecorado de todos os militares portugueses.

Abraço,

António Graça de Abreu


Capa do livro do António Graça de Abreu, "Diário da Guiné" 
(Lisboa, Guerra e Paz, 2007, 220 pp)


2. Blogue Politeia: comentário político-económico-social > terça feira, 22 de janeiro de 2013 > Diário da Guiné: um livro de António Graça de Abreu 

Vem a propósito do quadragésimo aniversário da morte de Amílcar Cabral falar num livro publicado há cerca de seis anos mas de que somente há dias tive conhecimento – Diário da Guiné, escrito por António Abreu, entre Junho de 1972 e Abril de 1974, quase dia por dia o tempo da minha comissão de serviço na Guiné, em Bissau, na secção de Justiça do Comando da Defesa Marítima.

Para além da enorme diferença que à época representava ser colocado em Bissau ou no mato, há ainda uma outra porventura não menos negligenciável: fazer o serviço militar na Marinha ou no Exército. A diferença era sob todos os aspectos abissal.

António Abreu foi mobilizado para a Guiné com 23 meses de tropa cumpridos em Portugal, tendo sido sucessivamente colocado em Canchungo (antiga Teixeira Pinto), Mansoa e Cufar. Ou seja, quanto mais a comissão se aproximava do seu termo mais perigoso era o local para onde o mandavam.

Tendo muito presente as grandes datas dos dois últimos anos de guerra e as ocorrências que tragicamente as assinalam, segui, como se estivesse a reviver esses mesmos tempos, esta narrativa contada por quem viveu de muito perto esses mesmos acontecimentos.

O livro de António Abreu é, a vários títulos, um testemunho notável do que foram os dois últimos anos de guerra na Guiné não apenas no plano militar, mas também no plano das relações entre os milicianos e os soldados, do comportamento das chefias militares mais próximas, do estado de espírito dos combatentes, do relacionamento dos soldados com a população, das dificuldades correntes do quotidiano que se agravavam dramaticamente quanto mais perigoso era o teatro de operações, da filosofia de vida com que se encarava a inevitabilidade de uma comissão de 22 ou 24 meses, da incerteza sobre o dia seguinte, a partir de certa altura, do minuto seguinte…

Tudo isto António Abreu conta numa prosa elegante, sempre com muita grandeza de espírito e notável humanismo. O modo como salpica a narrativa com alguns episódios burlescos acontecidos no dia-a-dia da guerra e a fina ironia com que os trata fazem lembrar alguns dos melhores gags de Chaplin. 

Por outro lado, o equilíbrio das suas apreciações e o sentido de justiça sempre presente, mesmo nas condições mais difíceis, fazem com que ele seja capaz de apreciar as qualidades e até as virtudes daqueles de cuja acção discorda. A suposta ingenuidade com que aceita o inevitável, mantendo-se sempre íntegro e igual a si próprio, e a sua vasta cultura contribuíram certamente para que tenha saído sem traumatismos de uma guerra que se ia tornado mais violenta à medida que se ia aproximando fim.

Das muitas leituras sobre a Guerra Colonial, desde as narrativas de militares até à obra de ficcionistas consagrados, passando pela obra dos historiadores, tenho na minha modesta capacidade de apreciação literária o Diário de Guerra, de António Abreu como uma das obras mais interessantes que sobre o tema já li.[Publicado por JM Correia Pinto]

JM Correia Pinto, editor do blogue Politeia, desde fevereiro de 2008

"Fiz o liceu em Viana do Castelo e a universidade em Coimbra. Depois, fui assistente na Faculdade de Direito e militar na Guiné, na Reserva Naval. A seguir ao 25 de Abril, estive no Governo (IV e V) durante o período revolucionário. Andei depois pela cooperação para o desenvolvimento, no MNE, e fui professor na Faculdade de Direito de Lisboa (Clássica) e mais tarde na UAL. Agora estou 'retirado' ".]

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(**) Último poste da série > 3 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21220: Blogues da nossa blogosfera (134): Esquadrão de Bula: modelo à escala da Panhard AML 60, MX-03-19, do EREC 3432 (1972/74). Autor: João Tavares, da Associação de Modelismo do Montijo (José Ramos)

Guiné 61/74 - P21275: Parabéns a você (1853): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Guiné, 1972/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21271: Parabéns a você (1852): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 2615 (Guiné, 1969/71)

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21274: (Ex)citações (367): "O relógio da vida": uma prenda poética do Joaquim Pinto Carvalho e uma palavra de gratidão da aniversariante Alice Carneiro

 







1. O Joaquim Pinto Carvalho, advogado, natural do Cadaval, membro da Tabanca da Lourinhã, membro da Tabanca Grande desde 7/12/2013, ex-alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e da CCAÇ 6 (Bedanda), 1971/73, é também poeta de grande sensibuilidade. E costuma presentear os amigos e familiares com versinhos como este, que escreveu no aniversário natalácio da Alice Carneiro (*).

Seria uma pena este texto, uma pequena obra.prima,  não poder ser lido também pelos nossos leitores...Tem  um toque filosófico, e faz-nos lembrar o poeta António Aleixo, grande artesão da quadra popular. 

Com a devida vénia ao autor e com a autorização expressa da homeageada, aqui fica para apreciação dos amigos e camaradas da Guiné "O Relógio da Vida", do nosso camarada Joaquim Pinto Carvalho.





2. A nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro pede-nos, entretanto,  para, aqui, publicamente agradecer, em seu nome,  as inúmeras mensagens de carinho, estima e amizade que recebeu, no dia do seu aniversário, não só da família, dos seus amigos e amigas, mas também  como dos camaradas da Guiné, alguns dos quais nem sequer conhece pessoalmente. Como o dia foi curto, só agora anda a ler a sua págna do Facebook, bem  como a página do Facebook da Tabanca Grande e ainda o nosso blogue, (*)

Quer agradecer em especial ao coeditor Carlos Vinhal pelo postalito de parabéns que nunca se esquece   publicar no nosso blogue, no dia 18 de agosto (**). E quer também os parabéns, atrasados, ao seu parceiro do dia, o António Melo Carvalho.

E  sente-se lisonjeada por ter recebido poemas como este, do amigo e vizinho Pinto Carvalho  (que ela  faz questão de partilhar, publicamente,  com malta da Tabanca Granda, om a devida vénia ao autor )  mas também  do José Teixeira, e naturalmente do seu próprio companheiro de uma vida e pai dos seus filhos (*). 

Em verso ou em prosa, em comentários emitidos  nas redes sociais,  ou em mensagens recebidos por email ou por telemóvel, foram belíssimas e tocantes as palavras que lhe dirigiram... A todos/as gostaria de poder responderm,. pessoalmente, se a tarefa não fosse hercúlea...

Deseja, isso, sim,  a todos/as  os/as que perderam um bocadinho do seu tempo para lhe dar os parabéns,  uma boa continuação deste verão do nosso descontamento mas onde continua a haver lugar para bonitas provas de amizade e apreço  como estas. Bem hajam! (***)

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(**) Vd. também18 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21264: Parabéns a você (1850): Coronel Inf Ref António Melo Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1969/70) e Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira

(***) Último poste da série > 9 de agosto de  2020 > Guiné 61/74 - P21239: (Ex)citações (366): Álcool e canábis na guerra colonial: o conteúdo e o "timing" do artigo da jornalista do "Público" não são "inocentes" quando desde o início do ano se fala do "estatuto do (antigo) combatente" (José Martins)

Guiné 61/74 - P21273: Meu pai, meu velho, meu camarada (63): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte II


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  O navio da marinha mercante "Serpa Pinto”.  Junho de 1942 > "Paquete Colonial que tantas as vezes esteve em S. Vicente", lê-se no verso. Possivelmente Foto Melo. Fonte arquivo da família.

