quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21315: Historiografia da presença portuguesa em África (229): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
A diferentes títulos, as notas de viagem de João Augusto Martins são incontornáveis. Não é novidade o que nos diz na sua descrição de Bissau nem de Bolama, salvo que aqui António da Silva Gouveia que viera anos antes como Guarda-Fiscal se tornara um potentado económico. Não conheço na literatura colonial nenhum outro deslumbramento pela mulher como o que ele aqui nos deixa, tocado por uma sensualidade pouco usual na época, mesmo se atendermos que ele era um cultor do naturalismo, todo este documento é prova desta corrente literária. E nas conclusões será implacável com a natureza das cedências que fizemos à França, correlacionando estas cedências com o quadro de decadência nacional.
Vale a pena ler este João Augusto Martins na íntegra, ele não era peco em denunciar a lástima a que chegáramos.

Um abraço do
Mário


Impressões de viagem quando a Guiné já era província, com fronteiras definidas (1)

Beja Santos

O livro de viagens intitula-se "Madeira, Cabo Verde e Guiné", o seu autor é João Augusto Martins, veremos mais adiante que foi alguém influente na definição das fronteiras da colónia, a edição foi da Livraria de António Maria Pereira, 1891. Feito o périplo pela Madeira e Cabo Verde, chega-se a Bissau e o autor dá-nos assim notícia da vila:  
“A cidadela a altos muros e a poilões gigantes, o último reduto da vitalidade da Província, hoje o mais importante centro comercial da Guiné. O cheiro nauseoso e acre das suas praias (lodaçal extenso que se evidencia na baixa-mar por dezenas de metros), vinha, arrastado pela aragem da tarde, envolver-nos numa atmosfera sulfídrica, enquanto bandas de pássaros de múltiplas espécies e variadas cores atravessavam marcialmente para os ilhéus, marcando no horizonte rubro da tarde as curvas ondulosas do seu voo, que as trevas da noite foram a pouco e pouco apagando, até deixar-nos sós, isolados e esquecidos, na contemplação estática de quem espera, divisando na sombra as cumeadas altivas dos baobás, escutando o carpir plangente das corujas e dos jagudis, e sentido aos nossos pés como um vagir de criança, o marulhar hipnótico das águas pantanosas do rio”.
Bem interessante o estilo, ultrapassado que estava o romantismo, a escrita assumia o naturalismo e já parecia acolher os assomos do impressionismo pictórico. Adiante.

Chegaram à capital, o autor vai dizer:  
“Em Bolama fomos acolhidos principescamente por Caetano Macedo, cujo nome se prende à história da Guiné por títulos de valiosos serviços reconhecidos. Aí visitámos tudo: os quartéis, as repartições públicas, o hospital, a igreja, a casa do governador e o mais sumptuoso edifício de Bolama, pertencente a esse nomeado Gouveia, que veio para aí há nove anos como Guarda-Fiscal e que hoje representa o Rotschild da terra, à custa do trabalho, da perseverança e da felicidade, esse orvalho abençoado, capaz de fazer robustecer a planta mais exótica… Na terra ainda mais ingrata”.

O nosso João Augusto Martins vai revelar-se um cultor da mulher, não sei se há retrato mais sensual e venerador da mulher guineense daquele que ele escreveu:
“Foi-nos dado ver a mais extraordinária beleza de mulher, realçada por tudo o que há de mais irresistível nas atrações do seu sexo.
Era uma Fula: tipo indiano caldeado nas forjas incandescentes de África. Tinha apenas treze anos, e a adolescência irrompia das indecisões do seu sexo com toda a destreza da vida com que desabrocha uma flor. Seus grandes olhos pensadores, de uma expressão meiga e inquieta, a cor cuprina metálica das suas faces, as linhas suaves da sua fisionomia, seus lábios carminados que se entreabriam em risos de uma tristeza sedutora, os longos cabelos de um negro-azulado que pareciam envolvê-la em cintilações de desejos, o seu talhe esbelto, nu, de movimentos graciosamente ondulados, a harmonia das suas formas esculturais, a lubricidade das suas curvas e a têmpera vibrátil das suas carnes, tudo, enfim…”.

Mas este esplêndido elogio da mulher Fula não fica por aqui, a exaltação ainda vai subir de tom, num intercalado lírico:
“A sua límpida fronte pendia para o solo, na atitude melancólica de um sonhar de virgem. As suas mãos pequenas uniam-se na postura de uma súplica infantil e a sua inocência evolava-se na expressão do seu olhar como a alma das flores se evola nos aromas que nos inebriam.
Que tons, que formas, que cores e que curvas!
Oh! Mulher casta, pecaminosa na tua nudez virginal, permite que te relembre emoldurada nessa paisagem fulgurante, permite que sonhe ainda, pensando em ti… Perdendo-me em conjecturas”.
Então, leitor, não temos aqui a expressão máxima de um amor cortês e de uma sensibilidade ao feitiço africano em desmesura?

Veremos que ainda há muitas mais anotações de viagens, delas aqui se fará menção.

João Augusto Martins dirá nas conclusões quem é e a importância que teve a sua passagem pela Guiné, ficam aqui uns tópicos:
“Regressados há muito da Guiné, onde estivemos conjuntamente com os comissários de França e Portugal, para a célebre delimitação convencionada em Paris em 1886, esperávamos ver por escrito a história deste acontecimento dolorosamente ridículo e improducente, para apreciarmos sobre bases oficiais este convénio de lesa-nação, esse golpe fatal com que a diplomacia nos deixava então esquartejar saudavelmente pelos franceses, na Senegâmbia, como o nosso histerismo e o nosso idealismo tradicional nos tem deixado torpe e irremediavelmente espoliar pelos ingleses na África Oriental. Esperávamos ver posto a limpo esse facto monstruoso, que não tem decerto uma alta significação económica, atento o desleixo da administração colonial, mas que representa mais uma das muitas extorsões feitas à sombra da nossa imprevidência e das nossas facilidades, dando lugar a que todo o coração português tivesse mais um motivo a confranger-se em África ante o desprestígio da dignidade nacional.
A delimitação da Guiné, traduzindo uma perda enorme de território, uma regulamentação absurda de fronteiras e um verdadeiro bloqueio à nossa administração e ao comércio português nestas regiões, exprime um ato de leviandade política que não pode deixar de fazer corar de pejo todos os filhos da nação desmembrada”.

Prepare-se o leitor, pois iremos retomar esta catilinária, João Augusto Martins participou na operação de delimitação e tem uma ideia muito própria de que esta oferta à França obedecia a um contorcionismo diplomático um tanto parecido com o Tratado de Lourenço Marques, era revelador de uma política de decadência. Estranhamente, vemos esta exortação à dignidade nacional praticamente esquecida.

(continua)



Imagens retiradas do livro "Madeira, Cabo-Verde e Guiné", de João Augusto Martins.

Baobá-africano
Imagem tirada da Wikipedia, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21294: Historiografia da presença portuguesa em África (228): Guiné Portuguesa - Terra de Lenda, de martírio, de estranhas gentes, de bravos feitos e de futuro (Mário Beja Santos)

Guiné 671/74 - P21314: Notas de leitura (1302): entrevista de José Matos ao "Diário de Aveiro", de 1 do corrente, sobre o seu último livro “O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné - Nos meandros da guerra"



José Matos, foto do autor

"Guiné. Após anos de investigação, José Matos 'entra' nos bastidores da guerra colonial e revela a aliança secreta entre o Governo português e o sul-africano. Uma obra escrita com o Coronel Luís Barroso.

