1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2020:
Queridos amigos,
Esgotada que foi esta edição de Grandeza Africana, o Comissariado da Mocidade Portuguesa fez uma larga edição policopiada, lembro-me perfeitamente de ter encontrado no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa estes textos que eram ofertados e seguramente difundidos em meio escolar.
Um abraço do
Mário
Grandeza Africana, Lendas da Guiné Portuguesa, por Manuel Belchior (1)
Mário Beja Santos
Manuel Belchior, já aqui abordado a propósito dos seus livros Contos Mandingas e Os Congressos do Povo da Guiné, era funcionário colonial com habilitações superiores, uma longa carreira administrativa no Ultramar Português (de 1938 a 1961), depois foi investigador da Junta de Investigações do Ultramar, em serviço da qual se deslocou à Guiné numa missão que está na base que tornou possível a publicação deste livro. "Grandeza Africana" foi editado pela Mocidade Portuguesa, não se menciona a data. A capa e as belíssimas ilustrações são de José Antunes.
A primeira lenda diz respeito a um herói cuja memória ainda vive em toda a África Ocidental, Sundjata Keita, aquele que haveria de ser o fundador do Império do Mali, filho do rei de Mandem. Nascera paralítico, foi sujeito a uma operação miraculosa, revigorado, afrontou o usurpador, Sumaôro, que morreu em combate. Manuel Belchior aproveita a ocasião para explicar a importância dos cantores-tocadores de korá, os “judeus”.
“Um dia, uma águia, poisada no ramo mais alto do mais alto poilão, pôs-se a cantar os feitos do herói Gueladge. Eis o que dizia a rainha das aves: Gueladge, filho de Ambodejo, rei de Maciná, tinha um primo chamado Bubo Gorgolo, nascido da única irmã do seu pai. Bubo era valente e ninguém o igualava em beleza mas não tinha a generosidade nem a irradiante simpatia de Gueladge. Além disso, invejava o primo que, pelo contrário, era verdadeiramente seu amigo”.
A lenda seguinte intitula-se Garba. Um pastor, durante a atividade de pastoreio, adormeceu e acordou ouvindo uma estranha canção que se elevava das águas, a partir daí não se quis afastar muito da lagoa, era um génio que a habitava, o autor da melodia. O pastor pediu ao génio que lhe desse um instrumento igual ao seu, era uma espécie de violão de quatro cordas.
Nova história, desta feita com o título Bassaru, sempre com a musicalidade e a construção próprias para captar as audiências:
“Houve em tempos, no país Bambarâ de Segú, um rei chamado Semba Segú (força de Segú). Um dia, Semba, que já estava velho, mandou o seu filho Damansôa fazer uma correria às terras de Manciná, com o fim de obter escravos. Entre os que o príncipe trouxe, figurava um rapazito Fula, chamado Bokarjá”.
Chegou o momento de falar de outra figura de renome, ainda hoje na boca dos tocadores-cantores, Coli Tenguelá, estamos em tempos recuados, um dos adivinhos do rei Samódo avisou-o que uma das suas mulheres que estava grávida ia dar à luz a criança que espantaria pelos seus feitos todo o imenso Sudão. Temendo que os outros filhos matassem o seu mais recente filho, entregou a mãe ao cuidado de um “judeu”, já estamos a ver como irá despontar o futuro herói. Teixeira da Mota referiu-se sempre ao conquistador Coli Tenguelá, que viveu no tempo do rei português D. João II.
Como o leitor pode constatar, avançamos do passado remoto para factos que ainda hoje são contados e lembrados: o reino de Alfá Moló, que compreendia territórios que pertenceram a ingleses (Gâmbia), franceses (Senegal) e portugueses (parte da Guiné Portuguesa), que acabou com o seu filho Mussá Moló, que nos primeiros anos do século XX foi destituído pelos franceses do Senegal; a batalha de Cam Salá, determinante para impor a supremacia Fula sobre os Mandingas do Gabú; a canção de Quelé Faba, que era natural de Badora e era considerado o maior guerreiro das terras de Bafatá e Gabú, esqueceu-se do juramento de que nunca voltaria a cara para trás, e segue-se uma história de redenção; Samory Touré fala da história de uma mulher que era desprezada e que deu a um homem riquíssimo um filho que ficaria conhecido, Samory Touré, que enfrentou os franceses, foi preso e deportado em 1900, Sékou Touré era sobrinho-neto do protagonista desta lenda; Fodé Cabá, homem de grande cultura, que tratava as suas duas mulheres de modo desigual e quando descobriu que a que tratava menos bem era inequivocamente a mais fiel anunciou-lhe que esperava que ela lhe desse um filho que fosse o orgulho da raça Mandinga…
Vale a pena continuar, mas já agora um apontamento sobre este Fodé Cabá que é contemporâneo (final do século XIX) do triunfo do Islamismo no imenso Sudão e na África do Noroeste, ele pretendeu a conversão dos Djolas animistas, lançou-se contra eles, o seu poder cresceu sem cessar. E ir-se-á dar um afrontamento entre Mussa Moló, rei de Firdú e Fodé Cabá, mas o significado destas disputas inter-étnicas é que todo aquele mundo estava em vias de desaparecer, os franceses arrasaram toda a oposição, estes senhores poderosos ficaram para a lenda.
(continua)
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Nota do editor
ùltimo poste da série de 8 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21870: Antropologia (40): Conto iniciático da etnia Fula, contado aos mais novos (Cherno Baldé, colaborador permanente em assuntos étnico-linguísticos da Guiné-Bissau)