quarta-feira, 9 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22268: Historiografia da presença portuguesa em África (266): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Outubro de 2020:

Queridos amigos,
As Actas da Sociedade de Geografia de Lisboa põem-nos no centro das preocupações de uma assembleia compósita onde não faltavam os principais políticos, figuras da aristocracia, cientistas, empresários e banqueiros e meros entusiastas na nova formulação do nacionalismo imperial assente em África. Ali se faziam proposta para trocar colónias, para formar uma administração colonial capaz e esclarecida, propunham-se estátuas, projetos hidrográficos, levantamentos, estudos sobre comércio e indústria, discutia-se calorosamente os tratados portugueses com a Grã-Bretanha, e de igual forma se defendia o Meridiano de Greenwich. Aqui se cita alguns elementos de uma circular enviada aos sócios sobre o que era a Sociedade de Geografia, a sua ligação a toda a sociedade por se considerar depositária de um bem público, o museu estava a constituir-se, aceitava-se uma parceria com o Jardim Zoológico, subvencionava-se uma nova exploração de Capelo e Ivens, aqui configurados como heróis nacionais.
Vamos ver que surpresas nos vai oferecer a Sociedade de Geografia, estamo-nos a aproximar da Conferência de Berlim.

Um abraço do
Mário


O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (3)

Mário Beja Santos

Que grau de utilidade podemos encontrar no estudo das grandes preocupações dos sócios da Sociedade de Geografia de Lisboa naqueles anos entusiásticos em que se procurava alicerçar o III Império Colonial, radicado em África? Analisar o funcionamento de um grupo de pressão para onde convergiam figuras de topo do rotativismo político, cientistas, empresários e até um elevado número de nacionalistas que acreditavam ardentemente que a Sociedade de Geografia era a sede habilitada para dar voz aos interesses imperiais. É por isso que estamos não à volta do boletim, publicação onde caprichavam estudos e documentos apresentados pelos sócios, nós aqui estamos a acompanhar as sessões para tentar perceber as motivações concretas de todos os sócios e ver como estas propostas chegavam ao Governo, entravam na arena política ou faziam mesmo parte da discussão pública.

Estamos na sessão de 20 de janeiro de 1883, e o sócio José Ferreira de Almeida apresenta a seguinte proposta: “A Sociedade de Geografia de Lisboa, tendo em vista o melhor aproveitamento, civilização e progresso dos domínios coloniais portugueses; no interesse do país e da humanidade, e no intuito de uniformizar o regime administrativo e tornar mais eficazes os meios de ação de que o país dispõe, seguindo-se a norma que o Governo de Sua Majestade acaba de adotar com relação aos territórios banhados pelo Zaire e o Forte de S. João Baptista de Ajudá: Propõe: 1.º  - A troca do domínio de Timor pelo de Fernando Pó cedido à Espanha pela Convenção de Março de 1778; 2.º -  A cessão à França do domínio da Guiné compreendido nos paralelos de 10º 12´ e 13º e 10´ ; pelo domínio francês do Gabão, levando a fronteira da nossa província de Angola de 5º 12´ sul à fronteira norte do domínio francês ao norte do Equador. A proposta foi enviada para a Comissão Africana. Também durante esta sessão se falou num concurso com um prémio de 100 mil reis para um estudo sobre as relações comerciais entre Portugal e as suas colónias, tendo em vista o alargamento dessas relações a fim de que a indústria nacional se desenvolva e aproveite para consumo dos seus produtos nos mercados coloniais".
António Augusto de Aguiar, um dos Presidentes da Direção da Sociedade de Geografia de Lisboa

Na sessão do mês seguinte foi aprovada uma proposta de se proceder ao levantamento hidrográfico da costa e possessões portuguesas, e particularmente das costas, portos e rios da província de Angola. Na sessão do mês seguinte quem a preside é o Conselheiro António Augusto de Aguiar pois Barbosa du Bocage fora nomeado Ministro da Marinha e Ultramar. Fala-se das ingerências da Grã-Bretanha na questão do Niassa, “os ingleses davam-se ares de pertencer-lhe, como se tinham dado de o ter descoberto”.

Na sessão de finais de Abril elaborou-se e aprovou-se parecer sobre a questão do meridiano universal, reconhecendo-se que o meridiano de Greenwich é a situação mais prática, a Sociedade de Geografia vota por este meridiano como universal para origem da contagem das longitudes. Mas havia na época muitas consultas, no caso português incluía-se o Real Observatório Astronómico da Ajuda. Na reunião seguinte surgiu a proposta de promover por meio de uma subscrição a ereção de uma estátua colossal do Cabo de S. Vicente ao Infante D. Henrique e que o lançamento da primeira pedra devia já ocorrer no ano de 1884. A questão do Zaire, que deu origem a um tratado entre Portugal e a Grã-Bretanha é matéria de grande debate. Nas sessões seguintes ocupam grande espaço as expedições de Capelo e Ivens.

No ano seguinte, logo na sessão de março é criada a Secção Asiática da Sociedade de Geografia de Lisboa e nas eleições António Augusto de Aguiar passa a presidente da Direção. Neste tempo, a Sociedade reinstalara-se na Travessa da Parreirinha, N.º 5, 1.º andar e envia-se uma circular aos sócios de onde se destacam os seguintes parágrafos:
“Nós somos uma modesta Sociedade de homens que estimam e servem a ciência e o nome português; a nossa casa é uma oficina pobre, um centro despretensioso de estudo e de convívio útil, sustentado principalmente pelas nossas pequenas cotas mensais. Não é um grémio de luxuoso passatempo, nem o nosso fim comum é cuidarmos do nosso conforto e recreio.
Rigorosamente, à cavalheirosa e discreta dedicação de todos os nossos consócios fica entregue a guarda e a polícia da nossa casa, como naturalmente lhes pertence também a guarda e defesa do nosso bom nome social. Por enquanto, pelo menos, a casa da Sociedade não poderá estar aberta ordinariamente senão desde as 10 horas da manhã até às 4 horas da tarde, e desde as 8 até às 12, precisas, da noite, todos os dias. A nossa casa não é um clube. Julgamos por isso escusado observar que não podem ser consentidos nela nenhuns jogos ou diversões alheias à índole e à lei da Sociedade, como também o não podem ser nenhumas discussões e operações de propaganda religiosa e política (quem consultar a lista dos sócios poderá verificar esta versatilidade de ocupações, desde o banqueiro Francisco Oliveira Chamiço, fundador do Banco Nacional Ultramarino, até um conjunto elevado de funcionários públicos).
Na nossa casa havemos de nos encontrar, conversar, estudar, permutar as nossas ideias e as nossas informações, sempre num convívio sereno e grave, a que nunca deixará de estar presente a ideia da nossa honra e do nosso dever comum.
Considerando as vantagens científicas do estabelecimento de um jardim científico em Lisboa, as íntimas relações deste empreendimento com os fins da sociedade, e os próprios sentimentos, neste sentido manifestados pelos nossos consócios, mas considerando também que os novos e consideráveis encargos sociais nos recomendavam a mais severa economia e o mais escrupuloso retraimento no sentido da concessão gratuita das nossas salas e serviços, temos acordado com a sociedade promotora daquele jardim de estudo, composta da sua maioria de consócios nossos, e que na nossa casa se instalou e tem funcionado até hoje, que ela continue na nossa sede, mantida a recíproca independência e sem prejuízo do nosso expediente e serviços.
Está começada a instalação do nosso museu, graças à dedicação de alguns dos nossos consócios; procura ser, em parte, um museu de estudo e aplicação industrial e comercial, principalmente no que importa às relações comerciais. Vem aqui a propósito submeter à consideração de V. Exas. a ideia em que estamos, de franquear ao público, em certos dias, a nossa casa, para exame e estudo das nossas coleções.
A Sociedade de Geografia é filha legítima da iniciativa particular”
.