 


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  Março de 1942 > "A escola Sagres em São Vicente durante o seu cruzeiro  no Atlântico". Foto: arquivo da família.

Este não é o navio-escola Sagres atual... Este é o antigo veleiro, de 3 mastros, Rickmer Rickmers, ao serviço da Marinha Portuguesa, como navio-escola Sagres, entre 1927 e 1962...Também conhecido por Sagres II. Foi substituído, em 1962, como navio-escola da Marinha Portuguesa, pelo Sagres III (antigo NE Guanabara da Marinha do Brasil),




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  29 de setembro de 1942 (?) > Navio inglês, não é indicado o nome no verso... "Esteve em S. Vicente no dia 29 de setembro com diplomatas. [Eu] estava no hospital quando ele cá esteve".  O ano deve o de 1942. Foto: arquivo da família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > " No dia 11 de Abril [de 1942] chegaram estes dois barcos hospitais italianos ao porto de S. Vicente para irem fazer troca de prisioneiros e doentes com os ingleses. 1942".  [Sabemos que se tratava dos navios Vulcania e Saturnia, porque há uma outra foto, no nosso arquivo com a seguinte legenda: "No dia 23 de dezembro [de 1942]  os barcos hospitais italianos “Vulcania” e “Saturnia” em São Vicente  pela 2ª vez".]




Lembrando, no centenário do seu ascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte II

(Continuação)


2. Um mês antes do Luís Henriques partir para Cabo Verde, no  T/T “Mouzinho” (em 18 de julho de 1941), Portugal acabava de perder um barco de pesca  e um navio da marinha mercante:

(i) o barco de pesca "Exportador I" fora cobarde e miseravelmente  atacado a tiro de canhão por um submarino italiano. a sul do Cabo de São Vicente, em 1/6/1941....

(ii) o navio da marinha mercante portuguesa, de carga e passageiros, da Companhia Colonial de Navegação, o “Ganda”, de 4.333 toneladas brutas, com 72 tripulantes e passageiros a bordo, tinha sido atacado e afundado, em 20/06/1941, ao largo da costa de Marrocos, pelo submarino alemão U-123, sob o comando do capitão tenente Reinhard Hardegen (1913-2018): moreram 5 tripulantes e os s náufragos foram deixados à sua sorte, num salva-vidas, mas mais tarde recuperados por um navio de pesca português e outro espanhol.

Uma das glórias da nossa marinha mercante foi o “Serpa Pinto” e a sua história (1914-1954) merece ser conhecida: navio de passageiros, era operado também pela CCN - Companhia Colonial de Navegação na carreira da América do Norte (Lisboa–Nova Iorque), na "Rota do Ouro e Prata" (Lisboa–Rio de Janeiro–Buenos Aires) e na "Rota das Caraíbas" (Lisboa–Havana), entre 1940 e 1955.

Terá sido o navio de passageiros que, durante a Segunda Guerra Mundial mais viagens transatlânticas realizou entre Lisboa, Nova Iorque e Rio de Janeiro, transportando refugiados da guerra em geral, e particularmente judeus, fugidos do nazismo, e trazendo, de volta à Europa, cidadãos de origem germânica expulsos dos países do Novo Mundo. Era tão popular que ficou conhecido pelos epítetos de 'Navio da Amizade', 'Navio Herói' e 'Navio do Destino'… (Vd. foto a seguir.)

Para mostrar aos beligerantes da II Guerra Mundial, que pertencia a um país neutral, o navio era pintado de negro, o casco, e com o nome de Portugal, bem visível, pintado a branco,  tal como o nome do navio. Toda as  tripulações da nossa marinha mercante, bem como da nossa frota bacalhoeira, e da demais pesca do alto,  sem esquecer a marinha de guerra, foram verdadeiros heróis, naquela época. E não poucos, bravos marinheiros e pescadores, perderam a vida, engrossando a lista de vítimas da nossa história trágico-marítima. 

Perdidos do Atlântico, c0m fracas comunicações com a Metrópole, os nossos expedicionários acompanhavam os dramas da II Guerra Mundial, como a chegada e partida de navios-hospitais. 

A Itália, por exemplo, viu afundar-se 12 dos seus 18 navios-hospitais. Na realidade, os navios aqui referidos não eram navios hospitais mas 4 dos navios transatlânticos (incluindo o “Duilio” e o “Giulio Cesare” que, com mais 2 petroleiros, “Arcole” e “Taigete”, conseguiram, numa operação conhecida, resgatar e repatriar cerca de 28 mil pessoas, entre crianças, mulheres e homens, da África Oriental, sob a égide da Cruz Vermelha Internacional em três viagens de circum-navegação do continente africano, entre 2 de abril de 1942 e agosto de 1943. O "Duilio e o "Guilo Cesare" serão afundados no bombardeamento aéreo dos Aliados na baía de Muggia em julho de 1944. Num total de 25 mil tripulantes inscritos, a Marinha Mercante italiana na II Guerra Mundial, perdeu cerca de 1/3 (7164).



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Navio hospital italano "Duilio" [No verso, pode ler-se a legenda, muito sumida: "Hospital de diplomatas (sic) italiano que esteve em São Vicente em 1/6/194 (?). Foto Melo. Aequivo da famíia de Luís Henriques


Segundo a imaginação, algo delirante e voyeurista, dos nossos  expedicionários, 3300 acantonados numa pequena ilha de 15 mil habitantes, os passageiros, que não terão desembarcado, travavam uma luta atroz contra a falta de álcool a bordo... Contava-se que, à falta de bebibas no bar, bebiam álcool puro!...Recordo-me do meu pai contar esta história... O navio de passageiros "Duilio" tinha 23 636 toneladas, será afundado em julho de 1944.

Guiné 61/74 - P21272: Meu pai, meu velho, meu camarada (62): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte I



Lourinhã, jardim da Senhora dos Anjos, c. agosto / setembro de 1947 > 
Luis Henriques (1920-2012)  com o filho primogénito, Luís Graça,   
ao colo da mãe, aos 8 meses, Maria da Graça (1922-2014)   
Foto: arquivo da família.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



Lembrando,  no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte I



1. Figura muita popular e querida da sua terra, nasceu há 100 anos, na Lourinhã, em 19 de agosto de 1920 e morreu com 91 anos, os últimos cinco dos quais passados no Lar e Centro de Dia de N. Sra. da Guia, na Atalaia.

Devido à atual pandemia de Covid-19, a família e os amigos vão ter que adiar a singela homenagem que tencionavam fazer-lhe, no corrente mês de agosto, a 22, no centenário do seu nascimento.

Haverá no entanto um missa em Ribamar, Lourinhã, terra da sua avó materna, no próximo sábado, dia 22, às 18h30. Os familiares e amigos que puderem e quiserem comparecer (dentro do limite dos menos de 100 lugares disponíveis na igreja da paróquia de Ribamar) serão bem vindos.

Está prevista ainda, em tempo oportuno,a publicação, pela família,  de um pequena brochura, incluindo pequenos depoimentos daqueles que com ele ainda conviveram, nomeadamente filhos, netos e antigos jogadores do Sporting Clube Lourinhanense, das camadas mais jovens, que ele acarinhou, treinou e formou.  Haverá também um almoço de "confraternização" entre família e amigos, bem como um jogo de futebol entre antigos jogadores treinados por ele.

