terça-feira, 24 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21577: Consultório militar do José Martins (55): Loures e a Guerra Peninsular (Parte II)


Em mensagem do dia 22 de Novembro de 2020, o nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), dedica o seu "Consultório" ao Concelho de Loures e à Guerra Peninsular. Publica-se hoje a segunda e última parte.








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Nota do editor

Poste anterior de 23 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21573: Consultório militar do José Martins (54): Loures e a Guerra Peninsular (Parte I)

Guiné 61/74 - P21576: O cruzeiro das nossas vidas (28): A Síndrome dos Embarques (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

Lourinhã > Zambujeira e Serra do Calvo > "Homenagem da Zambuejira e Serra do Calvo aos seus combantentes"... Monumento inaugurado em 5 de outubro de 2013. Foi uma patriótica iniciativa do Clube Desportivo, Cultural e Recreativo da Zambujeira de Serra Local.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Em mensagem de 22 de Novembro de 2020, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) traz-nos uma reflecção sobre a síndrome dos nossos embarques a caminho do desconhecido.


A Síndrome dos Embarques

Abel Santos

A curiosidade deixa o pessoal preso à amurada e as madrinhas ficam chorosas e até as pedras dos cais choram baixinho enquanto os familiares dos embarcados se acotovelam na esperança de assinalar o último e doloroso adeus.

O destino é assim mesmo, incerto, melhor do que a provação do adeus será ingrata sorte dos que embarcaram sem saberem para o que vão. Mas nem tudo é tão mau, embora a guerra seja um quadro pintado pela desgraça dos que morrem sem gentilezas da mata que os rodeia.

Muitos amores ficam assim abandonados no cais de embarque, mas serão avivados pelas cartas dos aerogramas, salvo se a fatalidade se intrometer pelo meio. Há que ter esperança, afugentando os sobressaltos dos dias mais custosos. As contingências das missões podem safar os embarcados onde tudo é possível.

A contar com o regresso, muitos destes soldados acreditam no amor que perdurará até ao encontro da moça dos seus encantos. Só por ironia do destino o seu fado será atraiçoado. As despedidas são sempre dolorosas, mas os que partem para a guerra, ainda no tombadilho e encostados na amurada, não pensam nos imprevistos.

Não temos lágrimas sublimes, mas alguns abraços e beijos sem excentricidade e com algum erotismo. De resto, muito daquela gente amontoada no cais vive entronizada nas aldeias, coberta por um manto de virtude e vergada ao trabalho honesto.

Os primeiros arrepios com o embate nas ondas alterosas aparecem à passagem ao largo da Madeira. O convés fica cheio de escumalha viscosa, por causa dos mais indispostos vomitarem. Para muitos, a comida começa a ser um problema, porque quanto mais comem mais vomitam e o navio começa a ficar mal cheiroso, um purgatório para alguns e um inferno para outros. Mas o navio lá ia sulcando as águas do oceano indiferente à má indisposição dos passageiros, agora com águas mais calmas para alívio dos soldados, rumando ao encontro de outro cais, onde iria deixar a sua preciosa carga. Em poucas semanas, os amores do cais de embarque começam a ficar esquecidos, tal é a tormenta das mudanças e o deslumbramento das confusões.

Instalados em diversos aquartelamentos espalhados nos vários TO, há soldados com diversos níveis de formação e padrões de educação, onde a convicção é coisa rara e o idealismo uma abstração. O mundo dos sonhadores começa a desmoronar-se ao som do rebentamento das primeiras morteiradas. Muitos sonhos começam a ficar sem sentido, perante a dureza das caminhadas, o calor e a secura com que o pessoal vai enfrentando. A realidade começa a desgastar as energias próprias da idade, as emoções vão esmorecendo e a rigidez da disciplina e da ordem vão diluindo a educação genética dos ancestrais. As angústias e o medo acabam por sufocar a última esperança de resistir ao amotinar dos desejos e a vontade fica amorfa. A rigidez das regras de conduta em zona de perigo vão-se desvanecendo, e a exposição ao fogo inimigo deixa a morte descansada. Na guerra não há génios, mas pode haver sorte como também há imprevidentes ou incautos. Acontece que os mortos nem sempre são os menos cuidadosos, porque o azar bate à porta de qualquer um, quando as balas são invisíveis e fatais.

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18515: O cruzeiro das nossas vidas (27): O meu regresso no N/M Uíge, em 5 de agosto de 1969, com o cap mil médico Carlos Parreira Pinto Cortez, esposa e outros (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Guiné 61/74 - P21575: Parabéns a você (1898): Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António (Tony) Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21569: Parabéns a você (1897): José Saúde, ex-Fur Mil Op Especiais do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21574: In Memoriam (374): Eduardo Jorge Ferreira (Vimeiro, Lourinhã, 1 out 1952 - Torres Vedras, 23 nov 2019): um ano de saudade - Testemunhos: Parte II (Luís Graça e Jaime Silva)



Foto nº 1 > Lourinhã, Vimeiro, Cemita´rio local > 23 de novembro de 2020 > Homenagem ao Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)  > Pequena placa deixada pelos amigos, colegas e camaradas: as palavras são do 1º quarteto do soneto lido por Luís Graça [vd. texto abaixo]


Foto nº 2 >  Lourinhã, Vimeiro, Cemiério local > 23 de novembro de 2020 > Homenagem ao Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)  > Aspeto da campa (que é da família da São)


Foto nº 3  >  Lourinhã, Vimeiro, Cemiério local > 23 de novembro de 2020 > Homenagem ao Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)  > A viúva, Conceição Ferreira, e o filho João junto à campa. [O outro filho, Rui, vive e trabalha em Inglaterra.)


