quinta-feira, 22 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22124: Recortes de imprensa (116): a série Memórias da Guerra, que está a ser emitida esta semana, desde o dia 19, no Telejornal, da RTP

Memórias da Guerra. 


Há 60 anos começava um dos acontecimentos com mais impacto na História recente portuguesa: a guerra colonial.

Entre 1961 e 1974 foram mobilizados para Angola, Guiné e Moçambique mais de 1 milhão de militares.

"Memórias da Guerra" é uma série de reportagens sobre pessoas anónimas que tiveram as suas vidas atravessadas pela guerra colonial.

Créditos: Ana Luísa Rodrigues - Jornalista; Diogo Martins e Rui Cardoso - Imagem; Carlos Felgueiras e Sousa - Edição.

Fonte: RTP > Memórias da guerra (com a devida vénia...)


Memórias da Guerra.

[1] O primeiro contingente enviado para Angola

RTP, Telejornal, 19 de abril de 2021 (vídeo: 6' 36'') [Apareceu às 20:54]

Sinopse: 

Custódio Soeiro, natural de uma aldeia do concelho de Arouca, foi um dos soldados anónimos do primeiro contingente militar enviado para a Guerra Colonial em Angola.

Embarcou precisamente há 60 anos e foi nessa altura que a sua história pessoal se cruzou com a História de Portugal.

Esta é a primeira reportagem da série Memórias da Guerra, a emitir esta semana no Telejornal.

Memórias da Guerra. 

[2] As feridas físicas e o stress pós-traumático que persistem

RTP, Telejornal, 20 de abril de 2021 (vídeo: 5' 48'') [Apareceu às 20:45]

Sinopse: 

Os 13 anos de guerra colonial - em Angola, Guiné e Moçambique - provocaram cerca de 15 mil deficientes. Além das feridas físicas e motoras, há também 50 mil ex-combatentes a sofrer de stress pós-traumático. Muitos vivem ainda numa guerra que os acompanha para a vida.

https://www.rtp.pt/noticias/pais/memorias-da-guerra-as-feridas-fisicas-e-o-stress-pos-traumatico-que-persistem_v1313808

Memórias da Guerra. 

[3] As enfermeiras paraquedistas


RTP, Telejornal, 21 de abril de 2021 (vídeo: 5' 29'') [Apareceu às 20:50]

Sinopse:

A Guerra Colonial mobilizou mais de um milhão de militares, quase 90 por cento dos jovens portugueses. Na época, era raro encontrar famílias sem alguém na guerra ou que já tivesse cumprido comissões militares. Houve também mulheres no conflito.

Em África, enfermeiras paraquedistas. Em Portugal, muitas faziam as tarefas até aí feitas por homens.


[Foram entrevistadas as nossas amigas e camaradas da Tabanca Grande Maria Arminda Santos e Rosa Serra por sugestão nossa, feita à jornalista Ana Luisa Rodrigues que nos contactou há um mês com o seguinte pedido: 

 (...) "O meu nome é Ana Luisa Rodrigues e sou jornalista da RTP. Estou a preparar para o Telejornal da RTP1 algumas reportagens para meados de abril sobre os 60 anos da guerra colonial. Sei que dirige um dos mais antigos e visitados blogues sobre o tema e onde há muitos testemunhos e informação. Tendo isso em conta, gostaria de trocar algumas impressões consigo, é possivel?" (...)]

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22116: Recortes de imprensa (115): Relembrando o nosso saudoso amigo e camarada de armas José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (Jornal Público de 18 de Abril de 2021)


quarta-feira, 21 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22123: Historiografia da presença portuguesa em África (259): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
 
Se ainda subsistissem dúvidas quanto à ténue presença portuguesa na Guiné nesses anos de 1840, veja-se o mapa elaborado por Chelmicki, é perfeitamente claro que só entrámos  no interior da Guiné muito depois da Convenção Luso-Francesa de 1886. 

Atenda-se ao que Chelmicki escreve sobre o estado de degradação das fortalezas, praças e presídios, como tínhamos sido afastados dos rios Senegal e Gâmbia, como não havia agricultores, exclusivamente comerciantes no território. Reclama a vinda de colonos, que viessem da Holanda, da Suíça ou da Alemanha, que se trouxessem os degredados para trabalharem na agricultura, que construíssemos fortalezas ou fortins, e assim se dilatasse a fronteira marítima, que ocupássemos o arquipélago dos Bijagós...

Chelmicki não tem dúvidas, a Guiné devia ser uma colónia de exportação, ter café, arroz, anil, algodão, açúcar, bens preciosos para dar expediente às produções das nossas fábricas. Na Guiné estava tudo por fazer e a ameaça francesa no Casamansa crescia, de dia para dia.
 
Esta corografia cabo-verdiana é um daqueles relatos indispensáveis para se conhecer com mais rigor o que era a Guiné Portuguesa em meados do século XIX.

Um abraço do
Mário


A carta da Guiné Portuguesa, 1843

Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (1)

Mário Beja Santos

No cômputo dos relatos essenciais ainda da primeira metade do século XIX, relativamente à Guiné Portuguesa, seria imperdoável silenciarmos o trabalho rigoroso do então Tenente do Corpo de Engenheiros José Conrado Carlos de Chelmicki (1814 - 1890, na foto à esquerda), um polaco que decidiu vir para Portugal e embrenhar-se na causa liberal, apaixonou-se pelo estudo do Império, esta Corografia Cabo-Verdiana é prova provada. 

O tomo I foi editado em 1841, ao tomo II, publicado também em Lisboa em 1843, associou-se um brasileiro de ascendência alemã, também engenheiro militar, diplomata e historiador, Francisco Adolfo de Varnhagen.

Chelmicki, como é óbvio, centra o seu trabalho no arquipélago cabo-verdiano, a Senegâmbia era matéria residual. Traz, no entanto, observações muito peculiares, e as suas críticas revelam uma grande paixão por aqueles dois pontos de África. 

Começa por dizer que a costa da Guiné era para os antigos portugueses um espaço compreendido entre o Rio Senegal e a Serra Leoa. Faz um escorço histórico sobre a região continental, diz que no ano de 1446 Cadamosto e António de Nola fizeram uma segunda viagem para completar o descobrimento do rio Gâmbia. Foi nesta viagem que descobriram S. Filipe, Boavista e Maio, só depois é que reconheceram o Rio Gâmbia. Passaram pelo rio Casamansa, o Cabo Roxo, o rio de S. Domingos ou Cacheu e a boca do Rio Geba e ao regressar a Portugal ainda fizeram o reconhecimento de algumas ilhas dos Bijagós. 