 

Entrevista  de Sandra Simões a José Matos. Diário de Aveiro, terça-feira, 1 de setembro de 2020, pág. 3


“O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné - Nos meandros da guerra”, da autoria Cde José Matos e do Coronel de Infantaria Luís Barroso, acaba de ser lançado pela  Caleidoscópio e promete pôr a descoberto muito dos bastidores da guerra colonial na Guiné, com os últimos anos a serem marcados por uma aliança secreta que o Governo português terá estabelecido com os regimes brancos da África do Sul e da Rodésia. O objectivo desta ligação seria combater os movimentos de guerrilha em Angola e  Moçambique.

“Com recursos financeiros muito limitados, Portugal não hesitou em pedir ajuda à África do Sul, que, em 1974, nos concedeu um avultado empréstimo para financiar a guerra nas grandes colónias austrais e, sobretudo, para evitar o colapso militar na Guiné, onde uma derrota militar se afigurava cada vez mais provável perante uma guerrilha fortemente armada”, avançam os autores, determinados a traçar os meandros desta estratégia, em que consistia e em que contexto ocorreu.

Sobejamente conhecido pela sua actividade de astrónomo ligado ao FISUA [ Associação de Física da Universidade de Aveiro], José Matos admitiu ao Diário de Aveiro que há mais de uma década que investiga sobre a guerra colonialn e sobre o uso do poder aéreo na guerra, tendo vindo a publicar artigos sobre o tema em revistas nacionais e estrangeiras, mas nunca com esta profundidade e em formato de livro. E o que leva um apaixonado pelos astros a interessar-se pela guerra colonial?  Uma longa e intensa história, com muita documentação, mas nem sempre acessível!

Uma guerra de 13 anos

“A guerra em África durou mais de uma década e foi produzida muita documentação militar que pode ser consultada e permite reconstruir a guerra. Depois, há muita gente que passou por África e escreveu memórias desse tempo ou pode testemunhar a sua experiência. Portanto, todas estas fontes de informação são motivadoras para quem gosta de investigar”, sem esquecer que “todos temos um familiar que esteve lá, uma guerra que mobilizou cerca de um milhão de homens ao longo de 13 anos”, testemunhou o autor, considerando este um “acontecimento marcante na história de Portugal, que merece ser investigado e lembrado”.

Mas não foi um processo de escrita fácil, até porque encontraram entraves no acesso a documentação: “Lembro-me que quando comecei a fazer investigação nestes temas, em 2008, no Arquivo da Defesa Nacional, em Paço de Arcos, muita documentação ainda estava classificada mas nunca tive problemas de acesso. Contudo, nem todos os arquivos são assim”, referindo-se ao Arquivo da Presidência da República e ao do Conselho Superior de Defesa Nacional. “Foi lá que descobri a existência de documentação referente à guerra que nunca tinha sido desclassificada”: actas do Conselho Superior de Defesa Nacional, anteriores ao 25 de Abril (de 1968 a 1974), inacessíveis ao público. A época em que Marcello Caetano esteve no poder.

“O Conselho Superior era um órgão de aconselhamento de Marcello Caetano, onde tinham assento ministros e chefias militares. Era um local de alta discussão política que convinha consultar”. Quando, em 2013, tentou ver os relatos dessas reuniões, “foi-me recusado o acesso, alegando que era material classificado”, e só depois de duas queixas na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos é que foi dado acesso às actas. “Posso assim dizer que foi graças a este livro que esses documentos ficaram finalmente acessíveis ao público”.

Os autores da obra pretendem “trazer algo de novo e clarificar como o Antigo Regime ia usar o dinheiro emprestado pelos sul- africanos, em 1974, para financiar a guerra”, clarificando a relação entre Lisboa e Pretória, que poucos conhecem, e qual o destino do empréstimo, e defendem “a teoria de que o regime não tinha outra solução senão continuar a guerra, pois o dinheiro sul-africano era para comprar equipamento militar, o que para nós é um sinal claro que a intenção era manter a guerra. Se não fosse o 25 de Abril, a guerra continuava”.

José Matos e Luís Barroso acreditam na inevitabilidade do 25 de Abril, e justificam: “Porque os militares perceberam que era preciso mudar o regime para acabar a guerra em África. Marcello Caetano sempre se recusou a negociar com os movimentos africanos nacionalistas, e quando assume esta posição está a dizer que a guerra é para continuar indefinidamente. Ora, os militares perceberam isto e acharam que já tinham dado demasiado tempo ao regime para encontrar uma solução política para a guerra”, considerando que fazer a descolonização e dar a independência às colónias “era a única solução possível”.

Quanto a futuras publicações, José Matos avança que sai em Novembro um livro sobre os 50 anos da Operação Mar Verde, uma operação militar portuguesa, em 1970, contra a Guiné-Conakry para realizar um golpe de Estado, e ainda este ano conta lançar uma obra sobre a guerra de fronteira em Angola, a publicar na Helion (uma editora inglesa especializada em livros militares). Para 2021, está previsto um livro sobre a guerra na Guiné.

[Com a devida vénia ao autor e editor... Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]

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Guiné 61/74 - P21313: Agenda cultural (753): Arte urbana: mural, da autoria do artista plástico cabo-verdiano, António Conceição, de homenagem às mulheres da seca do bacalhau, e aos demais ofícios da Faina Maior... Gafanha da Nazaré,Ílhavo, agosto de 2020 (Ana Aveiro / Valdemar Aveiro)








 


 





Ilhavo > Gafanha da Nazaré > Viaduto de acesso ao acesso ao Cais Bacalhoeiro > Agosto de 2020 > Mural do artista de origem cabo-verdiana, natural do Mindelo, António Conceição, 50 anos de idade,  que se licenciou em Belas Artes na Universidade do Porto em 2005. 

Homenagem aos ofícios da Faina Maior, a pesca do bacalhau, e dos seus antigos ofícios, com destaque para as ,mulheres, trabalhadoras da seca do bacalhau, mas também os pescadores, as peixeiras, os marinheiros.... Entre os "lobos" da Terra Nova, destaca-se o nosso amigo Capitão Aveiro, o Valdemar Aveiro, que é uma lenda viva desta epopeia, além de escritor de grande talento .(E continua a trabalhar, no setor,  aos 85 anos, agora na área da gestão!),

Destaque também, no mesmo pilar, para a escritora ribatejana Maria Lamas (Torres Novas, 1893 - Lisboa, 1983), autora de "As Mulheres do Meu País" (1947-1950).

Transcrição de uma das obras do Capitão Aveiro: "A vida dos homens da Pesca do Bacalhau é uma vivência de excessos pela negativa. Vivendo quarentenas prolongadas entre dois desertos infinitos - Céu e Mar - para eles um Oásis é sempr eum Porto e a Mulher é a Miragem suprema".

Fotos: © Ana Aveiro (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Valdemar Aveiro, um dos últimos capitães da Faina Maior. 
Justa homenagem do artista António Conceição.


1. O Valdemar Aveiro, ou capitão Aveiro, como é carinhosamente conhecido e tratado na sua terra, é nosso amigo, meu e do arquitecto  José António Paradela. Tem uma dezena de referências no nosso blogue, ligadas à sua atividade como escritor e às suas memórias da pesca do bacalhau. Tem seis livros publicados na Âncora Editora. Acaba de nos mandar estas fotos, tiradas pela neta ou filha Ana Aveiro.

Por sua vez, temos 30 referências, no nosso blogue, à pesca do bacalhau que, para nós, está também associada à guerra colonial. Par muitos jovens  a Faina Maior foi uma não menos dolorosa alernativa à "guerra do ultramar".

