quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26419: In Memoriam (532): Victor Fernando Franco David (1944- 2024), ex-alf mil, CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 (Mansoa, Galomaro e Dulombi, 1968/70): natural de Coimbra, era um dos históricos do nosso blogue, morreu há 9 meses



Victor David (1944- 2024)




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Montemor-o-Novo > Ameira > Herdade da Ameira > Restaurante Café do Monte > 14 de Outubro de 2006 > Da esquerda para a direita: Rui Felício, Alice Carneiro (esposa do Luís Graça), António Pimentel (que veio propositadamente do norte, com o Hernâni Figueiredo), o Victor David e a esposa e, por detrás, o Paulo Raposo, o nosso amável anfitrião e um dos organizadores do Encontro.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Soube, ontem  pelo seu amigo e camarada de armas Paulo Raposo: morreu, no passado dia 25 de abril de 2024, o Victor Fernando Franco David, ex-alf mil, CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, "Os Baixinhos de Dulombi" (Mansoa, Galomaro e Dulombi, 1968/70). Confirmámos a notícia na própria página do Facebook do Victor David.

Era um dos "históricos" do nosso blogue, para o qual entrou em 16/3/2006 (*). Conhecemo-nos  pessoalmente em Coimbra (creio que pela mão do saudoso Carlos Marques dos Santos) e estivemos juntos (eu, o David, o Carlos, o Rui Felício, o Paulo Raposo, o Pimentel e outros) no I Encontro Nacional da Tabanca Grande, na Ameira, Montemor-O-Novo, em 14 de outubro de 2006 (**). 

Tem escassas referèncias no nosso blogue.  Os alferes da sua companhia ("Os Baixinhos de Dulombi", ele, o Paulo Raposo, o Rui Felício e o Jorge Rijo, faziam/fazem todos parte da nossa Tabanca Grande.

2. Sabíamos, sobre o  Victor David,   o seguinte;

(i) era natural de (e vivia em) Coimbra;

(ii) andou no Liceu D. João III
 
(iii) licenciou-se em Germanicas em Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra - FLUC

(iv) era casado e tinha uma filha;
 
(v) aderiu ao Facebook em agosto de 2011


3. Sobre o seu Curriculum Vitae militar, o Victor David escreveu em 2006 este bem humorado apontamento (*):

(...) Resenha da minha actividade de militar como "voluntário à força":
  • Incorporado em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, como recruta em 10 de abril de 1967;
  • Especialidade tirada em Mafra: atirador de infantaria;
  • Promovido a Aspirante Miliciano em 25 de Setembro de 1967, fui colocado em Abrantes, no Regimento de Infantaria nº 2 (RI2);
  • Primeiro trabalho no RI2 : organizar a biblioteca do Quartel!
  • Dei uma recruta ainda em Abrantes até ser mobilizado;
  • Em Jan de 1968, curso de Rangers em Lamego. (Nota: reprovei, mas não fui despromovido porque já era Aspirante!)
  • Formámos depois Batalhão [BCAÇ 2852],  em Santa Margarida e embarcámos para a Guiné em julho de 1968, no N/M Uíge;
  • Chegada a Bissau em 30 de Julho de 1968;
  • Treino operacional em Mansoa, no chão balanta;
  • Ao fim de cinco meses, a CCAÇ 2405 é colocada na zona leste, no chão fula, em Galomaro, onde provisoriamente nos instalámos - num antigo celeiro - até sermos deslocados para Dulombi, onde construimos o Quartel onde nada existia! (até parecia que eramos de Engenharia...);
  • Regresso a Portugal em 28 de Maio de 1970;
  • Peluda em 29 de Junho de 1970;
  • Importantíssimo(!): promovido na disponibilidade a ten lil em 1 de Dezembro de 1970! Quase chegava a General!!! (...)
Acrescentamos nós:
  • A CCAÇ 2405 participou, entre outras, na Op Mabecos Bravios (fevereiro de 1969) (retirada de Madina do Boé)  (onde perdeu 19 homens na atravessia do Corubal, e a CCAÇ 1790 perdeu 26);
  • Era a unidade de quadrícula de Galomaro (e Dulombi)(vd. carta de Duas Fontes);
  • Até Julho de 1969 Galamaro fazia parte do Sector L1 (BCAÇ 2852, Bambadinca); em Agosto de 1969, a ZA (Zona de Acção) da CCAÇ 2405 passou a constituir o COP 7, criando-se em outubro seguinte o Sector L5, sob a responsabilidadew do BCAÇ 2851 e formado pelas ZA das CCAÇ 2405 (Galomaro) e 2406 (Saltinho).

4. Em 8 de fevereiro de 2006, escreveu-me o seguinte:

 (...) "Tive um imenso prazer em conhecer-te e espero que me autorizes a entrar de quando em vez no Blogue.

"Parabéns pela iniciativa e dentro em breve contactarei com camaradas da minha companhia – a dos 'baixinhos do Dulombi', a CCAÇ 2405, para que eles também possam dar a sua achega a tão excelente ideia..

"Para já deixo-te as minhas coordenadas na Internet (...)"

5. Sobre o convite que lhe endereçámos, muitos anos depois,  para participar no XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real, 2019, escreveu-nos o seguinte, 8 mai 2019, 1:04 (***):


(...) Muito grato pelo convite mas, com muita pena minha, não poderei estar convosco nesse tão grande encontro, do qual já tenho muitas saudades, por duas razões principais:

1ª O encontro da minha Companhia, a 2405 ( Guiné 1968/1970) realiza-se nesse mesmo dia na Meda;

2ª Por razões pessoais e imponderáveis da data e por outros motivos que, felizmente não de saúde, não poderei acompanhar as duas tão boas realizações!

Assim sendo, peço que transmitas, a todos os presentes, os desejos sobretudo de muita saúde e felicidades .

Um grande abraço do 'Baixinho' do Dulombi,  Victor Fernando Franco David

Nota : Espero poder estar no próximo encontro" (...)

quarta-feira, 8 de maio de 2019 às 21:28:00 WEST 

 
Infelizmente aquele foi o nosso último Encontro, antes da pandemia.  A iniciativa ainda não foi retomada. Agora só no céu dos antigos combatentes poderemos voltarmo-nos a abraçar, querido David.  À tua esposa, esposa, filha, demais família e aos "baixinhos de Dulombi", apresento, mesmo com este atraso de nove meses, os nossos votos de pesar pela tua perda. Ficarás aqui connosco, à sombra do nosso poilão, enquanto o barqueiro de Caronte não chamar pela nossa vez. (****)

 ______

Notas do editor:

(...) Mensagem do Rui Felício (ex-al mil, CCAÇ 2405, Mansoa, Galomaro e Dulombi, 1968/70), hoje economista e empresário, membro da nossa tertúlia e autor de algumas das mais saborosas estórias já aqui publicadas, reveladoras de um sentido muito especial de humor que nos ajudou a sobreviver e a manter-nos vivos e solidários, uma espécie de defesa mental contra o cacimbo, o clima, a guerra :

Meu Caro Luís Graça:

Como dizem os brasileiros, o meu testemunho é claramente chover no molhado... Na verdade, dizer que o belo dia de sábado, passado na agradável herdade do Raposo, foi uma jornada inesquecível, é repetir o que por certo todos já te terão dito.

