quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21472: Fichas de unidade (13): CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli, Madina do Boé, 1966/68)... E recordando algumas das melhoras fotos do alentejano Manuel Coelho, que foi fur mil trms de "Os Tufas"


Foto nº 1 > Hospitalidade: "Entre. Oferecemos ataúdes de 1ª [classe]"... Arame farpados guarnecido com pares de garrafas de cerveja que tilintavam ao mais pequeno toque, acabando por pôr os nervos do pessoal em franja... Era um  factor adicional de stress...


Foto n~2 > Humor de caserna > O Barateiro: Recpordações de Madina" >  Empenagens de granadas...

 

Foto nº 3 > Engenharia regional popular: Engenhosa "porta do cavalo"... ou "porta de traseiras"



Foto nº 4 >Poesia épica: "E.. aquelas que por defeitos não vão rebentando"... Local do impacto de uma granada que não não explodiu...



Foto nº 5 >Arquitetura regional popular:  Abrigo H, com entrada caiada de branco, para facilitar, à distância, a ponataria dos canhões s/r do PAIGC... Os "abrigos" estavam idemtificados por letras do alfabeto...  A CCAÇ 1589 teve apenas um morto em combate, em resultado de ferimentos graves sofridos no decurso de um patrulhamento ofensivo, fora do perímetro do aquartelamento. o  Ilídio Bonito Claro, Soldado de Transmissões, natural de Montemor-o-Velho, inumado no cemitério da Torre em Montemor-o-Velho (. Faleceu no Hospital Militar 241, vítima de ferimentos em combate durante um patrulhamento  em 4 de janeiro de 1968.)


Foto nº 6 > Ainda não se falava de ecologia: Um "resort" turístico com chuveiro... ecológico!


Foto nº 7 > O problema da habitação: Abrigo H.. Telhados de chapa de zinco... Mais um "bairro de lata"... Ou a "bidonvilização# da guerra...


Foto nº 8 > Abrigo E... Num bidão à direita, pode ler-se: "... Aguentemos o piriquito"... O humor de caserna dos "Tufas"... 

Em cima do abrigo, a célebre cadeira de espaldar que servia de posto de sentinela...e onde o Manuel Inácio diz que tocava a corneta quando o PAIGC atacava ou flagelava o aquartelamento, a partir das colinas circundantes... Lenda ou não, o "Tufa" do Manuel Inácio tevc sorte, tendo em conta a má pontaria das tropas do Amílcar Cabral...


Foto nº 9  > Abrigo J > Uma "contrução primitiva"... a fazer lembrar os casebres das nossas aldeias serranas da época...



Foto nº 10 > Uma espécie de  posto de rádio

 

Foto nº 11 > Placa com a indicação do posto de turismo... Nas traseiras, meia dúzia de moranças... E assim se foram exorcizando os fantasmas dos combatentes...



Foto nº  12 > Um tosco aquartelamento: em primeiro plano, a à esquerda a "central elétrica" e, a seguir,, à edifício do comando e secretaria...



Foto nº 13 > Parada, com dois belíssimos e frondosos poilões que serviam abrigo às viaturas... e de ponto de mira para os "artilheiros" do PAIGC



Foto nº 14 >  Viatura das NT, destruída, na estrada de Cheche-.Madina do Boé...Esta estrada foi um cemitério de viaturas... 


Foto nº 15 > "Canhão Sem Recuo M40 10,6cm, utilizado na sua missão normal, ou seja, montado em posição defensiva e, neste caso, sem estar em cima de viatura apropriada" [Legenda de Luís Dias]... 

Ao fundo um das  colinas do Boé.. Na região havia algumas pequenas elevações que podiam chegar aos 100/200 metros, como Dongol Dandum... Em termso de posição no terreno, Madina do Boé ficava numa cota mais baixa: alguns camaradas nossos, que participaram, em fevereiro de 1969, na Op Mabecos Bravios, falavam do "fantasma de Dien Bien Phu", da guerra da Indochina, em 19954, por detrás dessas colinas do Boé,  fanrasma esse que felizmente nunca apareceu... 

Como é sabido, o Boé é única região "acidentada" da Guiné. Não houve nenhuma batalha de Madina do Boé, contrariamente a Dien Bien Phu, e a maior parte das vítimas mortais que tivemos foi na travessia do rio Corubal, em Cheche, em 6/2/1969, um trágico acontecimento já aqui profusamente documentado no nosso blogue...



Foto nº 16 > A rendição pela CCAÇ 1790, a última companhia  a guarnecer Madina do Boé: perde 29 homens durante a travessia, em jangada,  do Rio Corubal, em Cheche, no dia 6 de ferereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios)



Foto nº 17 > Uma bandeira verde-rubra perdida na região do Boé... Mas não será aqui que o PAIGC fará a cerimónia da proclamação unilateral da independência em 24 de setembro de 1973... Uma das lendas  que o PAIGC soube tecer durante anos e anos: ainda hoje se encina às criancinhas que foi aqui que nasceu a Guiné-Bissau...



Guião da CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68), que tinham por divisa "Justos e Fortes"... É uma das várias subunidades que esteve aquartelada em Madina do Boé, com destacamento em Beli (*). Fotos  do álbum do nosso grande fotógrafo de Madina do Boé, Manuel Coelho, fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, natural de Reguengos de Monsaraz.


Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Temos  pelo menos 3 camaradas a representar, na Tabanca Grande, a CCAÇ 1589; Armandino Alves (1944-2014),  Manuel Coelho e Manuel Inácio. Tem quse meia centena de referências no nosso blogue, à CCAÇ 1589, muito à frente da CCAÇ 1590, com apenas 3 referências. A CCAÇ 1588 não tinha, até agora, nenhuma referência. As três pertenciam ao BCAÇ 1894 que, no nosso blogue, não chega a ter duas dezenas de referências.

Em homenagem aos bravos de Madina do Boé, desta e doutras unidades que por lá passaram (*), fazemos aqui uma seleção de fotos do Manuel Coelho (, que tem 40 referências no nosso blogue). (***)


Síntese da actividade operacional da CCAÇ 1589


A CCaç 1589 foi inicialmente colocada em serviço na guarnição de Bissau na dependência do BCaç 1876, em substituição da CCaç 728, com vista a garantir a segurança das instalações e das populações da área.

Em 16Dez66, passou a ser subunidade de intervenção e reserva à disposição do Comando-Chefe orientada para a zona Leste, instalando-se em Fá Mandinga e tendo tomado parte em diversas operações realizadas nas regiões de Xime, Sarauol, Nova Lamego, Madina do Boé e Enxalé. 

De 28Jan67 a 07Fev67, esteve colocada em Nova Lamego como subunidade de reserva do Agr24, colmatando a saída da CCaç 1625 até à chegada da CCav 1662, após o que voltou para Fá Mandinga, onde assegurou a responsabilidade do respectivo subsector durante a adaptação operacional da CArt 1661.

Após a marcha de um pelotão em 25Mar67 para Béli, foi deslocada em 07Abr67 para Madina do Boé, a fim de substituir a CCaç 1416. 

Em l0Abr67, assumiu a responsabilidade do respectivo subsector, com o pelotão já instalado em Béli, ficando então integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1856 e depois sucessivamente do BCav 1915 e do BCaç 1933.

Em 20Jan68, foi rendida em Madina do Boé pela CCaç 1790 e em 12Fev68 no destacamento de Béli, tendo ambos os aquartelamentos sofrido fortes flagelações no periodo de Jun a Dez67.

Em 31Jan68, foi colocada em Bissau na dependência do BCaç 2834, para serviço de guarnição até ao seu embarque de regresso, colmatando anterior saída da CCaç 1547 e sendo depois substituída em Bissau pela CCav 1617.