 Foto nº 4  >  Lourinhã, Vimeiro, Cemiério local > 23 de novembro de 2020 > Homenagem ao Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)  >  Em primeiro plano, a Alice Carneiro, fotogrfando a placa deixada pelos amigos


Foto nº 5  >  Lourinhã, Vimeiro, Cemitério local > 23 de novembro de 2020 > Homenagem ao Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)  > Um aspeto da assistência, composta apenas de amigos e colegas, num total de 11, para além da viúva São e do filho João, e todos da Lourinhã, com exceção do João Baptista, que veio de òbidos. Aqui ficam os seus nomes: Rui Chamusco, Jaime Silva, Luís Graça e Alice Carneiro, Joaquim Pinto Carvalho e Maria do Céu Pinteus, Carlos Silvério e Zita, Laurentino Marteleira e Glória 



Foto nº 6 > Lourinhã, Vimeiro, Cemitério local > 23 de novembro de 2020 > Homenagem ao Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)  > O Rui Chamusco lendo os seus versos-



Foto nº 7 > Lourinhã, Vimeiro, Cemitério local > 23 de novembro de 2020 > Homenagem ao Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)  >  Intervenção do nosso camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva, membro da nossa Tabanca Grande (tal como Pinto Carvalho, o Carlos Silvério e a Alice Carneiro, além do nosso editor).



Foto nº 8 > Lourinhã, Vimeiro, Cemitério local > 23 de novembro de 2020 > Homenagem ao Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)  > O Rui Chamusco, professor reformado, junto à campa do seu amigo e colega da Escola C +S de Ribamar, Lourinhã  (*)


Foto nº 10 >  Lourinhã, Vimeiro, Cemitério local > 23 de novembro de 2020 > Homenagem ao Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)  > Cruz encimando a entrada do cemitério local, que construído em 1887


Foto nº 11 > Lourinhã > Vimeiro > Centro de Interpretação  da Batalha do Vimeiro: O Eduardo Jorge Ferreira foi um um dos grandes animadores da recreação histórica da batalha do Vimeiro  que se travaou aqui em 21 de agosto de 1808... Mais dos 1500 mortos desse dia terão ficado por aqui e arredores, em valas comuns...



  Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019) (**)


Fotos (e legendas): © Luís Graça  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Texto lido pelo Luís Graça, editor do nosso blogue, amigo e conterrâneo do Eduardo:

Para o nosso (e)terno Eduardo:
notícias dos amigos



Eduardo, p’lo bem, amor e amizade
Qu’ em vida connosco quiseste partilhar,
A tua memória prometemos honrar,
Deixando aqui o rasto doce da saudade.

Notícias te damos também da nossa terra,
Onde nasce e se põe o sol todos os dias,
Sabes como é, há tristezas e alegrias,
Mais a pandemia, que lavra como guerra.

Mas faz-nos falta teu sorriso luminoso,
Tua gargalhada fraterna e sonora,
Teu abraço acolhedor e generoso.

Teimamos em falar contigo, cá deste lado,
Também um dia chegará a nossa hora,
Mas até lá serás sempre... por nós lembrado!


Vimeiro, 23 de novembro de 2020

Os teus amigos, colegas, companheiros, camaradas.


 
2. Intervenção do Jaime Bonifácio Marques da Silva [Seixal, Lourinhã]:

Lembro-me que os primeiros contactos que tive com ele foi através do hóquei em patins nos encontros entre Seminários.

Depois, cada um fez-se à vida e só nos anos oitenta volto a reencontrá-lo, por acaso, em Guimarães, quando ele fazia a Profissionalização em Exercício na Escola Secundária Francisco de Holanda.

A partir daí os nossos encontros foram mais frequentes, mas só no início dos anos 2000 eu e Dina começamos a partilhar mais assiduamente nas suas iniciativas:

Primeiro, nos encontros de professores de Educação Física na festa de Ribamar, depois nas caldeiradas com o nosso pessoal na Festa e em Porto Dinheiro.

Como homem amigo, generoso e atento aos outros apercebeu-se bem cedo da evolução da doença da Dina e, a partir dai nunca mais nos largou e sempre que surgia uma oportunidade de convívio, telefonava-me para aparecermos. E lá estava ele e muitas vezes a esposa, a São, à nossa espera para nos acompanhar.

Durante o “Tempo Dele” foi, para mim e a Dina, de uma dedicação e ajuda que nunca mais o esquecerei. Lembro-me da Dina, apesar de já não reconhecer quase ninguém, dizer um dia quando estávamos com ele – Nós temos muita sorte em termos estes amigos!

Como te disse, há dias, li um poema do Ruy Belo que me fez lembrar o Eduardo.

O Poema intitula-se: José, o homem dos sonhos  e foi editado na obra – Homem de Palavra, numa edição da Assírio e Alvim (1.ª Edição de 2011).

Pensei em dar o meu modesto contributo neste ato de solidariedade e de memória lendo o poema do Ruy Belo, mas alterando o nome que o poeta usou.

Ficaria assim, após a minha alteração afetuosa que o Ruy Belo aprovaria, certamente, nesta causa:


EDUARDO… O HOMEM DOS SONHOS!

Por Ruy Belo / Jaime Bonifácio


Que nome dar ao poeta,
esse ser dos espantos medonhos?
um só encontro próprio e justo:
o de EDUARDO…o homem dos sonhos!

Eu canto os pássaros e as árvores
Mas uns e outros nos versos ponho-os…
Quem é que canta sem condição?
É EDUARDO…o homem dos sonhos!

Deus põe e o homem dispõe
E aquele que ao longo da vereda vem,
homem sem pai e sem mãe,
homem a quem a própria dor não dói,
bíblico no nome e a comer medronhos,
só pode ser EDUARDO…o homem dos sonhos!

Vimeiro, 23 de novembro de 2020
 

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 23 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21571: In Memoriam (373): Eduardo Jorge Ferreira (Vimeiro, Lourinhã, 1 out 1952 - Torres Vedras, 23 nov 2019): um ano de saudade - Testemunhos: Parte I (Rui Chamusco e João Crisóstomo)

(**) 31 de agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8714: Tabanca Grande (300): Apresenta-se o Eduardo Jorge Ferreira, lourinhanense, ex-Alf Mil da Polícia Aérea (BA12, 1973/74)

(...) Estive [, na Guiné, em Bissalanca,] na BA12 de 20 de janeiro de 1973 (, triste data, a do assassínio de Amilcar Cabral, ) a 2 de setembro de 1974, colocado na EDT (Esquadra de Defesa Terrestre) como Alferes miliciano da Polícia Aérea, onde era conhecido por Ferreira.