Chelmicki atribui o estado de degradação a que chegou Cabo Verde e fundamentalmente a ruína em que estão os presídios e as povoações com presença portuguesa à administração dos reis Filipes. Segundo ele, ainda em 1650 o distrito da Guiné começava no rio Sanagá (Senegal) e ia até ao distrito da Serra Leoa, havendo povoações de portugueses nos rios de S. Domingos, Geba, Rio Grande e Rio Nuno, mas Portugal tinha perdido os melhores rios, caso do Senegal e Gâmbia. Procede à apresentação de um limitado roteiro desde o norte do Rio Casamansa até ao Cabo da Verga. Depois de uma descrição muito cuidada do Casamansa e do litoral da região dos Felupes, chega-se ao Rio Cacheu e Chelmicki dá-nos um belo apontamento, aqui fica uma nota:
 
“Vinte léguas acima da foz do Rio Cacheu ou de S. Domingos está a praça de Cacheu. Do Sul à primeira terra defronte de Bolor é a Mata de Putana, ponta cheia de arvoredo e é terra de Felupes. Daqui para Bissau há três caminhos. Primeiro, entre a terra dos Felupes e Papéis; segundo, por fora, pelo Canal das Caravelas ou pelo Canal das Âncoras; terceiro, partindo da Mata de Putana, passando pela terra dos Felupes até à Ponta das Cabaceiras”.
Ilustração do livro Corografia Cabo-verdiana ou Descrição Geográfico-Histórica da Província das Ilhas de Cabo Verde e Guiné, imagem da Vila da Praia

A Guiné Portuguesa estava dividida em dois distritos, o de Bissau e o de Cacheu. Seguindo a sua situação geográfica, passa à descrição dos nossos presídios e pontas ali situados, no distrito de Cacheu destaca Zinguinchor, Cacheu, Bolor e Farim. No distrito de Bissau menciona a Fortaleza de S. José, Bolama, Ilha das Galinhas, Fá, Geba, Guinala e outras ilhas dos Bijagós. Entrando no que hoje classificaríamos como análise dos recursos, não perde a oportunidade para falar do estado em que se encontram os edifícios portugueses:
 
“Miseráveis fortins, que fora do alcance da sua artilharia não exercem influência nenhuma, e os portugueses estabelecidos preferem o ganho fácil nas trocas de géneros à nobre, honrada e já tão adiantada arte de cultivar a terra. A fazenda de D. Rosa de Cacheu, no Poilão do Leão, é a única que existe nos limites da Guiné Portuguesa”.

Sempre que pode, apela a quem o lê para que se intensifique a colonização dos brancos, que se divulgue a prosperidade da terra. Mas é muito duro nas suas observações, como escreve:

“Eis aqui o que nos resta depois de 400 anos de posse: miseráveis presídios, nenhuma indústria, falta de comércio e de cultura. E não podia deixar de chegar a este deplorável estado de ruína. Tudo, tanto nas ciências e artes, como nas administrações, não tendo melhoras, não tendo progressos, ficando estacionário, em breve é retrógrado. Portugal com os olhos fitos no novo hemisfério com a riqueza de minas, não se importou com as possessões africanas. Aquelas estão perdidas já para sempre, mas com estas que ainda existem na posse, Portugal em poucos anos, com boa administração, tornará a ganhar o seu antigo esplendor. Consideremos as possessões de Guiné como colónias comerciais e agrícolas. Elas estão em muito melhor situação que as inglesas e francesas. Cinco grandes rios, como o de Casamansa, S. Domingos, Geba, Rio Grande e Nuno, navegáveis muito para o interior, oferecem fáceis meios de comunicação, boas vias de comércio e uma fronteira natural de um país que facilmente se pode ocupar e converter para cultura de plantas indígenas, que nos fornecerão produtos que com tanta despesa e trabalho procuramos fora.

Ocupando as embocaduras destes rios com pequenos fortes, cuja construção muito pouco custará ao governo, em razão da sua utilidade, dilataremos a fronteira marítima desde o Rio de S. Pedro até ao Cabo da Verga, e proibindo de facto a exportação dos escravos de toda esta costa, os habitantes voltarão às pacíficas ocupações de agricultura. Os terrenos obtêm-se com facilidade dos indígenas: então devem ser repartidos em grandes sesmarias, a proprietários ricos, zelosos do bem público e inteligentes nos seus interesses. Mandem-se vir colonos da Holanda, Suíça e Alemanha, donde eles trarão a indústria e civilização, e aumentarão assim a população branca sem diminuirmos a do reino. Favorecendo o governo os açorianos, eles hão de preferir estabelecer-se aqui, e com trabalho, sabendo que o ganho é deles, enriquecer-se em pouco, do que servirem de escravos brancos aos brasileiros. A Guiné Portuguesa deve ser uma colónia de exportação de produtos agrícolas. 

O estado atual da Guiné é como na descoberta, ou pior ainda, pois sem haver nenhuns melhoramentos, vestígios de mão europeia. Tudo está por fazer. Assim, da imediata precisão, é ocupar o Ilhéu dos Mosquitos na foz do Casamansa como obter a cessão de Sedhiou, ponto que no mesmo rio ocuparam os franceses, violando os tratados inclusive o de 1814 feito em Paris, onde claramente se considera este rio de Casamansa como pertencente unicamente à Coroa Portuguesa. Simultaneamente, deve ocupar-se a embocadura do Rio Grande e Rio Nuno, formar um estabelecimento em Bolama e Ilha das Galinhas e pôr uma guarnição nos Ilhéus do Rei e em Bandim, como também no sítio chamado Poilão do Leão. Tomando nós solidez neste país, que obter-se-á por meio da agricultura, tendo a supremacia de facto, quem nos poderá proibir explorar estes tesouros de África?”

E termina assim:
 
“Eis a descrição geográfica da província das ilhas de Cabo Verde e costa da Guiné, no desgraçado estado em que está atualmente. Oxalá que o sábio Congresso Legislativo atenda como convém e é de esperar, à justa, mas triste e humilhante comparação que fez o Visconde Sá da Bandeira das nossas colónias com a do Cabo da Boa-Esperança, que tanto aumentou em riquezas e população branca”.