Batalhão de Caçadores nº 1894 

Identificação: BCaç 1894
Unidade Mob: RI 15 - Tomar
Cmdt: TCor Inf Fausto Laginha dos Ramos
2.° Cmdt: Maj Inf Domingos André
Maj Inf António da Graça Bordadágua
Of InfOp/Adj: Cap Inf Henrique José Gonzalez Costa Jardim
Cmdts 
Comp:
CCS:.Cap Inf Anúplio Loysik Cardoso de Sampaio
CCaç 1588:Cap Inf Álvaro de Bastos Miranda
CCaç 1589:Cap Inf Henrique Vitor Guimarães Peres Brandão
CCaç 1590:Cap Inf Aires Jorge da Costa Gomes
Divisa: "Non Nobis" - "Justos e Fortes"

Partida: Embarque em 30Jul66 (CCaç 1590 em 03Ag066); desembarque em 04Ago66 (CCaç 1590 em 12Ag066). Regresso: Embarque em 09Mai68

Síntese da Actividade Operacional do BCAÇ 1894 (Bissau e São Domingos

Inicialmente, constituiu reserva do Comando-Chefe, com sede em Bissau, sendo as suas subunidades atribuídas em reforço de outros subsectores. Simultaneamente, preparou a sua instalação no Sector Ol-B, a ser criado em área pertencente ao BCav 790.

Em 190ut66, assumiu a responsabilidade do referido Sector 01-B, com sede em S. Domingos e abrangendo os subsectores de Ingoré e S.Domingos e a partir de 03Nov66, o de Barro, então transferido do BCaç 1887. 

Em 23Ag067, foi ainda constituído o subsector de Susana, retirado então à área do subsector
de S.Domingos. 

Comandou e coordenou a actividade das forças que lhe foram atribuídas, orientando a sua acção sobre as linhas de infiltração de Canja e Campada e bases inimigas instaladas na zona, tendo-lhe provocado elevado número de baixas e apreensão de grandes quantidades de armamento e material e ainda garantido a segurança dos aquartelamentos, itinerários e populações.

Destacam-se pelos resultados obtidos, as operações "Dumdum", "Drambuie I", "Derrubante II e III" e "Despeneirar", entre outras.

Dentre o armamento capturado mais significativo, salienta-se: 2 metralhadoras pesadas, 4 metralhadoras ligeiras, 12 pistolas-metralhadora, 101 espingardas, 2 lança-granadas foguete e 28110 cartuchos de armas ligeiras.

Em 02Abr68, foi rendido no sector de S.Domingos pelo BCaç 1933 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.
 
Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné -  (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pp. 88, 89 e 90 (**)

__________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

18 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

15 de dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
 
(**) Último poste da série > 2 de abril de  2020 > Guiné 61/74 - P20801: Fichas de unidades (12): CCAÇ 414 (1963/64), do cap Manuel Dias Freixo (Jorge Araújo)

(***) Vd. postes de:

28 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18873: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte IV: O fantasma de Dien Bien Phu: fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)


25 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P1869: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte II: A fonte da colina de Madina: mais fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

24 de julho de 18 > Guiné 61/74 - P18867: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte I: seleção de fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21471: Historiografia da presença portuguesa em África (236): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Faço apelo a que leiam atentamente estas três recensões à volta da memória descritiva de Travassos Valdez da Senegâmbia ou Guiné Portuguesa. É alguém que vem bem habilitado, tem importante currículo colonial, é culto e bom observador. E escreve com facilidade, cede aos sentimentos mas não transige na importância do relato: a importância do Ilhéu do Rei, a situação na Fortaleza de S. José de Bissau e o estado deplorável em que se vive dentro da cidade, deplorável e de incompleta instabilidade, a quase total ausência de missionários, a natureza dos negócios, como se processa o comércio, quem são e como atuam os negociantes de Bissau e Cacheu, quais os pontos significativos da presença portuguesa que segundo o seu relato não passa de Geba na região Leste, fala dos Felupes, do Cacheu, dos Bijagós e do rio Grande.
É pois um relato deliberadamente preparado para se saber o que existe naquela parte do mundo, lembre-se que o autor dedica a edição portuguesa ao rei D. Luís I.
Era esta a Guiné em 1861, para que conste.

Um abraço do
Mário


Francisco Travassos Valdez e a Senegâmbia (3)

Beja Santos

O livro intitula-se “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez, impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864. Primeiramente, a publicação surgiu em Londres com o título Six years of a traveller’s in western Africa, 1861. Francisco Travassos Valdez tem um curioso currículo: ex-árbitro das Comissões Mistas Luso-Britânicas e do Cabo da Boa Esperança; ex-Secretário da Comissão Especial de Colonização e Trabalho Indígena das Províncias Ultramarinas; Secretário do Governo da Província de Timor.

O volume é apresentado como 1.º, abarca as seguintes descrições: Porto Santo e Madeira; Canárias; Cabo Verde (ilhas de Barlavento), Cabo Verde (ilhas de Sotavento); Senegal e Senegâmbia (Guiné Portuguesa). Nesta recensão trata-se exclusivamente o que o viajante viu e sentiu na Senegâmbia, mais tarde reportaremos o que do Senegal tem interesse relevante para a Guiné do século XIX. Sente-se que está bem informado e viaja cheio de curiosidade pelas porções de território onde há presença portuguesa. Não abordará o vasto território do Gabu nem a península de Cacine, é tudo ainda região ignota, só ficará legalmente confirmado como território português depois da Convenção Luso-Francesa, que ainda vem longe.

Está a subir o rio Geba, dá-nos um quadro pitoresco de Fá, no Geba estreito, o presídio de Fá defronte do Porto das Almadias: “O território onde está situado este pequeno estabelecimento pertencia a uma preta denominada a Fidalga de Fá, Beafada, que patrocinava muito os brancos desde que tomara amores com um morgado do engenho de S. Tiago de Cabo Verde, que passara a Bissau e dali a Geba, chamado José Valério de Santa Maria, e que deu causa a que se estabelecesse ali povoação portuguesa de Europa e de Cabo Verde, pelo ano de 1820, chamando a dita fidalga cristãos de Bissau, para sossegar o seu amante que se queria retirar com o receio de que pela sua morte não houvesse quem lhe rezasse por alma. Por morte dele, a fidalga querendo que não se realizasse o que o seu amante tanto receara, e vendo que os cristãos se queriam retirar, cedeu o território então a Portugal, tendo nós hoje ali um sargento com meia dúzia de soldados e sem haver forte algum!”. Nesta linha de pensamento o autor tira uma ilação da falta de ocupação do território: “E há quem se admire de que os estrangeiros nos vão usurpando os nossos territórios na Senegâmbia ou Guiné Portuguesa, como a ilha de Bissau, Sello ou Casamansa e no rio Grande, etc, quando não temos ou não tínhamos na maior parte nem ao menos quem içasse a bandeira de Portugal”. Fá maravilha-o e não o esconde: “Chega até ao estabelecimento de Fá a maré com água salgada, continuando ainda muito acima, mas já com água doce. O solo é fértil, tendo o sítio muitas laranjeiras, limoeiros, coqueiros, cana-de-açúcar, mandioca, bananas, palmares, muitos ananases e até cerejeiras e macieiras importadas de Portugal”.

Depois de lamentar a decadência de Geba, tece considerações sobre a falta de missionários: “Por mais de uma vez nesta obra temos chamado à atenção sobre a extraordinária e lamentável falta de sacerdotes instruídos e morigerados nas possessões africanas. Mas ainda mais sensível, por assim dizer, se torna esta falta em Geba, até sob o ponto de vista político; porque atenta a influência que naqueles povos exercem as pompas do culto católico, e a inclinação decidida que têm para assistir às festividades nos tempos, se se tivesse cuidado seriamente em ter ali a igreja por vida de sacerdote, e se este fosse de um procedimento regular, cresceria muito o nosso poderio na mesma proporção que se aumentasse ou estendesse o número de convertidos”.

Antes de se voltar para o Sul da colónia ainda deixa uma descrição de Geba: “Geba não tem fortificação alguma ou paliçada nem maior guarnição de que um dez soldados com um comandante militar; mas é um mercado sofrível onde se vende algum ouro, marfim, couros e outros produtos do país, que todos são permutados por sal, cola e mercadorias europeias”.