(...) Depois de vir da Guiné, e como era voluntário na Força Aérea por 6 anos, passei pela Comissão de Extinção da PIDE/DGS (Gabinete de Imprensa) e pelo Estado Maior General das Forças Armadas (1ª Divisão) donde passei à disponibilidade em junho de 1977.

Entretanto tirei o curso de Instrutores de Educação Física e, mais tarde, a licenciatura em Administração Escolar, realizando o percurso normal de professor até uma determinada altura, a que se seguiram 15 anos de ligação à gestão escolar, dos quais 12 como presidente. Voltei a ser unicamente professor nestes últimos 9 anos lectivos acabando a minha carreira profissional em Abril último. (...)

 

Guiné 61/74 - P21573: Consultório militar do José Martins (54): Loures e a Guerra Peninsular (Parte I)


Em mensagem do dia 22 de Novembro de 2020, o nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), dedica o seu "Consultório" ao Concelho de Loures e à Guerra Peninsular. Publica-se hoje a primeira de duas partes.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21470: Consultório militar do José Martins (53): o Estatuto do Antigo Combatente: isenção das Taxa Moderadoras na utilização dos serviços de saúde

Guiné 61/74 - P21572: Notas de leitura (1325): “Vozes Plurais, a comunicação das organizações da sociedade civil”, coordenação e organização de Carla Sequeira e Sónia Lamy; Documenta, Sistema Solar, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2018:

Queridos amigos,
O nosso blogue é uma entidade sem fins lucrativos, dedica-se a um interesse público, não está subordinado às leis do mercado, é uma associação de voluntários, pode dispor, à luz do seu estatuto, de várias dedicações, contribuir para a dignidade de antigos combatentes, abraçar fórmulas de solidariedade, de convivência.
Vejo pois com utilidade passar em revista o que sobre a comunicação escrevem autores com competência para dissecar como se comunica com os vários públicos no vastíssimo Terceiro Setor. Temos ponderosas razões para refletir sobre a nossa comunicação estratégica e como o nosso blogue se contextualiza nas mudanças sociais e no interesse público.
Somos um blogue de defesa de causas, de disseminação da cooperação e da solidariedade e do diálogo entre povos, com especial incidência no diálogo entre Portugal e a Guiné-Bissau. Refletir sobre este fenómeno da comunicação é refletir sobre o nosso futuro e a nossa visibilidade, no que temos a dar uns aos outros e para muitos mais.

Um abraço do
Mário


Não basta fazer o bem, é preciso dizê-lo bem

Beja Santos

A obra intitula-se “Vozes Plurais, a comunicação das organizações da sociedade civil”, coordenação e organização de Carla Sequeira e Sónia Lamy, Documenta, Sistema Solar, 2017. Abarca um conjunto de reflexões sobre as organizações da sociedade civil sempre carentes por estabelecer inovadoras e eficientes estratégias de comunicação, para associados e auditório externo. Elas fazem parte do que se chama o Terceiro Setor, abrangem uma miríade de entidades sem fins lucrativos, todas apostadas no serviço dos interesses coletivos e do bem comum. É uma vasta constelação onde cabem organizações não-governamentais, movimentos sociais, grupos de voluntariado, setores assistenciais de irmandades religiosas, fundações e algo mais. A fome de comunicação é permanente, precisam de sites atualizados que estampem atividades e eventos, legislação, publicações, links, artigos de opinião, o que fazem e com quem fazem, de quem precisam para que a causa abraçada tenha muitíssimo mais força e consistência. As diferentes intervenções interagem, complementam-se: a importância da comunicação organizacional e das relações públicas e como a comunicação estratégica muda comportamentos e impulsiona mudanças sociais; o retrato da sociedade civil organizada em Portugal: mais de 55 mil organizações que empregam cerca de 260 mil pessoas, com contributo para o PIB de 2,8% e representando 5,5% do emprego remunerado em Portugal (se se contabilizar o trabalho voluntário, o contributo da economia social para o PIB será da ordem dos 3,8%), num universo da atuação onde cabem cultura e lazer, educação e investigação, saúde, serviços sociais, ambiente, associações de direitos, de desenvolvimento e habitação, intermediários filantrópicos e promoção do voluntariado, organizações não-governamentais de cooperação para o desenvolvimento, entre outras; a profissionalização no Terceiro Setor; o valor que a comunicação acrescenta a estas organizações, visto a quatro níveis: simbólico, operativo, simplificador e sedutor; o estudo de caso da AMI – Assistência Médica Internacional; a proposta de um modelo que ilustre a sistematização dos fluxos de comunicação contributivos para a constituição e a criação destas organizações num processo contínuo através do tempo e do espaço.

As TIC têm tido um papel determinante na vida de grupos sociais, uns de denúncia a atropelos decorrentes de manipulação política, outros ligados à denúncia da crise económica, a revoltas populares como a Primavera Árabe, outros mais que têm levado ao fracionamento dos movimentos políticos, pense-se em Espanha com o Podemos e o Ciudadanos, que alteraram profundamente o espetro político espanhol. Como escreve um dos autores, “Este fenómeno tem sido acompanhado por um descentramento do discurso reivindicativo das organizações instituídas na sociedade, como partidos e sindicatos. Hoje em dia, há cada vez mais movimentos sociais a desenvolver a sua própria agenda de protesto, tornando por isso relevante analisar os modos de funcionamento deste tipo de organizações nos jogos de poder da esfera pública”. Portugal experienciou uma forte movimentação social nos anos 2011 e 2012, que se esvaziou depois, não terá tido continuidade por falta de bandeira e arregimentação de valores. Citando o importante pensador Manuel Castells, se a Internet é um espaço descentralizador e cidadão, urge entender quais os modelos de comunicação utilizados pelos interlocutores enquanto cidadãos participantes. É significativo o avanço do poder dos banqueiros, dos grandes investidores e dos controladores do capital em detrimento do poder político, que se exprime no aumento da influência dos mercadores financeiros nos mais variados aspetos da vida quotidiana, daí as redes sociais se agitarem na denúncia da corrupção de políticos e instituições capitalistas, questionando o aumento da concentração da riqueza e a gradual laceração das classes médias, estas são há séculos o esteio das democracias ocidentais. Daí a necessidade de procurar entender a utilização das TIC pelos movimentos sociais, como conseguem manifestações em cima da hora na Wall Street, na Turquia antes da atual ditadura, os protestos no Brasil, o que se está a passar na Catalunha, estas transformações avassaladoras que transfiguram e criam valores e emprestam novos significados simbólicos no intercâmbio cultural ganham visibilidade no computador, no tablet, no telemóvel, concretiza-se em blogs, newsletters, podcasts, wikis e e-mails, e assim interagem textos, sons e imagens, criam-se hipertextos, assim se dinamizam ou subvertem os processos de interação mediáticos – passámos todos a estar marcados pela intensificação das relações sociais baseadas na comunicação digital.