E a descrição prossegue, e é verdadeiramente interessante.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22102: Historiografia da presença portuguesa em África (258): Diogo Gomes, um navegador e diplomata do século XV, na publicação "Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais", edição do Ministério das Colónias, Junta de Investigações Coloniais, 1950 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22122: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte II: Missão a Gaoual (Jorge Araújo)


Foto 1 > fonte: Citação:
 (1973), "II Congresso do PAIGC, na Frente Leste" [18 a 23 de Junho de 1973], Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44115, com a devida vénia.

 


Imagem de satélite do itinerário entre Boké e Gaoual, com 151 kms (google.com; hoje), localidades da República da Guiné, sinalizando-se, ainda, algumas das povoações da região do Boé (Boé, Béli e Lugajole) situadas no Sudeste do território da Guiné [GB].





O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Tem cerca de 290 referências no nosso blogue.


 

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

UM OUTRO OLHAR SOBRE O "LOCAL MISTERIOSO" DA PROCLAMAÇÃO SOLENE DO ESTADO DA GUINÉ-BISSAU, EM SETEMBRO DE 1973, EM PLENA ÉPOCA DAS CHUVAS

PARTE II

- AS PRIMEIRAS "ACÇÕES" E O ESTUDO DAS ACESSIBILIDADES ('CORREDORES') NA FRONTEIRA DO BOÉ, EM JUNHO DE 1964 -

 


► Continuação do P22106 (I) (15.04.21) (*)


1.   - INTRODUÇÃO


Conforme ficou expresso no P22106 (15Abr21), que serviu de lançamento do projecto de "reconstrução historiográfica do puzzle do Boé" e zonas limítrofes (a que for possível…), seria interessante poder encontrar provas factuais sobre a incógnita, a misteriosa, a obscura ou a enigmática localização onde decorreu a «I Assembleia Nacional Popular», durante a qual teve lugar a «Proclamação Solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973», assim como o da realização do «II Congresso», que legitimou o evento anterior. 


Enquanto tal não acontecer, estes dois factos continuam a ser considerados como "embustes históricos", por fazerem parte do "imaginário político e maquiavélico do PAIGC".


Porque nos documentos consultados, relativos ao desenrolar das duas cerimónias, não existem quaisquer referências à variável "clima" (ventos e chuva), o mesmo acontecendo nas imagens das curtíssimas e cirúrgicas reportagens fotográficas a que tivemos acesso, as suspeitas manter-se-ão inalteráveis, uma vez que ambas foram organizadas em "plena época das chuvas".



Por outro lado, ainda que tenhamos procedido à leitura das narrativas que constituem o vasto espólio existente no Blogue, com início no P3911, de 18Fev2009 (já lá vão doze anos!), o objectivo não é repeti-las, embora a elas possamos recorrer, sempre que necessário, como fonte primária de informação. 


O que está implícito neste "desafio de resiliência" é percorrer "outros (novos) caminhos, trilhos ou picadas da Região do Boé", ou com eles relacionados, sinalizados na análise hermenêutica dos documentos disponíveis nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), aos quais se adicionam algumas "peças jornalísticas" apoiadas em factos relevantes, e na sua triangulação, por serem as únicas hipóteses que hoje dispomos, pois as outras, as do "terreno", já não são exequíveis.


Como primeiro exemplo do que acabámos de descrever, está o facto de no âmbito das "Comemorações do 42.º Aniversário da Independência da Guiné-Bissau" (1973-2015), o jornalista guineense (creio) Lassana Cassamá, correspondente da VOA – organização internacional de notícias multimédia dos EUA, ter referido que Teodora Inácia Gomes [foto 1], nascida em 13 de Setembro de 1944, em Empada, região de Quinara, militante e dirigente do PAIGC desde 13 de Junho de 1964, ter feito "parte das poucas pessoas que procuraram e encontraram o local da proclamação da Independência Nacional, entre Luís Cabral (1931-2009) e Nino Vieira (1939-2009).


Esta é, naturalmente, uma boa informação!


Fonte:

https://www.voaportugues.com/a/guine-bissau-assinala-42-anos-de-independencia/2972574.html



Depois da (mítica) "Madina do Boé" ter sido indicada como o local da (última) cerimónia, outros foram alvitrados como alternativa ao oficial, todos eles pertencentes à região do Boé, de que são exemplos: "Lugajole", "Vendu-Leidi", "Lela" ou "Malanta"…, como referido no P21554, de 17Nov2020. 


Será que, para além destas, poderemos encontrar outra (s) possibilidade (s)? É esse o objectivo de partida!


Para a sua concretização, foi/está definido um plano de estudo, estruturado por ordem cronológica, de modo a compreender as consequências da actividade operacional das forças beligerantes, e das suas estratégias, bem como das influências produzidas por estas na mobilidade dos diferentes agregados populacionais que foram afectados.


Assim, nesta parte dois, para começar, daremos a conhecer os objectivos das primeiras "acções" da guerrilha, elencadas por Amílcar Cabral, a que deu o nome de «Missão a Gaoual», a realizar em Junho de 1964 (ano e meio depois do início do conflito). 

Esta missão, atribuída a Armando Ramos, incluía a realização de vários estudos nas áreas de fronteira entre as duas Guinés, merecendo destaque, neste âmbito, os relacionados com as acessibilidades – "corredores" de passagem e circulação mais seguros – na região do Boé.


2.   - AS PRIMEIRAS ACÇÕES DA GUERRILHA NA REGIÃO DO BOÉ:

   - EM CADA UM DOS LADOS DA FRONTEIRA

2.1 - Missão a Gaoual


1. – Contacto com o Governador. Expor as razões da visita. Pedir-lhes todo o apoio, no quadro do que ficou estabelecido na reunião que o Secretário-geral teve com ele e outros responsáveis da República da Guiné no Ministério da Defesa Nacional e Segurança.


2. – Colher o maior número de informações em Gaoual mesmo sobre a situação no Boé.