Agora o Sul, aquele em que os portugueses tinham tido ou mantinham presença: “Passando agora a falar das dependências de Bissau no rio Grande, sentimos dever ter de dizer que o grande comércio que tinham no meado do século XVI os habitantes de S. Tiago de Cabo Verde com o Porto da Cruz na foz do rio, na ponta do Norte, em Biguba, 18 milhas mais acima, na margem direita, e em Guinala, quase que chegou a paralisar-se de todo, indo lá nos modernos tempos raras vezes os nossos navios comerciar com os Beafadas e Mandingas ao Norte, com os Nalus ao Sul, e com os Bijagós nas suas ilhas, à entrada do rio”.
Procede a descrições primorosas das diferentes etnias, começando pelos Beafadas, Nalus e Bijagós, aborda a questão de Bolama (não esquecer que ainda não tinha sido proferida a sentença do presidente Ulysses Grant). A incursão muda de rumo, vai-se para Cacheu, sua praça e dependências. Eis o que ele viu ou sentiu: “Gozemos a pitoresca vista de arvoredos frondosos que cobrem as margens, onde, como alinhamentos de marcas de pedras, se descobrem de espaço a espaço, enfileiradas com a maior singularidade, cardumes de pelicanos brancos, bem como grandes graças. Fundeemos finalmente em frente da praça, cuja perspectiva é realmente pitoresca e agradável, vendo-se bons edifícios, entre os quais sobressai o magnífico palacete que o falecido Comendador Honório Pereira Barreto fazia para a sua residência”. E viaja-se até Casamansa, o rumo é Ziguinchor: “Este presídio de Ziguinchor é importante porque comunica pelo interior com o rio da Gâmbia, e porque nas terras sitas no Norte de Casamansa abundam as gomas e uma espécie de cocos muito oleaginosos, mas de que nunca tirámos partido por desleixo, e de que já não podemos tirá-lo desde que os franceses se instalaram no Sello (bem como os ingleses). A defesa deste presídio consta de uma estacada ou tabanca e três fortins de pedra e barro, com oito más peças de artilharia e de apenas oito soldados de guarnição; mas apesar disso, Ziguinchor é talvez a única excepção honrosa da maneira por que geralmente se portam os seus moradores em relação ao gentio. Com efeito, os gentios respeitam muito o presídio, porque os notáveis e o povo se armam, e vão denodadamente bater, mesmo sem socorro algum do governo, o gentio que se atreva a fazer-lhes o mais pequeno insulto”. Prossegue as suas descrições étnicas, é muito minucioso com as cerimónias religiosas dos Felupes.

E muito curioso é o termo da sua viagem à Senegâmbia, como se pode ler: “Terminaremos a descrição da Guiné Portuguesa dizendo que uma das insígnias do Mordomo-Mor em Portugal (o bastão, a que chamamos negrinha) teve origem em comemoração da descoberta e conquista daquela região.
Com efeito, no reinado de El Rei D. Afonso V, O Africano, pelos anos de 1442, vindos os primeiros negros trazidos da Guiné a Portugal, por António Gonçalves, criado do Senhor Infante D. Henrique, e pelos anos de 1448 os primeiros dentes de elefante da costa do sul de Cabo Verde, ordenou aquele monarca a Álvaro de Souza, Senhor de Miranda, seu Mordomo-Mor, que a todos os actos públicos da corte assistisse à direita do soberano com um bastão ou bengala de marfim, tendo por castão uma cabeça de negro como para indicar o novo domínio da Coroa Portuguesa naquela parte do mundo”
.

Aqui finda a narrativa, mas voltaremos a Travasses Valdez para escutar o que ele diz da presença portuguesa no Senegal.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21449: Historiografia da presença portuguesa em África (235): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21470: Consultório militar do José Martins (53): o Estatuto do Antigo Combatente: isenção das Taxa Moderadoras na utilização dos serviços de saúde



Mensagem do José Martins, nosso colaborador permanente, ex.fur mil trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos (Canjadude, 1968/70), ex-técnico oficial de contas, reformado, residente em Odivelas, com mais de 410 referências no nosso blogue [, foto acima]. 

Dedicou recentemente o seu "Consultório Militar" ao Estatuto do Combatente (*). E responde agora, "just in time",  a uma consulta de um camarada (que, por razões de sigilo, não vamos identificar) sobre a utilização de serviços de saúde e a isenção das taxas moderadoras (a que temos ou vamos ter direito).

Data - terça, 20/10, 19:56 
 
Assunto -  Isenção de taxa moderadora  para ex-combatentes


1. Cosulta de um camarada nosso ao Zé Martins, com data de ontem:

Olá, Zé Martins. 

Como vai isso, mesmo tendo estado a levar porrada em Canjadude não te afasta não teres deste covidado indesejável... Espero que nada do bicho te incomode. 

Estou a chatear pela razão da Isenção da Taxa Moderadora no SNS para os ex-Combatentes e por saber que és um amigo em que posso pôr a questão. 

A Isenção só vai ser possível com a apresentação do tal Cartão que ainda não foi entregue ou já estamos Isentos mesmo sem o Cartão ?

Com o meu problema de saúde, cada vez mais preciso de consultas, exames ou outras chatices médicas e lembrei-me da Isenção e o Centro de Saúde responder 'não sabemos de nada'. 

Agradeço a tua disponibilidade para me dares uma resposta. 

Um grande abraço , agora é mais abracelo, e saúde da boa.  (...)


 2. Resposta do Zé Martins, na volta do correio:

Como dizes só com o Cartão é que é possível obter qualquer dos "benefícios" com que a PÁTRIA nos brindou, mas não só.

Falta toda a legislação complementar que irá reger esse direito, e terá que ser acordado entre o Ministério da Defesa e:

- O Ministério das Finanças, que é quem tem a ma$$a;
- O Ministério da Saúde, que deixa de receber as taxas moderadoras;
- O Ministério dos Transportes, que deixa de vender passes;
- O Ministério da Cultura, que deixa de cobrar os bilhetes nos museus e monumentos;
- o Ministério da Administração Interna, que tem de fornecer as Bandeiras Nacionais, para os funerais.

Etc, etc, mas terá de haver Cartão.

Não sei como estás de matemática, mas vejamos: o Cartão terá de ser impresso nas duas faces. É produzido no mesmo material que os "cartões vulgares que utilizamos", mas há uma máquina que o produz, e outra que o imprime. Aqui não há incompatibilidade, a não ser que as máquinas se encontrem em locais distantes.

Se cada Cartão levar a imprimir, já com a assinatura da entidade responsável, dois minutos, em cada hora serão impressos apenas trinta, Como só se trabalham 7/8 horas por dia,  fazendo as contas a 6 horas teremos, com otimismo, 1.000 cartões por semana.

Como são 200.000, levarão 4 meses, sem contar os feriados e os lay-off, a produzir.

Depois faltará a impressão individual, a carta a acompanhar o dito, a sua entrega aos correios e a "disposição" destes para a sua entrega.

Estamos a falar, na melhor das hipóteses, em Março ou Abril de 2021...

Nesta altura só nos resta verificar todas as manhãs se o dedo grande do pé ainda mexe, o que é bom sinal, e tudo fazer para que não nos arrefeça o céu da boca.

Esta resposta está um "pouco" sarcástica, mas,  se não pensarmos assim, damos em loucos.

Resumindo: ainda é cedo, porque agora o que é preciso é haver orçamento, sem ser às pinguinhas.

Abração e saúde da boa.

Zé Martins
 
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Nota do editor:

Vd. postes anteriores da série >

28 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21301: Consultório militar do José Martins (52): O Estatuto do Antigo Combatente (2)

27 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21299: Consultório militar do José Martins (51): O Estatuto do Antigo Combatente (1)

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21469: Notas de leitura (1316): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - V (e última) parte (Luís Graça): Em Brá, no final da comissão, tem como companheiro de quarto o furriel mil 'comando' Vassalo Miranda, uma 'figura ímpar', grande autor de banda desenhada da nossa guerra


Guiné > Bissau > Brá > 1965 > Fur mil at cav Gonçalo Inocentes, de rendição individual, tendo passado pela CCAÇ 423  (São João e Jabadá) e pela CCAV 488 (Bissau e Jumbembem), entre 1964 e 1965. Fez 16 meses de comissão. Foi em Brá que conheceu o Vassalo Miranda, quando ambos aguardavam o regresso à Metrópole.