Falou-se acima de que Capelo e Ivens era um tema dileto por causa das suas explorações, veja-se o que se escreveu numa das sessões:
“O Sr. Presidente informou a Assembleia de que ia entregar aos senhores Capelo e Ivens, em véspera de partirem para uma nova exploração na África Ocidental, a bandeira que os acompanhará na sua primeira expedição ao continente africano. E acrescentando algumas palavras de elogio e de estímulo aos ilustres exploradores, dirigiu-se com os secretários para a mesa onde se achava a bandeira, entregando-a aos senhores Capelo e Ivens, erguendo-se toda a assembleia e vitoriando calorosamente aqueles consócios. Deixou-se claro que a expedição africana se devia em grande parte à Sociedade de Geografia. Roberto Ivens agradeceu comovido em seu nome e de Ermenegildo Capelo, disse que aquela bandeira já testemunha e será companheira de uma missão de paz e de ciência. ‘O Sr. Serpa Pinto, tomando a palavra despediu-se comovido dos seus antigos companheiros e lembrou à Mesa a urgência de formar uma comissão de vigilância para se ocupar exclusivamente dos dois exploradores enquanto eles estivessem no desempenho da sua nobre missão”.

(continua)
Fachada comum da Sociedade de Geografia de Lisboa e do Coliseu dos Recreios
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22249: Historiografia da presença portuguesa em África (265): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22267: (Ex)citações (386): Valeu a pena andarmos todos à porrada, nós, e os ingleses, e os bóeres, e os alemães, e os cuanhamas, e os hereros, naquele Cu de Judas que era o sul de Angola e o Sudoeste Africano? (António Rosinha / Valdemar Queiroz)


Angola > c. 1900 > Deserto de Moçâmedes, sul de Angola, atual província de Namibe  > Um dos famosos carros boéres, a atravessar o rio Caculovar. Foto do álbum da família de origem boer, Schotanus, com antepassados no sul de Angola. Com a devida vénia...


Em 1884 um navio chamado 'India' deixou a Madeira com 222 colonos para cultivar a parte sul de Angola a convite do governo português (ver guia do colono de 1891, em português) , que ocupou Angola por quase 400 anos, durante os quais as tribos Bantu do norte começaram a se mover para o sul da África, deslocando os primeiros bosquímanos e hotentotes. 

Até ao século XIX, esta área em particular ainda estava largamente desabitada, exceto por alguns boéres sul-africanos que no século 19 se mudaram para a Huila, no interior de Angola, longe do domínio britânico, primeiro na antiga província holandesa do Cabo e depois no Transvaal. 

Os madeirenses aprenderam a cultivar a terra, a caçar e a construir robustos carroções de bois com os bôeres, que tinham adaptado um design não incomum da Holanda., e que controlava o comércio de transportes no sul de Angola para aborrecimento das autoridades portuguesas em Lisboa. 

O avô Domingos Rodrigues conheceu bem os Afrikaner Boers , e passou mais de 50 anos a ajudar a desbravar o sertão angolano: tocava as suas canções Boer na sanfona e falava Afrikaans. Os Boers saíram como tinham vindo, em várias ondas durante o século seguinte (nomeadamente com o êxodo de 1928 e de 1958), tendo sido encurtado a cada passo pelas autoridades portuguesas nas suas tentativas de construir uma nova vida



A Lee-Enfield, a espingarad padrão do Exército Britânico (adotada em 1895)


A Mauser 98 ou Gewehr 98 (. versão moderna), que fez a sua estreia na Segunda Guerra dos Boéres (1899-1902).

 
Comentários aos postes P22264 e P22266:

(i) António Rosinha (*)

A batalha de Naulila foi feita contra os alemães para defender aquela fronteira(sul). Os alemães que também nos massacraram em La Lys naquele tempo, forneceram armas aos Cuanhamas que eram muito difíceis e muito rebeldes e até bastante insociáveis e até 1974 não pagavam imposto.

Hoje, estes dias (jornais de duas semanas passadas), a Alemanha aceitou considerar genocídio aquilo que fizeram a sul de Naulila, ou seja, no sudoeste alemão (Namibia), genocídio contra os irmãos destes mesmos Cuanhamas que do lado de lá se chamam Hereros.

Os alemães precisavam dos rios do sul de Angola.

Os alemães perderam a I Guerra Mundial, com muitos sacrifícios da nossa parte, se a vitória tem sorrido aos alemães, Angola e Moçambique e seus habitantes tinham outro destino, principalmente os Cuanhamas, armados pelos alemães, falava-se em Mausers contra as nossas Lee-Enfields (ou coisa que o valha).

O 25 de Abril apanhou-me a fazer estradas exatamente naquela fronteira do sul.

Será que valeu a pena nós e os alemães andarmos à porrada naquele cu de judas?

É melhor perguntar aos descendentes de Agostinho Neto, de Lúcio Lara, de Eduardo dos Santos e de Savimbi, mais uns generais, eles é que se podiam pronunciar sobre o resultado final.

8 de junho de 2021 às 15:21

(ii) Valdemar Queiroz (*)

Rosinha

É uma chatice e não nos sai da cabeça, o que se passou com a colonização da América do Norte e do Brasil, a colonização espanhola agora não entra.


Aquilo é que foi, e porque em África não aconteceu a mesma coisa? Até já havia por lá mão d'obra de borla.

Parece que em África (subsariana) só a partir do séc. XVII, com a chegada dos camponeses calvinistas holandeses (boéres)(#) ( ao sulO, é que deixou de ser quase unicamente a "mina" do negócio de escravos. Os boers fixaram-se no terreno e dedicaram-se à agricultura como já tinha feito outros calvinistas na América do Norte.

Por isto, a África nunca poderia ser igual à 'era só mais uns aninhos e tínhamos outros Brasis pra nós, ou anos antes outra América para os ingleses, franceses e outros' e, agora, com a civilização cristã e ocidental não haveria todos aqueles problemas em África.

Não sabemos é se aconteceria o mesmo que aconteceu aos índios da América do Norte.