Mas nem por isso devia deixar de o referir, para lembrar que o encontro da Ameira só foi possível, porque existe o blog que tu criaste e que, com tanto trabalho e mérito, vais gerindo, coordenando e engrandecendo.

Registei, das intervenções que alguns fizeram a seguir ao almoço, alguns aspectos que confirmaram aquilo que eu já pensava através da assídua leitura do que vais editando no blog, designadamente, o facto de a tertúlia se compor de variadas perspectivas e olhares, na análise e recordação da nossa passagem por terras da Guiné, em circunstâncias adversas de clima e da própria guerra.

Embora nem sempre coincidentes, são perspectivas cuja diversidade proporciona uma visão mais completa, segura e enriquecedora das memórias de todos nós. Bastaria ter ouvido, além de tantos outros, o Virgínio Briote, o Casimiro Carvalho, o Lema Santos [, o Pedro Lauret, o Tino Neves, o Paulo Santiago, o Carlos Santos] e, especialmente, o Vitor Junqueira, para comprovar o que acabei de dizer, isto é, a nossa geração fez a guerra de África segundo as suas próprias convicções, declaradamente contra ela, a favor dela ou conformada com ela, mas sem dúvida dando o melhor de si na defesa de princípios e sentimentos que pairam acima dos interesses ou conveniências individuais.

Sou dos que naquela época era contra a guerra, mas nunca confundi isso com o dever de a fazer o melhor e mais profissionalmente que me fosse possível, quanto mais não fosse para garantir aos soldados à minha responsabilidade o regresso a casa, sãos e salvos.

É por isso que não aceito que, passados tantos anos, algumas figuras proeminentes da nossa classe política actual venham hoje a público, não poucas vezes, arvorar-se em heróis, por terem tido a coragem de desertar, de fugir para o estrangeiro, criticando aqueles que como nós estiveram em África a combater.

Obviamente que isso não é coragem. Prefiro chamar-lhe comodismo, medo... Para não lhe chamar cobardia... Gostava de os ter visto na Ameira... Ficariam a conhecer homens cujo medo (que todos tínhamos... ) foi vencido pela coragem e pelo sentido de dever...

Um abraço, Rui Felício (...)

(***) 8 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19765: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (15): Mais camaradas e amigos/as que nos honram com a sua presença em Monte Real no dia 25, sábado: António Sampaio e Maria Clara (Matosinhos); António Joaquim Alves e Maria Celeste (Alenquer); Carlos Pinheiro (Torres Novas); Jorge Araújo e Maria João (Almada); Jorge Pinto e Ana (Sintra); Juvenal Amado (Amadora); Manuel Joaquim e José Manuel S. Cunté (Lisboa); e Paulo Santiago (Águeda)

(****) Último poste da série > 23 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26417: In Memoriam (531): António Medina (Santo Antão, Cabo Verde, 1939 - Medford, Massachusetts, EUA, 2025), ex-fur mil at inf, OE, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65), nosso grão-tabanquerio desde 2014

Guiné 61/74 - P26418: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (12)

Fotos 91 e 98 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira
Foto 92 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira
Foto 93 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira
Foto 94 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira
Foto 95 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira
Foto 96 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira
Foto 97 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 16 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26396: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (11)

Guiné 61/74 - P26417: In Memoriam (531): António Medina (Santo Antão, Cabo Verde, 1939 - Medford, Massachusetts, EUA, 2025), ex-fur mil at inf, OE, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65), nosso grão-tabanquerio desde 2014

Fotos: Facebook de António Medina (1939-2025) (com a devida vénia)


1. Fomos alertados, ontem às 21:30,  pelo nosso amigo e camarada José ("Zeca") Macedo, para a notícia da morte do António Medina. A triste notícia é confirmada pela família, por postagem de hoje, 23 de janeiro, âs 03:05, em português e inglês:


(...) É com profunda tristeza que anunciamos o falecimento do nosso querido pai e amado esposo de Lilica, Antonio C. Medina. Ele partiu em paz, cercado pelo imenso amor de sua esposa e filhos, e sentiremos a sua falta profundamente. 

Meu pai foi muitas coisas ao longo da sua vida: filho, irmão, tio, amigo, soldado, protetor, conselheiro, e contador de histórias magníficas. Ele acreditava nos laços fortes de família e amizade, e as conexões que criou duraram toda a vida. 

Não há palavras suficientes para expressar a imensidão dessa perda. Encontramos paz ao saber que ele agora está em um lugar melhor, ao lado dos seus pais e irmãos que o precederam, compartilhando piadas e histórias, talvez até um uísque ou dois com os Tios.
 
Papá, descansa tranquilo sabendo que estás deixando a Mamã em boas mãos. Deste-nos tudo necessário para cuidar dela e uns dos outros. Tambem deste-nos a força para enfrentar este momento difícil, e seremos fortes por ti. Até nos encontrarmos novamente, descansa na graça de Deus.

Sempre estaremos unidos, como sempre desejaste. Não haverá um dia em que não sentiremos a tua ausência mas carregaremos o teu amor, os teus conselhos, tudo que nos ensinastes eternamente nos nossos corações. Com muito amor, carinho e saudade dos teus trệs e da tua querida Lilica. (...)



2. Sobre o  nosso camarada da diáspora lusófona, António C. Medina:


(i) de seu nome completo, António Cândido da Silva Medina, nasceu em 26 de setembro de 1939, na ilha de Santo Antão, Cabo Verde;

(ii) estudou no liceu Gil Eanes (Mindelo, São Vicente) (o único liceu então existente nas ilhas, criado pela República em 1917. como Liceu Nacional de Cabo Verde, 1917-1926, depois Liceu Central Infante Dom Henrique, 1926-1937, e, por fim, eaté à independência, Liceu Gil Eanes, 1937-1975);
(iii) ex-fur mil at inf, OE, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65), de resto o único representante desta subunidade, na Tabanca Grande;

(iv) a CART 527 estava adida ao BCAÇ 507 (Bula, 1963/65), que era comandado pelo ten cor inf Hélio Felgas;

(v) depois da passar à disponibilidade, viveu em Bissau, e entre 1967 e 1974, até à independência, sendo funcionário do BNU (Banco Nacional Ultramarino);

(vi) em junho de 1974,  em Bissau, teve a surpreendente visita do primo Agnelo Dantas, comandante do PAIGC (**) (não sabemos se o primo lhe contou que em meados de 1973 fora ele quem comandou a flagelação à BA12, Bissalanca, com foguetões 122 mm, a partir da Ponta Cumeré, felizmente sem consequências); 

(vii) regressou a Portugal, onde ainda trabalhou no BNU, em Lisboa; 

(viii)  vivia desde 1980 nos EUA, em Medford, no estado de Massachusetts, onde também foi bancário;

(ix) tinha página no Facebook (onde já não escrevia desde 17/5/2022);

(x) entrou poara a Tabanca Grande em 15/2/2014; tem 43 referências no nosso blogue.