Daí a atenção que se deve dar ao bom uso das ferramentas digitais nos movimentos sociais. Recordem-se as questões éticas, os riscos de transgressão, a facilidade e a impunidade com que se propagam boatos, a criação e recriação da realidade, a digitalização de informação falsa e a virtualização da realidade, não se devendo esquecer um outro problema que é a tentativa de imposição cultural e informacional por parte de organizações e instituições privilegiadas.

Um dos autores analisa a comunicação da APSI – Associação para a Promoção da Segurança Infantil para fomentar a criação de ambientes e produtos seguros que garantam às crianças e jovens um crescimento saudável, mostra-se como uma organização sem fins lucrativos, tem imensos desafios na área comunicacional em que a falta de financiamentos reduz severamente educar para prevenir. A captação de financiamento é crucial para que as campanhas da APSI tenham visibilidade mediática, precisa ter uma boa página na Internet, tudo foi posto em causa com a crise económica que desmobilizou projetos de mecenato e de responsabilidade social.

Enfim, a obra elenca dilemas e desafios de comunicação, tais como a profissionalização da comunicação das ONG, a criação de canais de comunicação próprios, a importância das parcerias com profissionais e instituições mediáticas corporativas e as parcerias com outras organizações e atores sociais.

Obra de muito interesse para refletir sobre a forma como se interage com os vários públicos no contexto do Terceiro Setor.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21563: Notas de leitura (1324): "A Armadilha da Guerra, Um exercício de ficção, em retrospetiva”, por António de Jesus Bispo; DG edições, 2017 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21571: In Memoriam (373): Eduardo Jorge Ferreira (Vimeiro, Lourinhã, 1 out 1952 - Torres Vedras, 23 nov 2019): um ano de saudade - Testemunhos: Parte I (Rui Chamusco e João Crisóstomo)


Eduardo Jorge Pinto Ferreira (Lourinhã, Vimeiro,  1 out 1952- Torres Vedras, 23 nov 2019). Ingressou na nossa Tabanca Grande em 31 de agosto de 2011 (*). 

Tem cerca de 60 referências no nosso blogue.  Hoje, às 11h30,  é-lhe prestado uma pequena homenagem no cemitério do Vimeiro onde respousam os seus restos mortais. 

Um número muito restrito de amigos,colegas e camaradas juntam-se à São (esposa) e ao João (filho, que vive em  Lisboa,o outro,o Rui, está em Inglaterra), para juntos fazermos-lhe a pequena homenagem que esteve prevista para o 12 dia de Outubro, 2ª feira, no grande convívio anual, tradicionalmente organizado por ele (até 2019), por ocasião da Festa de Ribamar, e que este ano não se realizou por causa da pandemia de Covid-19. (**)



Lourinhã > Praia do Areal Sul > 19 de novembro de 2020 >Pôr do sol. 

Foto de L.G. (2020)


In Memoriam >  Eduardo Jorge Ferreira (Vimeiro, Lourinhã, 1 out 1952 - Torres Vedras, 23 nov 2019): um ano de saudade - Testemunhos: Parte I (Rui Chamusco e João Crisóstomo) (***)



Rui Chamusco, natural da Malcata, Sabugal, professor de música, reformado,
 Escola C + S de Ribamar, e amimador do projeto de solidariedade 
"Uma Escola por Timor"


(i) Rui Chamusco (Sabugal e Lourinhã) > Eduardo, o professor, o colega, o amigo, o irmão que toda a gente quer (queria) ter. 

Foi em finais de Julho de 1995 que tive a ocasião de encontrar pela primeira vez o Eduardo. Ele como presidente do conselho diretivo da Escola C+S de Ribamar, e eu como professor de Educação Musical colocado em concurso nacional nesta escola. As primeiras impressões não foram das melhores, uma vez que o informei logo do meu pedido de destacamento ao serviço do município do Sabugal de onde provinha.

A reação do Eduardo, que posteriormente veio a revelar a mim e a muitos outros amigos, foi de pensar para consigo: “ oxalá que lhe dêm o destacamento. Caso contrário será mais um grande ausente, com muitas faltas, uma vez que vem de tão longe (mais de trezentos quilómetros)”.

E porque Deus escreve direito por linhas tortas, o destacamento não me foi concedido, pelo que tive de arrumar a minha trouxa e vir lecionar para a C+S de Ribamar. Entretanto, tive a promessa de que poderia contar com o destacamento para o próximo ano letivo 1996/1997.

Só que durante este ano já começado criou-se tal empatia com os alunos, colegas, pessoal administrativo e auxiliar, e sobretudo com o professor Edurdo Jorge, que no final do ano letivo decidi continuar nesta escola até que um dia decidisse outra coisa. De ano em ano, assim se passaram quinze anos, até ao momento da minha aposentação.