Abraço
Valdemar Queiroz

(#) boers, em neerlandês pronuncia-se bôarrss

8 de junho de 2021 às 18:04 


(iii) António Rosinha (**)


Umpungo, onde este heroi Roby morreu era ainda muito longe da fronteira e onde se deu a anteriormente mencionada batalha desatrosa de Naulila, só que os indígenas de Naulila eram Cuanhamas, e no Umpungo eram Mamuilas, da Huila.
Conheci desde 1958 estas regiões profissionalmente e conheci muitas histórias contadas por gente ainda viva de Sá da Bandeira e do Roçadas (Humbe) e Pereira D'Eça (Ondjiva).

Os alemães incitavam e armavam a população contra nós, mas não me tinha apercebido que vinham tanto para norte.

Ainda em 1958 ir de Luanda até estas regiões era muitíssimo complicado, apercebi-me porque trabalhei e percorri profissionalmente, em cartografia e estradas toda esta região.

O General Roçadas levou tareia e só mais tarde o General Pereira D'Eça é que dominou , mas só com a ajuda dos Boeres, porque estes muitos tinham-se refugiado no Sul de Angola, devido a guerras que mantinham com ingleses que nunca entendi bem, ainda viviam algumas familias naquela região no 25 de Abril, e do lado da Namíbia deram muita luta aos alemães.

Os boeres deixaram uma tradição de transporte animal, usada pelas nossas tropas no sul de Angola que constava quase exactamente com os nossos carros de bois que bastante estreitos, usavam os caminhos de pé posto dos indígenas, que com uma ligeira desmatação, ficaram a ser conhecidos por caminhos dos boeres, e desenrascava para levar armas e mantimentos em distâncias enormes.

Esta guerra no sul de Angola terminou com a derrota dos alemães nesta e noutras frentes evidentemente, mas o domínio total sobre a rebeldia dos Cuanhamas foi com uma batalha também célebre em Angola a batalha da Mongua com o General Pereira D'Eça.

Também nessa guerra foi usada alguma cavalaria e os Cuanhamas também usavam cavalos.

9 de junho de 2021 às 12:06 (***)

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Notas do editor:


Guiné 61/74 - P22266: Blogues da nossa blogosfera (160): Vida e morte do capitão Sebastião Roby (Braga, 1883 - Angola, 1915) (Excerto de "O sal da história", de Cristiana Vargas)


Portugal > Braga > Av Central > 2013 > Monumento "À Memória dos Irmãos Roby, herróicos filhos desta cidade mortos  ao serviço da Pátria": João Roby, "morto no combate  de Umpungo, em 25 de setembro de 1904; e Sebastão Roby, "morto nas campanhas de Angola, em 10 de julho de 1915".  Autoria: escultor Zeferino Couto, c. 1955.
 Foto de Joseolgon (2013). Reproduzido e editado, com a devida vénia. Fonte: Wikimedia Commons

1. "O sal da história" é um blogue de Cristiana Vargas, natural de Alcácerdo Sal. Define.se a si própria como "jornalista de formação e coração, arquivista por acasoe
 – xistem acasos? –  e por enquanto. Apaixonada pela história e as suas estórias"... 
O seu blogue é descrito nestes termos: " Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos."
 Teve início em dezembro de 2017.  Tem mais de 2 dezenas de seguidores. E dele reproduimos, com a devida vénia, este excerto relativo à vida e morte do capitão Sebastião Roby (Braga, 1883-Angola, 1915).(*)

2. Blogue "O sal da história", de Cristiana Vargas > 1 de Abril, 2021 > O verdadeiro Capitão Roby não era um burlão sedutor

(...) A sua morte também dava um filme, mas acabou quase esquecida, entre as muitas que Portugal sofreu ao defender as suas possessões em África. Os dois irmãos Roby queriam ser heróis.

Sabe quem era o capitão Roby? Provavelmente responderá que foi um pinga-amor célebre nos anos 80 do século XX por, alegadamente, ludibriar as suas apaixonadas, façanha que até valeu uma série televisiva baseada na sua vida. O problema é que o verdadeiro Capitão Roby, que poucos conhecem, nada teve que ver com tais proezas, embora a sua vida - ou antes, a sua morte - também pudesse dar um filme, muito menos picante, mas bem mais trágico. Há exatamente um século, os seus restos mortais chegavam a Portugal, quase ao mesmo tempo que os do Soldado Desconhecido, que bem podia representar.

(...) Em março de 1921, o capitão Sebastião Luiz de Faria Machado Pinto Roby de Miranda Pereira (**), regressou à metrópole como herói, embora morto, a bordo do navio “Zaire”, para finalmente repousar na sua terra natal, Braga. Tinha sucumbido quase seis anos antes, numa emboscada ocorrida em Angola, que as crónicas da época classificam como um autêntico massacre. Tinha apenas 31 anos de idade e participava nos esforços portugueses para defender o seu “Império” face à ameaça alemã, ainda antes da entrada oficial do nosso País na I Grande Guerra.

(...) Estava em África na coluna do general Pereira d’Eça e liderava uma companhia indígena. Ofereceu-se para levar por diante uma operação de reconhecimento extremamente arriscada e que implicaria a mais que provável chacina do grupo que a empreendesse.

Tratava-se de verificar as condições de um trilho importante para a movimentação das tropas, na província do Huila. Isto obrigava a uma incursão em área conhecida pelo terreno inóspito e os povos revoltosos.

O seu superior não o queria expor a tal perigo, dada a sua patente, ao que Sebastião terá respondido que “quando se serve a pátria não há postos, mas apenas deveres a cumprir”.

Face a tal determinação, seguiu comandando vinte homens, entre os quais um cabo. Não levavam bússola, o que terá contribuído para se afastarem da rota inicial e se irem colocar precisamente “na boca do lobo”, na zona de Quiteve.

(...) Corajoso, confiante na sua missão pacífica e na reduzida dimensão do seu grupo, que achava não inspirar animosidade, Roby não soube reconhecer os sinais de perigo real ao ser sucessivamente abordado por indígenas.

Quando se deu conta, já era tarde.

O Capitão ainda deu ordem de fogo e disparou alguns tiros, mas caiu fulminado no chão, trespassado por uma bala que lhe entrou pelas costas.

Os atacantes pediram então as armas, as munições, os animais e o corpo de Roby. O temerário cabo, que passou a ter a voz de comando, recusou as exigências, fez atar o cadáver do Capitão a um dos camelos, como se estivesse vivo, e ordenou fogo, em nome daquele.

A ordem repetir-se-ia várias vezes, até estarem a salvo, dez horas e 40 quilómetros depois. Chegaram exaustos, mas apenas perderam um homem pelo caminho.

Sebastião Roby, Capitão de Artilharia, feito mártir nesta contenda em que perdeu a vida, a 10 de junho de 1915, receberia a Cruz de Guerra de 1ª classe, a título póstumo.