À viúva Lilica, ao filho Tony, às  filhas, netos, demais família e amigos, transmito em nome da Tabanca Grande a nossa solidariedade na dor. O António continurá aqui connosco, simbolicamente, sob o nosso poilão. E os seus escritos e fotos continuarão a testemunhar o muito amor que ele tinha por Portugal, Cabo Verde e a Guiné-Bissau.

Ficou muito feliz por ter sido acolhido de braços abertos pelos seus antigos camaradas de armas.  Escreveu na altura:

(...) "Tenho muitas histórias que oportunamente irei contar, dessa guerra inútil e não só, da minha vida civil com a continuidade em Bissau, na Guiné como bancário.

Gostei da vossa composição do Blogue e é louvável a vossa paciência e eficiência em nos assistir para que o nosso sacrificio fique para a eternidade." (...) (***)




Os Medina, em Medford, Mass, USA: pai, mãe, filho e filhas. Facebook do António Medina, 2/10/2013 (com a devida vénia...)

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(**) Vd. poste de 4 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24725: O segredo de... (39): António Medina: O surpreendente reencontro, em Bissau, em junho de 1974, com o meu primo Agnelo Medina Dantas Pereira, comandante do PAIGC

(***) Vd. poste de 16 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12727: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (81): António Medina, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, foi fur mil da CART 527 (Teixeira Pinto, 1963/65) e vive hoje nos EUA, onde descobriu o nosso blogue

Guiné 61/74 - P26416: Os 111 históricos do nosso blogue, que agora passam a "senadores" (2): a entrada do Virgínio Briote, em 17/10/2005, com a publicação de um conto traducional "Ansumane, o caçador de crocodilos"


Guiné > Região de Tombali > Catió > Ganjola > c. 1967/69 > Um crocodilo apanhado por militares no rio de Ganjola. O zebro devia ser dos fuzileiros. Poucos camaradas viram, ao  vivo os furtivos crocodilos, mas havia-os por todo o lado, do rio Cacheu ao rio Cumbijá... Alguns eram pequenos e  eram confundidos com jacarés (repteis que náo existiam na Guiné nem no resto da África.

Foto (e legenda): © Alcides Silva (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Foi assim que o Virgínio entrou paara o nosso blogue, em 18 de outubro de 2005. Tratou-me cerimoniosamente por você (*): o que era natural, não nos conhecíamo-nos,  pessoalmente...  E contou-nos uma história, muito bonita, não de caça ao crocodilo, mas de amor, entre um caçador de crocodil0s, Ansumane, e a uma jovem, Cadi, que foi forçada a casar-se com outro homem...



Caro Luís Graça,

Descobri há pouco tempo o seu interessante blogue. Todos os dias à noite passo por ele e vou-me actualizando, lembrando aqueles tempos. Passei também por aquelas terras. Fui mobilizado, em rendição individual, para a Guiné em Janeiro de 65, para um batalhão que tinha participado na Op Tridente, na Ilha do Como e que mais tarde esteve em quadrícula, sediado em Farim.

Fui colocado em Cuntima, na fronteira norte. E, quando o Batalhão se preparava para regressar, ingressei nos comandos em Brá. Corri com o meu grupo a Guiné quase toda. Também fui a Satecuta, ao Galo Corubal e por lá andei 19 dias, na época das chuvas.

Tenho muita coisa escrita, coisas que guardei para mim, que fechei numa mala, quase durante 40 anos. Envio-lhe uma história que ouvi lá.

Um abraço,
V. Briote


2. Comentário do editor LG, com data de 19/10/2005:

(...) Como vês, Virgínio, a malta vai juntando peças para fazer o puzzle da memória da guerra (colonial ou do Ultramar, como queiras), sem sentimentos de culpa, sem acusações, sem vanglórias... Tem sído bonito, dizem-me,  e eu também sinto que sim. E talvez para o ano, a gente se possa juntar, conhecer pessoalmente e beber um copo. (...) (**)

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ANSUMANE, O CAÇADOR DE CROCODILOS

(conto tradicional guineense, 
recolhido por Virgínio Briote)


A agitação interior que eu sentia, miudinha, contrastava com a calma daquela noite de lua cheia nas margens do rio.

− Boa noite, patrão! 

O Braima, camisa a arrastar pelo chão, gorro de lã na cabeça, cachimbo há que tempos nos dentes. Braima Dafé, pés grandes, seco, resistência incomum, dia a dia a remar a canoa entre as margens, levando a mancarra que os nativos tinham para vender aos comerciantes.

 Patrão, tem canoa ali na margem, quer passar?

Rio acima, a brisa fresca e mansa a dar-lhes, o chlap chlap do remo. A agitação a dissipar-se, pouco e pouco a vida a ficar para trás até desaparecer, dobrada a curva do rio. E logo ali, entre os tufos das palmeiras, duas árvores despidas, encostadas uma à outra, ramos entrelaçados de tal forma que àquela distância, lhe pareciam duas pessoas abraçadas uma à outra, uma delas com um braço erguido como se pedisse auxílio ao céu.

− O que é aquilo, Braima?

 
− Eh, patrão, aquelas árvores são pessoas! Sim, patrão, há muito tempo. Nem tinha ainda nascido o avô do meu avô. Quando as mulheres adúlteras eram castigadas com o desprezo, às vezes até com a morte. No tempo em que havia respeito pela honra, não era como agora...

... Pois nesse tempo, uma bajuda chamada Cadi foi prometida ainda menina ao poderoso Bacar Seidi, um velho rabugento já com oito mulheres. Cadi a crescer, o coração fraco a palpitar, começou a inclinar-se para Ansumane, caçador de crocodilos, o mais famoso da região.

Ansumane correspondia, queria mesmo casar com ela, mas o pai já a tinha prometido a outro, mais dotado que o caçador, a coragem como único dote. Olhavam-se com aqueles olhos que toda a tabanca via, nos batuques Cadi a dançar, seios para cima e para baixo, as ancas fartas, os olhos de Ansumane. Ele bem gostava de satisfazer o seu corpo, ela de casar com ele, ai dela, tinha que cumprir a palavra de seu pai, casar com Bacar Seidi.

Passaram tempos, muitos mesmo até que um dia, com grande desgosto de Ansumane, Cadi foi entregue a Bacar Seidi, e outras luas passaram. Ansumane sem conseguir desviar-se para outra, rodeava a morança, procurava nem que fosse só vê-la, os dias a passarem-se, ele sempre a magicar como a havia de convencer a ser dele, a vontade de caçar crocodilos a passar. O homem dela, conhecedor da amizade que os unia, vigiava as redondezas, nunca se sabe.

Até que um dia as febres tomaram conta de Bacar Seidi. Ansumane, na sua ronda noturna como era costume, viu a adorada Cadi, ao ar fresco da noite na varanda.

Cadi, como um assobio baixo, ela a correr, o impulso do coração mais forte que o chamamento dele, para os braços do amado.

− Tens que ser minha!.

 
− Não posso, Ansumane, eu sou do Bacar, ele é o homem a quem Alá me entregou!

