sábado, 15 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23712: Os nossos seres, saberes e lazeres (532): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (72): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 10 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Servem estas imagens para ilustrar um pensamento urbanístico que presidiu à criação de bairros no norte da Europa, há cerca de um século; era tempo em que conservadores, liberais e gente das Esquerdas se entendiam quanto à necessidade de haver habitações dignas em atmosferas associáveis à Natureza, à privacidade e ao sentido da vizinhança. Vem nos livros que estas cidades-jardins deram abrigo não só a gente das classes médias como acolheram meios proletários. Findara uma guerra mundial sanguinolenta, nas trincheiras encontrou-se gente dos diferentes estados sociais, uma boa parte da Bélgica ficara destruída, na ofensiva alemã houve barbaridade indescritível, a mente dos belgas (como seguramente dos outros beligerantes) mudara, e assim se desenvolveu esta mentalidade de viver em ligação com a Natureza, um tanto fora do centro, mas gozando a amenidade do convívio. O curioso de tudo é que hoje já não se planeia urbanisticamente assim mas tratam-se estas experiências das cidades-jardim quase ao nível de monumentos nacionais.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (72):
Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 10


Mário Beja Santos

Finalmente, o passeio às cidades-jardins de Watermael-Boitsfort, com guias credenciados. Tudo começa à mesa de um café, ao lado de um restaurante sérvio, que serve bifes monumentais, aprendi que se pode pedir um bife para três pessoas da minha idade, os meus mestres puxam de ilustrações com cerca de um século. Era uma vez… Num mundo ideológico em que os partidos de Esquerda, Centro e Direita tinham auditórios radicalmente distintos dos atuais, havia zonas de confluência entre todos eles, e uma delas passava por se ter digerido bem a lição da Inglaterra da I Revolução Industrial, não se podia viver em falanstérios, nem em abarracamentos, locais húmidos, sem luz, sem qualquer tipo de saneamento; havia que conceber um tipo de habitação prazenteira, espaços de convivência. Encetaram-se dezenas de projetos, alguns malogrados, outros singraram até hoje, é o caso destes bairros que vamos visitar, La Logis e o Floréal, vamos percorrer só Watermael-Boitsfort, não iremos à comuna vizinha de Auderghem, é bem semelhante. O grande impulso foi dado no fim da Primeira Guerra Mundial, os projetos aprovados faziam combinar privacidade e proximidade, ligações internas dentro dos bairros, áreas de convívio, espaços ajardinados em permanência. Eu ia ouvindo os meus mestres e recordava o que tinham sido os bairros concebidos na Bouçã, Cabril e Castelo de Bode, uma conceção estado-novista, cada um no seu lugar, engenheiros separados dos auxiliares técnicos e outros trabalhadores, mas tudo bem articulado e com espaços de convivência, local de consulta médica, cooperativa de consumo, sala de reuniões, a possibilidade de parar nos caminhos vicinais e ter um pouco de conversa. Esse mundo já desapareceu, estes bairros são hoje em muitos casos casas secundárias de gente que quer viver em regime de bunker ou entaipados. O bairro que vamos visitar está classificado, não se pode alterar nada na fachada, para que as novas gerações aprendam a ler um sonho patrimonial que resultou.
Pedi para pararmos aqui em frente, não dei lições mas expliquei aos meus doutos acompanhantes como chegara aqui, graças a uma grande amizade, alguém que passava férias em Lisboa em minha casa e que me deu oportunidade, ao longo de dezenas de anos, de viver aqui numa atmosfera familiar. Convém explicar que há garagem e uma escada interior para o primeiro andar, que liga para a cozinha e sala de convívio, subir para o outro andar é uma escada íngreme, aí se encontra casa de banho e quarto, uma outra escada ainda mais íngreme, do outro lado mais um quarto e lá em cima dois quartos, tudo concebido para famílias enormes, uma casa de banho bastava, um pé alto de todo o tamanho, jardins à frente e jardins atrás. Estamos em La Logis, as ruas, todas elas, têm nomes de pássaros, estamos na Avenue du Geai, que quer dizer gaio.
Quantas vezes fui comprar pão e outra vitualhas por este caminho, a imagem é tirada em maio, é um fim de manhã cheia de luz e pode ver-se a doçura que paira nesta atmosfera, pode inclusivamente abrir-se uma cancela e entrar, percorrido o jardim interior, na cozinha. São carreiros, vejam lá por onde dança a imaginação, que me recordam os atalhos da minha infância, no bairro de Alvalade, a pequenada a correr pela terra batida, a caminho do campo de jogos.
Há sempre flores, tivesse vindo em julho apanhava as cerejeiras do Japão em flor, aqui são magotes de buganvília, a nascer e a fenecer no relvado. Quem ajardina espetou no campo a toda à volta um futuro arvoredo, mesmo quando os recursos são poucos a cidade-jardim cumpre o seu dever.
Tudo é relvado, com buxo, há paredes cobertas de hera a encontrar-se com paredes completamente sóbrias, as casas bem mantidas, veja-se aqueles sótãos, espaços enormes, cada casa tem dois quartos, os casais com filhos crescidos aproveitam para os encher de traquitana, ou criam condições para receber gente como eu, fiéis devotos da cidade-jardim de Watermael-Boitsfort.
Não foi a primeira vez que encontrei objetos úteis cuidadosamente expostos em caixas para quem quiser se poder servir. Fico enternecido, o que temos a mais, o dispensável, pode ser útil aos outros, não se oferece objetos partidos, andei por ali a bisbilhotar, confirmei o grau de civilidade de quem oferece com respeito pelo outro.
A visita acaba no Floréal, obviamente que as ruas agora dão pelo nome de flores, já não preside o verde mas o amarelo, tudo meticulosamente tratado. Os meus guias dão por findo o seu trabalho, respondo com o convite para comermos umas coisas e bebermos uma deliciosa cerveja. Conversamos sobre coisas soltas, dou-lhes conta da minha pontinha de tristeza, amanhã saio daqui com uma lágrima no olho, viagem de metro e depois comboio até um aeroporto onde um avião me depositará em Lisboa. Fica este caminho de saudade em última imagem, mas ainda tenho algumas recordações para vos transmitir, à laia de despedida desta excitante viagem pós-pandemia.