3. – Visitar a fronteira, indo por Koumbia e Ngolé até Lela. De Lela ir a pé até Hancundi, na mata que está próximo da fronteira. Estudar as possibilidades da travessia do rio Féfiné-Senta. Estudar as condições da mata. Estudar o caminho a pé que vai de Lela à fronteira, entrando pelo Boé. Na volta ir a Pato-Kono, perto de Guidali e tomar, a pé ou de jeep, o caminho que segue para Fidibore e Kampoundiny, indo até à fronteira. Estudar esta zona.

 

 


 


Imagem de satélite da região do Boé, sinalizando-se, a vermelho, a linha de fronteira onde deveriam ser identificados os melhores locais para funcionarem como "corredores" ou "portas de entrada".


4. – Obter informações sobre a possibilidade de passagem, a pé ou de carro, entre Neteré (perto do Rio Féfiné) e Tiankouboye (perto de Madina do Boé).

5. – Durante a visita à fronteira, obter o maior número de informações sobre a situação no Boé, sobretudo no que se refere a Béli, Dinguiras, Madina, Dandum. Enviar para dentro do país um ou mais comissários informadores, se possível, os quais devem regressar com urgência, antes do fim da missão.

6. – Regressar a Gaoual. Contactar de novo o Governador e regressar a Conacri.

 


2.2 - Informações que interessa obter - concretamente


● No exterior


a) – Movimento de pessoas entre os dois lados. Se há gente do lado da República da Guiné que dá informação ao inimigo. Se há famílias que vivem dum lado e do outro da fronteira.

b) – Comércio entre os dois lados. Se há gilas que fazem vaivém constantes. Se a gente do lado da República da Guiné está interessada no comércio com a gente do nosso lado.

c) – Gente da nossa terra que vive do lado de cá, permanentemente, tanto em Gaoual como nas outras povoações próximas da fronteira. Ligações entre essa gente e a do interior.

d) – Onde estão os oportunistas. Quantos são exactamente (homens e mulheres). O que estão a fazer. Quem são os chefes.

e) – Se os habitantes das povoações próximas da fronteira, na República da Guiné, são ou não simpatizantes com a nossa luta. Se estão ou não predispostos a ajudar, em caso de necessidade.

  



f) – Possibilidades de alimentação na proximidade da fronteira. Se há arroz e outros alimentos de base.

g) – Natureza e estado das estradas, picadas e caminhos, na República da Guiné, perto da fronteira ou conduzindo à fronteira. Possibilidade real da passagem de jeep e de camião.

h) – Rios presentes no caminho e ao pé da fronteira. Possibilidades de os atravessar.

i) – Natureza do terreno (montes, vales, mato, floresta, etc.).

j) – Condições da mata de Lela [na República da Guiné]. Se é boa para instalar uma base de combatentes.


● Em relação ao interior:


a) – Se há tropas portuguesas no Boé e número exacto ou aproximado, armas de que dispõem, onde estão instaladas. Se fizeram fortes, trincheiras, etc..

b) – Quem é o chefe de Posto em Madina (nome, branco ou africano, etc.). Quem é a autoridade colonial em Béli e em Dandum.

c) – Se os chefes fulas são todos contra nós. Quais os que são contra nós: nome, importância, local onde vivem, posição do povo em relação a eles, etc.. Se as suas tabancas estão fortificadas.

d) – Se os chefes fulas têm armas e gente armada. Quantos homens, que espécies de armas, em que localidades.

e) – Se a jangada de Ché-Che que liga para o Gabú, está a funcionar ou não. Se há outras jangadas no rio Corubal, onde estão instaladas. Se há tropas (portugueses ou fulas) a defender a jangada.

  



Foto 2 > Região do Boé > Estrada (picada) de Ché-Che para Béli (30Jun2018), cinquenta e quatro anos depois da missão ordenada por Amílcar Cabral, em 24Jun1964. Foto do álbum de Patrício Ribeiro – P18862, com a devida vénia.


f) – Estado em que se encontra a estrada entre Contabane (perto do Saltinho) e Madina do Boé. Se a tropa portuguesa vigia ou anda nessa estrada.

g) – Estado da estrada entre Ché-Che (rio Corubal) e Béli e entre Ché-Che e Madina. Estado da estrada entre Béli e a fronteira (Vendu-Leidi). Estado da entrada entre Madina e a fronteira.

h) – Informações sobre número, armamento, presença de soldados africanos, etc., nas tropas inimigas estacionadas em Piche e Gabú-Sare (Nova Lamego).

i) – Possibilidades reais de travessia (onde e por que meios) do rio Féfiné no Boé.

 

 




Foto 3 > Região do Boé > Picada para Dandum (30Jun2018), cinquenta e quatro anos depois da missão ordenada por Amílcar Cabral, em 24Jun1964. Foto do álbum de Patrício Ribeiro – P18863, com a devida vénia.



j) – Situação alimentar no Boé. Se há arroz e outros alimentos de base (milho, milho preto, funcho, etc.). Se a população não tem falta de alimentos e de artigos de primeira necessidade (sal, fósforos, tabaco, açúcar, tecidos, etc.).

l) – Se há comerciantes europeus (ou africanos) em Madina, Béli e Dandum. Quem são e quantos são.

(m) – Situação Política – Se o povo está contente. Se sabe bem da luta. Se há gente que aprova a luta. Se a população paga impostos e a quem paga (aos chefes fulas, ao chefe do Posto?).

n) – Empregados e funcionários africanos no Boé. Quem são, qual a sua posição em relação ao Partido e a luta, estado da família, etc..