De facto, não é demais recordar que  desde 1927, do tempo da Ditadura Militar (que antecedeu o Estafo Novo), havia legislação que veio promulgar medidas de incentivo ao desenvolvimento da pesca do bacalhau, e nomeadamente facilitar (e tornar mais atrativo) o recrutamento do pessoal (vd. Diário do Governo, 1.ª série, Decreto n.º 13441, de 8 de Abril de 1927).

Uma dessas medidas era justamente "a dispensa do serviço militar aos pescadores e marinheiros que tivessem cumprido um mínimo de seis campanhas de pesca consecutivas na frota nacional bacalhoeira". Frota heróica, diga-se de passagem!...A pesca do bacalhau é conhecida também como a Faina Maior.

Havia ainda a possibilidade de os mancebos apurados para o serviço militar beneficiarem de "adiamento até aos 26 anos"... Além disso, "a falta à junta de recrutamento podia ser relevada desde que os faltosos fizessem prova de que estavam embarcados"...

Conclusão; a pesca do bacalhau na Terra Nova e na Groenlândia, durante todo o Estado Novo, era um verdadeiro "desígnio nacional"...

O que este mural do artista António Conceição nos conta é, citando "O Ilhavense" ["Arte urbana está a ajudar a retratar antigos ofícios ligados à pesca do bacalhau", por Afonso Ré Lau, 30 de abril de 202'] , "um pouco da história não só das trabalhadoras das secas, mas de várias profissões ligadas à pesca do bacalhau" [dos pescadores aos marinheiros, passando pelas peixeiras].

(...) "O desafio de homenagear as mulheres que trabalhavam nas antigas secas partiu do empresário Leonardo Aires, da Frigoríficos da Ermida, empresa da Gafanha da Nazaré que se dedica à transformação e comercialização de bacalhau desfiado. O convite veio no seguimento de outra obra que António levara a cabo na fachada nascente do edifício-sede daquela empresa, mesmo ao lado do local onde surge, agora, este novo mural. " (...)

(...) "o que concerne a este mural de homenagem às mulheres que trabalhavam nas antigas secas de bacalhau, há um ponto prévio que António faz questão de esclarecer: 'Não fiz uma interpretação à luz de grande parte dos relatos que chegaram aos dias de hoje. Este é o meu olhar sobre o passado e é uma tentativa assumida de ‘fazer uma lavagem’ àquilo que parecia ser uma realidade muito triste, uma tentativa de corrigir essa noção de sofrimento e desgaste que nos transmitiram'.  

"Segundo o raciocínio deste criador, 'ao relatar tempos difíceis, o ser humano tem sempre tendência para choramingar e pintar cenários mais dramáticos do que a realidade'. 'Mas imaginem estas mulheres em grupo. Era uma alegria fantástica! Era impossível andarem todas consternadas', repara António. 'Para levarem a vida que levavam, aquelas mulheres tinham de ter muita força. Mas essa não era uma força de sofrimento, mas sim coragem e ânimo', acredita.

"Assim sendo, 'as mulheres aqui retratadas transpiram energia, juventude e até alguma bizarria – umas parece que estão a brincar, outras mais concentradas no trabalho. Quis criar essa combinação expressiva entre elas', conclui." (...)

(...) "Ao recuperar a memória destas mulheres e do seu ofício, António está a retratar um objeto cultural e patrimonial profundamente ligado à história pessoal de muitas das pessoas que por ali passam diariamente. Esta proximidade afetiva com a comunidade faz com que a obra se eleve, adquira um simbolismo especial e estimule uma participação cívica curiosa" (...)

(...) "Já nos anos de 1990, António pintava murais ligados à pesca artesanal, em Cabo Verde. Todavia, esta é a primeira vez que trabalha o tema da faina maior. Para conceber estes retratos, António fez pesquisa no Museu Marítimo, visitou antigas secas, mas também teve em conta a comunidade, as pessoas, os herdeiros diretos desta cultura e tradição. No fim, já não tem dúvidas, o imaginário da pesca do bacalhau 'é fascinante' " (...)

2. Nota biográfica sobre o capitão  Aveiro:

(i) Valdemar Aveiro nasceu em Dezembro de 1934, em Ílhavo, no seio de uma família
de pescadores;

(ii)  aos 15 anos concorreu à Escola Profissional de Pesca, ganhou uma bolsa de estudo que lhe deu acesso ao liceu e, posteriormente, à Escola Náutica, onde concluiu o Curso de Pilotagem;

(iii) embarcou como moço a bordo do lugre-motor Viriato para fazer uma viagem à pesca do bacalhau no sentido de suportar as despesas da sua formação;

(iv) em 1957 embarcou como praticante de piloto no navio Santa Mafalda, da Empresa de Pesca de Aveiro, sendo promovido no ano seguinte a piloto, a bordo do mesmo navio;

(v) pssou a oficial imediato, do navio Santa Joana, em 1960;

(vi) foi emigrante no Canadá, até que  em 1966 voltou à Faina Maior, embarcando no navio São Gonçalinho;

(vii)  no ano seguinte passou para um navio moderno, Santa Isabel, comandado pelo capitão David Calão;

(viii) assumiu, em 1970, o comando do mais velho arrastão português, Santa Joana, e, dois anos depois, foi convidado para comandar o navio Coimbra, então em construção nos Estaleiros de S. Jacinto;

(ix)  retirou-se por doença em 1988;

(x) após a sua recuperação, foi convidado a colaborar com a administração da Empresa de Pescas S. Jacinto, SA, sendo, desde 1991, membro do seu conselho de administração.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21312: Documentos (31): Envio de Declaração de comprometimento de voltar a Jolmete em alternativa a uma ida "d'assalto" para Paris (Eduardo Moutinho Santos, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2366)



1. Mensagem do nosso camarada Eduardo Moutinho Santos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2366 (Jolmete e Quinhámel) e ex-Cap Mil Grad, CMDT da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada), com data de 31 de Agosto de 2020:

Carlos Vinhal
Um abraço.

No "baú dos despejos" encontrei esta declaração que terei assinado para vir de férias, e que me terá sido devolvida porque não fui "d'assalto" até Paris...

Fazia parte das regras militares assinar este tipo de declaração.

Partilha o documento com a Tabanca.

Novo abraço
Porto, 30/8/2020
Eduardo Moutinho Santos
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Guiné 61/74 - P21311: Agenda cultural (752): "Os Velhotes: contos eróticos", de António José Pereira da Costa... Feira do Livro: Lisboa, 6/9/2020, 14h30; Porto, 12/9/2020, 15h00

O autor. António José Pereira da Costa. Cortesia da Editora Alfarroba,



O livro: "Os Velhotes: contos eróticos" (Lisboa, Editora Alfarroba, 2020, 184 pp) . [ ISBN: 978‑989‑8888‑78‑9 | Formato: 14 x 21 cm |  Encadernação: Capa mole |1.ª Edição: 07‑2020) | Preço de capa: 11,25 €]


 1. Mensagem do nosso camarada e grã-tabanqueiro, cor art ref António J. Pereira da Costa, Tó Zé, para os amigos:

 
Date: quinta, 27/08/2020 à(s) 14:10
Subject: Comprem o meu livro 

Olá Camaradas


No próximo dia 6 de setembro, às 14h30, todos ao Auditório Sul da Feira do Livro de Lisboa!

As "medidas" de segurança são as normais para a época. Não se esqueçam do avental no nariz. As mãos para serem consideradas como lavadas basta apresentar um certificado de que foram lavadas com sabão-macaco há mês e meio. 