Foto (e legenda): © Gonçalo Inocentes (20w0) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Quinto e último apontamento decorrente da leitura  do  livro do Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (Vila Franca de Xira, ModoCromia, 2020, 126 pp, ilustrado).(*)

De rendição individual,  o fur mil Gonçalo Inocentes juntou-se à CCAÇ 423, em 8 de abril de 1964. Um ano depois acaba a comissão dos "velhinhos". É com consternação que o autor vive esse dia, 14 de abril de 1965. Vê-os partir, por via terrestre, a caminho de Tite, sede do batalhão. 

É então  colocado na CCAV 677, "uma companhia completamente destroçada" (p. 100)... Destroçada, leia-se desmoralizada, em fim de comissão:

"Sem capitão, apenas com um alferes que, quando ouvia  o cantar do morse, se refugiava no quarto e era eu quem tinha de tomar as  decisões e escalar quem ia para o mato, respondendo aos rádios em nome do oficial" (p. 100)...

Mas logo dias depois, no 1.º de maio, passa a integrar a CCav 488 [Bissau e Jumbembem, 1963/65]. Mas por pouco tempo.  Quando estes  cumpriram o tempo, o nosso camarada, nascido em Angola,  Nova Lisboa (, hoje, Huambo)  já tinha mais de 16 meses, pelo que acabou por regressar com eles sem ter cumprido os dois anos de comissão, como era normal na altura.

Foi um tempo de transição, em que se ouvia cantar a "costureirinha" mas também já o temível morteiro 82 (, de maior alcance que o nosso 81), e o PAIGC começou a fazer uso generalizado de minas e armadilhas. 

Foi na Guiné que o autor aprendeu a montar e a desmontar a G3 e trocou, pela primeira vez, o capacete de aço (!) pelo boné... Era ainda, quando chegou, o tempo do caqui amarelo, e do Alouette II, a que ele dedica um belo poema (p. 91):

O Heli

Libelinha mágica, de voo pairante,
A nossa última esperança.
Aquele voar batejante,
Alegria de ouvir ao longe
Que um grito logo soltava
Em unísseno quando o víamos.
Tá ali! (...)

Libelinha levava em gemidos
À ilharga nossos amigos. 


É nesse período de espera, instalado em Brá, que conhece uma "figura ímpar", o furriel 'comando', Vassalo Miranda, seu companheiro de quarto [, foto à direita, da sua página no Facebook]:

"Originário de Vila Franca de Xira, o Miranda saiu da sua companhia quando lá chegou, voluntário para os comandos. Tinha muitas particularidades interessantes que faziam de dele um ser ímpar" (p. 107).

E particulariza: 

"Tipo muito alto, cabelo despenteado, usava óculos. Desenhava primorosamente tipo BD e sempre em cenários de guerra. O lençol que o cobria na cama, estava todo desenhado [com cenas] de combates onde ele era sempre o herói. Inclui nas cenas as imagens das namoradas dos colegas retiradas das fotos que alguns tinham nas mesas de cabeceira. Chegou a dar chapada"...

Vale a pena transcrever o resto da pág. 107:

"Quando o conheci tinha uma das lentes dos óculos pintada com tinta da china negra o que lhe dava uma aspecto tenebroso e que ele adorava.

"Contou-me que esteve castigado e proibido de pegar em armas porque na instrução dos  novos comandos o fazia com balas reais e feriu um instruendo nas costas.

"Tinha terminado a comissão e também iria embarcar no Niassa connosco [, CCAV 488]. Contou-me que quando foi de férias a casa, não avisou a família e apareceu à porta com a lente negra.  Quando a mãe abriu a porta, ele soltou o grito de ataque... A senhora desmaiou." (...)

Temos sete referências no nosso blogue ao Vassalo Miranda e a seguinte nota biográfica:


 (...) "O [António M.] Vassalo Miranda, nascido em Vila Franca de Xira, em 1941,  foi furriel mil 'comando', do Gr Comandos Panteras, participou na Op Tridente, é um veterano da Guiné, c. 1963/65. Passou também por Angola. Como civil, viveu algum tempo em Moçambique, na Rodésia (hoje Zimbábué) e na República Sul-Africana. É amigo do Virgínio Briote, do João Parreira, do Mário Dias... E é grande criador de banda desenhada infelizmente com problemas de saúde ocular. Infelizmente, também, não faz (ainda) parte da nossa Tabanca Grande." (**)

[Foto à esquerda: Lisboa, Belém, 10 de Junho de 2006 > 13º Encontro Nacional de Combatentes >  O Vassalo Miranda,  veterano dos velhos comandos de Brá.  

Foto (e legenda): © Luís Graça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Chega, por fim, o grande dia, o regresso do Niassa ao Tejo, em 14 de agosto de 1965... Com a companhia a marchar, mal, sob o comando de um alf mil médico que não sabia marchar, o dr. José Hipólito Sousa Franco, o médico da companhia (O que será feito dele?)... 

Aproveitou a peluda para revisitar as noites do fado na "Viela"... e dez anos depois tomou o avião para regressar a casa, à sua Angola. Aqui exerceu durante alguns anos a profissão de Regente Agrícola, antes de se meter noutras aventuras...

Enfim, um livrinho de memórias, em verso e prosa, que se lê num ápice, com agrado. E tem algum interesse documental, pelo seu recheio fotográfico.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

7 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21426: Notas de leitura (1313): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte IV (Luís Graça): as primeiras minas e fornilhos A/C

22 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21383: Notas de leitura (1309): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte III (Luís Graça): a conquista da Ponta de Jabadá, em 29/1/1965, importante posição na defesa do rio Geba

10 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21344: Notas de leitura (1305): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte II (Luís Graça): a importância de se ter uma máquina fotográfica e um bloco de notas

9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21339: Notas de leitura (1303): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte I (Luís Graça): voltar a ouvir a máquina "Singer" da mamã nas matas e bolanas de Quínara,,,

Guiné 61/74 - P21468: Tabanca Grande (504): Manuel Inácio, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68). Apadrinhado pelo nosso camarada Abel Santos, vai ocupar o lugar n.º 820 do nosso poilão sagrado

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, Manuel Inácio, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68), com data de 14 de Outubro de 2020:

Formei Batalhão, em Tomar, chegando à Guiné em 15 de agosto de 1966.

Estive em Bissau na CCAÇ 1589, aquartelado no antigo 600. Esta Companhia funcionava como Companhia de Intervenção sob as ordens diretas do Comando-Chefe.

Fez várias operações pelas zonas de Portogole, Enxalé, Xime, Oio, Ilha do Como, seguindo passados 10 meses para Madina do Boé, onde permaneceu 11 meses, sendo depois rendida pela Companhia que sofreu o acidente na jangada, no rio Corubal.

Durante esse período sofreu uma baixa, e nunca ninguém ou do comando, ou particular, fez uma visita a esse aquartelamento, salvo as escoltas anuais, fim das chuvas que abasteciam o destacamento.

Além de tocar a corneta em cima do abrigo quando eles atacavam, também fazia caricaturas, versos e tabuletas com vários "epitáfios" do momento. Logo à entrada se podia ver uma tabuleta,:

"AEROPORTO INTERNACINAL DE MADINA DO BOÉ" 

e outro:

 "MADUNA DO BOÉ, O ALGARVE DA GUINÉ", 

ao lado do monumento que existia à entrada, com granadas, estilhaços e outros afins destrutivos da época.
Manuel Inácio e o seu inseparável trompete
Vista aérea de Madina do Boé - Foto atribuída a Manuel Domingues
"Além de tocar a corneta em cima do abrigo quando eles atacavam..." - Lá está a cadeira (ao alto num dos abrigos)
Madina do Boé - Manuel Inácio
Madina do Boé: Convite para umas férias inesquecíveis - Foto: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados
Madina do Boé: Memorial da CCAÇ 1416: "Aos nossos mortos"... "E aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando" - Foto: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados
Recordações de Madina do Boé - Foto: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados

2. Comentário do editor CV:

Caro Manuel Inácio

Bem-vindo à nossa Tabanca Grande. Muito obrigado por te juntares à tertúlia e pelas fotos enviadas que suponho ser todas de Madina do Boé. Obrigado também ao Abel Santos por "apadrinhar" a tua entrada. Sentas-te no lugar n.º 820, à sombra do nosso mágico, fraterno, acolhedor e protector poilão. Como gostamos de dizer, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Cabemos cá todos com tudo o que nos une e até com o que nos pode separar...  Fico à espera de mais memórias tuas para alimentar o blogue, que é um "bicho comilão e sedento"... Como vês, em 16 anos de existência já publicámos cerca de 21 mil e 500 postes, a par de 85 mil comentários... Para não falar em mais de 100 mil imagens... E vamos a caminho das 12,5 milhões de visualizações de páginas (, grosso modo, visitas). 