 



Fonte: Citação:
(1964), "Missão AR - Missão a Gaoual", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40180 com a devida vénia

(Continua… com outras análises) 

 ► Fontes consultadas:

Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07061.033.030. Título: Missão AR – Missão a Gaoual. Assunto: Instruções de Amílcar Cabral para Armando Ramos - Missão a Gaoual. Pontos que devem ser discutidos com o Governador de Gaoual e as informações que devem ser aí recolhidas. Missão de reconhecimento à fronteira com a Guiné-Conakry, exterior e interior (Boé). Declaração. Data: Quarta, 24 de Junho de 1964. Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral. Nota de Amílcar Cabral: "Lucette: Arquivar". Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 05248.000.048. Título: II Congresso do PAIGC, na Frente Leste (?). Assunto: II Congresso do PAIGC, na Frente Leste: Teodora Inácia Gomes, Arafam Mané, Silvino da Luz [Juvêncio Gomes], José Araújo, Bernardo Vieira (Nino), Aristides Pereira, Luís Cabral, Pedro Pires, Vasco Cabral, Carmen Pereira e Victor Saúde Maria. Data: Segunda, 18 de Junho de 1973 – Sexta, 22 de Junho de 1973. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

20Abr2021

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Nota do editor:


(*) Último poste da série > 15  de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22106: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte I: A variável "clima" (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P22121: Parabéns a você (1954): António Baltazar Dias, ex-Alf Mil Art MA da CART 1745 (Bigene, 1967/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22119: Parabéns a você (1953): António Joaquim Oliveira, ex-1.º Cabo Quarteleiro da CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69)

terça-feira, 20 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22120: Recordações do meu avô Fernando Brito (1932-2014) (Cláudio Brito) - Parte II: Primeiras Fotos do Serviço Militar no Ultramar: Goa, Índia Portuguesa,1955/58


Foto nº 1 > "Foto de Casamento (1955). Da esquerda para a direita: Fernando Pinto Júnior (bisavô), Fernando Brito (avô), Natacha Silva (avó), Cláudia Pinto Fernandes (bisavó). A razão pela qual o meu avô é Brito e os pais Pinto deve-se a uma zanga familiar. Quem registou o meu avô foi um tio, chamado Brito, e ao registá-lo, registou-o com o nome de Brito e não Pinto."



Foto nº 2  >  NRP Afonso de Albuquerque > A caminho da Índia Portuguesa > Egito > Porto-Saíde > 1955 >  Legenda no verso: "À minha querida Natacha, recordação do seu Fernando, tirada em Porto-Saíde, Egito"



Foto nº 3 > Índia Portuguesa > Goa > c. 1955/58 > O Fernando Brito, à esquerda, conversando com um soldado.



Foto nº 4 >  Índia Portuguesa > Goa > 15 de agosto de 1956 > Legenda no verso: "Uma brincadeira fotográfica, mas que lembrará meus pais".

 

Foto nº 5 > Índia Portuguesa > Goa > c. 1955/58 >  Legenda, no verso: "No calor ardente da Ínndia, sabe bem a água do coco"

Fotos (e legendas): © Cláudio Brito (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e membro da Tabanca Grande, nº 697, Cláudio Brito, neto do falecido major SGE, Fernando Brito (1932-2014), que fez duas comissões na Guiné, como 1º srgt,  CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e 1ª C / BART 6523 (Madina Mandinga, 1972/74), tendo passado também pela Índia e por Angola  (*):


[Foto à esquerda: O Fernando Brito, com o neto, pouco antes de morrer]

Data - 30 mar 2021, 11:47

Assunto - Fotos do meu avô Fernando Brito.  Primeiras Fotos do Serviço Militar no Ultramar (Goa/Índia Portuguesa - 1955-1956)


Bom dia,  Luís,

Não me esqueço da nossa série. Aqui vai o fascículo número dois:

Em 1955, cinco  dias depois de casar (anexo fotografia do casamento: Foto nº 1) e 3 anos depois do serviço militar em Portugal (Polícia Militar em Coimbra onde conheceu a minha avó Natacha, cujo verdadeiro nome era Natália), entrou num barco, o NRP Afonso de Albuquerque, e rumou à Índia Portuguesa, pelo Mediterrâneo fora. 

Pela viagem parou em Porto Saíde (Egito), que aparece na foto nº 1 e, mal chegou, refrescou-se nas praias devido ao calor ardente da Índia [Foto nº 5].. Irónico é uma coisa que ele referia: o meu bisavô, seu pai, que era cego, costumava dizer "Nem que vivas 100 anos nunca viajarás tanto como eu".... Com 24 anos, o meu avô foi para a Índia e numa viagem fez mais quilómetros que o pai dele numa vida.

Na Índia Portuguesa (Goa), nos 3 anos que lá passou (1955-1958)  [, Fotos nºs 3 e 4], teve duas funções: organização e manutenção do material bélico e monitorização e cálculo dos ordenados dos soldados, que tinham que ser convertidos em Rupias, o que era uma dor de cabeça. Vinte  dias antes do final do mês,  já começava a calcular os ordenados, os quais eram gastos em duas coisas: pinga e indianas...

Outro problema era a organização e manutenção do capital humano. O material era muito pouco sofisticado (muito dele ainda comprado pelo Rei D. Carlos ao armamento remanescente da Guerra Franco-Prussiana de 1871), mesmo para a altura, e os soldados, profundamente fundidos ou afastados daquele território, sentiam que aquele era um recôndito territorial muito afastado e no dia em que caísse, caía num dia (foi o que aconteceu, a Guerra de Goa é chamada a Guerra de um Dia). 

Todavia, não ficaram amarguras (prova disso é a fusão dos nossos povos - nunca conheceram um Apu Tavares? ou um Majara Silva?). Uma das frases mais emblemáticas que o meu avô me deixou sobre a Índia Portuguesa é a seguinte: "Se os indianos começassem a mijar no topo da montanha dos gatos, os portugueses morriam afogados lá em baixo". Esta frase denota os números avassaladores entre indianos autóctones e portugueses.

Pelo meio desta primeira comissão, conheceu, entre outras pessoas, um tipo chamado Casimiro Monteiro, nascido em Goa [, em 1920, e falecido m África do Sul, em 1993], um tipo 11 anos mais velho e um sanguinário cruel. Ao interrogar individuos responsáveis pelo ativismo libertário goês, muitas vezes esses individuos saiam de maca com o lençol a cobrir a cara (interpretem como quiserem). 

Como é do conhecimento público, Casimiro Monteiro será contratado pela PIDE e planeará o assassinato de Humberto Delgado, assim como o executerá, mas não só!,  Eduardo Mondlane, líder da FRELIMO, foi também uma das suas vítimas mais notórias. 

Foram tipos como estes que fizeram certos soldados perder a fé em Deus e na bondade dos Homens e faziam a Pátria mais pútrida e com sabor a fel, mau grado a doçura calmante dos trópicos. Enfim, são individuos que fazem parte da nossa História, para o bem e para o mal.

Em 1958 volta para Portugal. Passa dois anos em Coimbra, faz dois filhos e tenta a todo o custo salvar a sua Natacha da tuberculose. Em 1961 está na altura de ir para Angola (próximos fascículos).