Dizem que a situação só se complica a partir das 3300 pessoas presentes e a feirar

O livro é uma categoria e vocês vão adorar. Trata-se de uma colecção de textos eróticos em que os personagens são gente da nossa idade. 

Vão ver que aprendem alguma coisa. Sugiro que leiam atentamente o prefácio que está disponível no site da editora "Alfarroba" e depois vão consultar o travesseiro e/as bases e digam-me alguma coisa. 

A malta do Porto e região Norte, em geral, deverá ir aos Jardins do Pavilhão Rosa Mota em 12 de setembro, às 15h00,

O livro não é caro e são permitidos açambarcamentos para mais tarde revender. 

Despachem-se antes que esgote.

Um abraço
António J. P. Costa

2. Autor e sinopse do livro:

Sinopse:

Dália é viúva. Casada durante quase cinquenta anos, a perda do marido foi um golpe […] que a vida lhe vibrou. Há umas noites sucedeu o inevitável: sentiu vontade de sexo. Já tinha sentido umas sensações, mas recusara, esmagando a necessidade e reprimindo o desejo. Porém, ontem, ao fim da tarde, aconteceu…

Maria ganhou coragem e foi procurar a bancada de carpinteiro. O coração bateu‑lhe fortemente quando a encontrou. Passou as mãos pelo tampo bem liso [...]. Então, não pôde conter‑se e chorou, chorou muito. Soluçou mesmo. Era ali que se possuíam num abraço violentamente delicioso. Num exercício de forças combinadas, Adriano sentava‑a na bancada e […] penetrava‑a com aquela gentileza que ela sempre tinha apreciado. Depois, vinha o abraço, bem apertado, e o beijo terno e constante…

Ao acordar, olharam‑se bem nos olhos e Pikenina não se conteve e beijou os lábios da amiga, ao de leve, mas de modo a senti‑los bem. Fofa pegou‑lhe nas faces e retribuiu. Não, não eram nenhuns devassos.

Eram um vulgar casal de sexagenários.

Autor:

Produzidos individual ou colectivamente, os meus trabalhos anteriores são de índole científica. Pelas suas características próprias, podem ser contestados por divergência, sem - pre relativamente ao seu teor. Além disso, a divergência e consequente contestação, no campo científico, não envolve apreciações de carácter moral ou preconceito, o que simplifica a sua execução (construtiva ou até destrutiva). Fi-los, às vezes com esforço, e estou sempre esperando a Crítica que lhes possa ser feita. 

Pelo contrário, a contestação a um texto erótico tem sempre como base a moral, os “bons costumes” e o preconceito relativamente à matéria tratada. Já antes tinha mudado de área de escrita e o livro que surgiu, apresentando as minhas memórias da Guerra Colonial, na Guiné, apresenta umas características bem diferentes. Tem uma sólida base de verdade, pelo menos do meu ponto de vista. Ao escrever não recorri à ficção, mesmo dispondo de experiência que mo permitiria. A Verdade é sempre a ideia e a memória com que fiquei e ainda guardo dos factos. Procurando melhorá-la, em alguns casos, submeti as narrativas que fui produzindo à apreciação de outros intervenientes, sempre com bons resultados.

 Foi uma experiência apaixonante e que considero muito positiva por poder divulgar como foi a minha vida na Guiné e também a dos outros que estavam ao pé de mim. E é bom que os vindouros a conheçam. Agora, esta incursão numa área pouco cultivada será mais uma tentativa de ser um pouco mais “eterno”.

Este é um livro erótico, que não pornográfico, cujas personagens são homens e mulheres que se inserem na chamada terceira idade. Não recorri a linguagem obscena, embora esta esteja, muitas vezes associada aos diálogos que acompanham a descrição das práticas sexuais. Tenho para mim que, dessa forma, o leitor nunca se sentirá ofendido sem necessidade. Fica, contudo, a saber que irá ser confrontado com descrições de actos sexuais, de modo franco e explícito. 

Em lugar de me limitar à descrição dos actos, procurei estabelecer também relacionamentos de carácter afectivo entre personagens que, em alguns casos, atingem níveis elevados de ternura. A ternura, ou, no mínimo a amizade são acompanhantes que muito valorizam as práticas sexuais. Se não consegui despertar no leitor interesse e uma reacção de aceitação, apresento, desde já, as minhas desculpas, mas o erotismo não é a minha área de escrita habitual, embora sempre tivesse tido o desejo de me aventurar nela. 

Agora, com setenta e dois anos, resolvi cultivá-la, por uma única vez, mesmo sabendo que isso poderá trazer-me toda a espécie de revezes – que nem prevejo quais possam ser – e de comentários negativos por parte de amigos, conhecidos e, mesmo até daqueles que, não sabendo quem sou, têm boa impressão dos meus trabalhos anteriores.

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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21310: Agenda cultural (751): "Nos meandros da guerra: o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné", de José Matos e Luís Barroso, Lisboa, Editora Caleidoscópio, 2020, 146 pp.

Guiné 61/74 - P21310: Agenda cultural (751): "Nos meandros da guerra: o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné", de José Matos e Luís Barroso, Lisboa, Editora Caleidoscópio, 2020, 146 pp.


O José Matos exibindo o seu último livro (em coautoria com Luís Barrosso), "Nos meandros da guerra; o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné" (Lisboa, Caleidoscópio, 2020)

Capa do livro



1. Mensagem de José Matos, com data de 31 de agosto último, 15:58
 

Olá,  Luís

O meu livro  (*) acabou de sair mando-te o link

https://caleidoscopio.pt/collections/historia-1/products/nos-meandros-da-guerra-o-estado-novo-e-a-africa-do-sul-na-defesa-da-guine

Pedia-te que divulgasses no blogue, mando-te mais algum material. (**)

Ab, 


2. Ficha técnica, sinopse do livro e autores_


Autores: José Matos e Luís Barroso
Edição/reimpressão: 2020
Formato: 170 x 240 x 9mm
Páginas: 146
Tipo capa: Capa mole
Editor: Caleidoscópio
ISBN: 9789896586485
Preco de capa: 15,90€

Nos Meandros da Guerra

O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné

 José Matos e Luís Barroso

 

Sinopse

Nos últimos anos da guerra colonial, o regime português estabeleceu uma aliança secreta com os regimes brancos da África do Sul e da Rodésia com vista a combater os movimentos de guerrilha em Angola e Moçambique. 

Com recursos financeiros muito limitados, Portugal não hesitou em pedir ajuda à África do Sul que, em 1974, nos concedeu um avultado empréstimo para financiar a guerra nas grandes colónias austrais e, sobretudo, para evitar o colapso militar na Guiné, onde uma derrota militar se afigurava cada vez como mais provável perante uma guerrilha fortemente armada

São os meandros desta estratégia que se pretende traçar neste livro, tendo como finalidade descrever em que consistiam e em que contexto é que ocorreram.


Os Autores

José Matos - Investigador independente em História Militar tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné. É colaborador regular da Revista Militar e de revistas europeias de aviação militar e de temas navais. 

Colaborou nos livros “A Força Aérea no Fim do Império” (Âncora Editora, 2018) e na “A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsariana” (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019). É co-autor de “War of Intervention in Angola, Volume 3: Angolan and Cuban Air Forces, 1975-1989” (Africa@War, Helion, 2020).

Luís Barroso - Coronel de Infantaria e professor de Estratégia e Operações Militares no Instituto Universitário Militar e Academia Militar. É doutorado em História, Defesa e Relações Internacionais pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa e investigador no Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL. 

Tem escrito e publicado sobre vários temas de História Contemporânea de Portugal, Estratégia e História Militar e é autor do livro “Salazar, Caetano e o Reduto Branco: A Manobra Político-Diplomática de Portugal na África Austral (1951-1974)” (Fronteira do Caos Editores, 2012). 