O teu nome, Manuel Inácio, passa a figurar, a partir de hoje, na lista alfabética, de A a Z, dos membros da Tabanca Grande, na coluna (estática) do lado esquerdo... Muita saúde e longa vida para ti, sempre, sempre ao nosso lado.
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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21387: Tabanca Grande (503): António Baltazar Valente Ramos Dias, ex-Alf Mil Art MA da CART 1745 (Ingoré e Bigene, 1967/69): senta-se no lugar n.º 819 do nosso poilão

Guiné 61/74 - P21467: (De)Caras (165): Cecília Supico Pinto, em Cufar, em fevereiro de 1966 (Mário Fitas, ex-fur mil op esp, CCAÇ 763, 1965/67)


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) > Fevereiro de 1966 > Delegação do MNF, de visita a Cufar. Sabemos que nessa delegação estva integrada a 
Cecília Supico Pinto, presidente do MNF, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento.A elas se juntaram também a esposa do cap Costa Campos.Mas temos sérias dúvidas sobre se alguma destas semhoras era a Cecília Supico Pinto,

Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar]: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) > Ao lado da Cecília Supico Pinto,  diz o Mário Fits, à sua direita, a esposa do comandante de "Os Lassas", o cap Costa Campos, Maria da Glória (França)... A outra senhora à esquerda devia ser  a Renata da Cunha e Costa, da comissõa central do MNF, que acompanhou a presidente na 1ª visita à Guiné. (**)

Por ocasião do 9º Encontro da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/67), realizado em 2007, em Almeirim, por ocasião dos 40 anos do regresso de "Os Lassas", o Mário Fitas homenageou  também a  "sra. professora, enfermeira e companheira de guerra Maria da Glória (Dª. França)", agradecendo-lhe a "doação total à CCAÇ 763", razão porque, no seu entendimento, ela devia "ser considerada como parte integrante desta Companhia".


Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) >  Mário, esta senhora não podia ser a Cecília Supico Pinto, aos 44 anos, com um "look" surpreendentemente jovem (1).

 

Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) >  Esta senhora não podia ser a Cecília Supico Pinto, aos 44 anos, com um "look" surpreendentemente jovem (2).

  

Foto nº 5 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) > Esta senhora não podia ser a 
Cecília Supico Pinto, aos 44 anos, com um "look" surpreendentemente jovem (3).

Fotos (e legendas): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar]: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em fevereiro de 1966, a então presidente do Movimento Nacional Feminino (MNF)  visitou a Guiné, pela primeira vez, acompanhada de Renata da Cunha e Costa. (**) 

Não sabemos, com detalhe, o percurso da visita... Mas sabemos que esteve na Região de Tombali, em Cufar e, seguramente, em Catió...Mas também, na Região do Cacheu, em Binta, pro exemplo...

Fomos agora recuperar várias  fotos do Mário Vicente Fitas Ralhete, o nosso querido amigo e camarada Mário Fitas, cofundador e  "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô, que vive no Estoril.   

O Mário Fitas foi fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Nome de guerra: "Mamadu"...É  autor de:

(i)  "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (inédito, 2ª versão, 201o, 99 pp.);

(ii)  "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.


2. Contexto das fotos acima reproduzidas (, fotogramas de um DVD, proveniente muito provavelmente de um filme em 8 mm, a cores, feito na altura da visita, em fevereiro de 1966):

Foto nº 1:

(...) Como reconhecimento do seu trabalho, os Lassas recebem dias depois a visita da Sra. Presidente do Movimento Nacional Feminino, Dª. Cecília Supico Pinto, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento. 

Deixaram uma máquina de projectar filmes de 8 mm, uma viola e mais uns pacotes de cigarros. (...)

No Hospital Militar [, onde entretanto é internado para uma cirururgia à hérnia], ao princípio da tarde Mamadu acordou. (...)

Na tarde seguinte, apareceram umas senhoras simpáticas do MNF, a quem Mamadu informou gostar bastante de ler, e pe­diu se lhe arranjavam “A Besta Humana”, do Émile Zola. Muitas desculpas mas não conheciam a obra, no entanto iam tratar do assunto. Até hoje não teria sido lido, se o próprio não o tivesse comprado. (...)

Neste tempo todo, desleixou um pouco a correspondên­cia. Fragilizado, como pedinte, apenas mandou um bate-e
stradas (aerograma) à Tânia, muito simples e cauteloso, a solicitar se queria ser sua madrinha de guerra. Era uma forma hábil de contornar e chegar lá. Sem problemas, podia morrer mouro porque ao SPM. 2628 nada chegou, vindo de Terras do Lado do Norte. Madrinha não haveria.  (...)

Fotos nºs 2, 3, 4 e 5 (***)

[enviadas por ocasião da notícia da morte da ex-presidente do MNF, extinto em 22 de juklho de 1974, por despacho do Ministro da Defesa Nacional] 

(...) Sem qualquer preconceito político, revelo aqui a minha admiração por uma mulher que soube conviver com os jovens soldados nos tempos da guerra (hoje velhos Combatentes).

Julgando ser de interesse para o Blogue e para a história do conflito na Guiné, anexo algumas fotos da D. Cecília Supico Pinto (com a esposa do Cap Costa Campos, comandante da CCAÇ 763) em Cufar, terra dos Lassas.

Em duas das fotos podemos vê-la acompanhada de D. Maria da Glória (França). (...)

3. Na altura da morte de Cecília Supico Pinto, em 25 de maio de 2011, a escassos dias de completar os 90 anos, o nosso blogue prestou-lhe uma homenagem, espontânea, a que lhe era afinal devida (****). 

Publicaram-se na altura mais de duas dezenas de  mensagens. Destacam-se a de dois camarada  que a conheceram em vida, o Joaquim Mexia Alves, régulo da Tabanca do Centro (Monte Real), e o JERO (Alcobaça), e cujas mães pertenceram ao MNF.

(i) Joaquim Mexia Alves:

(...) Caros camarigos:

Morreu uma grande Senhora!

Conheci-a pessoalmente por diversas vezes, visto que a minha mãe foi dirigente do MNF em Leiria.

A mim não me interessam neste momento quaisquer ilações politicas ou outras, mas tão só olhar a mulher que dedicou a maior parte da sua vida aos soldados de Portugal e sobretudo das suas famílias.

Quem assim se dá em prol dos outros merece sempre a nossa bondade e o nosso elogio.

Que Deus a tenha no Seu descanso.

Um abraço camarigo para todos e também para ela, que à sua maneira era nossa camariga.


(ii) JERO  [José Eduardo Oliveira]:

(...) Já lá vão uns bons 30 anos mas recorda-me como se fosse hoje. Trabalhava então na Fábrica de Porcelanas SPAL, em Alcobaça, e vindo do Sector Fabril avistei na entrada da Sala do Mostruário uma figura que, à distância, me pareceu ser familiar e que perguntava qualquer coisa à telefonista. 

Aproximei-me e percebi que a senhora em causa, de uma certa idade, pretendia comprar um serviço de chá (ou café). A telefonista Susana com a simpatia que lhe era habitual informava que a Fábrica não atendia público. Teria que se dirigir a uma loja para o efeito que pretendia.