A família recordo-a, pelo "grande exemplo de vida que nos deu na sua passagem pela terra" e como "lourinhanense que amava a sua terra, as  suas gentes, a sua família"... "Conversador incansável que falava em verso, contador de histórias, que em todos via um amigo, apaixonado pelo futebol, pelos jovens que com amor treinou e ensinou, e com um coração enorme que sabia repartir por quem tinha menos do que ele" ("Alvorada",  7 de agosto de 2020, pág. 28).

Apresentamos hoje um breve resumo da sua história de vida que é também a história de  muitos portugueses da sua geração, mobilizados durante a II Guerra Mundial,  para defender a soberania portuguesa, nomeadamente nas ilhas atlânticas (Madeira, Açores e Cabo Verde)...

O jornal quinzenário "Alvorada", com sede na Lourinhã, na sua última edição (nº 1285. de 7 de agosto de 2020 , pp. 26-27), publicou um extenso texto, da autoria de Luís Graça e família, e que tomamos a liberdade de  reproduzir com as necessárias adaptações, acrescentando-lhe mais fotos e texto de um brochura em preparação.


Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > 1941 > Luís Henriques.
1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5. unidade mais tarde
integrada no RI 23. Foto:arquivo de família.


Luís Henriques (1920-2012), pai do nosso editor, Luís Graça, tem mais de 40 referências no nosso blogue, e nomeadamente na série "Meu pai, meu velho, meu camarada".

Era casado com Maria da Graça (1922-2014), doméstica.  Deixou, como descendentes, 4 filhos (Luís, Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel), 12 netos, 8 bisnetos. Era filho de Domingos Henriques Severino, natural do Montoito, e de Alvarina de Sousa, natural da Lourinhã, mas com raízes em Ribamar. 

Tinha raízes, pelo lado do pai, Domingos Henriques Severino, no Montoito, e pelo lado da avó materna, Maria Augusta de Sousa, em Ribamar. Ficou órfão, aos 2 anos, de sua mãe, Alvarina de Sousa, natural da Lourinhã.

O meu avô paterno, que ainda conheci na infância, terá morrido também com 91 anos. Usava muletas e fumava a sua “beata”: é a imagem que eu tenho dele. Dizia o meu pai que ele “tinha ficado mal das pernas por causa dos resfriados do  mar”:  como muitos agricultores das zonas ribeirinhas (Montoito, Atalaia, Areia Branca, Ribamar, Porto Dinheiro...), era também nos tempos livres um mariscador, dedicando-se à apanha tradicional de polvos e crustáceos.

Domingos Henriques Severino [, ou só Domingos Henriques,] foi homem de teres e haveres (, tinha “sete fazendas e três pinhais”, dizia-me o meu pai), tendo casado três vezes. Do primeiro casamento, não teve filhos: a esposa era de Torres Vedras, de uma família conhecida, os Fonsecas, ligada ao comércio automóvel; do segundo matrimónio, teve o meu pai (Luís Henriques, de seu nome completo),  e o meu tio (e padrinho de batismo), Domingos Inocêncio Severino, já falecido. É estranho os dois irmãos não terem o mesmo apelido, mas era frequente na época, um filho ficar com um primeiro apelido do pai (neste caso, Henriques), e outro filho ficar com o segundo  apelido paterno (, no outro caso, Severino).

Do terceiro casamento, o meu avô teve "uma equipa de futebol e um suplente", como dizia, com graça, o meu pai. Casou com um senhora que era mãe solteira, natural da Zambujeira ou Serra do Calvo. (Trazia pela mão o Manuel “Ferrador”, o “suplente”.)

De entre esses meios- irmãos, destaca-se o Afonso Henriques, o “Afonso das Bicicletas”, também figura popular na sua terra, pela sua paixão pelo ciclismo. (Tinha uma oficina de reparação de bicicletas e motorizadas, a Casa Osnofa,  na Rua Miguel Bombarda, nº 17)



Alvarina de Jesus Sousa: s/d, c. 1920.  
Foto: arquivo da família.


A mãe do meu pai era a Alvarina de Jesus Sousa [, foto acima], filha de Francisco José Sousa, da Lourinhã, comerciante de peixe, e de Maria Augusta, de Ribamar.

Morreu jovem, em 1922, de tuberculose, terrível doença da época, facto que  marcou o meu pai para toda a vida: a mãe nunca lhe pôde dar um beijo, punha-lhe apenas a mão, ou a ponta de um dedo,  na cabeça, na testa ou na face… (Pergunto-me: como é que um miúdo de dois anos pode ter essa recordação ?... Muito provavelmente, os tios contaram-lhe.)

E, nos seus três últimos dias de existência, em que eu tive o privilégio de o acompanhar no seu leito de morte, evocou o nome da mãe Alvarina,  por mais de um vez.

 


Maria Augusta de Sousa  (Ribamar, 1864- Lourinhã, c.1934). S/ d.

Foto: arquivo da família.

 

A sua avó materna, Maria Augusta, nasceu em 28 de outubro de 1864, em Ribamar, ou melhor, em Casais de Ribamar, hoje integrados na vila de Ribamar. Pertencia ao clã Maçarico: filha de Manuel Filipe e Maria Gertrudes. ( A sua ascendência está documentada até, pelo menos, a meados do séc. XVIII.)  

Veio a  casar na Lourinhã, com um peixeiro, Francisco José de Sousa (1864-1939). O casal teve 7 filhos.   Terá morrido com “cerca de 88 anos”, segundo o meu pai, ou seja no início dos anos 50, o que ponho em dúvida. Já li ou ouvi  algures outras datas: 1920, 1934…

O Luis Henriques, órfão aos dois anos, viveu nos primeiros anos de infância com a nova família do pai, que casou pela terceira vez. Ao todo teve uma dúzia de irmãos.

Fez a instrução primária (na época quatro anos de escolaridade) na velha Escola Conde de Ferreira,  (demolida pelo camartelo camarário antes do 25 de abril), sob a direção do saudoso Prof José António Simões Silva (1898-1964) que ainda conheci na minha infância e adolescência, pai do nosso conterrâneo Jorge Pedro e sogro da minha professora do ensino primário (da 2ª `4ª classe) e da admissão ao liceu, a dona Maria Helena Perdigão (, felizmente ainda viva).



Lourinhã, c. 1950/60: traseiras da escola Conde Ferreira, para rapazes (à direita) e raparigas (à esquerda). Edifício infelizmente demolido pelo camartelo camarário, "em nome do progresso"... 

Em segundo plano, a igreja matriz da Lourinhã (séc. XVII) e a sua torre sineira. Fazia parte do convento de Santo António (fundado em finais do séc. XVI). Em primeiro plano, junto ao muro do recreio da escola das raparigas, o urinol público... 


Foto: cortesia de Lourinhã Noutros Tempos, página do Facebook editada pela ADL Lourinhã - Associação de Desenvolvimento Local da Lourinhã




Lourinhã > Rua Miguel Bombarda, equivalente hoje ao nº 36 > 
Loja de Manuel Lourenço da Luz: Artigos Fotográficos…
Mas também vendia “fazendas de lã e algodão, chapéus e sombrinhas”… S/d. 


Foto: cortesia de Lourinhã Noutros Tempos, 
página do Facebook editada pela ADL Lourinhã - Associação 
de Desenvolvimento Local da Lourinhã

O seu primeiro emprego, em 1929¸ ainda com nove anos,  foi como… “máquina registadora e de calcular”, nas duas lojas do fotógrafo e comerciante Manuel Lourenço da Luz, que veio da Praia da Vieira (n. 1903), para a Lourinhã, na segunda década do séc. XX, e que foi pai do conhecido fotógrafo lourinhanense António José Ferreira da Luz (Foto Luz) (, mais tarde, estabelecido em Angola). 