(continua)

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Notas do editor:

Vd. poste de 8 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23685: Os nossos seres, saberes e lazeres (530): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (71): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 9 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23698: Os nossos seres, saberes e lazeres (531): Trabalhos de pintura da autoria de Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (4)

Guiné 61/74 - P23711: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte VIII



Foto 1 – Zona Leste > Região de Nova Lamego > 12 de Setembro de 1969 [há 53 anos] > Evacuação de feridos provocados pelo rebentamento de uma mina anticarro ocorrida entre Canjadude e Nova Lamego. Foto do álbum de José Corceiro, 1.º Cabo Trms, CCAÇ 5, Canjadude (1969/71) – P6117, com a devida vénia.


Foto 2 – Corredor de Guileje > 1972 [há 50 anos] – Foto do álbum de Fernando Monteiro (1.º Cabo Enfermeiro) da CCAÇ 3477 “Gringos de Guileje” (1971/73), com a devida vénia.



O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Tem mais de 290 referências no nosso blogue.


 

MEMÓRIAS CRUZADAS NAS “MATAS” DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS»

OS CONTEXTOS DOS “FACTOS E FEITOS” EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM “CRUZ DE GUERRA”, DA ESPECIALIDADE “ENFERMAGEM”


PARTE VIII


► Continuação do P22336 (VII) (02.07.21) (*)


1.   - INTRODUÇÃO


Depois de um interregno, superior ao que era desejável, retomamos a partilha no Fórum dos resultados obtidos na investigação acima titulada. Procura-se valorizar, através das diferentes narrativas, o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da “saúde militar” (e igualmente no apoio a civis e população local) – médicos e enfermeiros/as – na nobre missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate, quer noutras ocasiões de menor risco de vida, mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais.

Considerando a dimensão global da presente investigação, esta teve de ser dividida em partes, onde procuramos descrever cada um dos contextos da “missão”, analisando “factos e feitos” (os encontrados na literatura) dos seus actores directos “especialistas de enfermagem”, que viram ser-lhes atribuída uma condecoração com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe. Para esse efeito, a principal fonte de recolha de informação foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).

2.   - OS “CASOS” DO ESTUDO

De acordo com a coleta de dados da pesquisa, os “casos do estudo” totalizaram vinte e quatro militares condecorados, no CTIG (1963/1974), com a «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por “actos em combate”, conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica e divulgado no primeiro fragmento – P21404.



Nesta oitava parte analisaremos mais dois “casos”, o primeiro registado no final do ano de 1966 e o segundo no início de 1967, onde se recuperam mais algumas memórias dos seus respectivos contextos.

No quadro nominal abaixo, referem-se os “casos” que faltam contextualizar (n-8).

No gráfico abaixo, já publicado anteriormente, está representada a população do estudo agrupada pela variável “posto” (n-24).


Gráfico 1 – Representação gráfica da população do estudo agrupada na variável “posto”.