Parei e reconheci a senhora. Era a Cilinha Supico Pinto. Disse-lhe que era o responsável comercial da Empresa e que no seu caso iríamos abrir uma excepção. «Porque a Senhora visitou em tempos a minha Companhia no norte da Guiné. Em Binta. A Companhia 675 do Capitão Tomé Pinto, que pertencia do Batalhão 490, do Tenente Coronel Fernando Cavaleiro...  Eu fui um dos seus rapazes combatentes. E a minha Mãe, Maria Fernanda Oliveira, tinha pertencido em Alcobaça ao MNF em meados da década de 60.»

Não mais esquecerei o seu sorriso e o seu abraço. Estou a escrever de lágrimas nos olhos.
Devo a essa Grande Senhora este momento de ternura e de saudade.

Bem hajam os Homens Grandes do nosso blogue por terem prestado à Dª.Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto esta merecida e sentida homenagem. Aceitem um abraço de gratidão do JERO. (...)

(***) Vd. poste de 3 de junho de  2011 > Guiné 63/74 - P8371: In Memoriam (82): Fotos de Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, antiga Presidente do Movimento Nacional Feminino (Mário Fitas)

(****) Vd. poste de 31 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8350: In Memoriam (81): Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, Presidente do Movimento Nacional Feminino (30 de Maio de 1921 - 25 de Maio de 2011) (Teresa Almeida / José Martins)

Guiné 61/74 - P21466: Parabéns a você (1883): Fernando Súcio, ex-Soldado CAR do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74) e Rogério Cardoso, ex-Fur Mil Art da CART 643 (Guiné, 1964/66)


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Nota do editor

Último poste da série > 19 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21463: Parabéns a você (1883): Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 3460 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Guiné 671/74 - P21465: Notas de leitura (1315): “Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”, um artigo de Victor Andrade de Melo na Revista Análise Social de 2017 (1) (Mário Beja Santos)


Gâmbia > Bathurst > 1953 > Comemorações da entronização da Rainha Isabel II, de Inglaterra > Foto da seleção de futebol da Província Portuguesa da Guiné > De pé, da esquerda para a direita, Antero Bubu (Sport Bissau e Benfica; capitão), Douglas (Sport Bissau e Benfica), Armando Lopes (UDIB), Theca (Sport Bissau e Benfica), Epifânio (UDIB) e Nanduco (UDIB); de joelhos, também da esquerda para a direita: Mário Silva (Sport Bissau e Benfica), Miguel Pérola (Sporting Club de Bissau), Júlio Almeida (UDIB), Emílio Sinais (Sport Bissau e Benfica, Joãozinho Burgo ( Sport Bissau e Benfica) e João Coronel (Sport Bissau e Benfica).

No 1º jogo, a seleção da Guiné ganhou à seleção da Gâmbia por 2-0, com golos de Joãozinho Burgo; no 2º jogo, as duas seleções empataram 2-2 (com golos, pela Guiné, de Mário Silva e Joãozinho Burgo). Antiga colónia inglesa, a Gâmbia acedeu à independência em 1965.

Legenda de João Burgo Correia Tavares: vd. livro Noberto Tavares de Carvalho - "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita", Porto, edição de autor, 2011, p. 41.
 
Foto ( e legenda): © Armando Lopes / Nelson Herbert (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Aqui se procede a um resumo de um investigador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro com basta bibliografia sobre o desporto na Guiné Portuguesa desde a governação de Sarmento Rodrigues até ao período da Independência. O investigador analisou um conjunto de publicações periódicas guineenses e revela que com Sarmento Rodrigues arrancou uma política de desporto na Guiné, associada a outros movimentos ligados ao lazer e entretenimento. Benfica e Sporting tiveram aqui as suas antenas, um revolucionário como Bobo Keitá jogou nos Balantas de Mansoa; a par disso, a UDIB tinha futebol, recebia muitos grupos caseiros (um deles era o BNU) que faziam desporto ou teatro, organizavam-se bailes e festividades. O que o autor assinala neste texto é a evolução dessa política desportiva à escala caseira e dentro da região, tudo se vai alterar com os novos países independentes, ficará interdita a presença portuguesa em certames desportivos internacionais em qualquer ponto de África, com exceção da África do Sul.

Um abraço do
Mário


Usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1)

Beja Santos

O número 225 da revista Análise Social, de 2017, inclui um artigo de Victor Andrade de Melo intitulado “Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”. Victor Andrade de Melo é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e encontram-se vários documentos e referências a livros na internete que abonam que o investigador tem manifesto interesse por esta problemática do desporto na Guiné Portuguesa. Veja-se por exemplo o artigo intitulado “A nação em jogo: exporte e guerra colonial na Guiné Portuguesa (1961-1974)”, publicado na revista mexicana Antíteses. Vale por isso a pena cobrir todo este vasto período entre o pós-guerra e a independência.

Estamos em Maio de 1949, no Estádio Sarmento Rodrigues homenageia-se o Governador do mesmo nome, a sua obra introduzia uma nova dinâmica no desenvolvimento da colónia, desde as obras públicas à investigação científica, às instituições de saúde e ao ensino. Sarmento Rodrigues chega à Guiné em 1945, a atividade desportiva já estava a dar os seus primeiros passos, os Balantas de Mansoa tinham sido constituídos no ano anterior. Mas o garboso oficial da Marinha trazia inspiração para o desporto no âmbito colonial. 

Atraído pelas teses do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, pretendeu imprimir ao modelo da sua governação a vertente multirracial, o desporto seria um esplêndido mediador para aproximar colonos e colonizadores. O investigador Victor Andrade de Melo analisou a imprensa periódica neste período, logo O Arauto, lançado em 1943, em Bolama; depois Os Ecos da Guiné, publicados entre 1950 e 1954, também o Bolamense, que vigorou entre 1956 e 1961; e por último o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, que teve publicação ininterrupta entre 1946 e 1973. Sarmento Rodrigues deu orgânica a estas preocupações com o desporto, constituiu mesmo o Conselho de Desportos.

Recorde-se que Bissau ganha nova dimensão neste período expansionista, cresce a administração e a economia, há mais europeus e cabo-verdianos e mais “indígenas” ganharam o estatuto de “civilizados”. Sarmento Rodrigues extinguira em 1946 a categoria de “assimilados” o que na prática somente atenuou a discriminação racial.

Quem diz desporto diz lazeres e entretenimentos. Em Janeiro de 1953 organizou-se uma temporada de touradas em Bissau e escrevia-se em O Arauto: “pela primeira vez vamos apreciar um grupo de forcados indígenas que enfrentará um touro da metrópole a fim de mostrar a sua coragem e a rijeza das pernas para fugir a tempo”. E falou-se muito em portugalidade. 

No ano seguinte chegou a Bissau o ciclista Luís Rosa Marques, que fazia o percurso Luanda-Lisboa. Foi saudado como o “valente português” que contribuía para revigorar as relações entre as diferentes parcelas nacionais. O cinema da UDIB acolhia apresentações teatrais e musicais, o cinema tinha pouca expressão embora os filmes de Charlot fossem muito bem recebidos.

Muitos jovens foram atraídos pela possibilidade dada pela Mocidade Portuguesa. Fundam-se clubes, um Benfica em Bissau, um Sporting em Bafatá, há clubes de curta duração, como o Porto de Bissau. Em 1955, há um novo alento, foi criado um Conselho Provincial de Educação Física, diz Victor de Melo que a decisão começara a ser delineada quando Sarmento Rodrigues era Ministro do Ultramar, mas este conselho provincial só começou a funcionar em 1959.

O futebol foi desde sempre a modalidade mais popular. Sarmento Rodrigues estimulou jogos e torneios de diversas modalidades disputados entre clubes e selecionados os guineenses e de outras colónias, promovidos dentro ou fora da província. O desporto aparecia como forma de construir um sentido de pertença e de identidade com a nação. E dá-se o exemplo da seleção de futebol de Bissau ter ido a Dakar, em Abril de 1952, para disputar o Torneio da África Ocidental, e escreveu-se com apreensão quanto à participação da equipa representativa da colónia: “A seleção da Guiné não está à altura de representar condignamente desporto da província num torneio internacional”

O relato da final do Torneio Internacional de Páscoa – realizado em Bissau, em 1953, contando com equipas de Dakar, Conacri e Bathurst, deu conta de um jogo tenso entre a seleção da casa e do Senegal. Um cronista escreveu o seguinte: 

“Vibrava ali mais do que a fé desportiva: era o patriotismo ardente de todos nós em um único desejo em todos os corações e enquanto os jogadores se movimentavam heroicamente para honrar as nobres tradições do povo batalhador, a Bandeira verde-rubra drapejava lá no alto como a querer incutir-lhes mais confiança e a indicar o caminho da fé e o grito dos séculos – para frente rapazes de Portugal”.