Recordo com muita saudade o nosso envolvimento em tantos projetos educativos: Recordo com saudade as pontes e os laços que criamos e promovemos entra as gentes da serra (Malcata) e do mar(Ribamar). Recordo as caminhadas por ele organizadas no oeste e nas beiras. Recordo as muitas amizades, comuns, que nos mantinham em constante contato e atividade. Mas, recordo e agradeço sobretudo toda a atenção e solicitude que ele me dedicava, particularmente durante a última década, uma vez que a minha ausência da minha residência oficial na Lourinhã era muito comum, nomeadamente durante as minhas três estadias em Timor Leste. Não esqueço de que foi ele que me deu a conhecer os grandes amigos e irmãos João e Vilma Crisóstomo. 

Agora mesmo estou banhado em lágrimas, porque o Eduardo foi, particularmente durante o últimno mês da sua vida, o meu amparo e protção, cuidando de mim como se fosse o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs, durante todo tempo que estive internado no hospital de Torres Vedras. Afinal, eu que estava doente e foi ele que morreu. Ainda hoje pergunto a Deus, autor da vida, porquê foi assim. Os desígnios de Deus são insondáveis...

Continuo a contar com a presença espiritual do Eduardo, falando com ele sem o ver nem ouvir, mas sei que ele me vê ouve, e por isso nunca o esquecerei, até ao dia em que nos encontremos de novo, num estado diferente mas real e verdadeiro.

Amigos assim SEMPRE!...


Ter um amigo é bom
Vê-lo partir faz sofrer 

Encontrei no meu caminho
Um rosto que me sorriu
E passei a ter saudades
Quando esse bem me fugiu... 

Fiquei olhando as estrelas
Cada noite à luz do luar
Confiei-lhe a minha dor
E aprendi a esperar...

O meu amigo voltou
Abri-lhe as minhas janelas
Quando procurei sorrir
Só encontrei as estrelas... 

Voltou a mim a saudade
Foi-se embora o meu amigo
Mas eu fiquei a ter asas
Só por o ter conhecido...



Nota: Esta canção era para ter sido tocada e cantada por mim no dia do seu funeral. Mas a emoção não mo permitiu, pelo que aqui vos deixo o poema.  

Nota do editor LG: Em 3 de outubro passado o Rui Chamusco mandou-nos o  texto  reproduzido acima, com a seguinte mensagem, por email:

(...) Caro amigo Luís Graça:

Espero que tudo esteja bem convosco.

Como bem compreenderás, não podia ficar indiferente ao teu repto de dar testemunho sobre o nosso amigo Eduardo. Pus-me a escrever e ao corrente do pensamento saiu este pequeno artigo que te envio. As memórias e recordações concernantes à nossa cumplicidade e amizade são imensas, incapaz de as descrever em livro ou artigo. Por isso a insignificância do que acabo de escrever.

Penso que, embora a homenagem do dia 12 do corrente mês não possa ter lugar, devemos pensar em algo para o dia 23 de Novembro, passado um ano da sua partida. Espero indicações tuas. (...)




João Crisóstomo, ativista social, e a esposa Vilma Kracum 
(Queens, Nova Iorque)


(ii) João Crisóstomo e Vilma Kracun (Nova Iorque) > Lembrando o Eduardo a 23 de Novembro
Caro Luís Graca e demais camaradas “Eduardianos”,

Não posso estar pessoalmente no Vimeiro. amanhã, mas como todos aqueles em semelhantes condições, alguns dos quais até já expressaram neste blogue a dor pela perca e a sua saudade do nosso Eduardo. Estarei lá bem presente também em espírito e saudade.

Numa tentativa de mitigar esta minha frustração de não me poder aí deslocar, peguei no telefone: Não consegui falar com os filhos (,não sei se tenho o número certo do João em Lisboa, mas não consegui ligação; e quanto ao Rui na Inglaterra, na falta de resposta, tive de deixar mensagem na máquina; saberá pelo menos que eu, e outros com certeza, voaremos amanhã a Inglaterra para lhe dar o nosso abraço de amizade); mas consegui falar com a São, na sua casa no Sobreiro Curvo, Torres Vedras onde estive várias vezes (, além de grandes amigos somos vizinhos, da mesma freguesia de A-dos-Cunhados, a uns escassos minutos um do outro.) 

Não preciso entrar em detalhes, salvo que me senti assim muito mais perto dela por ter podido ouvir do outro lado da linha a sua própria voz. E falei também com o Rui Chamusco, grande e especial amigo de Eduardo, com quem falo quase todos os dias. 

Foi o Eduardo que um dia na praia de Santa Rita , no restaurante ‘Grão de Areia” nos apresentou,"para que pudéssemos partilhar idéias", uma vez que ambos estávamos envolvidos em Timor Leste. Hoje a conversa foi ainda mais vivida do que normalmente, pois ao fim de uns minutos falávamos do Eduardo.

E quando o Rui me disse "Olha, João, dentro de minutos vai fazer exactamente um ano que nos reunimos para almoçar ; mal sabiamos nós que era o nosso almoço de despedida e que não nos tornaríamos a ver" , eu não pude deixar de ver a sua emoção que, contagiante, eu experimentei também.

Creio que não preciso dizer mais.

Amanhã vou estar com todos vocês.

João (e Vilma) Crisóstomo, Nova Iorque, 22 de novembro de 2020

PS - Já com este E mail acabado, quando me preparava para o enviar, o telefone tocou: Era o Rui, respondendo da Inglaterra à chamada/mensagem que lhe deixei há uma hora atrás. E com esta chamada veio de novo a emoção: eu estava a falar com o filho do Eduardo, que "parecia nem saber o que dizer”, comovido e grato pelo homenagem de todos nós ao seu pai, não só pelo que vai ter lugar amanhã no Vimeiro mas pela enchurrada de mensagens e sentimentos de todos nós e de que tem estado a tomar conhecimento.

A ele e ao seu irmão gémeo, João, assim como à São o meu/nosso muito especial abraço.
João e Vilma
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Notas do editor:



(...) Estive [, na Guiné, em Bissalanca,] na BA12 de 20 de janeiro de 1973 (, triste data, a do assassínio de Amilcar Cabral, ) a 2 de setembro de 1974, colocado na EDT (Esquadra de Defesa Terrestre) como Alferes miliciano da Polícia Aérea, onde era conhecido por Ferreira.