3. - OS CONTEXTOS DOS “FEITOS” EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM “CRUZ DE GUERRA”, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE “ENFERMAGEM” - (n=24)

3.15 - MÁRIO DE JESUS MANATA, FURRIEL MILICIANO DO SERVIÇO DE SAÚDE, DA CCAV 1482, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 4.ª CLASSE 


A décima quinta ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 4.ª Classe - a oitava (e última) das distinções contabilizadas no decurso do ano de 1966 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título ao longo da sua comissão. Merece, todavia, destaque o seu comportamento durante a «Operação Holofote», realizada entre 14 e 16 de Dezembro de 1966, 4.ª a 6.ª feira, tendo por objectivo a base IN de Darsalame, na margem esquerda do rio Buruntoni, região do Xime, onde, mesmo depois de ter sido ferido, manteve-se activo prestando os primeiros socorros a outros camaradas seus, também eles feridos (infogravura abaixo).


► Histórico



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração


▬ O.S. n.º 06, de 09 Fevereiro de 1967, do QG/CTIG:

“Agraciado com a Cruz de Guerra de 4.ª Classe, nos termos do artigo 12.º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 28 de Março de 1967: O Furriel Miliciano enfermeiro, Mário de Jesus Manata, da Companhia de Cavalaria 1482 [CCAV 1482] – Batalhão de Caçadores 1888, Regimento de Cavalaria 7.”

● Transcrição do louvor que originou a condecoração:

“Louvo o Furriel Miliciano enfermeiro, Mário de Jesus Manata, da CCAV 1482, por ao longo do tempo de permanência nesta Província ter participado em elevado número de operações e em todas elas ter demonstrado calma e serenidade no exercício das suas funções específicas e também porque tendo sido ferido em diversas partes do corpo, durante a «Operação Holofote” [14/16Dez66], se manteve animado, aplicando em si mesmo os primeiros socorros necessários e dispensando qualquer ajuda no seu deslocamento até ao local da evacuação, evidenciando em todos os momentos uma dignidade de acção digna de salientar.” (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 268).

CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para contextualização da actividade operacional definida para a «Operação Holofote», a informação obtida na fonte Oficial (CECA) é muito reduzida. Apenas é referido que esta Operação decorreu durante três dias, de 14 a 16 de Dezembro de 1966, nela tendo participado as seguintes forças: CCaç 1546, CCaç 1551, CCav 1482 e PCaç 53.

O objectivo traçado para a missão era realizar um golpe-de-mão ao acampamento de Darsalame Baio, situado na margem esquerda do rio Buruntoni. 

Como resultados, o acampamento, composto por 8 casas de mato, foi destruído, sendo capturado, além de material diverso, mais 1 metralhadora, 3 pistolas-metralhadoras, 2 espingardas automáticas, 1 pistola e várias granadas. 

Durante a acção as NT foram flageladas pelo IN, sofrendo 4 feridos. (CECA; 6.º Vol.; Tomo II; p 415).



3.15.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAVALARIA 1482

             = BAMBADINCA - SONACO - QUIRAFO - PONTA DO INGLÊS - XIME - INGORÉ - SEDENGAL


Mobilizada pelo Regimento de Cavalaria 7 [RC 7], de Lisboa, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia Independente de Cavalaria 1482 [CCAV 1482], embarcou no Cais da Rocha, em Lisboa, em 20 de Outubro de 1965, 4.ª feira, a bordo do N/M «Niassa", sob o comando do Cap Cav João Ramiro Alves Ribeiro [-†2008; como General], tendo chegado a Bissau a 27 do mesmo mês.


3.15.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAV 1482


Sete dias após a sua chegada [27Out65], a CCAV 1482 foi colocada em Bambadinca, a fim de substituir a CCAÇ 556 [10Nov63-28Out65, do Cap Inf José Abílio Lomba Martins (1.º); do Cap Inf Carlos Alberto Gonçalves (2.º) e do Ten Inf Fernando Gonçalves Foitinho (3.º)], assumindo a função de intervenção e reserva do BCAÇ 697 [21Jul64-27Abr66, do TCor Inf Mário Serra Dias da Costa Campos], tendo actuado em diversas operações realizadas nas regiões de Darsalame Baio, Ponta Varela e Poindom e efectuado patrulhamentos, batidas e escoltas na sua zona de acção. De 17Nov65 a 17Jan66, cedeu um Gr Comb ao BCAV 757 [23Abr65-20Jan67, do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso], para guarnecer o destacamento de Sonaco.

Em 06 e 08Abr66, com a marcha de dois Grs Comb, respectivamente para Quirafo (onde se manteve até finais de Dezembro seguinte) e Ponta do Inglês, iniciou a rotação com a CCAV 678 [18Jul64-27Abr66, do Cap Cav Juvenal Aníbal Semedo de Albuquerque (1.º); do Cap Cav Inácio José Correia da Silva Tavares (2.º) e do Cap Art José Vítor Manuel da Silva Correia (3.º)] e seguidamente assumiu, em 14Abr66, a responsabilidade do subsector do Xime, com aqueles destacamentos referidos, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697 e depois do BCAÇ 1888 [26Abr66-17Jan68, do TCor Inf Adriano Carlos de Aguiar].