Não sei em que circunstâncias ele foi trabalhar, depois de acabada a 4ª classe. Tinha apenas nove anos....Por um lado, era órfão de mãe e o pai tinha uma família numerosa a sustentar. Por outro, ele era “bom nas contas de cabeça”, razão por que terá sido contratado pelo comerciante Manuel Lourenço da Luz.

O meu pai recordava-se de, no verão, estar na loja da Praia da Areia Branca (, cujo plano de urbanização data dessa época, c. 1919/20), e de à segunda-feira ir com o patrão, caçar patos e perdizes, na foz do Rio Grande bem como ao longo do rio e nas dunas. (Essa loja situava-se na artéria principal na Praia, hoje Av António José do Vale, numa das primeiras casas térreas que se terão contruído nos anos vinte, ao lado do atual café Topa Mar, talvez no nº 40).

Tendo o seu pai casado pela terceira vez, e tendo este uma prole numerosa, aos 13 anos, por volta de 1933/34, o Luís Henriques terá uma nova família de acolhimento, a do seu tio materno, Francisco José de Sousa  Jr. (de alcunha, “Fofa”), industrial de sapataria e músico, membro da então Banda dos Bombeiros Voluntários da Lourinhã (, atual Banda da AMAL - Associação Musical e Artística Lourinhanense, cujo presidente da direção é um seu neto, Paulo José de Sousa Torres).

Aprende, como tio,  o ofício de sapateiro. É criado com os seus primos António Francisco Sousa, Carlos Andrade de Sousa e Maria de Lurdes Andrade de Sousa, “Milu” [, esta felizmente ainda viva; e todos eles com excelentes dotes musicais: o António tocava saxofone e fundou a primeira "banda de música ligeira” da terra,  o conjunto Sol Do Ré Mi, onde tocou, também, entre outros o Manuel “Swing” (, estava na moda, no pós-guerra, o jazz); o Carlos era um especialista em pratos na banda da Lourinhã; e a “Milú” uma bela menina de coro, mãe do atual diretor da AMAL, Paulo José de Sousa Torres)].

Curiosamente, o meu pai nunca teve inclinação por nenhum instrumento, se bem que fosse sócio e admirador entusiástico da Banda, e gostasse de cantarolar.

Em 5 de setembro de 1940, “vai às sortes”, é apurado para todo o serviço militar.

 Aos 20 anos assenta praça no Regimento de Infantaria nº 5 (RI 5), Caldas da Rainha, que ficava a trinta quilómetros de casa. Ia e vinha à Lourinhã, de bicicleta, aos fins de semana, por estradas ainda macadamizadas... Até aos setental e tal anos, andava, todos os dias de bicicleta, até ao dia em que as pernas comneçaram a falhar: tinha treino e constituição de atleta.

Em 18 de julho de  1941 parte para o Mindelo, Ilha de São Vicente, Cabo Verde, como expedicionário, com o posto de 1º Cabo de  Infantaria da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5, que vai integrar, mais tarde,  o RI 23.  Namora já a futura esposa, Maria da Graça, que era natural do Nadrupe e que trabalhava  em Lisboa (e depois na vila)  como “criada de servir”.


Lourinhã > 5/9/1940 > “Os meus camaradas no dia das sortes”, lê-se no verso 
da fotografia Luís Henriques é o do meio, na fila de pé. 
Foto: arquivo da família


Caldas da Rainha > "15/7/41. A despedida das tropas expedicionárias  
de Cabo Verde. R.I. 5, Caldas da Rainha.   Luís Henriques"
 [1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5]. 
Foto: arquivo da família.

A viagem das forças expedicionárias do RI 5 (e de outras unidades)  foi no T/T "Mouzinho", da Companhia Colonial de Navegação,   com partida no Cais da Rocha Conde de Óbidos, conforme notícia do "Diário de Lisboa",  desse dia 18/7/1941.  Salazar, em pessoa, assistiu à cerimónia. O navio chegou ao Mindelo em 23/7/1941.



Diário de Lisboa (diretor: Joaquim Manso),
sexta-feira,  18 de julho de 1941, p. 5, 
 Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > A
rquivos > Diário de Lisboa / Ruella Ramos.

As viagens dos nossos navios de transporte de tropas (T/T), para as diferentes partes do "império",  não eram isentas de risco... O oceano Atlântico foi palco de sangrentas batalhas durante a II Guerra  Mundial. Países neutrais como Portugal tinham de pintar os seus navios de pesca e da marinha mercante com gigantescas bandeiras e o nome do país nos cascos das embarcações. 

Os nossos navios eram frequentemente intercetados tanto pelos Aliados como pelas potências do Eixo (e em especial pelos alemães, cujos submarinos "infestavam" o Atlântico...). Onze navios, sob bandeira portuguesa, foram afundados, durante a II Guerra Mundial, entre 1940 e 1943, não obstante as embarcações estarem claramente identificadas como sendo oriundas de Portugal, "país neutral": 1 em 1940; 4 em 1941; 4 em 1942; e 2 em 1943.



Ilha da Madeira > Funchal > s/d [c. 1941] > "O Paquete Mouzinho. Oferecido 
pelo meu amigo [e conterrâneo, da Lourinhã] José B[oaventura] Lourenço [Horta] 
no dia em que o fui visitar ao Hospital em São Vicente. 26 de Julho de 1942." É provável que o José Boaventura Horta tivesse adquirido a foto a bordo. E, se não erro, o amigo do meu pai, meu conterrâneo e meu vizinho (no tempo em que vivi na Lourinhã, menino e moço) era da arma de artilharia (6ª Bateria Antiaérea do Grupo de Artilharia Contra Aeronaves) 
Foto: arquivo da família


Os portugueses, hoje,  não conhecem de todo  o enorme esforço militar, humano e financeiro que o país fez, na época da II Guerra Mundial, para garantir a soberania portuguesa nos territórios ultramarinos. Portugal manteve um exército  de cerca de 180 mil homens  nessa época. Em Cabo Verde chegou a temer-se a invasão dos alemães e dos italianos, dado o valor estratégico do arquipélago, à semelhança do arquipélago dos Açores, cobiçado pelos aliados.

Tal como no caso dos Açores (cuja guarnição militar foi reforçada com 30 mil homens), para a defesa de Cabo Verde, e sobretudo das  três  ilhas com maior importância geoestratégica, a ilhas de São Vicente, Santo Antão e  Sal, foram mobilizados 6358 militares, entre 1941 e 1944, assim distribuídos:  

(i) 3361 (São Vicente): 
(ii) 753 (Santo Antão);  
e (iii) 2244 (Sal). 

Mais de 2/3  dos efetivos estavam afetos à defesa do Mindelo (, ou seja, do porto atlântico,  Porto Grande,  ligando a Europa com a América Latina, a par dos cabos submarinos).

Só havia “vapor” (barco), com mantimentos e correio, de dois em dois meses… A saudade da terra era mitigada pela presença de diversos lourinhanenses, o furriel miliciano António Correia Caxaria (1917-2020), o Jaime Filipe, ambos da Atalaia, o Boaventura Horta, da Lourinhã, o Leonardo, da  Serra do Calvo, e outros,  que pertenciam à mesma unidade (RI 23, constituído na Ilha de São Vicente, 1941/44).