− Mas ele é velho e tu não gostas dele, tu gostas de mim, eu sei!

 É verdade, Ansumane, mas ele é o meu homem e eu a sua mulher.

Ansumane a apertá-la mais contra o seu peito, mãos nervosas nos redondos de Cadi, aquele corpo jovem, ela a estremecer, um delírio, ele a insistir:

− Cadi, vem comigo, fujamos, tenho a canoa na margem, se atravessarmos pela bolanha depressa chegamos! Vamos, Cadi, para um lugar que ninguém nos conheça, onde o teu homem nunca nos alcance. 

Cadi mesmo junto ao coração dele, a tentação mais forte, o corpo a palpitar:

− Ansumane sim, é um homem jovem, viçoso, meu homem é velho.

Mão na mão, a passos largos na estreita vereda, a serpentear pelas palhotas, a bolanha, a seguir a margem do rio. Junto à sebe da purgueira, o sussurrar da brisa agitou as ramagens do arbusto. Não contavam, estremeceram, abraçaram-se como se estivessem mais protegidos. Acharam que não podiam esperar mais. E no silêncio da noite, deram-se um ao outro, as estrelas a brilharem como testemunhas. Ficaram esquecidos, a onda de loucura passara, Cadi em si, o erro agora sem remédio, não podia voltar para o seu homem, tinha mesmo que fugir com Ansumane.

 
− Vamos depressa antes que Bacar dê pela minha falta, vamos!

Na morança, Bacar há muito que despertara a arder em febres, se tomasse um chá de 'buco'  (#talvez ficasse melhor, diria a Cadi que lho preparasse.

−  Cadi, Cadi! 

A voz dele a voltar para trás. Ergueu-se um pouco para ver a esteira de Cadi, devia estar a repousar, não a viu, Cadi, outra e outra vez o eco sem resposta. Onde estaria Cadi a esta hora que ninguém está fora das moranças, obra de Ansumane, seria?

A cólera deu-lhe forças, levantou-se, a espada de gume curto na mão enrugada, correu para o rio, o que as pernas deixavam, um pressentimento estranho.

Não queria acreditar, as febres, Cadi mão na mão de Ansumane a caminho do rio a dois passos. Não conseguindo alcançá-los, "Caaadiii!!!", …um grito áspero de gelar a chegar até eles. Estacaram, tolhidos sem poder mexer-se!

Que Alá os livrasse da vingança no fio da espada, tão cortante como a voz que os fizera deter, incapazes de mais um passo que fosse!

Morrer! Não, ela não queria morrer às mãos de Bacar, os braços a rodear o corpo forte de Ansumane, mais protegida da fúria de Bacar.

Morrer! Não, ele não queria, nem a morte de Cadi que agora mais que nunca era sua. E,  erguendo-se para o céu, pediu a Alá que os protegesse.

A prece foi ouvida. Quando Bacar já a curta distância, a espada no ar prestes a abater-se sobre as cabeças, Alá livrou-os da morte, transformou-os em árvores! Foi assim que um pedaço de pau encontrou a espada de Bacar!

Dizem que hoje, tantas luas passadas, em noites de tempestade ainda escorrem gotas de sangue daquele lanho já seco pelos tempos!

... Quando Braima acabou a história, fixei melhor as estranhas árvores, a ver se via nelas a infeliz história de Ansumane, o caçador de crocodilos, a fantasia das palavras de Braima ainda no ar.

O silêncio daquela noite brilhante foi subitamente quebrado por um uivo, sinistro de um cão! Braima respondeu com um prolongado:

− Eh! eeeeh! 

E estalou repetidamente com a língua…

−  Quando os cães uivam é sinal que algum mal está para acontecer! Vamos embora, patrão, é melhor! 

Umas remadas fundas viraram a canoa em direcção à vida. (***)

Virgínio Briote

(Revisão / fixação de texto / nota: LG)


(#) Nota de LG: "Buco", do crioulo da Guiné-Bissau: planta medicinal de cujas folhas se faz um chá usado na prevenção do paludismo e no pós-parto. Fonte: Porto Editora – buco no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2025-01-22 18:13:25]. Disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/buco

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Notas de L.G.


(*) Vd. pposte de 17 de outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P223: Tabanca Grande: Virgínio Briote (ex-Alf Mil Comando, Cuntima e Brá, 1965/67) e a história de Ansumane, caçador de crocodilhos (conto tradicional)

(**) Vd, poste de 19 de outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P228: Virgínio Briote, velhinho de 65, comando, contador de estórias

(***) Último poste da série > 22 de janeiro de 2025 >
Guiné 61/74 - P26414: Os 111 históricos do nosso blogue, que agora passam a "senadores"  (1): Virgínio Briote e Rogério Freire, que hoje fazem anos

Guiné 61/74 - P26415: Efemérides (448): o ataque a Tite, em 23 de janeiro de 1963, há 62 anos, na versão do Arafan Mané (1945-2004), um "cabra-macho" de 17 anos que, com outros ainda mais novos (Malan Sanhá, 1947-1978), deu o primeiro tiro simbólico de um guerra estúpida e inútil (Luís Graça / José Teixeira)


Arafan Mané  (1945-2004), com uma "costureirinha", s/d.
Morreu num hospital em Madrid.
Foto do Arquivo Amílcar Cabral / Casa Counm.
Com a devida vénia......



Malan Sanhá (1945-c.1978), s/d. Com uma Kalash.
Terá sido executado no tempo do Luís Cabral.
Foto do Arquivo  Amílcar Canral
/ Casa Comum

Com a devida vénia...

 


1. É sabido que a guerra na Guiné não começou nesta data, 23 de janeiro de 1963...Mas o Amílcar Cabral e sua máquina de propaganda aproveitaram a boleia, tal como já tinham "capturado", indevidamente, outra data "histórica", o 3 de agost0 de 1959 (o "massacre do Pidjiguiti").  

Não sei o que os "hagiógrafos" de Amílcar Cabral (cujo centenário passou em 2024) dizem sobre usto:  de qualquer modo, à revelia dos órgãos do "poder político" do PAIGC (e portanto do próprio Amílcar Cabral), dois "putos", biafadas, Arafan Mané, de 17 anos,  e Malan Sanhá, de 15 anos,  lançaram um ataque aventureiro e suicida ao quartel de Tite... 

Nesta ação, em que arrastaram também elementos civis das imediações (estamos em pleno "chão biafada", pelo que eles jogavam em casa...), terão morrido 8 dos atacantes e 1 militar das NT.  

Acrescente-se que foi um precedente gravíssimo num partido que sempre fez questão, durante a "guerra de libertação",   de dizer aos quatro ventos, nos areópagos internacionais,  que  subordinava o "poder militar" ao "poder político"... Mas uma coisa é a teoria (e a propaganda), outra a "praxis" (e a dura realidade dos factos)...

A partir daqui estavam lançados os dados: Amílcar Cabral  acabou, infelizmente para ele,  e para os nossos dois povos, o  português e o guineense,  por escolher o caminho das armas (logo da violência e do terror, "revolucionários") e traçar o seu próprio  trágico destino... Ele justificava-se, argumentado que Salazar não lhe deixou outra alternativa.