Em 11Jan67, foi rendida no subsector do Xime pela CCAÇ 1550 [26Abr66-17Jan68, do Cap Mil Inf Agostinho Duarte Belo], tendo sido colocada em Ingoré, a fim de render a CCAV 788 [28Abr65-08Fev67, do Cap Cav Alberto Mourão da Costa Ferreira]. Em 15Jan67, assumiu a responsabilidade do subsector de Ingoré, com um Gr Comb destacado em Sedengal, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1894 [30Jul66-09Mai68, do TCor Inf Fausto Laginha dos Ramos]. Em 13Jul67, foi rendida no subsector de Ingoré pela CCAÇ 1590 [12Ago66-09Mai68, do Cap Inf Aires Jorge da Costa Gomes], tendo seguido em 18Jul67 para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, o qual ocorreu a 27Jul67, a bordo do N/M «UÍGE» (CECA; 7.º Vol.; p 500).


3.16 - AMÉRICO MOREIRA DA SILVA, 1.º CABO AUXILIAR DE ENFERMEIRO, DA CART 1525, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 4.ª CLASSE 


A décima sexta ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 4.ª Classe - a primeira distinção contabilizada no decurso do ano de 1967 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título ao longo de todo o período da sua comissão. De todas as evidências, merece maior relevância a sua coragem e valentia durante a «Operação Baluarte», efectuada em 1 de Fevereiro de 1967, 4.ª feira, à “Base Rua”, situada entre a bolanha de Cambajo e Madane, no Óio, em que as NT tiveram um total de 14 indisponíveis e onde o 1.º Cabo Silva acorreu a todos os locais em que era solicitada a sua presença (infogravura abaixo).



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ O.S. n.º 15, de 30 de Março de 1967, do QG/CTIG:

“Agraciado com a Cruz de Guerra de 4.ª Classe, nos termos do artigo 12.º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 14 de Abril findo: O 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, n.º 5614265, Américo Moreira da Silva, da Companhia de Artilharia 1525 [CART 1525] – Batalhão de Caçadores 1876, Regimento de Artilharia de Costa.”

Transcrição do louvor que originou a condecoração:



“Louvado o 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, n.º 5614265, Américo Moreira da Silva, da CART 1525, por ter desenvolvido ao longo de 14 meses de comissão uma actividade extraordinariamente proveitosa e cheia da melhor boa vontade, quer no exercício das suas funções internas, quer ainda na actividade operacional levada a efeito pela Companhia.

Elemento dotado de invulgares qualidades de trabalho, notório espírito de sacrifício e desejo permanente de agradar, jamais regateou qualquer esforço, mesmo quando a Companhia possuía um enfermeiro a menos, obrigando-o por isso a desdobrar-se e a fornecer um esforço suplementar. Possuidor de extrema correcção e simpatia pessoal tem-se imposto não só a camaradas, como também a superiores, como um militar merecedor de estima geral.

No exercício das funções, durante a actividade operacional, tem-se revelado também, em todas as acções em que tem participado, como um militar de grande destreza, coragem e valentia.

Na «Operação Baluarte», efectuada à “Base de Rua”, em que as NT tiveram, entre feridos graves e ligeiros, 14 indisponíveis, o 1.º Cabo Silva, ainda debaixo de fogo IN e não olhando ao perigo, acorreu a todos os locais onde a sua presença era solicitada, numa demonstração de entrega total à sua missão, não se poupando a esforços para que a sua presença e os seus cuidados estivessem sempre ao dispor dos mais necessitados. Conseguiu desta feita, e alardeando grande serenidade, desprezo pelo perigo, coragem e sangue frio, que a sua acção fosse estimular não só os feridos, como também o restante pessoal, contribuindo deste modo para elevar o moral das NT.

Pelas suas qualidades pessoais, de reconhecido valor e qualidades de trabalho que são uma realidade e, ainda, pela sua calma, coragem, espírito de abnegação e desprezo pelo perigo, largamente demonstrados em acções de contacto com o IN, merece o 1.º Cabo Silva ser apontado a todos os seus camaradas como exemplo de dedicação e entrega total ao serviço.” (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 317).
   

CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para a elaboração deste ponto, não foi possível incluir a narrativa da fonte Oficial (CECA) por nada constar à cerca desta actividade operacional desenvolvida pela CART 1525. No entanto, recorremos, uma vez mais, ao livro da Unidade – CART 1525 - “HISTORIAL” – da qual retirámos os factos relacionados com o desenrolar da «Operação Baluarte», efectuada em 01 de Fevereiro de 1967, 4.ª feira, na Região de Cambajo / Madane (Óio).

O principal objectivo da «Operação Baluarte» visava concretizar um golpe de mão à “Base Rua”, situada entre a bolanha de Cambajo e Madane.