Numa época de elevado analfabetismo (, mais de 40% no grupo etário dos 20-24 anos, em 1940), sacrificava os seus tempos livres escrevendo dezenas de cartas por semana em nome de muitos dos seus camaradas. Aos 91 anos ainda se lembrava dos números de tropa (!) de alguns dos seus camaradas, e até das moradas (!) para onde enviava as cartas.

A seca e a fome que assolaram Cabo Verde nessa época, e que fizeram milhares e milhares de mortos [inspirando o romance de Manuel Ferreira (1917-1992), “Hora di Bai”, publicado em 1962, tiveram impacto na consciência de bom português,  bom cristão e bom lourinhanense, que era o 1º cabo Luís Henriques. O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e de doença, em meados de 1943.

Os antigos expedicionários de Cabo Verde desta época continuaram a encontrar-se durante muitos e muitos anos, até à década de 1990... O Luís Henriques  costumava ir aos encontros do 1º Batalhão do RI 5, nas Caldas da Rainha... até que as pernas começarem a falhar e a maior parte deles, dos seus camaradas, acabou por morrer. O mesmo se passava com os outros regimentos: RI 7 (Leiria), RI (11 (Setúbal), RI 15 (Tomar)... Cabo Verde, a sua “morabeza”,  ficou-lhes no coração para sempre...

(Continua)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21271: Parabéns a você (1852): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 2615 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21267: Parabéns a você (1851): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/66)

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21270: Bombolom XXVI (Paulo Salgado): Jornal "O Tabanca" da CCAV 2721 no Olossato

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 18 de Agosto de 2020:


Jornal “O Tabanca”

Companhia de Cavalaria 2721 – Olossato e Nhacra, de Abril de 1970 a Fevereiro de 1972

Pois é: no Olossato, durante algum tempo – aquele que o tempo de que dispúnhamos e a situação no TO permitiam – construímos um jornal. Chamámos-lhe “O Tabanca”. Fruto de vontades individuais que se fundiram num esforço colectivo, “O Tabanca” pretendia, acreditávamos, ser uma forma lúdica e lúcida de dar vazão a ideias que fossem para além das conversas de bar (importantes naquele escoar das horas), das jogatanas de cartas (um escape pouco saudável) e dos copos bebidos em dia de folga (se folga havia) – sempre que as forças físicas e anímicas careciam de algo diferente.

Sem qualquer pretensão, um pequeno grupo começou a magicar algo que nos envolvesse para além da solidariedade conseguida nos momentos de perigo. A ideia, creio, partiu do Capitão Mário Tomé, Comandante da Companhia, logo secundada pelo Bento, pelo Branco e por mim próprio, depois alargada a muita malta que desejava “entrar” naquela andança. E que entrou. A sério.

Foi uma azáfama: primeiro, no Posto de Comando, tendo conversado, debatido e concluído pela designação a atribuir ao jornal. Penso ter sido o Bento (um “homem grande”) a alvitrar a designação. Já tínhamos quase cinco meses de guerra no lombo, e interessava dar outra coesão às tropas – que fosse para além das actividades bélicas; segundo, ver os pontos de interesse de cada um e do corpo de militares; finalmente, envolver, de forma gradual, a malta. Tivemos sorte, porque havia várias motivações pessoais, como é bom de ver. O Branco foi um desenhador excelente, além de autor. Houve muitas participações, incluindo inquéritos a soldados, cabos e graduados sobre diversos assuntos. Cada um escreveu o que lhe apeteceu, por vezes, muitas vezes, raiando a inconveniência, “o politicamente incorrecto”.

Um sentido importante foi dado: o nome Tabanca pretendia significar a forte ligação à aldeia. Por curiosidade, a ligação à tabanca era efectuada por diversas formas: limpeza diária da aldeia com equipa de serviço e jovens designados pelos chefes de tabanca, num Unimog com bidões construídos para o efeito; reuniões semanais com chefes tradicionais, apoio à população para deslocações nas colunas para Bissorã.






Voltarei ao tema “ligação à tabanca” noutro meu bombolom.

Ainda outra curiosidade da Companhia: fizemos vários encontros culturais e recreativos na Sala do Soldado.

Saíram somente quatro números. Com alguma regularidade. Foi um escape excelente. Um espaço de convívio. Ainda nos uniu mais, na Companhia. Basta ver os artigos através dos sumários de três números, os primeiros, pois perdi o quarto. A deslocação para Nhacra, fez dispersar os diversos grupos por aquartelamentos: Dugal, Tchugué, Ponte de Ensalmá e outros – o que retirou a coesão, que não a amizade e a solidariedade.

Paulo Salgado
Ex-alferes miliciano e comandante de companhia interino
Agosto de 2020.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21211: Bombolom VI (Paulo Salgado): Amaral Bernardo, um homem bom, um homem grande

Guiné 61/74 - P21269: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (20): O sargento da milícia de Amedalai

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca)  > Subsector do Xime > Amedalai (tabanca em autofesa e destacamento de milícias) >  Junho de 1970 > José Nascimento.


1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 14 de Julho de 2020:


O sargento da milícia de Amedalai

A zona operacional do Xime abrangia as tabancas de Amedalai, Taibatá e Dembataco que estavam em auto defesa. Amedalai ficava no percurso do Xime para Bambadinca, sede do Batalhão 2852 e quando por qualquer motivo a CART 2520 fazia deslocações a Bambadinca era normal fazer-se uma pequena paragem junta a esta tabanca, costumávamos transportar alguns elementos da população até Bambadinca e vice-versa. Esta pequena aldeia guineense era defendida por uma secção de milícias comandada por um sargento de milícia africano.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca > Subsector do Xime > Carta do Xime (1955) > Escala 1/50 mil > O traçado a vermelho indica a antiga estrada Xime-Bambadinca, passando por Taliuara, Ponta Coli, Amedalai, Ponte do Rio Udunduma.

Com alguma frequência para receber instruções do capitão da Companhia esta secção deslocava-se ao Xime e certa vez ao cruzar-me com o sargento da milícia este pediu-me emprestados 100 "pesos" (100 escudos) que me pagaria logo que possível. Acedi e passado algum tempo o sargento cumpriu o prometido e liquidou o empréstimo. Por algumas vezes a situação repetiu-se e o comandante da milícia não ficou a dever nada ao suposto primo da Dona Branca.

Acontece que no decurso duma operação executada pela CART 2520 tivemos de pernoitar na tabanca de Amedalai. A tropa manda desenrascar e cada um assim o fez, o pessoal ficou instalado em redor da pequena aldeia indígena. Quando me preparava para passar o noite o melhor possível, apareceu-me o sargento da milícia que pediu-me para o seguir, levou-me para uma morança com quarto e cama a que não faltava um mosquiteiro e que tinha um conforto razoável para a circunstância, durante a noite mosquito foi picar para outro lado. Foi a prova de gratidão deste camarada africano. Espero que depois da independência não tenha sido importunado pelo PAIGC.

Na manhã do dia seguinte e devidamente recomposto do percurso do dia anterior, seguimos rumo a Samba Silate e depois junto à margem do rio Geba, regressámos à nossa base no Xime.