Capa e contracapa do livro de José Matos e Luís Barroso, "Nos meandros da guerra; o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné"

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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P21309: Parabéns a você (1860): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21300: Parabéns a você (1859): António Barbosa, ex-Fur Mil Cav do Pel Rec Panhard 1106 (Guiné, 1966/68) e José Manuel Corceiro, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1969/71)

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Guiné 61/74 – P21308: Memórias de Gabú (José Saúde) (95): Um ranger no momento em que apresentava o grupo ao capitão (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
 
 Memórias de Gabu

Camaradas,  

Contar pormenores da nossa estadia na guerra colonial na Guiné, é tão-só o reviver de imagens que concentram, em todos nós, instantes vividos, mas que, por enquanto, nos vão ainda alimentando a alma.

E são precisamente essas histórias passadas no conflito guineense que me fizeram partir para a elaboração de obras, as quais deixo para a posterioridade, tendo como finalidade passar para as gerações atuais e vindouras, caso assim o queiram, saberem o que foi, de facto, a ida para a guerra de “miúdos”, intitulados então como "carne para canhão”, onde a juventude partia rumo ao desconhecido.

No terreno o “miúdo”, com uma arma na mão, defendia o corpo e a mais não era obrigado. Afinal, a guerra colonial é tão recente e há uma geração, a nossa, que, felizmente, ainda a vive.

Com a chancela da Editora Colibri o meu último livro “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74” integra a Coleção “Memórias de Guerra e Revolução”, cuja direção é pertença do Comandante Almada Contreiras.


Um ranger no momento em que apresentava o grupo ao capitão  
Recordando  

O tempo passava por cuidados intensivos. Sair para o mato impunha precaução, quer a missão passasse por mais uma patrulha às tabancas onde a finalidade era efetuar a inevitável incumbência pela então chamada “psicó”, ou para a proteção de uma coluna, ou para mais uma noitada passada a contar as estrelinhas, sendo a guerra feita pelos zumbidos dos mosquitos que não davam folgas ao sossego do militar pronto a dormir, mas… acordado.

Usufruí de profícuos conhecimentos obtidos em Penude, Lamego, Curso de Operações Especiais / Ranger, para que, quanto da minha mobilização para a guerra acontecesse, jamais abdicasse do que me fora ensinado em pleno sopé da Serra das Meadas, a tal “bíblia sagrada” de todos os rangers.

O curso como instruendo fora, para todos, literalmente penoso, sendo que na condição de instrutor readquiri uma outra bagagem, esta acrescida como fundamental no momento áureo em que a guerra era uma verdade indesmentível. Estávamos no auge de uma peleja que não dava descanso e as nossas mobilizações invariavelmente assumidas como certezas absolutas.

Havia, aliás, preceitos, ordens e princípios básicos que impunham bastas regras de autodefesa. Em Gabu conheci a realidade da guerrilha e aos poucos consegui introduzir no grupo a noção da responsabilidade. Uma verdade que passava pela preparação eficaz para uma nova saída. Nada de “baldas” e nem tão-pouco jogarmos com o facilitismo.  

Ao cimo da parada do quartel de Nova Lamego, local onde o pessoal se concentrava mesmo defronte a um casario com diversos fins, ali ouviam-se os dizeres finais. O armazém de material ficava a dois passos. O pessoal ordeiramente formava, distribuíam-se as munições de entre outro material que porventura pudesse ser utilizado, organizavam-se as incumbências de cada militar e dirigiam-se palavras aos camaradas que partiam rumo ao desconhecido.  

Um belo dia preparei a rapaziada, falhei-lhes da minha intenção, adiantando à conversa para que não houvesse gozos e nem a mínima falta de respeito. Estávamos de partida para mais uma incursão aos matagais de Gabu e por perto passava o capitão Rijo, comandante da nossa Companhia, que esboçou a sua admiração com a inesperada postura que ocasionalmente o furriel lhe havia preparado.  

Com o grupo formado e com o capitão Rijo a olhar de soslaio, eis que solto um grito à ranger que se propagou exaustivamente por todo o recinto, dei então dois passos em frente, bem trabalhados, os calcanhares e as solas dos pés a emitirem um som enorme, corpo hirto, uma magistral paulada e com as minhas cordas vocais entoei uma frase que me fora ensinada nos rangers: “Vossa Excelência meu capitão dá-me licença que mande avançar o grupo para mais uma missão”.  

Reparei que a sua primeira atitude foi de espanto. Ele, que era capitão oriundo da GNR, jamais terá imaginado uma atitude tão autoritária de um mero furriel que, entretanto, levou o oficial a lisonjear-se com a bem-aventurada situação. 
 
Mas a sua reposta à minha inesperada solicitação não foi imediata. Meditou e num curto espaço de segundos a sua resposta ao devolver-me a continência foi com a singela palavra – “pode”. 
 
A malta, sempre traquina, divertiu-se depois à fartazana com a “peça” que o furriel tinha feito ao capitão. Mas a marca estava dada para que, em eventuais situações futuras, o capitão respondesse atempadamente ao monograma de um ranger que comandava um pelotão de destemidos soldados.  
Ali não existiam distinções, todos bebiam pelo mesmo cálice e comiam do mesmo prato. Um por todos, todos por um. E era assim a mensagem que diariamente propunha a uma rapaziada jovem que ainda recordo com um respeito enorme.

Histórias alegres empreendidas no interior do arame farpado, mas sempre com o devastador palcio de guerra ali por perto.


O mato

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:

Vd. também o poste anterior desta série:

Guiné 61/74 - P21307: Notas de leitura (1301): “Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, coordenação de Maria Cardeira da Silva; edição do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
Só vejo utilidade em apreciar os eventos e propostas do quadro ideológico da mística imperial colonial que se começou a urdir desde as primícias da organização do Estado Novo: a legislação, a divulgação pela Agência Geral das Colónias, a restruturação da Escola Superior Colonial, as exposições que atraíam grande público, em Lisboa e no Porto, a adesão formal às teses do luso-tropicalismo enquanto seguia o seu rumo imparável o Estatuto do Indigenato. Década de propaganda e de ofensiva diplomática, os regimes totalitários da Alemanha e de Itália reivindicam colónias, os governantes não tinham esquecido que britânicos e alemães, antes da I Guerra Mundial, tinham acordado em retalhar o império português, para seu proveito.
É nesta atmosfera que se deve estudar o primeiro cruzeiro de férias às colónias.

Um abraço do
Mário


Aquele cruzeiro de férias sob o signo da mística imperial colonial

Beja Santos

Dentre os estudos publicados em “Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, com coordenação de Maria Cardeira da Silva, Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 ressalta uma leitura sobre o “Primeiro Cruzeiro de Férias às Colónias”. De que se trata, que importância se pode atribuir à iniciativa, nessa alvorada da mística imperial colonial? A 10 de Agosto de 1935 saiu do Cais da Fundição o paquete "Moçambique" com destino às colónias ocidentais. Levava no seu bojo 250 excursionistas, entre eles professores, estudantes, aristocratas e comerciantes, e como escreveu o então Ministro das Colónias, José Silvestre Ferreira Bossa “cheios de fé patriótica, vão por seus olhos conhecer a grandeza do nosso Ultramar”. Dois anos mais tarde, realizar-se-á o Primeiro Cruzeiro de Férias dos Estudantes da Colónias à Metrópole, transportando estudantes dos liceus de Angola e Moçambique ao Portugal Europeu, seguido de outro, que levou estudantes de Moçambique a Angola, e mais tarde chegariam ao cais da Nação os cruzeiros dos velhos colonos.