Foram escaladas para esta missão as seguintes forças: 1.º Gr Comb da CART 1515; Gr Comandos “Os Falcões”, 1 Pel Milícia 157 e 1 Pel Pol Adm., com apoio aéreo.

▬ DESENROLAR DA ACÇÃO:

● Saíram as NT do quartel pelas 22h30 seguindo a estrada de Mansoa e flectindo depois na direcção de Quenhaque > Mansabandim > Dando, onde chegaram pelas 23h30. Cambada a bolanha do Cambajo, entrou-se na zona do objectivo. O guia não sentia qualquer dificuldade na condução das NT, e assim, pelas 05h30, encontravam-se as mesmas muito próximas da base quando, de N, se ouviu forte tiroteio à distância o que, certamente, veio alertar o IN. 

Mesmo assim a aproximação continuou em terreno de mato relativamente denso, até que se atingiu uma clareira onde o mato havia sido cortado e que, por indicações do guia, era o local onde a sentinela se encontrava. Efectivamente, nessa altura, eram 05h45, fomos detectados por dois sentinelas que abriram fogo de E e W tentando assim despistar as NT quanto à verdadeira localização da casa de mato, que se encontrava precisamente na direcção intermédia das mesmas.

Uma vez detectadas, as NT abriram fogo com todas as armas mas o IN reagiu com PM, MP e LGFog. A pouco-e-pouco, porém, as NT continuaram o avanço a despeito da forte reacção do IN que se fazia sentir e apesar de uma das granadas de LGFog do IN ter rebentado no meio do nosso pessoal e ocasionando logo alguns feridos. Assim, cerca de meia hora depois de se ter iniciado o contacto, chegaram finalmente as NT às casas de mato, depois do IN as ter debandado. 

No interior do objectivo verificou-se que era composto por seis barracas dispostas em círculo com uma barraca central. Dispunha de abrigos para atirador deitado e possuía um outro contra a aviação, construído com terra e troncos e constituído por uma cavidade subterrânea, com dois buracos diametralmente opostos, com capacidade para cerca de 12 pessoas, dando por isso adequada protecção não só contra bombas de avião mas também contra as granadas de artilharia.

Ainda quando as NT se encontravam no interior da base, o IN fez lançar mais uma granada de LGFog, a qual veia a rebentar sobre o nosso pessoal, ocasionando mais feridos. Em face disto e uma vez que as instalações tinham já sido destruídas, retirou-se da zona e resolveu-se, devido à demora do PVC, evacuar os feridos pelos nossos próprios meios até ao ponto de recolha pelas viaturas.

Atendendo à grande quantidade dos mesmos e à enorme extensão a percorrer, foi digno de nota o espírito de entreajuda de todo o pessoal no transporte dos camaradas feridos. Durante o movimento de regresso, foram ainda queimadas mais quatro tabancas a W do objectivo, não se tornando o IN a revelar. As forças foram recolhidas pelas 08h30 na estrada de Mansabá, chegando a Bissorã cerca das 09h00.

Foram capturados alguns carregadores de PM, munições diversas e granadas de mão. As NT sofreram catorze feridos, sendo evacuados nove elementos (Op. cit,; pp 57/58).


3.16.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE ARTILHARIA 1525

             = MANSOA - BISSORÃ - PONTE MAQUÉ


Mobilizada pelo Regimento de Artilharia de Costa [RAC], de Oeiras, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Artilharia 1525 [CART 1525], embarcou no Cais da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa, em 20 de Janeiro de 1966, 5.ª feira, a bordo do N/M «UÍGE», sob o comando do Cap Art Jorge Manuel Piçarra Mourão (1942-2004), tendo chegado a Bissau a 26 do mesmo mês.

3.16.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 1525

Dez dias após a sua chegada a Bissau, a CART 1525 seguiu para Mansoa, a fim de efectuar um curto período de adaptação operacional e substituir a CART 644 [10Mar64-09Fev66; do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (-†2004) (1.º), Cap Art Nuno José Varela Rubim (2.º) na função de reserva e intervenção do sector do BCAÇ 1857 [06Ago65-03Mai67; do TCor Inf José Manuel Ferreira de Lemos]. 

Em 21Fev66, por rotação com a CCAÇ 1420 [06Ago65-03Mai67; do Cap Inf Manuel dos Santos Caria], foi transferida para o subsector de Bissorã, em reforço da guarnição local até 31Out66, tendo ainda actuado em diversas operações realizadas nas regiões do Tiligi, Biambe, Morés e Queré e sendo também deslocada para operações na região de Jugudul, de 23Jul66 a 17Ago66; de 18Jun66 a 06Jul66, destacou, ainda, um pelotão para Ponte Maqué. 