Um abraço,
Cláudio
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Legenda das fotografias:

Foto nº 1 > Foto de Casamento (1955). Da esquerda para a direita: Fernando Pinto Júnior (bisavô), Fernando Brito (avô), Natacha Silva (avó), Cláudia Pinto Fernandes (bisavó). A razão pela qual o meu avô é Brito e os pais Pinto,  deve-se a uma zanga familiar. Quem registou o meu avô foi um tio, chamado Brito, e ao registá-lo, registou-o com o nome de Brito e não Pinto.

Foto nº 2 > Legenda, no verso: "À minha querida Natacha, recordação do seu Fernando, tirada em Porte-Saíde, Egito"

Foto nº 3 >   Índia (15-8-1956), Conversando com um soldado.

Foto nº 4 >  Legenda no verso: "Uma brincadeira fotográfica, mas que lembrará meus pais" (Índia, Goa, 15 de agosto, 1956).

Foto nº 5 > Legenda no verso: "No calor ardente da Índia, sabe bem a água do coco".

2. Em 22 de março último, o Cláudio Brito, filho de um filho muito amado do Fernando Brito, o Fernando José Brito (1960-2001) que morreu precocemente num acidente viário, mandou-nos mais a seguinte nota sobre o avô que o criou como filho e que tem uma história de vida que poucos de nós, que com ele privámos na Guiné, conhecemos.

Bom dia Luís Graça,

Agora paro em terras algarvias. Vivo em São Brás de Alportel e trabalho em Faro. Vida de professor. Espero que desta seja de vez .

Sim. Sempre que tiver um momento para escrever um texto, anexar umas fotografias, legendá-las e datá-las convenientemente, fá-lo-ei, com toda a certeza.

O meu avô teve uma vida longa em todos os sentidos. Começou a trabalhar aos 12 anos para o Alfredo da Silva, o fundador da CUF, aos 24 anos para fugir à PIDE (no Barreiro), enveredou pela carreira militar, foi para Coimbra onde se tornou polícia militar, depois casou, 5 dias depois (em 1955) foi para Goa, onde esteve até 1958 e na qual Goa conheceu, por exemplo, o assassino do Humberto Delgado, Casimiro Monteiro, um tipo de uma crueldade inimaginável (segundo as palavras dele).

Voltou para Portugal. Teve dois filhos no entretanto, ambos nascidos em sanatórios, pois a minha avó era tuberculosa. Depois em 1961 vai para Angola até 1968. Em 1969 volta para Portugal, onde participa na inauguração do edifício das matemáticas (há uma filmagem dele no RTP Arquivo), volta para a Guiné em 1969/1970 e só regressa em 1976 [?] [deve ser 1974].

Em Angola aproveita e tira o curso de treinador de futebol. Em 1976 volta para Coimbra. Em 1980 vai para os Açores, onde, além da continuação da carreira militar, treina uma vintena de clubes (entre os quais o Santa Clara, o Atlético, o Águias do Arrife, o Rabo de Peixe, o Mira Mar, etc.), volta para Coimbra em 1989, começa as suas tarefas como olheiro e assistente da direção desportiva da Académica e treinador dos júniores da Académica e do União de Coimbra (onde encontra tipos como o Lucas, o Febras, o Pedro Roma, o Lixa, entre outros), até 2001, altura em que abandona os relvados, já está reformado da vida militar e dedica os últimos anos da sua vida apenas a dar explicações de Matemática e Português, gratuitamente, aos miúdos do meu bairro (o Norton de Matos) no edifício das Forças Armadas, até à sua morte a 18 de fevereiro de 2014.

São 82 anos (1931-2014) com muitas coisas, histórias, álbuns e álbuns de fotografias, slides e slides com histórias e estórias, artefactos e memórias que demoram a organizar, mas com certeza que o farei com muito gosto.

Um forte abraço e até breve,
Cláudio.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22119: Parabéns a você (1953): António Joaquim Oliveira, ex-1.º Cabo Quarteleiro da CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22112: Parabéns a você (1952): Raul Brás, ex-Soldado CAR da CCAÇ 2381 (Buba, Aldeia Formosa e Empada, 1968/70)

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22118: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (24): "O papagaio embriagado"...



O Periquito-massarongo [, nome científico Poicephalus senegalus], não confundir com o Papagaio-Cinzento-de-Timeneh, em vias de extinção, nativo dos Bijagós.. Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 43- Ilustração: PF - Pedro Fernandes. (com a devida vénia...)



1. O Carlos Barros, ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", mandou-nos, em 14 do corrente, "mais uma estória para a História"...


O papagaio embriagado...


O destacamento de Nova Sintra, no sector do Quínara, estava ocupado pela 2ª CART do BART 6520, companhia “baptizada” pelos “Os Mais de Nova Sintra”, tendo no seu crachá , a imponente figura do Obélix ,em destaque.

O destacamento de Nova Sintra, desde 1972 a 1974, foi alvo de flagelações, minas, emboscadas, patrulhamentos constantes, armadilhas mas os seus militares estiveram sempre à altura e responderam com afinco e eficácia, às investidas do inimigo. Eram soldados, como muitos outros disseminados pelos recantos da Guiné, com elevado índice de coragem, com grande espírito de sacrifício e muito empreendedores tanto na mata como dentro do arame farpado, nos diversos trabalhos que lhe eram incumbidos.

Fugindo um pouco à situação belicista em que vivíamos, com a minha memória, ainda um pouco refrescada, talvez pelo orvalho desta manhã, surge mais uma “estória” real que surgiu dos empreendimentos aventurosos dos nossos companheiros de Nova Sintra.

O 1º cabo Carlos Cripto (, o António Carlos de Jesus Ribeiro,) certo dia conseguiu apanhar um papagaio, que parecia mais um emplumado periquito. Andava com esta simpática e colorida, ave ao ombro pelo destacamento, o que despertava muita curiosidade e, provavelmente, uma certa inveja, aos seus companheiros de Nova Sintra.

Os furriéis Elias (.José Pereira da Silva Elias, mecânico auto) e Mendonça (,Jorge Manuel Santos C. Mendonça, transmissões) nos seus patrulhamentos dentro do destacamento, municiados com a sempre presente cerveja ou bebida similar, foram ter com o seu amigo Carlos Cripto para fazerem umas festinhas ao papagaio.