Seria também homenageado, num monumento em Braga e na toponímia de várias cidades, aliás como o seu irmão João, segundo tenente e também “herói” da nossa guerra em África. (...)
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P22265: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte II: cap inf Sebastião Luiz de Faria Machado Pinto Roby de Miranda Pereira (Braga, 1883 - Angola, 1915)

Sebastião  Roby (1883 - 1915)


Nome: Sebastião Luiz de Faria Machado Pinto Roby de Miranda Pereira

Posto: Capitão de Infantaria

Naturalidade: Braga

Data de nascimento:  30 de Outubro de 1883

Incorporação:  1902 na Escola do Exército (nº 166 do Corpo de Alunos)

Unidade:  9ª Companhia Indígena de Infantaria

Condecorações:  Cruz de Guerra de 1ª classe (a título póstumo)

TO da morte em combate: Angola

Data de Embarque: 3 de Fevereiro de 1915

Data da morte: 10 de Junho de 1915

Sepultur:  Braga

Circunstâncias da morte:  Na condução de um reconhecimento, na região de Quitexe, atacado pelo gentio foi mortalmente atingido.



António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem

Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra  que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (*).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

terça-feira, 8 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22264: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (hoje, Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte I: Apresentação | Artur Homem Ribeiro, cap inf (Canas de Senhorim, Nelas, 1874 - Angola, 1914)


Lisboa > Academia Militar > Palácio da Bemposta > Memorial dos cadetes mortos em combate: I Grande Guerra (1914-1918)


António Carlos Morais da Silva, ontem e hoje

 Durante duas dezenas de anos prestei serviço na Academia Militar e sempre cuidei de carrear informação para manter actualizado o memorial aos Oficiais do QP oriundos da EE [Escola do Exército] , EG [Escola de Guerra] e da AM [Academia Militar] . Mortos em Combate no período de 1833 a 1975. [A actual Academia Militar, criada em 1959, é herdeira da Escola do Exército (1837-1910), Escola de Guerra (1911-1919), Escola Militar (1919-1938), e de novo Escola do Exército (1938-1959)]

 Nas inúmeras vezes que participei em cerimónias no Palácio da Bemposta e olhei os nomes dos camaradas gravados na pedra, sempre me senti constrangido ao reconhecer que pouco ou nada conhecia de muitos dos que nela figuram. 

 Este documento é o resultado da tarefa a que me dediquei para tornar público o seu percurso de militares combatentes do Exército e da Força Aérea. Importa agora que seja conhecido por todos os Oficiais do QP, ex-cadetes da Escola do Exército e da Academia Militar, a quem cabe o dever de honrar e não esquecer os “melhores de todos nós” que caíram e deram a vida por Portugal. 

 O site da AM presta homenagem aos seus ex-cadetes em (https://academiamilitar.pt/filhos-da-escola-do-exercito-e-da-academia-militar.html

Amadora, Setembro de 2019

António Carlos Morais da Silva

Cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da AM

Coronel de Artilharia




Artur Homem Ribeiro 

(Canas de Senhorim, Nelas, 1874 - Angola, 1914)



Nome:  Artur Homem Ribeiro

Posto: Capitão de Infantaria

Naturalidade:  Canas de Senhorim

Data de nascimento:  11 de Novembro de 1874

Incorporação:  1898 na Escola do Exército (nº 214 do Corpo de Alunos)

Unidade: Regimento de Infantaria n.º 14

Condecorações

TO da morte em combate:  Angola

Data de Embarque

Data da morte 18 de Dezembro de 1914

Sepultura

Circunstâncias da morte: Comandando a 9ª Companhia foi baleado mortalmente no desastroso combate de Naulila quando, com heroísmo, encorajava os seus homens a aguentar a posição de defesa que cupavam e procurando travar a fuga ao combate de Oficiais, Sargentos e Praças. As forças portuguesas foram incapazes de aguentar as suas posições, tendo os alemãestomado o Forte e capturado três oficiais e 62 praças.

2.  Já aqui publicamos, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020 (*),  a biografia (breve) de cada um dos 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do Ultramar.

Na altura, manifestámos o nosso grande apreço ao autor da iniciativa e responsáveis pelos conteúdos, o cor art ref António Carlos Morais Silva, o qual autorizou a sua plublicação no nosso blogue. Ecrevemos então : "Todos temos um dever de memória. enquanto militares ou ex-militares que serviram a sua Pátria. Muito me honra a sua distinção, oferecendo o seu trabalho para publicação no nosso blogue. Fico feliz por saber que, ao fim destes anos todos, ainda cointinua a 'vsitar-nos' ". (...) 

Por outro lado, fizemos questão de lembrar que o ex-cap art António Carlos Morais da Silva tem um brilhante currículo militar no TO da Guiné, como instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972. Cor Art Ref, professor da Academia Militar e membro da nossa Tabanca Grande, tendo cerca de 9 dezenas de referências no nosso blogue.

Hoje iniciamos a publicação das mini-biografias dos oficiais que morreram em combate na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (1914/18). Numa segunda fase iremos lembrar os cadetes mais antigos, mortos em combate, em conflitos anteriores a 1914. 

O cor Moraisda Silva publicou, em setembro de 2019, um ebook com o título "1833-1975 Oficiais do QP Mortos em Combate". São 99 valiosas páginas, que merecem a melhor divulgação. Ele teve a gentileza de nos enviar uma cópia do ebook e nos antorizar a reproduzir o seu trabalho, agora revisto e aumentado.
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Nota do editor:

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Guiné 61/74 - P22263: Parabéns a você (1970): João Gabriel Sacôto, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 617/BCAÇ 619 (Bissau, Catió e Cachil, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22257: Parabéns a você (1969): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM/CTIG (Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74)

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22262: Notas de leitura (1360): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,
Lawrence James está muito longe de ter agido corretamente connosco, o que diz sobre o Império Colonial Português em África é residual e deformante. Chega ao cúmulo de reduzir a luta armada ao que se passou em Angola e Moçambique. Detém uma visão bem ampla no estudo a que procedeu sobre a Grã-Bretanha e a França, é muito mais parcimonioso com a Alemanha e a Bélgica, truculento com a Espanha e trata acessoriamente, insiste-se, as colónias portuguesas, cinge-se às duas principais. Mas o documento produzido tem o mérito incontestável de abarcar os dois séculos determinantes da ocupação e retirada, e é por esse caráter divulgativo que consideramos que merece ser lido.

Um abraço do
Mário


“Impérios ao Sol, A Luta pelo Domínio de África”, por Lawrence James (4)

Beja Santos

“Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James, Edições Saída de Emergência, 2018, põe em imenso ecrã as ambiguidades deste conceito de progresso e de missão civilizadora e de ocupação que se forjou a partir de 1830, aproximadamente; desvela uma luta sem quartel para tomar posse de domínios por todo o continente, entre 1882 e 1918, no Egito e no Sudão, na África Austral, no Congo, em combate religioso; assistimos à ascensão dos nacionalismos, a presença de contingentes africanos em duas guerras mundiais para medir as consequências do que se seguiu, aproveitando a boleia da Guerra Fria; e de 1945 a 1990 o continente africano foi mudando de look, todos os povos se encaminharam para a independência; e assim chegamos aos últimos dias da África branca.