Em 31Out66, assumiu a responsabilidade do subsector de Bissorã, após saída da CCAÇ 1419 [06Ago65-03Mai67; do Cap Mil Inf António dos Santos Alexandre], tendo passado a integrar o dispositivo e manobra do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado (1920-2001)], após reformulação dos limites da zona de acção dos sectores daquela área em 01Nov66, e depois do BCAÇ 1876 [26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior]. 

Pelos vultuosos resultados obtidos em baixas causadas ao inimigo e armamento apreendido, destacam-se as operações: «Embuste» [01Out66] e «Bambúrrio» [03Abr67], nas regiões de Iarom e Faja. Em 10Out67, foi rendida no subsector de Bissorã pela CCAV 1650 [06Fev67-19Nov68; do Cap Cav José Cândido de Bonnefon de Paula Santos], recolhendo seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso, o qual ocorreu em 04 de Novembro de 1967, sábado, a bordo do N/M «UÍGE». (CECA; 7.º Vol.; p 446).

Continua…

► Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo II; Cruz de Guerra, 1962-1965; Lisboa (1991).


Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014)

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição; Lisboa (2002).

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

01Set2022

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Nota do editor:

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23710: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (100): O Arquivo da Defesa Nacional disponibiliza acesso a documentação entretanto desclassificada relativa à guerra colonial (Beja Santos / Carlos Vinhal)


1. Alertados pelo nosso camarada Mário Beja Santos para o facto de o Arquivo da Defesa Nacional estar a facultar o acesso a documentação entretanto desclassificada relativa à guerra colonial, nos que nos interessa particularmente à da Guiné, e sugerindo que se tornasse público essa faculdade, procedemos a alguma pesquisa no respectivo site, achando interessante divulgar os resultados da mesma, sem prejuízo de que outros a façam com mais minúcia:

Vão clicando nos links sugeridos:

Plano de Classificação / Gabinete do Ministro da Defesa Nacional 1944/1975

007 Processos Confidenciais 1963 1974

- Pasta 0029 0029

Ficheiros PDF:

- 004 Guiné, 1º. Vol 1963/71

- 005 Guiné, 2.º Vol 1968/71

- 006 Guiné, 3.º Volume 1968/74

- 007 Guiné, 4.º Volume 1973/74


- Pasta 0030 0030

Ficheiros PDF:

- 012 - 1.º Vol do Processo relativo ao 1.º Sargento Lobato retido na Repúlica da Guiné - 1.º Vol 1964/1968

- 013 - 2.º Vol do Processo relativo ao 1.º Sargento Lobato retido na Repúlica da Guiné - 2.º Vol 1966/1969


- Pasta 0031 0031

Ficheiros PDF:

- 023 - Militares portugueses retidos na República da Guiné 1965/1965

- 024 - Militares portugueses retidos na República da Guiné 1965/1968

- 025 - Militares portugueses retidos na República da Guiné 1968/197)


- Pasta 0037 0037

Ficheiros PDF:

- 061 - Incidentes com Senegal e República da Guiné 1969/1970

- 062 - Incidentes com Senegal e República da Guiné 1971/1971


- Pasta 0038 0038

Ficheiro PDF:

- 074 - Processo incidente Pirada 1972/1972

Estas são alguma sugestões de pesquisa. Todos estes documentos podem ser lidos página a página e descarregados se assim o desejarem.

Na coluna estática do Blogue existe um link para a página das Sugestões de Leitura que deverá ser visitada com frequência porque está sempre em actualização.

2. Informamos também que as Cartas da Guiné estão já todas acessíveis na página Cartas da Antiga Província da Guiné com os respectivos links de acesso. Faltam umas notas do nosso editor Luís Graça.

Nunca será demais referir que podemos aceder a estas Cartas graças ao nosso camarada Humberto Reis que as adquiriu, digitalizou e disponibilizou ao Blogue.

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23695: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (99): Alguém tem exemplares do jornal "Nô Pintcha", do PAIGC, criado em 1975? Ou de panfletos, do tempo da luta armada, com a expressão "Nô Pintcha"? (Paulo Marchã, militar da FAP, ref, estudante de licenciatura em Estudos Africanos pela FL/UL)

Guiné 61/74 - P23709: Convívios (946): Comemoração dos 55 anos do regresso da Guiné dos Falcões da CART 1525 (Bissorã, 1966/67) no próximo dia 12 de Novembro de 2022 na Mealhada (Rogério Freire, ex-Alf Mil Art MA)


1. Mensagem de nosso camarada Rogério Freire (ex-Alf Mil Art MA da CART 1525, Bissorã, 1966/67; fundador e editor da página da CART 1525, "Os Falcões"), com data de 13 de Outubro de 2022:

Luís,
Conforme solicitaste segue a informação do nosso convívio para comemorar os 55 anos do nosso regresso da Guiné a ter lugar na Mealhada no próximo dia 12 de Novembro.
Por tradição, comemorávamos os lustros no Quartel da nossa unidade mobilizadora, o RAC em Oeiras, sempre com grande pompa e circunstância, com a excelente colaboração do Exército e o grande empenho do nosso camarada Adrião Mateus o grande impulsionador destes convívios anuais.
Havia Honras Militares, missa de sufrágio, colocação de uma placa comemorativa do quinquénio e a refeição servida no rancho com a presença do comando da unidade.
Foi sempre uma grande e feliz festa e um momento inesquecível para todos os Falcões e suas famílias que nele participaram, desde o primeiro na Bateria da Parede, passando pelo quartel do RAC em Oeiras e finalmente no Quartel do RAA1 de Queluz, onde atualmente se guarda o Guião da CART 1525 e onde comemoramos os 50 anos do nosso regresso.

Devido aos vários fatores de todos nós conhecidos aliados à idade, saúde e mobilidade dos Falcões, este ano foi decidido ficarmos pela Mealhada, local onde nos últimos muitos anos nos temos reunido sempre com a mesma alegria, amizade e companheirismo e a enorme vontade de continuarmos a dizer PRESENTE.

Junto duas imagens, uma do 50.º aniversário comemorado no RAAA1 e outra com a página de entrada no nosso site www.cart1525.com com as informações sobre o convívio dos 55 anos.

Com um abraço do
Rogério

Os Falcões da CART 1525 em 2017, ano em que comemoraram os 50 anos do regresso da Guiné
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23705: Convívios (945): Almoço comemorativo dos 50 anos do regresso da Guiné dos combatentes da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhámel, 1970/72), levado a efeito no passado dia 5 de Outubro em Abrantes (Morais da Silva, Cor Art Ref)

Guiné 61/74 - P23708: Notas de leitura (1505): Uma escultura de renome mundial, a Nalu (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2022:

Queridos amigos,
Há por vezes a necessidade de lançar um apelo. No caso vertente, trata-se da arte Nalu, que é possível encontrar em museus de grande renome, é elemento construtivo das grandes coleções de arte africana. Não é novidade para ninguém que a arte Nalu e a arte Bijagó são admiráveis. É curioso como há estudos sobre a arte Bijagó e parece que ninguém escreve sobre a arte Nalu, por essa razão aqui se repesca um trabalho de Artur Augusto Silva publicado no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, seguramente que há hoje mais elementos e reflexões sobre esta representatividade plástica, tão credora da nossa admiração. É facto que ainda não bati à porta do Museu Nacional de Etnologia, acontecerá um dia. O que eu pergunto aos meus confrades é se não têm a amabilidade de me informar de quaisquer outros estudos sobre uma escultura que põe a Guiné Bissau em tão conceituados museus.

Antecipadamente grato,
Mário



Uma escultura de renome mundial, a Nalu

Mário Beja Santos

Estava a ser uma manhã de leituras muito interessantes, voltei a folhear os dois cartapácios referentes aos Ecos da Guiné, tudo começou por uma edição da secção técnica de estatística, secção de publicidade, comércio da Guiné, publicação criada em 1949, na governação de Raimundo Serrão, passou depois a intitular-se Boletim de Informação e de Estatística, crónica mensal da colónia, foi aqui que Amílcar Cabral, enquanto responsável pela Granja de Pessubé, no âmbito da Direção-Geral dos Serviços Agrícolas dedicou um punhado de reflexões sobre a indispensável reforma agrícola.

Tinha saudades de aqui relembrar a arte Nalu, há um texto meu no blogue que data de há 10 anos. Bem procurei bibliografia na Sociedade de Geografia sobre esta corrente plástica, nada encontrei, é muito provável que tenha de bater à porta do Museu Nacional de Etnologia, pode ser que tenha mais sorte. Assim, voltei a pegar no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol. XI, nº44, outubro de 1956, deu-me imenso prazer voltar a ler o artigo escrito por Artur Augusto Silva sobre a arte Nalu, ainda é possível encontrar nos alfarrabistas uma separata deste curioso texto. A que se propõe este investigador? Responde logo no início do seu trabalho: “Procuraremos surpreender as suas determinantes, as relações da sua arte com a necessidade de exprimir as preocupações dominantes do agregado social e ainda demonstrar que o meio ambiente condicionou o modo de vida, a sua organização económica e, como resultado desta organização, todas as superestruturas daí derivadas”. Recorda que a etnia Nalu não está circunscrita à colónia da Guiné portuguesa, também tem alguma importância na Guiné francesa, no caso da Guiné portuguesa habitavam as regiões da circunscrição de Catió, Cacine e Bedanda e pontos isolados do Cubisseco (região de Fulacunda).