Noutros relatos não se esconde a rivalidade nos jogos entre Cabo Verde e a Guiné, as razões são sobejamente conhecidas. Outras visitas marcaram acontecimentos entusiasmantes, como a vinda, em Fevereiro de 1958, da Académica de Coimbra, escreveu-se em O Arauto: “A Académica de Coimbra veio pôr em alvoroço todos os corações portugueses que aqui vibram e palpitam quando tocados pela magia dos grandes ideais”

Em 1958, pela primeira vez, tomaram parte na Taça de Portugal agremiações das colónias, o Ferroviário de Angola e o Desportivo de Lourenço Marques. O período da harmonia possível entre países descolonizadores e descolonizados está a chegar ao fim. Em Novembro de 1959, a seleção provincial participou nas eliminatórias para escolher as equipas que disputariam a fase final da Taça de Ouro Kwame Nkrumah, promovida pelo Gana recém-independente. O quadrangular foi disputado com equipas de Cabo Verde, da Gâmbia e do Senegal.

À guisa de conclusão quanto a esse período, observa o autor que a Guiné em meados dos anos 1940 estava bastante distante, no âmbito desportivo, do que ocorria em outras colónias portuguesas, daí o esforço para uma maior estruturação do desporto e em diferentes modalidades. E conclui deste modo:

“A participação de equipas da Guiné em desafios internacionais, a vinda de equipas da metrópole e a ida de jogadores para Portugal continental foram ocorrências mobilizadas para exaltar as supostas contribuições do colonizador para o progresso e civilização da província. Essas ocasiões, contudo, também acentuaram algumas contradições e ambiguidades, na medida que expunham a falta de estrutura da colónia, acirravam o conflito entre colónias portuguesas (no caso dos encontros com Cabo Verde) e permitiam contactos com povos que já estavam entabulando processos de independência.
O envolvimento com a prática desportiva, portanto, já prenunciava uma dimensão que ria crescer na década de 1960: seria tanto mobilizada pelos que desejam manter a ordem colonial quanto pelos que desejam a libertação da Guiné”
.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de outubro de 2020 > Guiné 671/74 - P21445: Notas de leitura (1314): “Guerra Colonial", por Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes; Porto Editora, 2020 - O mais rigoroso manual de divulgação de toda a guerra colonial (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21464: (De)Caras (164): Cecília Supico Pinto, a líder do Movimento Nacional Feminino: visitou 4 vezes o CTIG (em 1966, 1969, 1973 e 1974), mas nunca deve ter ido a Madina do Boé...


Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Destacamento de Carenque > 1973 > A Cilinha a "cantar o fado"... perante um grupo de soldados... (Carenque ficava a norte da ilha de Pecixe, na margem direita do Rio Mansoa.)

Espantosa  foto, de antologia, de António Tavares dos Santos [, presumivelmente, fur mil, 2.ª C/BCAÇ 4615 e CCaç 19. Guidaje, 1973/74]... Cortesia da página Arquivo Digital, alojada em Agrupamento de Escolas José Estêvão, Projeto Porf 2000, Aveiro e Cultura.




Guiné > s/l > Fevereiro de 1966 > Cecília Supico Pinto,  falando para um grupo de militares; em segundo plano, um dos seus "braços direitos", também elemengo da comissão central do MNF, [Amélia] Renata [Henriques de Freitas] da Cunha e Costa . 

Fotogramas do vídeo (6' 43'') da RTP Arquivos > 1966-02-01 > Cecília Supico Pinto visita Guiné (Com a devida vénia...)


S/l > S/d > c. 1971 >  Cecília Supico Pinto, com o seu inseparável cigarro, e  Renata da Cunha e Costa, viajando de helicóptero ao enconto de um grupo de militares no mato, possivelmente em Angola ou Moçambique.

Fotogramas do vídeo (25' 00'')  da  RTP Arquivos > 1971 - 05- 17 > Um Dia Com… Movimento Nacional Feminino (Com a devida vénia...)


1. Quantas vezes esteve na Guiné e por onde andou, a Cecília [Maria de Castro Pereira de Carvalho] Supico Pinto (1921-2011), fundador e presidente da comissão central do Movimento Nacional Feminino (MNF) ? Por exemplo, será que alguma vez esteve em Madina do Boé ?

Esteve quatro vezes na sua "Guinesinha", em 1966, 1969, 1973 e 1974... Alguns dos sítios que visitou, no mato, estão documentados. Mas seria preciso recorrer às revistas do MNF, como a "Presença" e a "Guerrilha", para saber mais pormenores, para não falar do seu arquivo...

No livro da investigadora Sílvia Espírito Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino” (Lisboa, A Esfera do Livro, 2008, 222 pp.), de que possuo um exemplar autografado (“Ao Luís Graça, com simpatia. Sílvia Espírito Santo, fev 08”), as viagens à Guiné estão mal documentadas. 

Há apenas duas ou três páginas com escassas referências à Guiné:

"Eu fui a quase todo o lado [da Guiné]. com excepção de Guerrilhe [, Guileje ?], Medina (sic) do Boé e Gadamaela [, Gadamael ?]. Não me venham dizer a mim que a Guiné estava toda tomada, por amor de Deus". (Entrevista dada em 2004, em Cascais, excerto transcrito no livro, na página 116.)

Houve, por certo, erro (grosseiro) de transcrição dos topónimos, imputável  à investigadora. Com quatro viagens à Guiné, a presidente do MNF sabia, por certo, soletrar os nomes das principais povoações, não chamando Gadamaela a Gadamael (que, de resto, visitou a pouco menos de um mês do 25 de Abril de 1974)... Ou queria referir-se a Gandembel ? 

Na página 117 do citado livro, é referido que a “Cilinha”, como gostava de ser tratada por toda a gente, foi promovida duas vezes, a título honorífico: de soldado Pinto a 1º cabo Pinto, com direito a camuflado e a uma G3, em Bula, ao tempo do ten cor cav  Henrique Calado, comandante do BCAV 790 (Bula, 1965/67). 

Esta visita só pode ter  acontecido em 1966, a primeira vez que ela fez à Guiné, com partida a 1 de fevereiro, era então governador-geral e comandante-chefe o gen Arnaldo Schulz, Esta visitada está documentada em vídeo dos Arquivos da RTP,  disponível aqui, infelizmente sem som (***). 

Na chegada a Bissalanca, há militares da CCAÇ 618 (São Domingos, 1964/68) que estavam já em Bissau,  de regresso à Metrópole (marcado para 9 de fevereiro), e que fizeram as honras da receção (mais ou menos protocolar).  Na viagem ao interior da Guiné, em DO 27, não há indícios de ter ido a Madina do Boé. De qualquer modo, já nessa altura seria de todo "desaconselhável" lá ir, de heli ou DO-27, por razões de segurança (*)...

Em 11 de maio de 1969, a “Cilinha”, de visita ao Olossato, na região do Oio, é promovida a capitão, pelo comandante da CCAÇ 2402, cap inf Vargas Cardoso. (****). Na visita a Jolmete, nesse mesmo dia,  ela terá vindo expressamente de Bissau, de helicóptero, na companhia de Spínola e da esposa Maria Helena.

Na pág. 119, é referido ter sido ela  atingida por um estilhaço (, em março de 1974, numa coluna de Nova-Lamego a Piche]. O seu batismo de fogo teria sido nos arredores de Mueda, Moçambique, em 1966, em que seguia com Renata da Cunha e Costa (pág. 116). 



Capa do livro de Sílva Espírito Santo, “Cecília Supico Pinto: 
o rosto do movimento nacional feminino” 
(Lisboa, A Esfera do Livro, 2008, 222 pp.) 