2. Já aqui falámos, "ad nauseam", desta data. Inclusive há as versões de um lado (o PAIGC) (*) e do outro (as NT) (**), sobre os acontecimentos em Tite, em 23 de janeiro de 1963.

É justo lembrar hoje e aqui o magnífico trabalho que teve, há 8 anos atrás,  o nosso amigo e camarada José Teixeira (foto à direita), cofundador e régul0 da Tabanca de Matosinhos (e testemunha do absurdo da guerra na região de Forrerá, em 1968/70...), ao disponibilizar em quatro postes, publicados em finais de 2016,  um documento raro, que na altura estava "on line" (e que infelizmente já não está), contendo a "entrevista histórica", de 2001,  do homem (aliás, um miúdo de 17 anos) que deu  "o primeiro tiro" na guerra...justamente em 23 de janeiro de 1963, às 01h45 (*). 

Tiro simbólico... Já se tinham dado outros, que não ficam na História... E uns meses antes, em meados de 1962, o Amílcar Cabral iria perder o primeiro dos seus comandantes, formados na China, o Vitorino Costa, cuja cabeça será levada como troféu e instrumento de terror para Tite, pelo cap inf José  Curto, cmdt da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63).

Vale a pena reproduzir um excerto do preâmbulo que o Zé Teixeira escreveu na altura (Poste P16794), sobre "o texto e o contexto" desta entrevista de 2001, dada ao jornal "O Defensor – Orgão de Informação Geral do Estado Maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau", e reproduzida em 2015 no sítio das "FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo", por iniciativa do major Ussumane Conaté, diretor da publicação.
 
(...) Neste caso concreto, estamos a tomar conhecimento de um testemunho de alguém que vivenciou o ataque a Tite. Foi o seu comandante, mas do outro lado da barricada, logo, o relato dos acontecimentos que viveu e a visão global do ataque são à partida diferentes (e tão "respeitáveis", como os nossos relatos). São estes conjuntos de pontos de vista, diferentes entre si, e muitas vezes contraditórios, dos acontecimentos que vão permitir escrever a História.

É comum afirmar-se que a guerra colonial na ex-província da Guiné teve o seu início com um ataque a Tite na célebre noite de 22 para 23 de janeiro de 1963, Aliás, o próprio Amílcar Cabral afirmou-o uns dias depois.

Na realidade, este ataque, pela sua dimensão e resultados, com mortos e feridos de ambas as partes em contenda, assinala simbolicamente a abertura das hostilidades.

E, no entanto, foi um acontecimento fortuito, desorganizado, sem comando definido e sobretudo à revelia dos órgãos do PAICG. Assim o afirmou, em 2001, o coordenador do ataque, o então coronel Arafan Mané.

Segundo ele, a guerrilha, à data, já era um facto no Norte, no Centro Sul e Sul desde 1961. Tite já terá sido atacada em 1962. As regiões do Tombali e Quínara estavam a fervilhar numa luta surda entre as forças portuguesas e o PAIGC, com muitas mortes (assassínios) na população, da responsabilidade de ambos os intervenientes. 

Esses primeiros tempos foram de terror e contraterror, subversão e contraversão... Uma época muito mal conhecida (e pior estudada)... 

Revivo com saudade o meu amigo Samba, de Mampatá Foreá, infelizmente já falecido há muitos anos. Sargento da milícia, imã da comunidade muçulmana local (Fula). Homem culto, excelente cozinheiro, que deixou Bissau para regressar à sua terra, o Regulado Foreá, e defender o seu povo. Muitos serões passámos em amena conversa, onde a religião e o drama da Guiné eram assunto.

Recordo, apesar da poeira do tempo, uma conversa sobre a forma como o inimigo procurava conquistar aderentes à força, no início da luta. 

Eles, dizia-me, o PAIGCV, entravam, armados, pelas tabancas dentro, e tentavam convencer o chefe da tabanca a entregar os jovens para as forças da guerrilha. Se não o fizesse, era morto ali mesmo, e os homens válidos eram convidados a segui-los ou em caso de resistência eram forçados, com muitas mortes pelo meio.

Não foi por acaso que o Amílcar Cabral convocou o Congresso em Cassacá, em 1964. Um dos objetivos deste Congresso, foi acabar com as barbaridades, as arbitrariedades e os abusos de poder, praticadas por alguns chefes de guerrilha, sem qualquer preparação política, de modo a que o povo voltasse a ganhar a confiança no Partido, nos seus dirigentes e no destino da luta de libertação nacional.

Muitos anos mais tarde, em 2008 no Simpósio Internacional de Guileje, tive oportunidade de conhecer e conversar com um ex-combatente das FARP da Guiné-Bissau que me tinha atacado várias vezes em Mampatá e na estrada de Gandembel, em 1968. É dele esta frase, que recordo com emoção:

“Guerra é guerra, meu 'ermon', quando passa não deixa saudades, mas, muitas amizades, neste mundo perdido. Os antigos inimigos se procuram, para saldar as contas com um abraço sentido.” 

Dizia-me ele: "Desculpa. Eu fui apanhado na minha tabanca, tinha quinze anos."

Mas não pensemos que as autoridades portuguesas ofereciam mel e pão aos guineenses para os conquistar para a sua causa. Os factos narrados nesse Simpósip, por vítimas guineenses, que fugiram para o mato, creio que por medo (alguns) e posteriormente integraram a guerrilha, são de fazer arrepiar o mais “durão”.

Era o tempo do “chapa ou fogo” na versão mais agressiva do temido e odiado capitão José Curto por parte dos guineenses afetos ao PAIGC (*).

E, nas minhas idas à Guiné-Bissau, tenho conversado com ex-combatentes do PAIGC, onde relembram os tempos de terror imposto pelos "tugas" nas tabancas do interior, que os levou a fugirem para o mato e entrarem na luta.

Mas voltemos ao ataque a Tite para rever os acontecimentos através de relatos insuspeitos de terceiros e presenciais:

"...Em Janeiro de 1963, foi a sede do Batalhão atacada com armas automáticas e de repetição e granadas de mão. Deste ataque resultou 1 morto e 1 ferido das NT e 8 mortos confirmados e vários feridos graves IN. Depois deste ataque foram intensificados os patrulhamentos de que resultou a morte do Papa Leite, elemento IN que actuava na área e que facultou a recolha de valiosíssimos elementos da Ordem de Batalha IN..."

In, Carta de 7-07-1981 do ten cor Manuel José Morgado, enviada ao director do Arquivo Histórico Militar, em resposta ao assunto " História das Unidades ".

Resumo da Actividade do BCac nº 237/BCaç nº 599 - Maio de 1963 a Maio de 1965, Caixa nº 123 - 2ª Div/4ª Sec., do AHM


O historiador José de Matos fala em quinze a vinte elementos do PAIGC, que mantêm o quartel sob fogo intenso, durante cerca de meia hora, provocando um morto e dois feridos às nossas tropas e deixando três mortos no terreno.(vd. poste P15795).