Esta dupla de furriéis, sempre empreendedores em aventuras, pegaram na avezinha ternurenta, abriram-lhe o bico e enfiaram-lhe “whisky” pela goela abaixo, apesar do “esbracejar” do periquito…A intenção dos furriéis era ver um periquito bêbado e observar o seu comportamento!

Naturalmente, passado algum tempo, a infeliz ave nunca mais se levantou, apesar dos esforços de reanimação que tentaram fazer e o óbito foi confirmado no local e, penso que a "certidão de óbito” foi passada pelo furriel enfermeiro Tavares (, José Manuel Dias Tavares), uma certidão de óbito, digamos, virtual!

O Carlos Cripto ficou desesperado e revoltado com a perda do seu amigo papagaio , encostou-se a um canto do edifício das transmissões, serenou e anestesiou o seu nervosismo e com o seu dedo indicador ameaçou mesmo os seus companheiros, com uma queixa ao capitão Cirne (, Armando Fonseca Cirne), que, mais tarde, soube deste incidente, achou-o engraçado e com muita piada !

Como, em Nova Sintra, não havia cemitério para os animais ou aves, fez-se um enterro “voador” já que o papagaio foi lançado pelos ares para o meio do ressequido capim que abundava nas circunscrições territoriais do destacamento.


Carlos Barros
(Ex- furriel Miliciano)
BART 6520 - 2ª CART
“Os Mais de Nova Sintra”
Esposende 10 de abril de 2021


C/ a colaboração de: António Carlos de Jesus Ribeiro-Operador Cripto | José Pereira Silva Elias-Furriel mecânico |  Jorge Manuel Santos C. Mendonça-Furriel das Transmissões |  José Manuel Dias Tavares - Furriel enfermeiro.

2. Comentário do editor LG:

Carlos, papagaio ou periquito ? 

Pel tua descrição, inclino-me, com toda a segurança, para a segunda hipótese... O periquito é que era vistoso, colorido... Deveria ser um Periquito-massarongo [, nome científico Poicephalus senegalus]. 

Originalmente, os militares que chegavam à Guiné eram chamados "maçaricos" (tal como em Angola, e "checas" em Moçambique). Mas o termo foi depois substituído, e com muito melhor propriedade", por "periquito" ou "pira" (e lê-se "p[i]riquito" (O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa ainda não grafou esta aceção do vocábulo, embora ela se use há mais de meio século por nós, antigos combatentes!)...

Segundo o guia das aves da Guiné-Bissau, este periquito é uma ave que tem 23 cm de comprimento, portanto mais pequeno que o papagaio-cinzento (que tem 33 cm)... 

"O seu chamamento agudo ouve-se com frequência em zonas de savana arbórea e de floresta. Encontra-se também em zonas de cultivo com árvores e em cidades. Apesar de ser muito capturado para cativeiro, é ainda comum na maior parte do país. Observa-se aos casais ou em pequenos grupos em ramos expostos. Alimenta-se de frutos e de sementes." (Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 43. Com a devida vénia).

Sobre o papagaio-cinzento-de-Timneh, ver aqui, na mesma fonte e na mesma página (Ilustração também de Paulo Fernandes. Reproduzido com a devida vénia.)



Guiné 61/74 - P22117: Notas de leitura (1352): Uma importante carta enviada ao General Schulz em agosto de 1966 (Mário Beja Santos / José Matos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
O nosso confrade José Matos tem vindo a espiolhar no Arquivo da Defesa Nacional, teve a amabilidade de me passar esta carta de um colaborador de Schulz que escreve para Lisboa, onde o comandante-chefe estava em convalescença de uma operação, dando-lhe conta da evolução dos acontecimentos. De modo muito lacónico e discreto, e atendendo à escassez de meios, não deixa de insinuar que se pode caminhar para um desastre militar e aflora a questão do caos económico em que se encontrava a república da Guiné Conacri e a possibilidade de interferir no país através de conversações com os opositores. 

Quem lê o livro soube que o José Matos e o Mário Matos e Lemos escreveram sobre a Operação Mar Verde cedo se apercebe que as autoridades portuguesas nunca levaram a sério o grupo opositor de Conacri, era notória a falta de coesão e difuso o seu programa. Esta indiferença prolongar-se-á por muito tempo, só tomará alento a partir de 1969, mas sempre com fortes resistências por parte de um conjunto de ministros de Marcello Caetano. O curioso da carta dirigida ao General Schulz é de modo cuidado, um leal colaborador dar a entender que se não houver mais meios há muito poucas cartas ainda por jogar e que a iniciativa era praticamente nula, mal por mal o melhor era tentar agravar a ruína e o caos da Guiné Conacri, talvez assim pudesse abrandar ou estiolar o apoio ao PAIGC. Sonho em vão, como a História se encarregou de demonstrar.

Um abraço do
Mário



Uma importante carta enviada ao General Schulz em agosto de 1966

Mário Beja Santos

Conversando há dias com o investigador José Matos, nosso prezado confrade, ele teve a amabilidade de me enviar um documento que recolheu junto do Arquivo de Defesa Nacional, uma carta assinada por um colaborador de Schulz em que se fazem apreciações do maior relevo e que permitem dar-nos uma perceção da evolução da guerra a meio da comissão do Governador e Comandante-Chefe Schulz. Depois de o saudar e manifestar satisfação pelas melhoras de uma operação a que este fora submetido, dá-lhe conta da situação que se vive na Guiné:

“A estrada está aqui cada dia mais difícil de percorrer. O inimigo tem continuado a desenvolver-se de maneira segura. O Churo, o Jol e Có representam agora, para as nossas tropas, um esforço operacional tão importante como aquele existia no Oio há pouco mais de um ano, quando tivemos a vitória militar quase nas mãos e ela nos escapou por falta de reservas para lançar na ação. 

Nhacra e o Jugudul, são hoje zonas operacionais situadas a 20 quilómetros de Bissau, que continuam a constituir o principal objetivo do inimigo. No sul, não temos tido progressos sensíveis e todos estamos convictos de que o inimigo continua a reforçar-se de modo a tornar tanto quanto possível inexpugnável a sua posição; quando for possível reunir os meios para recuperar esta parcela do território teremos de encarar uma verdadeira guerra clássica, com tropas bem apoiadas pelo fogo, dispondo de transmissões impecáveis e capazes de manobrar num terreno onde isso lhes é vedado com os meios normais. 