Quero aqui enviar um abraço especial ao (então Tenente PilAv) [Miguel]Pessoa, um dos primeiros senão o primeiro piloto a ser atingido por um míssil Strela e que felizmente conseguiu ejectar-se e ser resgatado pelos paraquedistas. Constato com satisfação que está de boa saúde e tem responsabilidades no blogue e fiquei agora a saber também que casou com a Enf Pára-quedista Giselda a quem saúdo igualmente. Pela foto actual e tanto quanto me lembro das suas feições, passados estes 38 anos, não mudou muito, está com óptimo aspecto, o que é de saudar.

Depois de vir da Guiné, e como era voluntário na Força Aérea por 6 anos,  passei pela Comissão de Extinção da PIDE/DGS (Gabinete de Imprensa) e pelo Estado Maior General das Forças Armadas (1ª Divisão) donde passei à disponibilidade em junho de 1977.

Entretanto tirei o curso de Instrutores de Educação Física e, mais tarde, a licenciatura em Administração Escolar, realizando o percurso normal de professor até uma determinada altura,  a que se seguiram 15 anos de ligação à gestão escolar, dos quais 12 como presidente. Voltei a ser unicamente professor nestes últimos 9 anos lectivos acabando a minha carreira profissional em Abril último. (...)

(**) Vd, postes de


25 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20380: In Memoriam (355): Um alfabravo (ABraço), Eduardo, até qualquer dia!

(***) Último poste da série > 22 de outubro de  2020 > Guiné 61/74 - P21474: In Memoriam (372): Soldado At Art João Fernandes Caridade (1946-1969), falecido em acidente de viação no dia 4 de Maio de 1969, em Buruntuma (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

Guiné 61/74 – P21570: (Ex)citações (379): Vidas (José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp)





1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas,

O tempo, cada vez mais curto, leva-nos a hilariantes momentos em que as nossas vidas cruzaram inconcebíveis circunstâncias onde, outrora, o foco da guerra se instalava num horizonte carregado de incertezas.

Hoje, com 70 anos feitos neste singularizado 23 novembro, revejo pequenas histórias de vida de um conflito armado na Guiné, sendo que essas curtas resenhas permanecerão nos nossos já calejados corações.

Pessoalmente, tenho dedicado largos momentos a transcrever pequenos textos que são, tão-somente, o cruzar de gerações de camaradas onde as vivências de cada um de nós coincidem, não obstante a idade que o Cartão de Cidadão agora nos indique.

Esses textos inserem-se na minha última obra – “Um Ranger na Guerra da Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74 Memórias de Gabu” – onde descrevo inesquecíveis instantes que por lá passámos.

O mundo é pequeno e as nossas recordações gigantescas


Vidas 
por José Saúde

Não obstante a velocidade estonteante que contempla um desgastar imutável de vidas que paulatinamente vão marcando gerações, eis-nos perante uma realidade que consome nacos de uma existência que marcará eternamente a nossa presença neste cosmos terrestre.

Assumindo a minha condição de exímio sexagenário, sou, de quando em vez, embalado, imaginariamente, ao colo da minha saudosa mãe por um sentimento nostálgico onde as luzes da ribalta transcende o hino das emoções e nos conduzem, quiçá inadvertidamente, a vidas sentidas dos tempos de tropa e da guerra.

Tempos em que nós, miúdos e de caras joviais, dávamos um pontapé nas estrelas, sendo que nesse exorcismo irreal deixávamos um sinal claro que o nosso futuro passava irremediavelmente pelo dia da chamada do futuro mancebo para engrossar as fileiras do exército português.

Porém, uma certeza não invadia as nossas almas: a guerra no Ultramar. Ou seja, um cenário gigantesco que ditava como encenação provável uma comissão militar em território de além-mar. Mas, existiam também nuances que acarretavam preocupações acrescidas a rapazes que viviam anos de uma efervescente juvenilidade. O futuro, sempre imensurável, sugeria um sonho que nos fazia sorrir. A guerra era coisa distante. Parecia.

Todavia, escondido no nosso ego lá permanecia uma faixa negra onde se lia: Segue em via rápida uma encomenda que transporta a tão conhecida frase “carne para canhão”!... Ainda assim, a utopia transmitia um similar de odores onde esperança falava mais alto. “Vou à guerra, mas regressarei um dia são e salvo ao meu rincão sagrado. Não quero medalhas, mas exijo apenas um simples reconhecimento pelos momentos de padecimento sofrido. Ponto final”.

E muitos regressaram isentos de malazengas contraídas nos campos de batalha. Outros, infelizmente, chegaram tendo à sua espera uma secção de militares do quartel mais próximo da sua residência que honrava o defunto com uma rajada de G3. Depois seguia-se o discurso que ornamentava o fúnebre momento, frisando o oficial o heroísmo do camarada agora já cadáver. Bolas, que púdica mensagem de voz!

A tropa apresentou-se, creio certamente, para todos nós como uma universidade da vida na qual recolhemos informações que nos levaria a efetivos doutores de uma licenciatura concluída num mar de aventuras e que coabitava com o desenrolar das nossas vidas. A tropa foi, e afirmo obstinadamente, uma inquestionável experiência que muito nos ensinou.

Lembro o dia 10 de outubro de 1972 quando dei entrada como mancebo no CISME, em Tavira. Depois veio Lamego, Operações Especiais/Ranger. O dia 4 de janeiro de 1973 traçou-me um novo destino. Abençoado pela Serra das Meadas, a bíblia dos futuros rangeres, tornei-me um exemplar militar e adquiri louros para uma especialidade que me fez crescer na sua plenitude. Seguiu-se a Guiné e Gabu recebeu-me com “pompa e circunstância”.

Recordo o dia que ousei desafiar calendas escondidas e obrigatoriamente parti para uma comissão militar na Guiné. Num outro lado África esperava-me e o solo guineense hospedou a minha chegada. Constatei de imediato que o bafo causado pela aquela terra vermelha me aconselhava cuidados atempados.