Pondere-se a contextualização ideológica, nacional e internacional. Erguiam-se vozes, mormente na Escola Superior Colonial para a promoção de viagens às colónias nacionais e estrangeiras, pedia-se sem tibieza que se fizessem essas viagens envolvendo professores e alunos, realizando-se conferências, elaborando-se relatórios. Augusto Cunha, escritor e humorista, diretor da revista "O Mundo Português", preparou cuidadosamente esta viagem de barco. Como observam as autoras do artigo, o tempo é de crise económica mundial, particularmente sentida nos territórios coloniais portugueses, produtores de matérias-primas. A Alemanha e a Itália mostram o seu apetite por mais territórios. Os ideólogos do Estado Novo apostam na preparação de gerações mais novas para a consolidação do ideal imperial. No campo ideológico do Estado Novo, com o "Acto Colonial" de 1930 e a "Carta Orgânica do Império Colonial Português" definira-se a missão civilizadora, e reconhecia-se a urgência de ultrapassar o “défice de colonização”, a metrópole e as colónias deviam formar uma “comunidade e solidariedade natural”. Salazar tinha um paladino na mística imperial, Armindo Monteiro, que sobraçara a pasta das Colónias entre 1931 e 1935. Concretizaram-se iniciativas já na perspetiva de dar ressonância a essa mística: em 1933, realizou-se a Conferência Imperial Colonial; em 1934, a I Exposição Colonial Portuguesa no Porto e o I Congresso de Intercâmbio Comercial com as Colónias. A Sociedade de Geografia de Lisboa passou a comemorar a semana das Colónias. O clímax da mística imperial será em 1940 a Exposição Mundial do Mundo Português. Escreve-se no Diário de Notícias de 1 de Agosto de 1935, a propósito do cruzeiro de férias: “É preciso, se queremos voltar a ser um grande povo, que cada português tenha dentro de si o panorama exato das suas possessões”. Marcello Caetano, o mestre orientador do cruzeiro referiu-se à campanha contra o Quinzinho, este era a imagem de um jovem sem caráter, o exatamente oposto ao que o Estado Novo pretendia ser como povo imperial: “As colónias, procuradas pelos melhores de cada geração no ânimo do trabalho, na esperança de construir um Novo Mundo, serão, como já começaram a ser nas campanhas da ocupação a escola na iniciativa, da energia e do carácter. O cruzeiro de férias também é uma campanha: a campanha contra o Quinzinho, a campanha pelo melhoramento moral e intelectual da mocidade portuguesa".

Marcello Caetano aparece assessorado pelos doutores Cardigos dos Reis e Orlando Ribeiro, que se encarregaram de um calendário apertado de cursos para os estudantes e conferências para os seus acompanhantes. Os cursos eram acompanhados de notas e pequenas publicações de apoio preparadas para o efeito. Os estudantes foram estimulados a participar num concurso literário e noutro fotográfico, sujeitos ao tema “O que ouviu em África”. Recordo que já aqui se fez referência ao que Ruy Cinatti escreveu sobre a passagem do cruzeiro na Guiné, exatamente em O Mundo Português.

Marcello Caetano comentará na época numa entrevista ao Diário da Manhã: “Em primeiro lugar vejamos o que o cruzeiro de férias significa nesta nova fase da política colonial. Não há ainda 50 anos a costa de África era o lugar negregado da expiação dos grandes crimes, um motivo dolente de fados da Mouraria: e eis que hoje parte um navio com ar festivo, uma boa parte do escol da mocidade portuguesa e até das camadas dirigentes do país. Os viajantes do cruzeiro são guiados por puro amor de Portugal de além-mar”. Anos depois, em 1958, Marcello Caetano escreverá: “ (…) seria curioso inventariar os estudantes que viajaram no cruzeiro, e ver o que deram na vida. Muitos, muitíssimos mesmo, voltaram ao Ultramar para aí fazerem a sua carreira. Perderam o medo a África ou deixaram-se seduzir por ela".

Há um outro dado do ambiente ideológico que não pode ser escamoteado: a atração sentida pelas teses do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, nomeado em 1938 como membro da Academia Portuguesa de História pelo próprio Salazar. Estas teses do luso-tropicalismo celebravam a miscigenação criada pelos portugueses, era uma fórmula do politicamente correto enquanto na prática vigorava o vigoroso regime do “indigenato”, ainda herdeiro do darwinismo social. Recorde-se ainda que este luso-tropicalismo era aclamado pela UNESCO como bom modelo das relações raciais. Entretanto, o movimento da descolonização começa a descolar e por toda a década de 1950 o quadro ideológico da mística imperial colonial vai-se desagregando, começara com a independência da Índia e da Indonésia, estendia-se agora a África, a um ritmo vertiginoso. E os jovens do cruzeiro de férias deram outros rumos às suas vidas.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21302: Notas de leitura (1300): “Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, coordenação de Maria Cardeira da Silva; edição do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21306: Memórias cruzadas na região do "Macaréu" (Bambadinca) em 1971: a realidade e a ficção (Jorge Araújo)

Foto 1 – Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca (1970) - Vista aérea da tabanca de Bambadinca tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano a saída (lado leste) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá (para leste); Bambadinca-Xitole/Saltinho (para sul) e Bambadinca-Xime (para oeste). Ao fundo, o Rio Geba Estreito [foto do álbum de Humberto Reis, fur mil op esp da CCAÇ 12 (1969/1971)], com a devida vénia.
 

Foto 2 –  Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca (1972) >  BART 2917 (25Mai70-27Mar72) > Bambadinca; Carreira de Tiro, Março de 1972. Da direita para a esquerda: na primeira fila, o TCor Tiago Martins (Cmdt do BART 3873), o General Spínola, e o TCor Polidoro Monteiro (Cmdt do BART 2917). Atrás, na segunda fila, o Paulo Santiago (Alf mil PCNAT 53, Saltinho, 1970/72, de bigode e ósculos escuros) e o antigo administrador de Bafatá, o então intendente Guerra Ribeiro – P11288. [Foto do álbum de Paulo Santiago], com a devida vénia.


O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada: acaba de regressar de Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos, onde foi "apanhado" durante vários meses pela pandemia de Covid-19; tem mais de 260 registos no nosso blogue.
  
MEMÓRIAS CRUZADAS
NA REGIÃO DO "MACARÉU" (BAMBADINCA) EM 1971
- O EXERCÍCIO DE COMPREENDER A REALIDADE E A FICÇÃO 

1.     - INTRODUÇÃO

A contextualização da presente partilha de informação, como pode depreender-se do seu título, tem por cenário uma parcela do território da Guiné, situada na Região Leste (Sector L1), de nome Bambadinca (foto 1), local onde durante dois anos da minha missão ultramarina, na qualidade de miliciano do exército (1972/1974) passei por diversas experiências, entre elas a do "macaréu" (10Ago72; hoje memórias), que, quando cruzadas com outras, nos permitem compreender melhor as diferenças existentes entre "verdade" e "ficção".

Por outro lado, a ideia de colocar no papel uma nova reflexão sobre alguns "factos" relacionados com aquela região, de que tivéramos conhecimento por leituras que foram acontecendo, data do ano de 2016, como iremos dar conta no ponto seguinte.