Lawrence James explica de uma forma cativante como a II Guerra Mundial marcou o início do fim dos impérios coloniais europeus. Tudo oscilou e mesmo muita coisa desapareceu. A Itália deixou de ser uma potência colonial. A Grã-Bretanha saiu bem da guerra mas não tinha ilusões de que a morte dos impérios europeus estava a caminho. Nas eleições gerais de julho de 1945 o Partido Trabalhista ganhou as eleições graças a um programa que também prometia a independência para a Índia, Birmânia e Ceilão e “previa progressos” para as colónias. A penetração económica dos EUA em África foi o prelúdio do seu envolvimento na política do continente. O facto de ter havido terríveis combates no Norte de África redefiniu os sentimentos destas populações, Argélia, Tunísia, Líbia, Somália e Eritreia, Etiópia, Marrocos, o facto de ter havido centenas de milhares de africanos a combater, tudo fez gerar um sentimento de mudança. Com diferentes matizes, emergiu um novo espírito, soldados que regressavam a Tanganica ou à Rodésia do Sul queriam empregos mais bem remunerados, casas melhores, tinham comparado os seus modelos de consumo com os norte-americanos e os europeus.

A URSS continuava predisposta a apoiar movimentos revolucionários em África, isto quando o nacionalismo africano começa a triunfar, logo na Costa do Ouro com Nkrumah. Recorde-se que o comunismo foi responsabilizado pela revolta dos mau-maus no Quénia, em outubro de 1952, não obstante as provas extremamente inconsistentes reunidas pelos Serviços de Informações. Em Londres, em 1954, havia já previsões para a concretização das independências da Federação Centro-Africana (Niassalândia e Rodésia do Norte e do Sul), Serra Leoa, Uganda e Tanganica. A França tinha igualmente o sentimento de que se impunham grandes mudanças na África Ocidental. O Congo será o barril de pólvora, mudará tudo na África Austral, começará por envolver Angola e iniciar a luta pela independência na mais próspera das colónias portuguesas.

No Norte de África, o Coronel Nasser torna-se numa figura influentíssima, uma dor de cabeça para os norte-americanos e um aliado de Moscovo, cria um Estado laico, trava brutalmente a influência da Liga Muçulmana. Em 1954, Kruchtchev decidiu que os soviéticos iriam concorrer com os EUA na corrida para colmatar o crescente vazio de poder deixado pela Grã-Bretanha e pela França, não só em África como na Ásia, aproveitar-se-á de insucessos como o fracasso do Suez. A URSS ajudou o Egito, forneceu-lhe imenso equipamento militar, mas que foi insuficiente para que o Egito não sofresse uma tremenda derrota na Guerra dos Seis Dias, 286 dos 340 aviões fornecidos pelos russos ficaram em sucata. O sucessor de Nasser, Sadat, trocou de alianças, afastou progressivamente os soviéticos e asfixiou a oposição comunista, financiada pelo KGB e pela Liga Muçulmana. Entrava-se num regime assente em homens-fortes que se prolongou até 2013.

A guerra da Argélia foi o acontecimento colonial mais traumático para a França e Lawrence James explica com detalhe tudo quanto aconteceu.

A Guerra Fria seguia o seu rumo, como o autor explica:
“Tanto os EUA como a URSS precisavam da cooperação obediente dos novos Estados africanos: os seus votos eram preciosos na ONU, representavam mercados de exportação em crescimento e, acima de tudo, eram uma fonte de matérias-primas estratégicas e vitais, como o cobalto e os diamantes. Nenhuma das duas potências desejava governar diretamente os territórios africanos, preferindo superintender os assuntos de Estados soberanos através da persuasão e de ofertas de ajuda aliciantes. Com vista a controlar África, ambas inundaram o continente com legiões de conselheiros políticos, económicos e militares, técnicos e especialistas nos frequentemente sinistros mistérios da ‘segurança’, que ajudavam a manter os tiranos africanos no poder. As artimanhas soviético-africanas eram acompanhadas por tentativas, em grande medida pouco convincentes, para garantir a superioridade moral. As duas potências denunciavam, publicamente, os antigos impérios coloniais europeus, no âmbito das suas campanhas de propaganda destinadas a controlar a mente dos africanos. O capitalismo e o comunismo eram promovidos como escolhas que, se fossem adotadas, trariam a prosperidade e o progresso às nações pobres.”

E o autor faz um outro comentário que deve ser tido em conta:
“Os Estados de partido único e os ditadores autocráticos da direita e da esquerda necessitavam ainda mais de agentes secretos do que os seus antecessores do tempo da Era Imperial, pois viviam sob a ameaça permanente de revoltas e golpes militares. Estas condições e o comportamento dos que com ela prosperavam explicam por que razão, na década de 1960, quando a Royal Shakespeare Company realizou uma digressão por África, Macbeth e Ricardo III foram as produções mais populares e mais apreciadas.”

Caminhando para o final da obra, Lawrence James disseca cuidadosamente tudo quanto se passou no Congo e na Rodésia, no primeiro caso o drama da fragmentação de um dos países mais ricos do mundo aparece como uma calamidade enquanto a Rodésia se tornou num compasso de espera que levou a prazo ao fim da supremacia branca. Foram necessários mais de 30 anos de guerras intermitentes para derrubar a supremacia branca na África Austral. Tudo começou em Angola e terminará em 1990 com a ascensão de Nelson Mandela. Comprovadamente, Lawrence James não estudou a fundo o Império Colonial Português nem as suas lutas de libertação, liga o que se passou em Angola e Moçambique como as duas e únicas peças da sua retirada, explicação manifestamente ignorante e grosseira, espero que o editor português lhe faça o reparo porque o mais grave de tudo teve outro nome: Guiné. Seja como for, o autor dá-nos uma boa lambuzadela sobre os conflitos angolano e moçambicano, o que se passou na Rodésia e depois na África do Sul.
E conclui assim:
“A transição para uma democracia multirracial iria exigir paciência e tolerância a todos os envolvidos. Os objetivos foram alcançados com sucesso, pois, como bem sabiam De Klerk e Mandela, a alternativa era uma guerra civil racial e a anarquia. Este medo dominava o espírito de todos e os africanos reagiram bem aos apelos à tolerância e ao perdão feitos por Mandela, assim como à sua visão de uma África do Sul unida, justa e próspera. Em 1994, o ANC venceu as eleições gerais e, desde então, o país tem vivido num equilíbrio frágil.
A luta pela supremacia na África Austral terminara; a partir de então, os africanos passaram a ser responsáveis por tudo o que lhes diz respeito. Resta saber se este foi, ou não, um final feliz.”

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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22242: Notas de leitura (1359): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22261: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte X: a segunda "visita dos vizinhos" (com novo ataque ao arame)


Foto nº 1 > 
Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > 1973 > A nossa modesta casinha, com as nossa casernas construídas a pulso, embelezada com as moranças dos operadores, nativos, do pelotão de artilharia e guias. Ele há lá coisa mais bonita!!!