O nosso investigador de serviço ao blogue, o incansável José Martins, convidado pelo Luís Graça a investigar o ataque a Tite, concluiu:

“Arafan Mané (nome de guerra, 'Ndjamba'), militante do PAIGC, destacado Combatente da Liberdade da Pátria, é considerado o 'responsável' pelo inicio das hostilidades na Guiné, ao ter disparado a primeira rajada de metralhadora e comandado a ofensiva. Teria menos de 20 anos. Veio a falecer em 2004, em Espanha, de doença". (P10990)

Estranhamente pouco ou nada se escreveu oficialmente sobre este acontecimento tão marcante (seria?) para o desenvolvimento da guerra na Guiné.

Há o testemunho do Gabriel Moura, (vide P3294; P3298 e P3308 de 11/11/2008; 12/10/2008 e 13/10/2008 respetivamente) (**).

Foi este soldado português de Gondomar que estava de sentinela ao quartel de Tite, naquela fatídica noite, que entrou no Blogue pela mão do Carlos Silva, (seu conterrâneo e amigo) já depois do seu falecimento para contar a história que vivenciou.

 Foi o primeiro militar português, quando se encontrava de guarda ao aquartelamento, a responder ao fogo da força que atacou as instalações de Tite.

Na reação ao fogo de que foi alvo, consumiu todas as munições de que dispunha, provavelmente três carregadores, assim como utilizou as duas granadas que lhe estavam distribuídas para o serviço. Faleceu em 2004, dois anos após ter editado as suas impressões sobre o acontecimento, e por coincidência no mesmo ano da morte de Arafan Mané.

Temos agora a oportunidade de tomar conhecimento do testemunho do Arafan Mané, ou seja, a versão de quem comandava o outro lado da barricada, numa entrevista publicada em 2001 no jornal O Defensor – Orgão de Informação Geral do Estado Maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau. Reproduzida em 2015 no sítio das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo, por iniciativa do major Ussumane Conaté, diretor da publicação. (...)

(Revisão / fixação de texto: LG)
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

3 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16794: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte I (José Teixeira)

8 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16812: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte II (José Teixeira)

11 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16823: O início da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte III (José Teixeira)

19 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16851: O início da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) – Parte Final (José Teixeira): os frutos (amargos) da aventura...

(**) Vd. postes de;


(***) Últiimo poste da série > 14 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26389: Efemérides (448): Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar da União de Freguesias de Freigil e Miomães do Concelho de Resende (Fátima's)


quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26414: Os 111 históricos do nosso blogue, que agora passam a "senadores" (1): Virgínio Briote e Rogério Freire, que hoje fazem anos


Virgínio Briote, ex-alf mil cav, CCAV 489 (Cuntima)  e ex-alf mil 'cmd', Comandos do CTIG,  cmdt do Grupo Diabólicos (Brá) (set 1965/ set 67); nascido em Cascais, frequentou a Academia Militar; fez o 2º curso de Comandos do CTIG. Comandou o Grupo Diabólicos (Set 1965 / Set 1966); regressou a casa em Jan 1967: casado com a Maria Irene Fleming,prof de liceu, reformada; foi quadro superior da indústria farmacêutica; entrou para a Tabanca Grande em 17/10/2005 (*).

Tem mais de 300 referências no nosso blogue; é autor de notáveis séries como "Guiné, ir e cvoltar", "Brá, SPM 0418", " Memórias de um comando em Barro", "Recordando o Amadu Djaló (...)"; é editor (jubilado) do no blogue desde 11/7/2007 (**); é também autor de um dos melhores blogues intimistas sobre a experiência de um antigo combatente: Guiné, ir e voltar: Tantas Vidas" (foi descontinuado em 2008, mas pode ser acedido aqui no Arquivo.pt)




Rogério Freire (foto atual do Facebook)


Rogério Freire é autor e editor da página,  CART 1525, Os Falcões (Bissorã, 1966/67), uma das mais antigas da nossa blogosfera, centrada numa só companhia e, ainda por cima, das mais completas em termos de informação (*). 

É uma página que ele vai vai mantendo, com tenacidade e paixão,  e que também está agora preservada no Arquivo.pt (última "captura" pelo robôs em 1/2/2023, 07:07).

O Rogério Freire, que foi alf mil daquela companhia, e profissionalmente foi delegado de propaganda médica e esteve ligado  à área da informática, é também um dos históricos do nosso blogue (entrou em 13/10/2005) (***), eonde tem 32 referências. e é um dos que mais se tem preocupado com o futuro dos nossos blogues e páginas na Net. Infelizmente, ele é também o único representante dos "Falcões" na Tabanca Grande... 


1.  Em   1 de junho de 2006, éramos 111, os amigos e camaradas da Guiné.  São (ou foram, alguns infelizmente já morreram: 21, ou seja, 18,9%) os históricos da I série do nosso blogue. Mudámos de "instalações" no final de maio de 2006.  Vamos recordá-los individualmente,  com destaque para os que continuaram connosco e se mostratam mais ativos ao longo destes anos.



  • A. Marques Lopes (1944-2024),
  • A. Mendes,
  • Abel Maria Rodrigues,
  • Afonso M.F. Sousa,
  • Aires Ferreira,
  • Albano Costa,
  • Amaro Samúdio,
  • Américo Marques (1951-2019),
  • Ana Ferreira,
  • Antero F. C. Santos,
  • António Baia,
  • António Duarte,
  • António J. Serradas Pereira,
  • António (ou Tony) Levezinho,
  • António Rosinha,
  • António Santos,
  • António Santos Almeida,
  • Armindo Batata,
  • Artur Ramos,
  • Belmiro Vaqueiro,
  • Carlos Fortunato,
  • Carlos Marques dos Santos (1943-2019), 
  • Carlos Schwarz ("Pepito") (1949-2014),
  • Carlos Vinhal,
  • Carvalhido da Ponte,
  • David Guimarães,
  • Eduardo Magalhães Ribeiro,
  • Ernesto Ribeiro,
  • Fernando Chapouto,
  • Fernando Franco (1951-2020),
  • Fernando Gomes de Carvalho,
  • Hernani Acácio Figueiredo,
  • Hugo Costa,
  • Hugo Moura Ferreira,
  • Humberto Reis,
  • Idálio Reis,
  • J. C. Mussá Biai,
  • J. L. Mendes Gomes,
  • J. L. Vacas de Carvalho,
  • João Carvalho,
  • João S. Parreira,
  • João Santiago,
  • João Tunes,
  • João Varanda,
  • Joaquim Fernandes,
  • Joaquim Guimarães,
  • Joaquim Mexia Alves,
  • Jorge Cabral (1944-2021) 
  • Jorge Rijo,
  • Jorge Rosmaninho,
  • Jorge Santos,
  • Jorge Tavares,
  • José Barreto Pires,
  • José Bastos,
  • José Casimiro Caravalho,
  • José Luís de Sousa,
  • José Manuel Samouco,
  • José Martins,
  • José (ou Zé) Neto (1927-2007),
  • José (ou Zé) Teixeira,
  • Júlio Benavente
  • Leopoldo Amado (1960-2021), 
  • Luis Carvalhido,
  • Luís Graça,
  • Luís F. Moreira (1948-2013), 
  • Luís Moreira,
  • Manuel Carvalhido,
  • Manuel Castro,
  • Manuel Correia Bastos,
  • Manuel Cruz,
  • Manuel Domingues,
  • Manuel G. Ferreira,
  • Manuel Lema Santos,
  • Manuel Mata,
  • Manuel Melo,
  • Manuel Oliveira Pereira,
  • Manuel Rebocho,
  • Manuela Gonçalves ("Nela") (1946-2019), 
  • Mário Armas de Sousa,
  • Mário Beja Santos,
  • Mário Cruz,
  • Mário de Oliveira (Padre) (1937-2022),
  • Mário Dias (ou Mário Roseira Dias),
  • Mário Migueis,
  • Martins Julião,
  • Maurício Nunes Vieira,
  • Nuno Rubim (1938-2023), 
  • Orlando Figueiredo,
  • Paula Salgado,
  • Paulo Lage Raposo,
  • Paulo & Conceição Salgado,
  • Paulo Santiago,
  • Pedro Lauret,
  • Raul Albino (1945-2020), 
  • Renato Monteiro (1946-20121), 
  • Rogério Freire, 
  • Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022),
  • Rui Esteves,
  • Rui Felício,
  • Sadibo Dabo,
  • Sérgio Pereira,
  • Sousa de Castro,
  • Tino (ou Constantino) Neves,
  • Tomás Oliveira,
  • Torcato Mendonça (1944-2021), 
  • Victor Barata (1951-2021).
  • Victor Condeço (1943-2010),
  • Victor David (1944-2024),
  • Victor Tavares, 
  • Virgínio Briote, 
  • Vitor Junqueira, 
  • Xico Allen (1950-2022),
  • Zélia Neno (1953-2023).
(Total=111)