2.     - O LIVRO DE AL J. VENDER

Mais ou menos há quatro anos, um familiar (dos mais próximos) ofereceu-me o livro «Portugal e as Guerrilhas de África. As guerras portuguesas em Angola, Moçambique e Guiné Portuguesa 1961-1974», da autoria de Albertus Johannes Venter, identificado por AL J. Venter, um conhecido jornalista de guerra, nascido a 25 de Novembro de 1938, em Kroonstad, a sul de Pretória, portanto sul-africano, e que é considerado internacionalmente como "um veterano na cobertura de conflitos em África e no Médio Oriente".


O meu familiar, ao ter a intenção de me oferecer "algo" (já não sei a que propósito), encontrou na expressão "um testemunho surpreendente do único jornalista estrangeiro presente nas três frentes da Guerra Colonial", a opção por esta sua escolha, uma vez que sabia que a temática da «Guerra Colonial» ou «Guerra do Ultramar», conteúdo historiográfico abordado nesta obra, era uma das áreas do meu interesse pessoal, concomitante com o facto de ter sido ex-combatente na Guiné, como já referi.

Entretanto, só passados alguns dias me foi possível folhear o livro, iniciado, por defeito ou virtude (técnica) da prática profissional, pelo índice. Aí encontrei, desde logo, na página 245, o início da Parte II «A Guerra na Guiné Portuguesa», estruturada entre os pontos 12 e 20, ou seja, das páginas 247 a 372.

Chamou-me a atenção o ponto 17. «Guiné Portuguesa: Norte e Leste de Bissau», com início na página 309. Mas foi na página 322 que o meu foco se fixou, naturalmente, por tratar-se de uma referência a Bambadinca, onde é citado o lema «BRAVOS E SEMPRE LEAIS», curiosamente o mesmo do meu Batalhão [BART 3873] – Bambadinca: Fev72-Mar74 – por ser a divisa da Unidade Mobilizadora: o RAP 2 (Regimento de Artilharia Pesada 2), e não a divida do BART 2917, que era «P'LA GUINÈ E SUAS GENTES», como se pode observar no ponto 3.2.

Li, reli e voltei a ler, para me certificar do que estava a entender da narrativa. Mas não queria acreditar, por experiência feita e por muitas leituras já realizadas na minha continuada investigação. Não tive dúvidas!… Estava perante uma "fraude" intelectual e histórica. Grande parte do conteúdo do "conto" não podia ter acontecido… dizia eu em voz alterada para os "meus botões". Era (é) uma gigantesca «ficção» que não só descredibiliza o autor como põe em causa o valor histórico, logo científico, do "objecto" divulgado e que, não raras vezes, é utilizado (citado) na elaboração de trabalhos académicos, como iremos sinalizar de seguida.

2.1       - FACTOS ERRÓNEOS

Para melhor esclarecimento e posterior análise dos "factos erróneos", contidos na narração a que tivemos acesso, reproduz-se na íntegra o seu conteúdo, retirado da página 322, onde consta:

"Em Bambadinca ficava o quartel-general do tenente-coronel João Monteiro [João Polidoro Monteiro], chefe do Batalhão 2917 [BART 2917; de 25Mai70 a 27Mar72] (lema: «Bravos e Sempre Leais», do RAP 2, Unidade mobilizadora); [divisa da Unidade: «P'la Guiné e suas Gentes». O Aquartelamento situava-se num dos poucos rios do interior onde não se fazia sentir a humidade usual da região costeira pantanosa.

A Base controlava [?] uma área que incluía a confluência dos rios Geba e Corubal, outra parte do país que vira muitos confrontos violentos no período anterior a 1968 [triângulo: Bambadinca-Xime-Xitole].

O Último ataque ocorrera exactamente um ano antes de eu chegar [só podia ter sido em 1970]: um grupo infiltrado tinha-se dirigido para norte do outro lado da fronteira a partir de Kandiafara para tentar cortar e minar a estrada de Bafatá. Num final de tarde, os guerrilheiros atacaram Bambadinca a partir do outro lado do rio [?], retirando-se depois para uma posição pré-determinada, onde esperaram pelo dia seguinte antes de se juntarem a outros dois grupos. Esta força combinada iria atacar outras posições durante o assalto [?].

Foi então que algo correu mal. Um grupo de pisteiros do grupo de ataque colidiu com uma das patrulhas do coronel [João Polidoro] Monteiro [Cmdt do BART 2917] e foi capturada[o] intacta[o], sem ter sido disparado um único tiro. Um dos homens era um alto oficial do PAIGC [?]. Os quatro homens foram levados de helicóptero para Bambadinca, onde foi oferecida ao oficial a opção de contar tudo ou aceitar as consequências. Era uma situação sem saída, e o rebelde foi suficientemente inteligente para aceitar.

E foi assim que o general Spínola teve todo o plano de batalha [?] dos guerrilheiros nas suas mãos nessa mesma manhã…"



2.2       - CONTRIBUTOS PARA O CONTRADITÓRIO

Na sequência das várias leituras que fiz aos diversos temas abordados ao longo da obra acima citada, procurei encontrar outras perspectivas que me ajudassem a aliviar "a revolta" que então senti pela imprudência (ou desfaçatez) de tanta "ficção".

◙ Vejamos as principais:

▬ No circuito comercial:

Em "Opinião dos Leitores", Miguel da Costa (04.01.2016) dizia: "Um livro fundamental, escrito por um jornalista credível…Recomendo Vivamente".



▬ Nas redes sociais:

No Blogue "Herdeiro de Aécio", com mais de dois milhões e meio de visualizações, em 16 de Outubro de 2018, o seu editor, A. Teixeira, escreve:




▬ Em trabalhos académicos:





[…]
"Bem ou mal, a história militar da Guerra Colonial Portuguesa está feita (Venter [,Al J.], 2015 [Portugal e as Guerrilhas de África. …]; Afonso & Gomes, 2010; Garcia, 2010; Teixeira, 2010; Leite, 2009; Rebocho, 2009; Brandão, 2008; Garcia, 2006; Cann [John], 2005; Bacelar, 2000)." […] (p 96)

▬ No Blogue da «Tabanca Grande»:

Durante a pesquisa realizada ao espólio fotográfico do blogue, visando a selecção de algumas imagens de Bambadinca para enquadramento deste trabalho, foi com surpresa (e ainda bem!) que encontrei no P17378 (19Mai2017), na série «Notas de leitura», da responsabilidade do camarada Beja Santos, uma análise ao mesmo livro de Al J. Venter "Portugal e as Guerrilhas de África", bem como um conjunto de "comentários" que vieram mesmo a calhar nesta minha narrativa, a saber:

● [Luís Graça] – (i) O referido ataque a Bambadinca foi a 28/5/1969 (ou "flagelação", segundo a história da unidade...), estavas tu em Missirá e eu a chegar a Bissau no "Niassa", ainda deu no dia 2 de junho'69, ao passar por lá, vindo de Bissau a caminho de Contuboel, para ver os estragos (relativamente poucos...) mas sobretudo sentir as reações e emoções da malta da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas...

(ii) Nunca ouvi esta versão do Al J. Venter / Domingos Magalhães Filipe, ou a melhor a versão contada pelo comandante do BART 2917 (que rendeu o BCAÇ 2852) e registada pelo escritor sul-africano... Será que o inglês do Magalhães Filipe e o português do Venter eram assim tão maus?

(iii) Parece que alguém está a delirar... ou trocou as cassetes... Recorde-se que o BART 2917 chegou a Bambadinca em finais de maio de 1970...

(iv) O Venter deve, portanto, ter falado, talvez em junho ou mesmo princípios de junho de 1970, com o então TCor Art Domingos Magalhães Filipe, que irá ser substituído pelo famoso TCor inf Polidoro Monteiro [situação verificada somente em meados de Dez70, vindo do BCAÇ 2861 (11Fev69-07Dez70), na sequência da conclusão da comissão desta Unidade].