Para todos os camaradas da nossa aventura africana, um grande abraço.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21174: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (19): Uma desditosa criança do Biombo

Guiné 61/74 - P21268: Historiografia da presença portuguesa em África (227): Aleixo Justiniano Sócrates da Costa - Um outro olhar sobre a Guiné em 1885 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
É um dos documentos mais esclarecedores do olhar colonial prevalecente sobre o sistema de alianças que se iria impor no final do século XIX entre a potência colonial e os Fulas. Não faltam os preconceitos de que o negro era calaceiro e selvagem, ignaro e insubmisso aos valores da civilização europeia. Exaltam-se os valores dos Balantas mas a questão da época era o peso militar dos Futa-Fulas, impunha-se a negociação, o aliciamento, daí a proposta de grandes alianças com eles, era o Rio Grande que mais importava, daí a ênfase posta na prosperidade agrícola e nas experiências de novas culturas que competia ao governo introduzir.
Sócrates da Costa abominava Bolama e procederam a um trabalho exaustivo sobre as condições higiénicas e de saúde de Bissau, que ele considera deploráveis e cuja erradicação era tida por muito dispendiosa, daí ele propor o Ilhéu do Rei como a melhor solução para a capital da colónia.
Impossível estudar este período ainda de ténue ocupação sem atender a este precioso e incontornável documento que o médico produziu para a Sociedade de Geografia de Lisboa e onde não se ilude que ele tem pretensões políticas na região.

Um abraço do
Mário


Um outro olhar sobre a Guiné em 1885 (2)

Beja Santos

O seu nome é Aleixo Justiniano Sócrates da Costa, era médico militar goês, prestou serviço em Cabo Verde e na Guiné, sócio ordinário da Sociedade de Geografia de Lisboa e nos boletins da instituição, 4.ª série, n.ºs 2, 3 e 4, de 1885, lançou-se ao trabalho para descrever aos seus confrades da Sociedade de Geografia, o que era a Guiné. O facultativo esmera-se por repertoriar todas as questões consideradas essenciais para uma boa política ultramarina, como vimos anteriormente, nada lhe escapa, desde a religião, passando pelos elementos etnográficos e etnológicos, até ao tema que mais o preocupa que é a saúde e a higiene. Mas que estudar a agricultura e as atividades comerciais é patente do seu escrito, é um homem com preconceitos e não destoa da mentalidade colonial da época, como se pode ler:
“Procurar agricultura em Guiné, na terra clássica dos negros, isto é, da raça conhecida em todo o mundo pela sua invencível tendência à ociosidade e vagabundagem, é quase o mesmo que buscar agulha em palheiro. Agita-se actualmente, em todos os pontos da monarquia, na imprensa e no parlamento, e com vivíssimo interesse, a gravíssima questão do trabalho rural africano, de que dependem a sorte no futuro das nossas vastas possessões.
É coisa assente que a primeira e capital dificuldade, e dificuldade que se antolha invencível e faz desesperar os mais filantrópicos amigos dessa degenerada praça e quase que descoroçoa os mais ardentes propugnadores da sua emancipação e liberdade: esta dificuldade está em sujeitar o negro ao trabalho.
Essencialmente selvático, de uma preguiça abjecta, vegetando em crassa ignorância, e bebendo com o primeiro leite as tradições do mais estúpido e feroz gentilismo, o negro é apenas um cancro hediondo no corpo social: nutre-se da corrupção, e tudo corrompe, destrói tudo!
Pretender sujeitá-lo ao trabalho, é para ele o mais revoltante dos despotismos, uma aberração sem nome, um enorme atentado, um mal pior do que a morte. Procurai trazê-lo à civilização, e ele fugirá para o mato, porque lá tem tudo quanto deseja, e que a natureza, tão fecunda e tão pródiga até para com os mais ínfimos dos seus filhos, lhe fornece em larga cópia sem trabalho nem sujeição alguma. Todavia, há excepções.

Vemos os republicanos Balantas, a mais laboriosa tribo da Guiné, cultivando em larga escala o arroz e fornecendo deste precioso género, não só todos os distritos daquela vasta região mas ainda muitos outros mercados da África e Europa. O Balanta, porém, apesar do seu carácter laborioso, ama tanto a terra que o viu nascer, que não larga as margens do opulento Geba, e, se por ele desce em suas canoas, não passa além de Bissau.
Nos últimos anos, uma revolução feliz, sob o ponto de vista do desenvolvimento da agricultura em Guiné se operou no Rio Grande. Dominava naquela região, uma das mais férteis da Senegâmbia, a tribo Beafada, modelo do negro indolente e vicioso. Esta tribo avassalava, de há longo tempo, a dos Fulas, que viviam em perfeita condição de escravos, cultivando o solo em proveito dos seus dominadores, e sendo oprimidos por eles com as mais cruentes exações. Ultimamente, em 1873, a política sagaz, embora bárbara, do chefe de uma poderosa tribo do interior, a dos Futa-Fulas, procurando sujeitar os Beafadas nos últimos territórios ocupados por estes, compeliu e auxiliou os Fulas a uma revolta, com que de escravos se tornaram senhores, dominando hoje em quase toda a região até então ocupada pelos Beafadas. Ora, a tribo dos Fulas, ou por condição natural, ou por hábito adquirido na servidão, é quase tão laboriosa, senão tanto como a dos Balantas: de sorte que, sob o ponto de vista agrícola e comercial, se pode prever grandes vantagens para aquela importante zona do Rio Grande, talvez a mais fecunda da Guiné, ocupada como está por um povo agricultor.


Sem aconselhar propriamente a intervenção armada entendo que se deve, primeiro do que tudo, tratar com os novos senhores do terreno, e especialmente com os seus aliados e protectores, os Futa-Fulas. E não vai nisto desdouro algum, mormente quando se considere que a Inglaterra paga ao chefe dos Futa-Fulas um estipêndio anual de três mil pesos para que favoreça o comércio inglês, ou, por outra, o deixe livre e sossegado; e o mesmo procedimento segue o governo francês.

Haveria manifesta desvantagem em ceder ao orgulho e empregar a força, porque não se tratava já de punir insultos como na Abissínia, Argélia, etc., mas sim de impedir perturbações comerciais e atalhar os efeitos de ardilezas que estão muito na índole de todos os gentios da Guiné. Os Futa-Fulas são hoje talvez a nação mais poderosa daquela região. Mantendo em permanente pé de guerra dez mil homens de cavalaria, aguerridos e exercitados, dirigidos por um general tão hábil como político e sagaz, são eles o terror de todos os gentios da Senegâmbia. Pretender dominá-los, seria improfícuo e estéril; porque, além da impossibilidade manifesta de o conseguir com as poucas forças de que poderíamos dispor permanentemente na Guiné, o comércio ali obedece a convenções excepcionais, que não são as do orgulho e pundonor ou das leis do direito internacional. Boa política é ter por aliados os mais poderosos, os verdadeiros senhores da terra.
Conseguido este principal resultado, estabelecidas boas e vantajosas relações com os actuais dominadores do Rio Grande, os agricultores fulas, e firmado entre eles o nosso predomínio moral, restar-nos-ia, pelo mesmo método pacífico, mantê-los e dirigi-los nas suas boas tendências naturais, que se encaminham ao máximo desenvolvimento da agricultura naquela feracíssima região, em que já temos não poucas feitorias”.

E discreteia sobre a mancarra, o café, o algodão e o cacau, a purgueira, sugere que o governo distribua sementes, havia que ensaiar todas estas culturas em grande escala, ensaiar a cana-sacarina, o algodão, o tabaco e o cacau, eram culturas preferíveis à da mancarra.