Mas há contradições nas suas declarações a respeito da Guiné e dos sítios aonde foi, na qualidade de presidente do MNF. Por exemplo, em entrevista à revista "Combatente", da Liga dos Combatentes, em 16/7/2005, terá declarado o seguinte ao cor inf Manuel A. Bernardo (**):

(...) "A guerra em Angola estava ganha. A Guiné era um problema e sendo ela perdida, seria muito complicado para o resto. A Guiné foi grave. A minha 'Guinezinha', como eu costumo dizer, tão pobrezinha... Olhe que tenho a camisola amarela de zonas de intervenção visitadas. Cheguei a ir umas quatro vezes a Madina do Boé, a Buruntuma, a Nova Lamego e a muitas outras zonas de combate. Nunca virei a cara e posso andar em qualquer sítio de cabeça bem levantada. Muitas vezes ia à frente das colunas e cheguei inclusivamente a 'picar' a estrada." (...) 

Sabemos que em maio  de 1969 esteve também no Leste da Guiné (*): Bambadinca, Nova Lamego,  Buruntuma (a 4, segundo o nosso camarada Abel Santos) , e noutros sítios, por certo... Mas Madina do Boé já tinha sido evacuada um mês antes, em 6/2/1969. 

Em março de 1973, esteve em Mansoa, Teixeira Pinto, Carenque… Mas também na região de Quínara: por exemplo, em Nova Sintra, (Nessa altura, ainda teve direito a viagem de heli, com apoio de helicanhão; dias depois, em 25/3/1973 era abatido por um Strela a primeira aeronave da FAP.)

Podia-se discutir se, face à penúria de meios aéreos no CTIG, fazia sentido a presidente do MNF, em viagem "quase de Estado", andar normalmente de heli, no mato, ou de DO-27... Em geral, ela  viajava "by air"... 

Mas houve exceções: a viagem de Nhala para Aldeia Formosa, na nova estrada, em 11 de março de 1974; a viagem de Nova Lamego-Piche-Canquelifá, em estrada alcatroada, na mesma altura (em que coluna apanhou com uma mina A/C).

De qualquer modo, já em março de 1969, o heli (e ainda mais o helicanhão) era uma arma considerada caríssima:  15 contos por hora, cerca de 4600 euros, a preços de hoje!...
 
Não sabemos se os "privilégios" do MNF se alteraram com a mudança de líder do regime, Marcello Caetano, substituto de Salazar, de quem a Cecília Supinco Pinto guardou uma imagem de "fraco"... O que era compreensível: Salazar, para ela, só poderia haver um...

Na última visita à Guiné, em finais de fevereiro e primeira quinzena de março de 1974, sabemos que ela (e possivelmente a secretária que a acompanhava) dormiu pelo menos duas vezes no mato: em Gadamael (segundo informação do nosso camarada Carlos Milheirão) e em Bafatá, segundo relato do então já major de infantaria Vargas Cardoso (****).

2. Portanto, pelo que conseguimos apurar, a Cecília Supico Pinto esteve então  por 4 vezes no CTIG: 1966, 1969, 1973, 1974… 

Em 1974, esteve em Nhala e Aldeia Formosa. Mais exatamente, sabemos que esteve em Nhala, em 10/3/1974, pernoitando em Aldeia Formosa nesse dia, a menos que tenha regressado a Bissau de helicóptero, nesse fim de tarde, o que nos parece menos provável (*****)… 

Visitou Gadamael também nessa altura, em março de 1974, em data que não podemos precisar. Fez-se acompanhar por um pelotão do destacamento de Fuzileiros de Cacine.

Portanto, se  alguma vez teve oportunidade de  visitar Madina di Boé, só poderia  ter sido em  fevereiro de 1966, no tempo seco, de heli ou DO-27.  (******)

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

  17 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21457: (Ex)citações (377): As visitas da D. Cecília Supico Pinto ao leste da Guiné (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

11 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21442: Fotos à procura de... uma legenda (128): Em maio de 1969, ao tempo do BCAÇ 2852, a Cilinha terá pernoitado em Bambadinca?

 

(...) Resumo Analítico: Cecília Supico Pinto é recebida por militares portugueses; cumprimentos; visita instalações militares; avioneta militar em vôo; a aterrar; Cecília Pinto sai de avioneta; visita a região; zona habitacional dos militares; cerimónias com militares portugueses; discurso de Cecília Supico Pinto; militares oferecem presentes a Cecília; visita às instalações do aeroporto militar; oficinas; aviões a serem reparados; Cecília Pinto fala com militares. (...) 


(...) Programa sobre o Movimento Nacional Feminino, onde Cecília Supico Pinto, presidente do Movimento, apresenta e comenta as várias atividades desenvolvidas pela organização (...)

Guiné 61/74 - P21463: Parabéns a você (1883): Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 3460 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série > 18 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21460: Parabéns a você (1882): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533 (Guiné, 1969/71)

domingo, 18 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21462: Blogues da nossa blogosfera (144): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (55): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


DIZEM QUE É LOUCA

ADÃO CRUZ

©ADÃO CRUZ

Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge dos comedores de cabeças
que vivem dentro de nós.
Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge da ferida aberta
no mais fechado segredo
dos brancos lençóis do nosso íntimo prazer.
Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge dos vampiros da mente
devoradores de sonhos e sentimentos
que habitam cobardemente
os cantos e esquinas da nossa cidade interior.
Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge do terror
de ver entrar a vida pela porta de saída
para os abismos da dor.
Dizem que é louca
mas não é.
Loucos somos nós.
Sorrimos
bocejamos
e calmamente nos sentamos
todos os dias
cegos e mudos
à mesa do café.

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21441: Blogues da nossa blogosfera (143): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (54): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P21461: Blogpoesia (701): "A força do sangue", "Ruela estreitinha" e "Coincidência ou acaso", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


A força do sangue

Telúrica a força do sangue.
Faz-se ouvir das profundezas do magma humano.
Irrompe infalível e faz estremecer as afinidades dos ancestrais.
Atravessa os oceanos nos barcos da emigração.
Poisa nas margens dos continentes.
Aí germina.
Forma comunidades.
Mantém perpétuas as semelhanças de cada ramo.
Reproduz o modo de viver dos antepassados.
Assim se revestiu de gente a terra e o mundo coloriu.
Dificilmente se misturam com as gentes autóctones.
Reparte e gera saudades das terras donde se partiu.
Melhor seria que não ocorressem.
Sua causa, as mais das vezes são as carências vitais.


Berlim, 13 de Outubro de 2020
14h44m
Jlmg


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Ruela estreitinha

Ruela estreitinha da cidade de Évora.
Mergulhada em silêncio.
Pintada de branco.
Afitada de azul nas ombreiras das portas.
Algumas vermelhas.
Janelas fechadas.
Ninguém à janela.
É hora da sesta.
Solstício de Verão.
Queima para burro.
Ao longe e à volta,
Montados ermos de sobreiros e mansos pinheiros.
Brancas aldeias, de casas serenas,
Baixinhas, um banco corrido de pedra.
A parede é a costa.
Ali sentam pacatos,
alentejanos castiços.
Conversando da sorte da vida.
Não a trocam por nada...

Berlim, 15 de Outubro de 2020
8h30m
Jlmg


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Coincidência ou acaso?

Nossos encontros nas encruzilhadas,
a horas espúrias.
Com alguém que muito queríamos.
Não é obra do acaso.
Há alguém de fora que alcança tudo.
Sem ser árbitro.
Apenas assistente atento.
é bom sabê-lo.
Nunca vamos sós.
Não somos apenas peças dum xadrês anónimo.
Nossos passos têm controlo total.
Não há lugar para receios.
A caminhada está vigiada.
Uma central atenta,
Vinte e quatro horas por dia.
Totalmente grátis...


Bar dos Motocas, arredores de Berlim, 16 de Outubro de 2020
14h11m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21440: Blogpoesia (700): "Santuário de São Bento da Porta Aberta", "A força da inspiração" e "Ser o primeiro", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21460: Parabéns a você (1882): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21446: Parabéns a você (1881): Mário Ferreira de Oliveira, 1.º Cabo Condutor de Máquinas Ref da Marinha (Guiné, 1961/63)