(v) Em conversa há dias [Maio2017] com o Fernando Calado, que foi alf mil trms da CCS/BCAÇ 2852 (1968/70), ele transmitiu-me a seguinte versão dos factos que, de resto, podem ser corroborados pelo Ismael Augusto, outro oficial miliciano da CCS, ambos membros da nossa Tabanca Grande:

■ O relato do escritor sul-africano Al J. Venter é uma falsificação da história;

■ Não houve prisioneiros nenhuns, nem muito menos nenhuma figura grada do PAIGC, e nem muito menos apanhados à mão e trazidos de helicóptero para Bambadinca para serem interrogados;

■ O comandante do BCAÇ 2852 não estava em Bambadinca nem ele nem a esposa.

◙ Em resumo:

▬ 1. - No caso do jornalista sul-africano Al J. Venter ter passado por Bambadinca, a sua visita só poderia ter sido durante o ano de 1971.

▬ 2. - No período em análise não aconteceram quaisquer dos factos "classificados de relevantes" para as NT, narrados na página 322 do seu livro.

▬ 3. - O TCor João Polidoro Monteiro comandou o BART 2917 durante quinze meses, desde a sua chegada a Bambadinca, em meados de Dezembro de 1970 até à sua substituição, verificada em meados de Março de 1972, pelo TCor António Tiago Martins (1919-1992), Cmdt do BART 3873 (28Dez71-04Abr74).

▬ 4. - A maioria dos depoimentos, conforme se infere do acima exposto, são de opinião de que Al J. Venter prestou um mau serviço à causa da "ciência historiográfica" ao narrar "factos" que não constam em nenhum dos Documentos Oficiais, pelo que se pode concluir que "falsificou a história" da «Guerra Colonial», em particular a da Guiné.

▬ 5. - Em função do ponto anterior, sugere-se à «Academia» e à sua comunidade científica, no caso de vir a utilizar este recurso bibliográfico, que tome as devidas precauções, cruzando-o com outras fontes em que se possa confiar.

▬ 6. - É relevante o facto deste livro fazer parte do "Plano Nacional de Leitura"…

3.     – SUBSÍDIO HISTÓRICO DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 2917 = BAMBADINCA - XIME - ENXALÉ - MANSAMBO - XITOLE (1970-72)



Foto 3 – Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > Mato Cão > Dez'71 > O TCor João Polidoro Monteiro, último Cmdt do BART 2917 (1970/72), na companhia do Alf Médico Vilar e do Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba – P9034. [Foto do álbum de Paulo Santiago], com a devida vénia.


3.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG

Mobilizado pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 [RAP 2], de Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, o Batalhão de Artilharia 2917 [BART 2917], liderado pelo TCor Art Domingos Magalhães Filipe, mais as suas três Unidades de quadrícula – CART 2714, CART 2715 e CART 2716 – embarcaram em Lisboa, no Cais da Rocha, em 17 de Maio de 1970, domingo, seguindo viagem a bordo do N/M "CARVALHO ARAÚJO", rumo à Guiné (Bissau), onde chegaram a 25 do mesmo mês, 2.ª feira. 



3.2 - SINTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL

● A DO BART 2917

Quatro dias após a sua chegada a Bissau, o BART 2917 seguiu, em 29Mai70, para Bambadinca, a fim de efectuar a sobreposição e render o BCAÇ 2852 [30Jun68-16Jun70; do TCor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos (1.º); TCor Cav Álvaro Nuno Lemos de Fontoura (2.º) e TCor Inf Jovelino Moniz de Sá Pamplona Corte Real (3.º)], assumindo em 07Jun70 a responsabilidade do Sector L1, com sede em Bambadinca e abrangendo os subsectores de Xime [CART 2715], Xitole [CART 2716] e Mansambo [CART 2714] e Bambadinca [CCS e Cmd].

As suas três subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do Batalhão. Desenvolveu intensa actividade operacional, tendo comandado e coordenado a realização de diversas operações, patrulhamentos, emboscadas e protecção e segurança dos itinerários e ainda promovendo a segurança e protecção dos trabalhos de construção de aldeamentos para as populações e correspondente desenvolvimento socioeconómico.

Da sua actividade destacam-se, entre outras, as operações «Corrida Entusiástica» e «Triângulo Vermelho», e ainda a organização e funcionamento do Centro de Instrução de Milícias [CIM], bem como a captura de diverso material de guerra, como sejam duas metralhadoras ligeiras, uma espingarda, um lança-granadas foguete, quinze granadas de armas pesadas, cinco minas e elevada quantidade de munições de armas ligeiras.

Em 15Mar72, o BART 2917 foi substituído no sector de Bambadinca pelo BART 3873 [Dez71-Abr74] e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, que aconteceu entre os dias 24 e 27 de Março de 1972, a bordo dos TAM. (Ceca; p. 228).



● A DA CART 2714

A CART 2714, do Cap Art José Manuel da Silva Agordela, seguiu em 29Mai70 para Mansambo a fim de efectuar a sobreposição e render a CCAÇ 2404 [30Jul68-16Jul70; do Cap Mil Inf Carlos Alberto Franqueira de Sousa (1.º)], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector. 

Por períodos variáveis, destacou Grs Comb para reforço de outras subunidades do sector, mantendo também um Gr Comb em reforço da CART 2715, no Xime, a partir de 23Set70. Em 14Mar72, foi rendida no subsector de Mansambo pela CART 3493 [28Dez71-02Abr74; do Cap Mil Inf Manuel da Silva Ferreira da Cruz], após o que recolheu a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 24 de Março.

● A DA CART 2715

A CART 2715, do Cap Art Vítor Manuel Amaro dos Santos (1.º), seguiu em 31Mai70 para o Xime a fim de efectuar a sobreposição e render a CART 2520 [29Mai69-17Mar71; do Cap Mil Art António dos Santos Maltez], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector, com um destacamento no Enxalé, sendo este guarnecido ora com um Gr Comb, ora com dois, conforme as necessidades operacionais. 

Em 14Mar72, foi rendida no subsector do Xime pela CART 3494 [28Dez71-03Abr74; do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (1.º); Cap Art António José Pereira da Costa (2.º) e Cap Mil Inf Luciano Carvalho Costa (3.º)], tendo recolhido a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 25 de Março.

● A DA CART 2716

A CART 2716, do Cap Mil Art Francisco Manuel Espinha de Almeida, seguiu em 29Mai70 para o Xitole a fim de efectuar a sobreposição e render a CART 2413 [16Ago68-18Jun70; do Cap Art Raul Alberto Laranjeira Henriques], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector, com um Gr Comb destacado na ponte do Rio Pulom. 

Em 14Mar72, foi rendida no subsector do Xitole pela CART 3492 [29Dez71-01Abr74; do Cap Mil Inf António Vítor Ribeiro Mendes Godinho], tendo recolhido seguidamente a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 26 de Março. (Ceca; p. 229).
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Fontes Consultadas:
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).
Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
28AGO2020
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Nota do editor

Último poste da série "Memórias cruzadas" > 18 de agosto de 202 > Guiné 61/74 - P21266: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Antecedentes do Plano de Assalto ao Quartel de Varela, proposto por dois desertores portugueses: o caso do António Augusto de Brito Lança, da CART 250 (1961/63) (Jorge Araújo)

Vd. também:

15 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17359: Notas de leitura (956): “Portugal e as Guerrilhas de África”, por Al J. Venter, Clube do Leitor, 2015, prefácio de John P. Cann (1) (Mário Beja Santos)