Foto nº 2   > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > 1973 > A minha “suite” na nova caserna (eu e o camarada Mourato), embelezada com folhas das revistas ("Penthouse" e outras ) do camarada Martins... Uma “suite” assim nem no Hotel Ritz!

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 3  > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) >  1972/73 > O içar da beleza... Ao fundo, os bivaques que montámos antes de termos a(s) nossa(s) modesta(s) casinha(s) (Foto nº 1).

Foto: © Vasco da Gama (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Joaquim Costa / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

Foto nº 4  > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > 2019 >  O nosso forno, que deixamos no Cumbijã em 1974, ainda hoje (2021) a “bombar”. Junto deste, a atual padeira do Cumbijã que coze pão para toda a região. Foto do camarada e tabanqueiro João Melo (cripto da companhia), tirada numa das suas várias visitas em ações solidarias à Guiné. Reproduzida aqui com a devida vénia.


Foto nº 5  > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > 2019 > Utensílio do nosso tempo que continua, nos dias de hoje, a cumprir a sua função. Foto do camarada e tabanqueiro João Melo (cripto da companhia), tirada numa das suas várias visitas em ações solidarias à Guiné. Reproduzida aqui com a devida vénia.



Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte X (*)


A  segunda "visita dos vizinhos” (com novo ataque ao arame)


Durante a visita ao destacamento (Cumbijá, a nossa alegre casinha...), no dia 14 de Abril de 73, Spínola, ao verificar as condições, precárias e degradantes em que vivíamos, garantiu ao nosso comandante de companhia que na próxima LDG (Lancha de Desembarque Grande) para Buba iríamos receber: (i) uma cozinha de campanha, (ii) arcas frigoríficas a petróleo, (iii) chapas de zinco para concluirmos a construção das nossas casernas, (iv) uma equipa de artilharia com os respetivos obuses e outros necessidades menores.

O “Homem Grande” cumpriu a sua palavra e passamos a ter arroz com estilhaços e pão quente (no forno que construímos, foto nº 4), e, imaginem! cerveja (quase sempre fora de prazo), fresquinha e uma caserna nova em folha (Fotos nºs 1 e 2). 

Foi festa até às tantas. Um dos pelotões de serviço não foi proibido de beber, mas foi proibido de se embebedar, para garantir a segurança do destacamento.

Com a cerveja fresquinha, o dia de “São Receber” (o pré) passou a ser um dia de risco acrescido, dado o elevado e desmesurado consumo de cerveja. Mas o pessoal de serviço à segurança do destacamento era responsável e não bebia mais que 2 bazucas (garrafas de cerveja de 1 litro), por cabeça.


Foto nº 6  > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) >  O homem da bazuca do meu pelotão (José Carlos), no seu turno de sentinela nos novos postos de vigia  

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Já com casernas novas (com o Martins a forrar todo o seu espaço com folhas arrancadas às suas revistas), com camas a sério, com lençóis a sério, com valas no perímetro de todo o destacadamente e postos de vigia bem protegidos com bidões cheios de terra, com a nossa artilharia já operacional, a nossa moral era outra.

Foi já com a casa arrumada (assim é que deve ser) que recebemos novamente a visita do IN (vizinhos)

Ao cair da noite, como sempre faziam para evitar que lhe fizessemos a perseguição, fomos surpreendidos pela visita dos nosso vizinhos, testando as novas instalações, com um grande potencial de fogo de RPG, morteiro e armas ligeiras. 

A nossa resposta foi rápida e sem o perigo de assalto como aconteceu na primeira vez, e, desta vez felizmente (ou infelizmente!?), a minha G3 não encravou ao primeiro tiro. No primeiro ataque ao arame,  acredito que a intenção era mesmo fazer o assalto, neste caso foi só para mostrar que estavam dispostos a dar luta. Felizmente tivemos apenas alguns feridos ligeiros. Da parte do IN houve consequências dados os vestígios que detetamos no dia seguinte de manhã numa ação de reconhecimento.


Foto nº 7 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > O Capitão Vasco da Gama maravilhado com o seu novo Obus 10.5.

Foto: © Vasco da Gama (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Joaquim Costa / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Mesmo com a casa arrumada; com valas em toda a periferia do destacamento, com duas fiadas de arame farpado, com postos de vigia bem protegidos, com artilharia. e, já mais ou menos “cacimbados”; um ataque ao arame era sempre vivido com a adrenalina nos limites, pois que, embora pouco provável, não deixava de passar pelas nossas cabeças a possibilidade de conseguirem entrar no destacamento, situação dramática com a possibilidade de uma quase luta corpo a corpo. Por tudo isto, terminado o ataque (desde que sem consequências de maior), era ver quem chegava primeiro ao “bar” já que a seguir a um ataque sempre se esgotava o stock da cerveja!

Continua...
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domingo, 6 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22260: Fotos à procura de... uma legenda (151): Cecília Supico Pinto, em Có, em 2 de maio de 1969, distribuindo sorrisos e maços de cigarros da INTAR...


Guiné > Região de Cacheu > CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (OlossatoTeixeira Pinto e Cacheu, 1968/70) >  2 de maio de 1969  > O nosso camarada, membro da Tabanca Grande (e da Magnífica Tabanca da Linha), Miguel Rocha, ex-alf mil inf, na altura a fazer as funções de comandante da companhia,  aqui a "tabaquear o caso",  com a presidente do Movimento Nacional Feminino, Cecília Supico Pinto (a menos de um mês do seu 48º aniversário natalício)... O nosso camarada "indaga da possibilidade de obter mais uns maços de tabaco para os rapazes da sua Companhia" (*)... Mas o caixote está quase vazio... e o que resta já tem destino...O caixote tem uma marca, "INTAR", que hoje a maior parte dos nossos leitores já não é capaz de decifrar...

Recorde-se que nos bons velhos tempos da indúsria tabaqueira (que fez alguns milionários e milhões de cancerosos), havia em Portugal uma situação de quase monopolio: a produçao era dominada por "A Tabaqueira", criada em 1927 por Alfredo da Silva (o fundador da CUF), a empresa líder do mercado nacional, produzia e vendia marcas de cigarros, nossas conhecidas, como Provisórios, Definitivos, Águia, Kentucky, 20 20 20, High-life, Porto, Ritz, Sintra, Monserrate ou Kayak. A sua concorrente era a INTAR (sucessora da Companhia Portuguesa de Tabacos), responsável por marcas como Estoril, Kart ou Marialvas.
 
Em 13 de maio de 1975, a Tabaqueira e a INTAR foram nacionalizadas. A empresa pública Tabaqueira - Empresa Industrial de Tabacos, E.P., criada a 30 de Junho de 1976, resultou da fusão, numa única empresa, de A Tabaqueira, SARL e da INTAR - Empresa Industrial de Tabacos, SARL. (Estas duas empresas tabaqueiras detinham praticamente a totalidade do mercado nacional de cigarros).