Cuidados que, posteriormente, disparariam em todas as direções. O dia-a-dia em Gabu evidenciava novas aventuras. Aventuras que coincidiam com patrulhamentos, proteções às colunas, quartel e pista de aviação, com visitas permanentes a tabancas, operações, saídas constantes para o adensado mato, enfim, um rol de procedimentos comuns imputados a um operacional em tempo de guerra.

Evoco outros momentos em que o clima de África contemplava as nossas vidas. O paludismo, que me visitou por três vezes, derrubou-me, mas logo me levantava e sempre pronto para levar a bom porto novas missões. Foi uma espécie de ataque de morteiro sem recuo onde a versão primária levou o debilitado combatente a exercitar a sua já usada condição de ranger.

E é neste permanente propagandear de vidas preenchidas em território guineense, que me ocorrem situações em que o facilitar permitia o desenvolvimento de momentos caóticos. Alguns fatídicos.

Jovens militares que acreditaram na sorte. Vidas que, inconscientemente, se perderam, tão-só pelo simples facto de não premeditavam o futuro imediato. Facilitavam. Depois vinha a desgraça.

Um abraço, camaradas,

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:

Vd. também o poste anterior deste autor: 

Guiné 61/74 - P21569: Parabéns a você (1897): José Saúde, ex-Fur Mil Op Especiais do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21558: Parabéns a você (1896): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)

domingo, 22 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21568: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLVII: Fernando José Santos Castelo, cap pilav (Guarda, 1941 - Moçambique, 1974)



1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual acima], membro da nossa Tabanca Grande , tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.
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Guiné 61/74 - P21567: Blogpoesia (706): "Pedra a pedra", "Onde mora a alegria?" e "Rude e rústica", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


Pedra a pedra

Pedra a pedra, justaposta,
Bloco a bloco,
Se sobe a encosta.
Se ergue o muro
Que cerca a horta.
Se ergue a casa
Que é albergue.
Passo a passo,
Se faz caminho.
Sempre adiante.
E, num instante, se passa vida.
Quem não o disfruta é quem a perde.
Uma só vez, não vai e volta.
Quem não viu não mais a vê.


Berlim, 16 de Novembro de 2020
12h36m
Jlmg


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Onde mora a alegria?

Ela espreita em todo o lado.
Atrás da porta.
Pelas frestas.
O que importa é estar atento
E vê-la.
Senti-la dentro.
Só a sente quem é persistente e teima.
Nem lhe fecha a porta.
Morre cedo quem a mata cedo.
Irriga a vida.
Se seca, morre.
Sem ela, tudo é negro.
Tudo é triste.
Como o sol,
Ilumina tudo.
Sua perda, significa a morte.
Sem algazarra, não há recreio.
A escola é morta.
Não ensina.
Logo encerra.
Porque se torna inútil.


Berlim, 16 de Novembro de 2020
13h9m
Jlmg


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Rude e rústica

Rude e rústica como a terra húmus,
Túrgida de vermes e terra arada.
Deixem vir a Primavera e me dirão.
Como tudo dela fica verde e florido.
As aparências dizem muito pouco da realidade.
Aquela capacidade de gerar vida.
Só a tem a Natureza.
Que bojudo rio passa nela.
Como deixa as margens cheias de vida!
Campinas e searas verdes.
Quando o sol as rega,
Reluzem de cor e luz.
Respeitar a terra negra.
Alfobre rico de verde e vida.


Berlim, 17 de Novembro de 2020
12h26m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21545: Blogpoesia (705): "As vielas das casas", "Quando se avizinha a noite" e "Rostos frios, malévolos", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21566: Ser solidário (235): João Crisóstomo e Vilma Kracun [Woodside, Queens, Nova Iorque]: em tempo de Covid-19 vêm para a rua limpar o seu bairro e animar lares de idosos


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




João Crisóstomo, luso-americano, natural de Torres Vedras, conhecido ativista de causas 
que muito dizem aos portugueses: Foz Côa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes... 
Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona; ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole 
e Missirá, 1965/67): vive desde 1975 em Nova Iorque; tem mais  de 120 referências 
no nosso blogue.


1. Mensagem de João Crisóstomo. com data de 10 de outubro  último:

Caro Luís Graça:

Como sabes, eu de vez em quando eu dou uma ajuda aqui e ali à minha volta, conforme as necessidades o exigem, especialmente nos últimos tempos devido aos problemas de orçamentos e falta de verbas,  falta de pessoal, etc. Como aliás como sucede sempre em toda a parte.

Há semana atrás, na minha mania de querer “compensar”  estas faltas,  exagerei um pouco e tenho passado as últimas três semanas com muletas por causa dum ataque de ciática, embora já me sinta melhor. A primeira semana foi dura,  praticamente  imobilizado na cama, com o médico a dizer-me que  que o melhor remédio  para isto é "continuar quieto e ter paciência".  Portanto, goste eu ou não, tenho mesmo de obedecer.

Sucede que há tempos este meu voluntariado a fazer limpezas nos parques e ruas da vizinhança (aliás, o "nosso voluntariado", pois a Vilma, contra a minha vontade, teima em nunca me deixar sozinho…), despertou a curiosidade dum repórter e ontem mesmo saiu um artigo aqui num jornal local [, o  "Queens Ledger", semanário local, fundado em 1873]…

Como gostas de saber como é que os camaradas, pelo mundo fora,    reagem a este coronavírus e passam o seu tempo, aqui está, no que me diz respeito, o artigo que saiu. Creio que não vale a pena o trabalho de o traduzir, pois em maior ou menor escala quase toda a gente fala ou lê hoje um pouco de inglês. Caso aches que isso vale a pena, então diz-me, que eu farei a tradução; mas alguns assuntos que exigem a minha atenção imediata não me permitem fazê-lo de pronto  e eu não sei usar a "tradução automática’, que estas novas tecnologias facilitam [João, vê o Google Translate, traduz tudo, até o nosso calão, só não traduz os nossos crioulos; o inglês-português não é nada mau, e até o português-inglês, embore precise sempre de revisão / correção final... De qualquer mood, o "guglês" já  é a língua mais usada no mundo...LG]. 