No final do seu extenso trabalho, o não comedido médico, em que momentos há que nos parece um forte candidato a governador, dá sugestões muito precisas para o futuro da governação, e atira-se aos maiores excessos, como se pode ler:
“A Guiné Portuguesa é a chave d’oiro que nos abre as portas do continente africano. Bem aproveitada, aquela possessão pode tornar-se para nós um segundo Brasil: porque em nenhuma parte temos tanta facilidade de nos estendermos em território e domínio como ali. Constituí a Senegâmbia Portuguesa um vastíssimo território muito importante, mas completamente inexplorado. A Guiné precisa de uma administração inteligente e de um braço robusto que possam erguê-la da prostração em que jaz. Conviria transferir a sede do governo para qualquer outro ponto mais conveniente. Sem bons empregados não há administração, não há prosperidade possível. Mas como havê-los, onde não existem os cómodos indispensáveis à vida, onde não há saúde, onde tudo enlanguece e morre? Ora, Bissau, sobre este ponto de vista, é o ponto mais impróprio que se poderia escolher para capital do distrito. O seu saneamento não é de todo impossível, contudo importaria em um grande consumo de tempo, de dinheiro e, o que é pior, de vida. Se na escolha do lugar para a nova sede do governo, houvermos de atender àquele que oferece melhores condições, eu escolheria o Ilhéu do Rei. Situado no ponto mais central do distrito, este ilhéu está quase a meio do curso do rio Geba. A constituição do seu solo e a sua situação e salubridade dão-lhe imensa vantagem sobre Bissau”.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21248: Historiografia da presença portuguesa em África (226): Aleixo Justiniano Sócrates da Costa - Um outro olhar sobre a Guiné em 1885 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21267: Parabéns a você (1851): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21264: Parabéns a você (1850): Coronel Inf Ref António Melo Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1969/70) e Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21266: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Antecedentes do Plano de Assalto ao Quartel de Varela, proposto por dois desertores portugueses: o caso do António Augusto de Brito Lança, da CART 250 (1961/63) (Jorge Araújo)



Foto 1 – Base Aérea 12, em Bissalanca. 




O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada, está atualmente nos Emiratos Árabes Unidos; tem mais de 260 registos no nosso blogue.



MEMÓRIAS CRUZADAS

ANTECEDENTES AO "PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA" PROPOSTO POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS A AMÍLCAR CABRAL EM JANEIRO DE 1963

- O CASO DE ANTÓNIO BRITO LANÇA, DA CART 250 (1961-1963) -


► Resposta (a possível!) aos comentários ao P21250 (13.08.20) (*) sobre o «Plano de assalto ao quartel de Varela» proposto por dois desertores das NT a Amílcar Cabral, em Janeiro de 1963, três semanas antes do início do conflito armado no CTIG.



◙ Sem prejuízo de voltar a este assunto, que acontecerá logo que tenhamos outras informações

relevantes, tomámos a iniciativa de acrescentar outros detalhes "historiográficos", já coletados anteriormente, mas que, como por nós foi referido na narrativa anterior [ponto 2.3], não se enquadravam naquele fragmento.

Com efeito, e ainda que não seja uma resposta objectiva ao pretendido pelo camarada Cmdt Pereira da Costa: "os arquivos militares (histórico e geral) devem ter algo, mesmo que pouco sobre estes homens" (…) "parece-me que a procura dos 'dois homens' será a via a seguir".


O que desde já poderei adiantar são alguns antecedentes que culminaram com a "elaboração do Plano" em título, nomeadamente alguns factos atribuídos ao António Augusto de Brito Lança, fur mil art da CART 250 (1961-1963), com início na mobilização da sua Unidade.



1. - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG DA CART 250


Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 (RAP 2), em Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 10 de Agosto de 1961, 5.ª feira, sob o comando do Capitão Art José Maria Eusébio Alves, tendo desembarcado em Bissau na 4.ª feira seguinte, dia 16 de Agosto. 



1.1 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CART 250


A CART 250 foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão (16Ago61-06Nov63), sendo integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 236 [o mesmo da CART 240], em substituição da CCAÇ 52 [18Ago59-17Ago61; do Cap Inf Frederico Alfredo de Carvalho Ressano Garcia], a fim de assegurar a segurança e defesa das instalações e das populações da área.


Por períodos variáveis, a CART 250 cedeu pelotões para reforço de outros batalhões e intervenção em acções de nomadização e batida nas regiões de Mansodé/Mansabá, em Jul63, sob dependência do BCAÇ 507 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas] e Xime, em Ago63, sob a dependência do BCAÇ 506 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Luís do Nascimento Matos].


Em 04Nov63, já na dependência do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65; do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], foi substituída no sector de Bissau pela CCAÇ 555 [03Nov63-28Out65; do Cap Inf António José Brites Leitão Rito], a fim de efectuar o embarque de regresso (Ceca; p 434).


2. - ANTECEDENTES AO "PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA" ELABORADO POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS E DIRIGIDO A AMÍLCAR CABRAL, EM 04 DE JANEIRO DE 1963


Partindo dos vários registos que encontrámos relacionados com a pessoa do António Augusto de Brito Lança, leva-nos a concluir que, para além do seu envolvimento no «Plano Varela», existem outros a merecerem destaque.


Vejamos outros antecedentes, por ordem cronológica:


2.1 - DAKAR; 31-10-1962 = CONTACTO ESCRITO COM AMÍLCAR CABRAL


Transcreve-se (a partir do original abaixo) a carta manuscrita por António Augusto de Brito Lança, em Dakar, em 31 de Outubro de 1962, 4.ª feira, e dirigida a Amílcar Cabral:


"Exmo. Sr. Eng. Amílcar Cabral


Devido às dificuldades de vida aqui no Senegal penso em partir para a Argélia, por intermédio de Marrocos, visto aqui não haver embaixada Argelina. Já falei com o consulado de Marrocos, mas como não possuo passaporte, ofereceram-me algumas dificuldades. Perguntaram-me se eu não conhecia lá ninguém e eu disse-lhe que a única pessoa que conhecia era V. Exª.


Perguntaram-me ainda se eu não levava intenções de ir matar alguém. Evidentemente, disse que queria ir para um país, onde possa trabalhar e viver tranquilo, devido às condições em que me encontro e se possível trabalhar com o movimento democrata português.


Então queria pedir a V. Exª se me podia auxiliar a ir para Marrocos. Antecipadamente agradeço no que V. Exª me poder auxiliar.


Muito respeitosamente. António Brito Lança.



Citação: (1962), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37783, com a devida vénia. (1)


A morada indicada em rodapé: (137, Rue Blanchot, Dakar) era provavelmente a da «Maison Augustin Ly (Casa de Hóspedes)», situada na Ilha de Gorée [, ou Goreia, símbolo da escravatura], e que ainda hoje existe, conforme localização sinalizada no mapa abaixo (Google)




Mapa da região de Dakar (Senegal) com infografia da provável residência do António Brito Lança em Outubro de 1962 (fonte: imagem satélite da Google, com a devida vénia).


2.2 - Memória descritiva do Aeroporto de Bissalanca, em 08 de Dezembro de 1962 e respectivo croqui


As informações detalhadas do Aeroporto de Bissalanca, bem como o seu respectivo croqui, foram elaboradas por António Lança e enviadas, em 08 de Dezembro de 1962, para o Bureau de Dakar, ao cuidado de Amílcar Cabral, conforme se dá conta abaixo.


"A aeronáutica tem cerca de cem homens, mas o serviço de segurança do aeroporto é mantido pelo exército, se bem que a todos os homens da aeronáutica esteja distribuída uma pistola-metralhadora F.B.P.


A aeronáutica tem somente dois a três homens de serviço diário. Um encontra-se em frente da aerogare militar, outro pelos lados da aerogare civil ou da torre de controlo. Tem ainda um oficial de serviço. O exército envia de manhã para o aeroporto uma secção que fica na casa da guarda e montam dois postos: um no cimo da torre e outro junto à porta de entrada.