Guiné 61/74 - P26413: Historiografia da presença portuguesa em África (461): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1892 para 1893 (19) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
É necessário ler número após número do Boletim Official do Governo da Província da Guiné deste período para ter uma noção de que há algo de paradoxal entre o acervo das disposições que envolvem as legislações do Reino, as pautas aduaneiras, as chegadas e partidas de pessoal, o movimento marítimo, os relatórios de saúde pública, etc., registos que parecem induzir a uma perfeita normalidade e, inopinadamente, sem qualquer quadro explicativo, explodem rebeliões que têm os seus principais focos onde estão a mexer os negócios mais prósperos ao tempo: Geba e Bissau, nota-se uma acalmia em Cacheu e Farim depois da Convenção Luso-Francesa de 1886, e ainda não se manifestaram as rebeliões nos Bijagós. A ocupação do território na região do Gabu e na Península do Cacine continua a ser mínima, não há tropas nem orçamento nem se prevêem investimentos de capital estrangeiro ou nacional em tais regiões.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1892 para 1893 (19)


Mário Beja Santos

As campanhas do Geba parecem assumir um caráter de continuidade, mas geram contaminação diferentes regulados, vamos assistir durante os próximos 12 anos a imprevistas sublevações em ambas as margens do rio Geba. É um pouco como os autos de perdão aos Papéis de Bissau, submetem-se sempre temporariamente, a situação só se alterará com a última campanha do capitão João Teixeira Pinto. Veja-se no suplemento ao Boletim Official n.º 45, de 1 de dezembro de 1893, o que escreve o Governador Vasconcelos e Sá:
“Tendo os habitantes indígenas da ilha de Bissau, por várias ocasiões, dado provas de falta de respeito às autoridades, procurando trazer à vila de S. José a desordem com manifestas tentativas de agressão, rebelando-se evidentemente contra as determinações superiores deste Governo, provocando Papéis e Grumetes nas praças da guarnição a desertarem para o interior da ilha onde as acolhem e sustentam;
Sendo certo que depois que assumi o Governo desta colónia procurei por meios suasórios chamar ao sossego os povos que se rebelaram em princípios de 1891; tendo conseguido da clemência de Sua Majestade El-Rei fosse concedido o perdão que muitas vezes e por vários meios solicitaram; reconhecendo porém que após o conseguimento do perdão e com ele a livre entrada e saída da praça, recomeçaram estes a praticar atos pouco regulares, faltando ao estabelecido no auto do perdão lavrado a 6 de março de 1892, e assinado pelos régulos de Antim, Antula e Bandim com os grandes da sua comitiva; tendo eles, dias depois, desprezado as marcações de terreno estabelecido naquele documento como pertencentes à praça, destruindo-as, faltando às combinações concluídas para a construção do novo bairro dos Grumetes;
Observando as muitas evasivas dos Grumetes para o início dos trabalhos de inauguração das construções, dando-se azo à destruição dos marcos de alvenaria para o alinhamento mandado fazer;
Considerando que são os Papéis de Antim, Antula e Bandim os que mais ostensivamente se revelam acompanhados sempre dos Grumetes, tendo a 28 deste mês disparado alguns tiros em direção da praça e assassinado na manhã de ontem um cabo-verdiano;
Tornando-se a rebelião destes povos circunvizinhos da vila de S. José de Bissau um facto que convém pôr termo por prejudicial ao prestígio da autoridade contrária à boa administração económica do distrito, etc. etc.
Hei por conveniente determinar que são considerados desde hoje em completa rebelião os povos da ilha de Bissau;
Em qualquer ponto do distrito em que forem encontrados e reconhecidos Papéis de Antim, Antula e Bandim, ou Grumetes de Bissau, serão presos como rebeldes; os gentios de Bissau que não pertencerem às três tribos citadas só poderão ser admitidos nas povoações em liberdade quando se prove que residem nestas localidades o tempo mínimo de 1 ano; são igualmente considerados rebeldes todos os demais povos do distrito que derem guarida aos Papéis e Grumetes referidos.”


E na mesma data o Governador alocou uma verba para as despesas com as medidas de repressão, estabelecendo gratificações ao comandante militar da praça de S. José de Bissau aos oficiais em serviço, facultativos e farmacêuticos e demais pessoal.

A 9 de dezembro, o Governador decreta controlo de munições na ilha de Bissau, dizendo expressamente que os comandantes militares e de presídios, bem como o administrado do concelho de Bolama devem fiscalizar rigorosamente a venda de pólvora ao gentio, não permitindo que ela se faça aos que nos são hostis ou mantêm relações de amizade com estes.