A cena acima retratada foto, foi recordada pelo Miguel Rocha, em poste  recente (*). E nele acrescentou:

(...) "no ano do I Centenário do Nascimento (30/05/1921) de Cecília S. Pinto, em sua memória, e com profundo respeito e admiração pela sua pessoa e sua obra, não esquecendo todas as outras Senhoras do MNF, muitas delas Mães de jovens mobilizados para as frentes de combate, venho aqui deixar meu testemunho de eterna gratidão pelo apoio dado aos combatentes na sua inegável qualidade de 'portadora de afectos' " (!) (...).(*)

Foto (e legenda): © Miguel Rocha (2021). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementa: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Desafio aos leitores (**), nomeadamente fumadores e ex-fumadores: vamos lá "tabaquear o caso" (como dizia o meu amigo e cunhado, alentejano, que a morte levou recentemente do nosso convívio)...

Vamos lá sentarmo-nos à mesa, à volta de um copo (mas sem o cigarrinho, sff...) e falar sobre a INTAR... Diz-vos alguma coisa ? Uma dica: fabricava uma marca de cigarros que, segundo a publicidade (enganosa), dava "quilómetros de prazer"... (Ou, se calhar, dava mesmo, que o prazer não é coisa que se possa objectivar, medir, avaliar, comparar...)


(**) Último poste da série >1 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22160: Fotos à procura de... uma legenda (143): a continência à(s) bandeira(s) (Valdemar Queiroz)

Guiné 61/74 - P22259: Blogpoesia (739): "Orgulho e Preconceito"; Encruzilhadas da vida" e "Fiz-me ao largo", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação semanal de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, CachilCatió e Bissau, 1964/66):


Orgulho e Preconceito

Grande parte do que reveste os nossos actos
é crosta espessa de preconceitos.
Inúteis. Deformantes.
Desviantes.
Fátuos e falaciosos.
Antinaturais,
contrários à transparência
e à verdade
que é lei geral da natureza.
Somos um misto
se usa chamar
de "corpo e alma".
Um ser minúsculo.
Que nos faz diferentes
e superiores no mundo.
Insatisfeito, querendo ser grande.
Todos diferentes.
Todos iguais.
Nem mais nem menos.
Sentimos a fome e a sede.
Sentimos a dor
que nos faz sofrer.
Parece um mal.
Na realidade não é.
É só a força
que nos faz lutar
e nos faz viver.
Tudo que temos e somos
é para ser melhor.
Com hierarquia.
Com equilíbrio.
O essencial primeiro.
Depois o resto.
Com peso e medida,
para não deformar.
Fazendo crer
o que não somos
e que o que temos
só a nós devemos.
Nada mais falso.
Tudo se aprende.
Desde o andar de pé
até o falar.
Desde o mais simples
ao mais complexo.
E nunca é demais,
Se for para melhor.

Berlin, 5 de Junho de 2015
6h45m
já reina o sol
Joaquim Luís Mendes Gomes


********************

Encruzilhadas da vida

Um dia, lá atrás, troquei de senda numa encruzilhada da vida.
Era um jovem, na esperança da aurora.
Seguia um sonho nascido na infância.
Influência do Abade velhinho que mais me marcou.
O Abade João.
Vivia como um pobre.
Desde miúdo, ajudava-o à Missa.
Sabia de cor aquela latinada toda,
Do Intróito ao Credo.
Ouvia-lhe as práticas, em palavras tão simples.
Falavam de Deus, num tom cordial.
Senti-me chamado.
Por ali era o caminho.
Mas, como, se tudo era caro e não havia tostão?
Não sei como, o seminário se me abriu e comecei a subir.
Mais de cem ao meu lado.
Diversas origens e maneiras de ser.
O céu se alargou de saber.
Língua latina, a mãe do português.
Ciências e história.
A história de Cristo.
Um exemplo a seguir.
Cada vez mais apertado.
Cheguei à teologia, um mar de valor.
Senti-me um homem.
Numa encruzilhada tremenda.
Dois rumos possíveis.
Medi minhas forças.
Supondo. Tudo dependia de mim.
Errei.
Um dia, peguei minha mala.
Aquele sonho de infância apagou.
Hoje, com honra, sou pai e avô,
Abençoado por Deus.


Berlim, 1 de Junho de 2019
7h39m - dia de sol titubeante
Jlmg


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Fiz-me ao largo

Alheio às vagas,
Fiz-me ao mar.
Fui para o largo.
Sem artes,
Sem redes.
Desarmado.
Uma vontade louca
De me ver solto.
Olhar de longe a terra,
E sua costa extrema,
No silêncio.
Pacata e submissa.
Ignorar as suas guerras.
Suas arruaças.
Como das estrelas
Eu estou alheio.
Ver nela o nascer do sol.
E se erguer para um céu azul.
Quero afastar-me,
A perder de vista.
Ficar só eu
E a vastidão do mar,
Uma parcela do infinito.
Vou começar de novo,
Do lado de lá.
Ganhar raízes,
Noutro chão puro.
Onde não haja ruas,
Mortas,
A fervilhar de carros,
Nem torres ao alto,
Só com janelas.
Colmeias vazias,
Estéreis,
Sem favos e sem abelhas.
Onde a rainha seja só
A natureza virgem,
Prenha de paz.
Quero viver na terra,
De pé e nu,
Como vim ao mundo
E começar do nada.
Ser pai Adão com nova Eva.


Berlim, 1 de Junho de 2014
6h52m
Joaquim Luís Mendes Gomes

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22237: Blogpoesia (738): "Apoteose"; Desafinar"; "Este segredo é meu" e "Há gemidos nas ruelas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22258: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IXb: Porto Gole: 3 de março de 1966, ataque IN, e visita da "Cilinha"

Cecília Supico Pinto (Lisboa, 1921 - Cascais, 2011) > Aqui na sua casa de Cascais, c. 2002/2006.  Foto gentilmente cedida pela sua biógrafa Sílvia Espírito Santo, que há dias, em 30 de maio passado, nos enviou esta foto (inédita). com autorização para a publicar no Blogue, e dizendo: "Por curiosidade, a Cilinha faria hoje 100 anos. Assinalei a data no meu Instagram (silmariavargas) com uma foto que lhe tirei."

 Visitou a Guiné pelo menos por 4 vezes (1966, 1969, 1973 e 1974)...A sua biógrafa diz que foram cinco...

Foto (e legenda): © Sílvia Espírito Santo (2021. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > Fevereiro de 1966 > Cecília Supico Pinto, presidente do Movimento Nacional Feminino, na sua 1ª visita à Guiné, então já com 44 anos (ia fazer 45 em 30 de maio de 1966).


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) > 1966 > O “cais” de Porto Gole funcionava assim: o "barco de abastecimentos” (e outros) tinham de chegar quando a maré estava cheia. E depois de devidamente seguro (a uma árvore ou a um poste ) esperava-se pela maré vazia quando o barco ficava em seco para fazer o descarregamento, como se pode verificar na foto…. Como havemos de esquecer coisas destas?