No Leste, à parte o alívio resultante da deslocação do esforço inimigo para a região semi-despovoada do Boé, as preocupações continuam a ser muito grandes e não permitem que daí se distraiam forças para emprego noutras operações. 

Resumindo, o inimigo colocou-nos a mão no pescoço, como bom lutador de judo, e nós temos dificuldade em sair desta posição.

As razões são bem conhecidas de todos: a nossa massa operacional, se descontarmos as zonas passivas em que apesar de tudo temos de conservar tropas em quantidade suficiente para ocorrer a qualquer ação inesperada (quando se perde uma população ela fica perdida para sempre), se descontarmos os meios empenhados em zonas que presentemente são mais ou menos passivas e fizermos a mesma coisa ao apoio logístico que existe em todos os escalões, pelo menos até ao nível de companhia, encontramos aproximadamente na proporção de 1/1 ou, se formos otimistas, de 1,5/1 relativamente ao inimigo. 

Uma guerra subversiva não pode ser ganha com esta proporção de forças, sobretudo se o inimigo, como é o caso, dispõe de santuários onde pode recompor e reorganizar as suas forças em plena tranquilidade. Já um dia ouvi alguém que disse que, se é verdade que a guerra pelo Ultramar não pode ganhar-se na Guiné, ela pode, pelo contrário, perder-se ali completamente. 

Eu creio, meu General, que se não dermos uma reviravolta completa em tudo isto, estamos bem perto da segunda hipótese.

Podem descobrir-se montanhas de defeitos nos nossos quadros e uma multidão de erros nos procedimentos seguidos pelas nossas forças; pode afirmar-se, em cima de uma carta, que no caso A ou no caso B o êxito teria sido completo se os nossos homens tivessem trabalhado de maneira um pouco diferente. Mas nada disto altera duas verdades fundamentais: a primeira é que num território com a densidade de perto de 20 habitantes por quilómetro quadrado, nós não dispomos dos meios suficientes para garantir às populações a proteção de que necessitam nem dos quadros civis que lhes criem perspetivas de progresso que justifiquem uma adesão total à nossa política, nem meios financeiros; a segunda é que, dados os progressos do inimigo em matéria de técnica, de armamento e de tática, só uma alteração muito profunda nas nossas possibilidades de manobra (deslocamentos de forças e apoio de fogos para ação) é suscetível de desequilibrar a balança a nosso favor.

Quando se diz que a quadrícula é excessiva, desconhece-se que a população é de tal densidade que a torna evidentemente necessária. Temos perdido dezenas de milhares de habitantes por não nos ter sido possível prestar-lhes o apoio de que necessitam. É certo que os efectivos de cada unidade em quadrícula podem, em alguns casos, ser diminuídos se recorrermos a trabalhos de fortificação apropriados – mas onde está a engenharia para isso? E quais seriam as economias de meios que daí resultariam? Iriam influenciar decisivamente o curso desta guerra? Creio bem que não.

Por outro lado, tem-se verificado, com frequência cada vez maior, que as nossas tropas só muito raramente se levantam ao assalto de posições inimigas. A minha conclusão actual é a de que o homem normal não se levanta ao assalto de resistências inimigas defendidas por armas automáticas se não estiver apoiado por fogos com densidade suficiente para criar nesse inimigo neutralização. Cadique, Cafine e a recente operação do Churo, constituem alguns exemplos entre muitos que mais não o fazem que somar-se à multidão de casos que encontramos em todas as guerras desde que foi inventada a metralhadora.

O terceiro ponto que me parece de muita importância para que nos seja possível dar uma volta na situação sem aumento substancial imediato dos nossos meios é o que diz respeito às nossas possibilidades de manobra: esta faz-se a pé, é certo, mas tem também de fazer-se em viatura, em avião, em helicóptero e em meios fluviais. 

As possibilidades apenas são razoáveis em matéria de meios fluviais; quanto à manobra auto, ela apenas é possível em meia dúzia de estradas, por falta de viaturas, mas sobretudo por falta de infraestruturas – e estas não podem ser conseguidas com uma única Companhia de Engenharia numa província que não dispõe de meios civis que possam suprir as falhas dos meios militares”.

Mais adiante, o Tenente-Coronel Castelo Branco, depois de reconhecer ao General Schulz que tem feito exposições rigorosas da situação ao Ministro da Defesa Nacional, recorda que o Governador tem afirmado que a situação da Guiné depende sobretudo da evolução da situação internacional, e esta é altamente desfavorável para nós. Poderá haver uma possibilidade que nos seja favorável, ele refere que a situação da República da Guiné está num caos, e insinua que devia haver conversações com os opositores do ditador de Conacri.

Dada esta síntese do documento que o José de Matos obteve no Arquivo da Defesa Nacional, muito provavelmente para apurar o histórico das ligações entre os opositores de Sékou Touré e as autoridades portuguesas, e que cumularam na Operação Mar Verde, creio que o leitor ficará com uma ideia de que havia entre os colaboradores de Arnaldo Schulz uma imagem clara das tremendas dificuldades que já se viviam em 1966 e que eram conhecidas pelo governo de Lisboa, mormente a partir do Ministro da Defesa Nacional, mantido sempre informado das instruções do Comandante-Chefe, das suas diretivas, da notória falta de meios, etc. e tal.

É lendo documentos como estes que se pode perceber como é completamente leviano querer fazer historiografia da guerra da Guiné passando como gato pelas brasas pelos mandatos de Louro de Souza e Arnaldo Schulz e assestar as baterias no herói salvador Spínola que viu goradas todas as suas iniciativas e se retirou da liça em agosto de 1973.

Primeira página da carta que o Tenente-Coronel Castelo Branco enviou em 11 de agosto de 1966 ao General Schulz, n.º da cota PT/ADN/SGDN/2REP/106/0411/008, Arquivo da Defesa Nacional
Schulz nos Comandos em Brá, 1965
Visita de Arnaldo Schulz a Cutia em 1966, imagem já publicada no blogue
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Nota do editor:

Último poste da série de 12 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22099: Notas de leitura (1351): "Ataque a Conakry, História de um Golpe Falhado", por José Matos e Mário Matos e Lemos; Fronteira do Caos, 2020 (Mário Beja Santos)