Convém recordar que o Boletim Oficial n.º 12, de 8 de abril desse ano, insere detalhadamente o alto de vassalagem do régulo do Xime. Mas o final do ano tem como acontecimento principal os acontecimentos de Bissau. O comandante militar de Bissau, capitão Zacarias de Sousa Lage, escreve ao Governador em 8 de dezembro:
“Às 5 horas da manhã do dia 7 do corrente, dia claro e maré no princípio da enchente, teve lugar um ataque de surpresa à praça pelo lado oeste, executado pelo gentio rebelde da ilha auxiliado por alguns Balantas adeptos, que consta terem sido os de Nhacra e Contanga. O inimigo preparou a emboscada de noite sem ser pressentido, e à hora indicada rompeu vivo tiroteio sobre o baluarte da Balança e fortim de Pidjiquiti, ao que as respetivas guarnições responderam com fuzilaria em fogo à vontade, iniciando-se o combate. Parte dos rebeldes papéis apareceu em massa, dando gritos gentílicos para aterrorizarem, enquanto os Grumetes sustentavam fogo vivo sobre os pontos já indicados. Mandei imediatamente romper o fogo de artilharia com lanternetas, do baluarte a Onça, como o efeito fosse pequeno o entusiasmo do inimigo cresceu, mandando então fazer fogo com granadas com balas pelas peças de calibre 7c, sistema Krupp, o que fez cessar os gritos e obrigou a emboscar os rebeldes que tinham aparecido a descoberto. O fogo sustentado pelo inimigo era vivíssimo, cruzando-se as balas em diferentes direções, partindo todas de oeste, principalmente dos mangueiros e baixa que circunda o setor norte do baluarte a Balança e do tarrafo marginal próximo ao Pidjiquiti. O fogo era todo feito em armas de retrocarga, na maioria Snider e algumas de ferrolho, sistema alemão, vendidas pela Casa Soller; todos os projéteis que se encontraram, o grande alcance dos tiros e o seu estampido assim o demonstravam.
Eram 10 horas e fogo da parte do inimigo nada tinha diminuído de intensidade; porém, pelo lado do leste (Antula) movimento algum se manifestava, o que me obrigou, por compreender o plano do gentio, a aumentar a defensiva sobre este lado. Às 11 horas é descoberta por nós a emboscada do gentio a 200 metros da Puana que se preparava para um ataque à viva força sobre este ponto e que foi desalojado a fogo de metralhadora. Sendo o gentio obrigado a abandonar esta posição, correu a refugiar-se em massa atrás do cemitério, pelo que mandei executar fogo com granada ordinária.”


O relato continua, as forças rebeldes retiram-se pelas 2 horas da tarde, presume-se ter havido grandes perdas da sua parte, dentro das forças portuguesas nem um único ferimento. O capitão Sousa Lage dirá ainda no seu relatório que o número dos rebeldes seria superior a 3 mil, dividido em duas forças. “Estou procurando obter informações pelo intermédio dos Balantas do efeito moral e material produzido no inimigo pelo combate de 7, bem como da sua disposição e ânimo, o qual relatarei a Vossa Excelência logo que os obtenha.”

No Boletim Official n.º 48, de 16 de dezembro, o Governador manda publicar um conjunto de louvores, começando pelo capitão Zacarias de Sousa Lage e todos os oficiais e praças da guarnição de Bissau, pela maneira distinta como se comportaram na defesa desta praça contra o ataque feito no dia 7, fazendo com que os rebeldes, depois de sustentarem durante 9 horas um fogo aturado de fuzilaria sobre a praça, se retirassem em debandada com bastantes perdas.

Comprovadamente, o ano de 1893 foi de uma enorme intranquilidade, com maus augúrios para o ano seguinte.

Assim se anunciava a expedição contra novas rebeliões na ilha de Bissau, 1 de dezembro de 1893
Era assim a publicidade na Guiné na década de 1920
Carta temática da repartição dos povos da Guiné, trabalho efetuado por Teixeira da Mota com base nas informações do geógrafo J. Richard-Molard, 1948
Fotografia tirada durante a guerra do Cuor em 1908, no Xime, com a legenda Manufatura do rancho, Infantaria 13

(continuação)
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Nota do editor

Último post da série de 15 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26393: Historiografia da presença portuguesa em África (461): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos em 1891, chegamos a 1892 (18) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26412: Humor de caserna (99): "Ir a Jabadá ver as contas ?...Nem pensar, meu comandante, se for preciso, eu pago do meu bolso!"... (Alferes SAM, do CA do Batalhão de Tite) (mais uma história do Rui A. Ferreira, 1943-2022)



Guiné > Região de Quínara > Jabadá > 
 26 de fevereiro de 1968 > O Comando e CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) façam a viagem  de regresso a Bissau, atravessando as Regiões de Gabu e de Bafatá, em coluna militar, e depois de barco, a partir de Bambadinca. Até ao Xime, Ponta Varela e foz do rio Corubal ainda era região de Bafatá. Mato Cão ficava a seguir a Bambadinca, ainda no Geba Estreito (que ia até ao Xime). A caminho de Bissau. na margem esquerda do rio Geba, no estuário do Geba, já muito depois da Foz do Rio Corubal, ficava Jabadá... Não era sítio onde a malta parasse, via-se apenas, de perfil, ao longe, escondida sob enormes poilões... (Foto tirada na maré vazia, as canoas estão fora de água...)


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da Ponta de Jabadá, na margem esquerda do Rio Geba, a meia distância entre Bissau e Porto Gole (situados na margem direita).

A população de Jabadá vivia da cultura do arroz, produzido na grande bolanha.  O aquartelamento das NT nunca foi em Jabadá (tabanca, mais a sul) mas na Ponta, que até ao início da guerra (1963) era um florescente entreposto comercial. Por exemplo, o comerciante e colono libanês Jamil Heneni,  com sede em Bafatá, tinha "grandes plantações de arroz" em Jabadá. 

A sentinela do Geba foi reconquistada ao PAIGC há 60 anos  em 29 de janeiro de 1965.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020


Rui A. Ferreira (1943-2022). Aqui com um "boné turra"...


1. Mais um delicioso microconto do nosso saudoso Rui Alexandrino Ferreira. É sobre o temível aquartelamento de Jabadá, ao tempo em que ele era alf mil inf, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67). (Fará depois outra comissão no CTIG, como capitão mil, cmdt da CCAÇ 18, Aldeia Formosa, jan 71 / set 72). 

 Esta história (no original, "O Alferes da Administração Militar") deve-se ter passado no tempo do BCAÇ 1860 (TIte, 1965/67). O autor não identifica a unidade.

 

O Alferes SAM que por nada deste mundo queria ir ver as contas a Jabadá...

por Rui A. Ferreira (1943-2022)


Dependendo organicamente do batalhão sediado em Tite, um belo dia, o alferes responsável pelo controlo das contas, do rancho geral, bares e similares, foi chamado à presença do comandante do batalhão, que o informou que no dia seguinte, aproveitando a avioneta destinada ao sector nesse dia, devia tomar nela o lugar e ir inspecionar as contas de Jabadá a ver se estava tudo conforme,

Aí o bom do alferes, que queria tudo menos ir a Jabadá, respondeu:

− Saiba, senhor meu comandante, que os indivíduos de Jabadá são extremamente rigorosos na apresentação das contas.

Fez uma pausa, como que a medir a reação do comandante e, não querendo de forma nenhuma ter de ir a Jabadá, concluiu:

− E se faltar alguma coisa, eu mesmo pago do meu bolso.

Ir a Jabadá é que nem pensar!...

Fonte: Excertos de  Rui Alexandrino Ferreira, "Quebo: nos confins da Guiné", Coimbra: Palimage, 2014, pág. 347.


 (Título,  revisão / fixação de texto, itálicos: LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)
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