Mas,  para compensar, para o caso de achares que vale a pena mencionar este artigo, eu junto algumas fotos relacionadas com o assunto e tu decides o que fazer com elas, incluindo ignorá-las. A foto (única) que aparece junto com o artigo foi tirada pelo próprio repórter que quis e veio falar comigo. As outras foram tiradas como “memos” para mim mesmo, coisa que nunca não se deixo de fazer em ocasiões destas.

A foto nº 1  é o meu “ID' (que me foi dado em 2007, pelo Departamento de Parques de Nova Iorque
quando me alistei como “voluntário") 

A foto nº 2, eu e a Vilma juntando a folhagem e os ramos de árvores do parque, logo após a passagem de uma violenta tempestade. 

Aqui, como noutras, funciona "a lei do menor esforço”, o que leva a que,  mesmo os que vêm todos os dias "fazer ginástica” no parque,  não tenham o cuidado de limpar o lugar primeiro, alegando que isso é obrigação e trabalho do autarquia…

De vez em quando também organizamos ou ajudamos a organizar eventos para tornar a vida num lar para idosos,  aqui na minha rua,   mais agradável [Foto nº 3].

Foto nº 4: num dia em vésperas de Natal, depois de ter conseguido um voluntário para acompanhar as canções ao piano, convidamos os residentes deste lar para uma tarde de “ Christmas Carols” [Canções de Natal].

Um abraço grande,
João

2. Reproduzimos, com a devida vénia, o artigo sobre o João Crisóstomo, publicado no jornal da sua comunidade, o "Queens Ledger" [tradução, adaptação livre, revisão e fixação de  texto: Google Translate / LG]


Voluntário mantém limpo o parque local

por Samantha Galvez-Montiel 

Queens Ledger, 7 de outubro de 2020


 João Crisóstomo, que vive em Nova Iorque há 45 anos, tem uma vida preenchida, plana, desde ter sido mordomo de Jacqueline Kennedy Onassis a ativista de causas sociais,  ligadas ao seu país natal, Portugal.

Mudou-se para a cidade de Nova Iorque há 45 anos. Desde 1997, Crisóstomo e  a sua esposa Vilma Kracun, com quem se casou em 2013, moram em Woodside [, Queens, Nova Iorque],  onde passam o tempo limpando o bairro e o parque Big Bush.

“Há treze anos, comecei a ser voluntário para ajudar Jack Maurin, então supervisor do parque, a manter o Big Bush Park e outros parques limpos”, disse Crisóstomo.

Mas Crisóstomo viu seu parque local negligenciado, mesmo depois de um milhão de dólares ter sido destinado,  há cerca de dois anos,  para renovar o parque. Desde então, Crisóstomo tem dedicado o seu  a manter o parque limpo, assim como outras áreas do bairro com problemas de lixo.

“O belo parque cercado foi naturalmente concebido para evitar que crianças e outras pessoas entrassem em áreas reservadas, mas não há um simples portão de acesso para as limpezas, a irrigação, o corte de ervas daninhas e a remoção de galhos caídos”, disse ele. “Já tive que escalar a cerca várias vezes para fazer isso, caso contrário, o lugar seria sempre uma bagunça terrível e uma atração para os ratos.”

Crisóstomo disse estar satisfeito por o lixo,  em Big Bush Park, ter sido recolhido recentemente pelos funcionários do Departamento de Parques, mas ficou danado por isso ter levado mais de três semanas e só depois de ele ter contactado várias autoridades locais, incluindo o deputado Brian Barnwell.

“Como a Prefeitura fez cortes drásticos no orçamento do Departamento de Saneamento, vemos o lixo e o entulho a acumular-se nas  nossas ruas”, disse o deputado. “Os meus pedidos.  para mais contentores do lixo e mais recolha,   foram repetidamente negados. É inaceitável o que está a acontecer".

Um porta-voz do Departamento de Parques confirmou que os recentes cortes no orçamento tiveram como consequência, entre outras,  a  falta de pessoal.

Desde o último anúncio de orçamento, o orçamento de Parks FY21 é de 503 milhões de dólares, o que significa uma redução de 84 milhões em relação ao ano passado”, escreveu o porta-voz por email. “Não podemos recorrer a trabalhadores sazonais, este ano,  para apoiar a Manutenção e Operações em toda a cidade devido aos cortes orçamentais. Mas o Big Bush Park é limpo diariamente e o a paisagem é cuidada ao máximo. ” 

Crisóstomo disse que a falta de cooperação dos  trabalhadores temporários do parque também pode ser resultante  do facto de  haver horários rotativos e nem sempre eles  reconhecerem isso. 

“Os trabalhadores mais de uma vez me explicaram a sua recusa em entrar nas áreas cercadas. pelo perigo que isso poderia representar”, disse ele. 

Crisóstomo levou uma vida plena antes de se mudar para Wooside [Queens, Nova Iorque]. Ele nasceu em Portugal em 1944 e frequentou o seminário,  antes de completar o serviço militar em África, 

Aprendeu inglês e serviu à mesa em Londres no início dos anos 1970. Mudou-se para Nova York em 1975, tendo começado por trabalhar como mordomo ao serviço da senhora Kennedy Onassis. Tornou cidadão americano em 12 de setembro de 1993. 

Em 1994, começou a trabalhar na campanha em prol da conservação das gravuras,  da Idade da Pedra, de Foz Côa, em Portugal, hoje Património Mundial da UNESCO. Israel, por seu tunro,  homenageou-o,  com a emissão de um selo dos correios, em 2017 por seu trabalho  de reabilitação da memória de heróis do Holocausto,  Aristides de Sousa Mendes, Luis Martins de Sousa Dantas, Padre Benoit e outros. 


 
A arrecadação da casa do João Crisóstomo e Vilma Kracun, onde se guardam os apetrechos de limpeza.
 
Fonte: Queens Ledger - Volunteer keeps his local playground free of trash 
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Nota do editor:

Último poste da série >16 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21549: Ser solidário (234): Associação Anghilau ("criança", na língua felupe), admissão de sócios, ficha de adesão... Somos já 28!... Poucos mas bons, mas ainda podemos ser mais (Manuel Rei Vilar)