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > O João Crisóstomo e o Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (1966/68), junto ao monumento comemoratvo dos 500 anos da chegada de Diogo Gomes ao Rio Geba

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)



CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, 
Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” 
como eu a lembro e vivi 
(João Crisóstomo, luso-americano,
ex-alf mil, Nova Iorque)

Parte IXb:  Março de 1966: A CCaç 1439 em Enxalé (e seus destacamentos de Porto Gole e  Missirá) (*)

Dia 3 de Março de 1966:  Ataque  do IN a Porto Gole, antecedida da visita da presidente do Movimento Nacional Feminino em fevereiro 


(Continuação)

Porto Gole  teve sempre importância estratégica, desde os primeiros contactos dos portugueses como o atesta aí  um monumento lembrando os 500 anos  da chegada dos portugueses ao local. Embora não apresentasse um cais no sentido literal da palavra, apresentava algumas facilidades naturais que possibilitavam  o local como  ponto de  abordagem e de reabastecimentos.  Tomando vantagem da subida e descidas das marés do Geba, os  “fuzileiros” e os  barcos da Casa Gouveia e outros usavam este local

Lembro que para ajudar a passar o tempo fizemos um "espaço de lazer" junto dum edifício que servia de dormitório; dos cibes, de que havia abundância, fizémos mesas e bancos; uma árvore frondosa fornecia a apreciada sombra. E nas paredes do dito dormitório colamos fotos de todos os tamanhos , géneros e gostos, a maioria das quais, à falta de melhor , eram tiradas de revistas, jornais ou de qualquer outra origem que nos fosse dado aproveitar. 

Foi neste local que demos as boas vindas à presidente do Movimento Nacional Feminino Sra Cecília Supico Pinto, a "Cilinha", trazida de Bissau num barco de fuzileiros e depois numa lancha de borracha no dito cais, margens do Geba. (**)

Embora nunca me furtasse a qualquer tarefa ou actividade militar sempre que tal fosse preciso, não me oferecia como voluntário nem me prestava para iniciativas de carácter militar. Por outro lado não deixava de tomar partido de qualquer situação ou de facilidades que se oferecessem para mim ou os que tinha ao meu cuidado. 

Lembro ter contactado algumas vezes, por exemplo em 17 de Outubro de 1965 o Movimento Nacional Feminino pedindo o envio de presentes para o Natal dos meus soldados e letras de canções . (Já aqui publiquei excertos de de duas cartas recebidas: vd. poste P22087) (**)

O Rio Geba era um permanente convite/ desafio. Por isso construímos uma jangada, feita com tábuas e quatro bidões para a pesca e lazer; mas para pesca penso que nunca foi usada; felizmente haviam em Porto Gole dois pescadores que de vez em quando traziam e nos vendiam algum peixe do rio. Muitas vezes sucedeu não trazerem nada, argumentando não haver peixe , mas nós suspeitávamos que, forçados ou de boa vontade, nesses dias tinham deixado o peixe nas mãos do IN. Um deles viria a ser apanhado armado mais tarde, durante numa operação na qual perdeu a vida. 

Antes disso eu, com uma irresponsabilidade de que ainda hoje me admira e que atribuo a tê-lo feito de cabeça no ar sem pensar nada no que poderia acontecer, meti-me numa "grande mas estúpida aventura”, neste Rio Geba, que podia ter tido um trágico fim para mim e todos os que estavam comigo. Dois dos participantes desta aventura eram estes dois pescadores. (Post 61/74- P17686).(***)


 Guiné > Região do Óio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) >  1966 > Rio Geba > Eu, ao comando de um "sintex"...


Guiné > Região do Óio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) >  1966 > Rio Geba > A nossa “jangada” feita supostamente para pescar, mas que acabou por servir apenas de brinquedo recreativo… Na foto, aos remos eu e o João (?) ( natural da zona do Oeste, não me lembro exactamente, mas creio ser do Ramalhal, Bombarral) que era o “padeiro” do destacamento. Alguém sabe do paradeiro dele? E o outro tripulante… há alguém que o possa reconhecer?  

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Durante a nossa estadia na Guiné, Porto Gole viria a ser atacado duas vezes, a 3 de Março de 1966 e a 20 de Agosto do mesmo ano 1966.

Passo a transcrever o relato do primeiro, como consta neste relatório. O segundo ataque de 20 de Agosto será transcrito mais tarde, uma vez que estou tentando seguir este meu relato/memórias seguindo a ordem cronológica com que aparece nesse relatório.

(...) "No dia 3 de Março de 1966 o IN atacou com uma força muito considerável o destacamento de Porto Gole, tendo utilizado como predominante o morteiro 82 e 60. Foram assinalados 33 rebentamentos de morteiro 82 dentro do destacamento. As NF reagiram com valentia tendo causado ao IN baixas confirmadas em número não estimado, que posteriormente por informações se soube haver 10 feridos." (...)

As NT tiveram uma baixa, o Alf Mil Carlos Maldonado (morto em combate), depois de ter demonstrado ser um oficial de valor. Foi com decorado a título póstumo.

Foi distinguido igualmente o 1º cabo Enf. Dionísio Lopes Ferreira, o qual revelou além de ser um elemento muito competente, com sangue frio e coragem. Foi louvado por  Sua Excia o Comandante Militar.

Da reacção das NT ao ataque IN a Porto Gole mereceu o seguinte elogio do Exmo Comandante do BCaç 697:

(...) " Peço transmita o meu agrado à tropa do destacamento de Porto Gole pelo excelente comportamento durante o ataque IN na noite de 3/4 do corrente, em que mais uma vez confirmaram a boa impressão que tenho da tropa madeirense”. (...)

(Continua)
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Notas do editor:


18 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22210: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VIII: A partir de outubro de 1965, em Enxalé e seus destacamentos, Porto Gole e Missirá

2 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22163: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VII: Um mês em Bambadinca, de 7 de setembro a 9 de outubro de 1965

24 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22131: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VI: O baptismo de fogo no Xime (17/8/1965, e a Op Avante, ao Buruntoni (em 29-30/8/1965) com os primeiros mortos

12 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22098: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte V: Destino: Xime.... E um levantamento de rancho que acabou à bofetada...

12 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22097: Guiné 61/74 - P22051: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IV: Composição orgânica: na sua maioria, praças naturais da Madeira, e oficiais e sargentos do Continente

30 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22051: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte III: Na ilha da Madeira, a partida para o CTIG no T/T Niassa, em 2/8/1965

19 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22017: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte II: Do seminário a Mafra [EPI], Beja e Lamego [CIOE]

9 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21985: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi ( João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte I: afinal, não consegui esquer...

(**) Vd. poste de 9 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22087: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (85): respondendo ao pedido de colaboração da doutoranda Sílva Espírito-Santo, biógrafa de Cecília Supico Pinto (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Vd. também poste de 27 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19831: Álbum fotográfico de João Crisóstomo, ex-alf mil inf, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) - Parte IV: a vida em Porto Gole

Guiné 61/74 - P22257: Parabéns a você (1969): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM/CTIG (Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22240: Parabéns a você (1968): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70)