Por volta das 7 horas da tarde, chegam mais duas secções e então montam os postos designados na figura por letras maiúsculas.


As armas que utilizam nos postos são G-3 (espingarda automática e semiautomática que carrega vinte munições). Quando estão de alarme, entregam a cada sentinela uma granada ofensiva. Durante a noite o jeep faz várias rondas à pista e costumam por vezes passar nas estradas indicadas na figura, por traços vermelhos. Durante o dia está uma autometralhadora antiaérea de 4 cm com uma secção de cavalaria e à noite vem outra, ficando ambas dentro da aerogare militar.


Os traços que fiz a lápis na gravura indicam ervas ou pequenos arbustos. Sobre árvores não sei dar um esquema mais ou menos exacto, pois quando abalei andavam a cortar muitas e não sei como aquilo está presentemente. Agora os postos de sentinela devem permanecer na mesma pois são os pontos melhores que têm. Os sentinelas não têm abrigos feitos no terreno para se esconderem só por detrás das paredes e se o fizerem ficam sem qualquer possibilidade de fazerem fogo.


No paiol do aeroporto encontram-se duas secções e montam os pontos os postos indicados na gravura por letras maiúsculas. Em volta do paiol há um muto de arame farpado. Nos quatro cantos principais há uma guarita de sentinela mas estes só a utilizam quando chove.

08/12/962, António Augusto de Brito Lança.



 Citação: (1962), "Informações sobre o aeroporto de Bissalanca", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_ 40304, com a devida vénia. (2)




Citação: (1962), "Mapa do aeroporto de Bissalanca", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40236, com a devida vénia. (3)




Foto 2 – Base Aérea 12, em Bissalanca. [Foto do álbum do Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando – P15303], com a devida vénia.


2.3 - DAKAR; 03-01-1963 = CONTACTO ESCRITO DE JOSÉ ARAÚJO


Transcreve-se (a partir do original abaixo) a carta dactilografada por José Eduardo Araújo (1933-1992), responsável do PAIGC do Bureau de Dakar, enviada a António Augusto de Brito Lança, com data de 03 de Janeiro de 1963, ou seja, no dia anterior à elaboração do «Plano de Ataque ao Quartel de Varela».


"Prezado companheiro,


Cá me chegou às mãos a sua carta de 25 último [Dez'62]. Tenho a agradecer-lhe a prontidão com que me respondeu, e que revela que o conteúdo da minha primeira carta lhe mereceu a atenção que eu esperava.


Sobre o que me pede, envio-lhe aqui junto uma lista contendo os dados sobre os nossos amigos portugueses.


Devo dizer-lhe que na Embaixada do Brasil se mostraram um tanto pessimistas quanto à possibilidade da ida daqueles seus compatriotas para o Brasil. Não falei com o Embaixador mas sim com uma pessoa próxima dele. Parece que a dificuldade resulta de aqueles companheiros não terem passaporte. Julgo, porém, que uma ordem vinda de ai eliminará todos os obstáculos. A si agora de agir.


Espero, no entanto, uma resposta sua com as sugestões que tenha a fazer.

Saúdo-o cordialmente o amigo."

 



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35963, com a devida vénia. (4)


3 - MEMÓRIAS CRUZADAS DA AUTORIA DE ZAIN LOPES [RAFAEL BARBOSA] EM 1961


Transcreve-se do texto original manuscrito por Zain Lopes [Rafael Barbosa] os diferentes pedidos/acções a desenvolver pelo Partido, incluindo o ataque ao Aeroporto de Bissalanca.


▬ Ponto 1 = Insistimos



"Continuamos a insistir sobre o pedido que, até agora, não foi atendido, o que ignoramos o motivo disso. Materiais de grande necessidade, sem os quais é imprescindível [para] continuarmos na luta; botes de borracha ou qualquer outro material necessário ao transporte dos [nos] rios. Salva-vidas de tipo colete, visto haver pessoas que não sabem nadar; granadas de mão muito mais vantajosas, em certos casos, do que pistolas e metralhadoras, equipamento completo para um soldado, viveres e medicamentos."

 

▬ Ponto 2 = Ataque




"Há necessidade de atacar o aeroporto [Bissalanca] com granadas de mão em pleno dia e destruição dos depósitos de gasolina à noite. Após o ataque convém avançar logo para a capital [Bissau]. É necessário armas antiaéreas para as diversas localidades do país."

 

▬ Ponto 3 = Fronteira do Senegal




"Avisamos e continuamos a avisar em manter muito cuidado com aquela fronteira, pois há toda a conveniência de fechar toda a fronteira com o Senegal, e há ainda pessoas a quem devem ser entregues armas até depois da luta."

 

▬ Ponto 4 = Fotografias




"Fotografia n.º 1 – Braima Sori Djalló, de 29 anos de idade [n-1932], natural de Guileje, área de Bedanda, guarda da P.S.P., tendo ingressado no Partido em 17-11-1960.


Fotografia n.º 2 – Albino Sampa, guarda do arquivo, da tribo mancanha, de 28 anos de idade [n-1933], natural de Bula, ingressou no Partido a 22-08-1960."

 

Citação: (s.d.), "Mensagem de Zain Lopes sobre o desenvolvimento da luta clandestina em Bissau e o problema da fronteira do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41719, com a devida vénia. (5)


► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04604.039.093. Assunto: Solicita ajuda para entrar em Marrocos a fim de seguir para a Argélia com o objectivo de trabalhar com o movimento democrata português. Remetente: António Brito Lança, Dakar. Destinatário: Amílcar Cabral. Data: Quarta, 31 de Outubro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (interna PAIGC, MPLA, FRELIMO, UGEAN, CONCP). Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07062.035.024. Título: Informações sobre o aeroporto de Bissalanca. Assunto: Documento assinado por António Augusto de Brito Lança com informações sobre o serviço de manutenção da segurança do aeroporto de Bissalanca. Data: Sábado, 08 de Dezembro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Clandestinidade Bissau e outros documentos. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (3) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07062.035.023. Título: Mapa do aeroporto de Bissalanca. Assunto: Mapa desenhado do aeroporto de Bissalanca contendo informações sobre as forças militares portuguesas de serviço na base. Desenhado por António Augusto Brito Lança. Data: Sábado, 08 de Dezembro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Clandestinidade Bissau e outros documentos. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (4) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04622.146.014. Assunto: Envio de lista contendo dados sobre amigos [desertores?] portugueses. Remetente: José Eduardo Araújo. Destinatário: Não identificado. Data: Quinta, 3 de Janeiro de 1963. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada 1963. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (5) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07063.036.044. Título: Mensagem de Zain Lopes [Rafael Barbosa] sobre o desenvolvimento da luta clandestina em Bissau e o problema da fronteira do Senegal. Assunto: Mensagem assinada por Zain Lopes [dirigida a Amílcar Cabral] solicitando o envio de botes de borracha, coletes salva-vidas, granadas e pistolas-metralhadoras, e mencionando o ataque ao aeroporto de Bissau e o cuidado a ter com a fronteira do Senegal. Data: s.d. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Cartas de Bissau 1960-1961. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); p 434.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

15AGO2020


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15 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21254: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (17): António Augusto de Brito Lança, natural de Castro Verde, fur mil art, da CART 250, e António de Jesus Marques, natural da Covilhã, sold aux enf, CART 240, que desertaram em 1962, e que são os presumíveis autores do "plano de assalto ao quartel de Varela"