O autor estima a população Nalu na colónia em perto de 4 mil habitantes. Dedicavam-se à orizicultura, às culturas da cola, banana, laranja e ananases. Habitam só solo continental. Não possuem escrita e só conheciam a literatura oral, o verosímil e o inverosímil andam de mãos dadas, são prolongamentos da mesma realidade. Os Nalus, habitantes de floresta eram, ainda há 40 anos, um dos povos mais primitivos de toda a África. Seguiram-se os contactos com os muçulmanos, tudo começou por aspetos comerciais dado que estes são grandes consumidores de cola, iniciou-se depois a islamização dos mais jovens, a arte Nalu passou a desinteressar as novas gerações, crescentemente islamizadas [esta apreciação de Artur Augusto Silva não se veio a revelar definitiva, a arte Nalu continua a ter grande projeção não só no artesanato guineense, muitos espécimenes são disputados por colecionadores e museus, algumas das maiores leiloeiras internacionais quando fazem leilões de arte africana não é incomum porem à venda arte Nalu e arte Bijagó].

A espiritualidade destes animistas baseia-se na crença das energias, as forças, são estes elementos o que dominam a representatividade plástica Nalu. Nas máscaras refugia-se a energia. A serpente é em toda a zoolatria Nalu um animal de maior prestígio. As máscaras são a síntese de todas as forças vivas. O autor chama a atenção para algo que é a aculturação animista, neste caso os Nalus praticam a circuncisão.

O artista Nalu procura construir unicamente moradas para as forças que animam o seu mundo sobrenatural. É de notar que as máscaras e tambores destinados a folguedos são usados por Nalus e Sossos. O autor avisa-nos que não pôde confirmar se os Bagas também participam deste processo estético.

Em jeito de síntese, Artur Augusto Silva observa que a escultura Nalu nasceu da necessidade de representar as forças a que nós chamamos religiosidade, em termos plásticos escultóricos estas forças prendem-se com a necessidade de ter uma residência porque quando não há lugar qualquer força é inoperante, a pessoa fica à deriva, sem comunicação com o transcendente.

As esculturas são feitas em madeira de poilão ou em mancone. Os Nalus usam uma enxó para desbastar a madeira e um canivete para os trabalhos de pormenor. As tintas usadas: preta, branca, vermelha e verde. Conseguem a tinta branca através da trituração da casca de ostras.

Chegou a hora de bater a outras portas para saber mais sobre a arte Nalu. Será que os nossos amigos guineenses não nos poderão ajudar?

Ninte-Kamatchol, escultura Nalu, Museu Afro-Brasil
Máscara Nalu, Instituto de Arte de Chicago
Máscara Nalu, coleção da Sociedade de Geografia de Lisboa
Arte Nalu, Arquivo Histórico Ultramarino
Povos da Guiné-Bissau, painel de Augusto Trigo
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23690: Notas de leitura (1504): "Deixei o meu Coração em África", por Manuel Arouca; Oficina do Livro, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23707: Blogoterapia (304): Éramos um combatente da “farda amarela” e… desarmado (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)


1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66), com data de 5 de Outubro de 2022:


Éramos um combatente da “farda amarela” e… desarmado!

É tão difícil unir todos os pedacinhos das memórias, os destroços e juntá-los na construção de um todo para os companheiros combatentes que felizmente ainda andam por aqui, mesmo sabendo que traduzindo à letra os nossos pensamentos, corremos o risco de às vezes não sermos lá muito bem entendidos, ou seja, dando a entender que “a liberdade de sermos quem quisermos, agindo ou falando sem filtros é quase uma anarquia”, o que na verdade para nós, não é, pois entendemos que expondo ideias ou expressão nas palavras de diferente maneira é muito saudável e, temos muito respeito por todos vós e pelo que viveram, sobretudo em África.

Continuando, lembramos que na Guerra Colonial, as nossas tarefas eram cifrar e decifrar mensagens. Assim, passáva-nos pelas mãos mensagens contendo substância horrivel e secreta de possíveis operações ou de ataques sofridos pelo contacto com as forças inimigas compostas pelos guerrilheiros que lutavam pela independência do seu território.

E, tal como alguns de vocês companheiros combatentes, chegámos em Maio do ano de 1964, passando dois longos anos no interior da então província colonial da Guiné Portuguesa, rodeados de savanas e pântanos, participando numa guerra de guerrilha, contra um inimigo armado, treinado e equipado, que sempre recebeu apoio substancial de portos seguros em países vizinhos como o Senegal e a Guiné-Conacri, cuja proximidade eram excelentes para fornecer superioridade táctica nos seus ataques transfronteiriços e sobretudo se reabastecer.

Mas voltando à tal “farda amarela”, que dá o título a este escrito, não sabemos quem foi o “designer” de moda popular ou militar, que a projectou, mas sabemos, porque a usávamos, que era demasiado quente para o clima húmido da então Guiné Portuguesa e, que na altura era usada por outros militares de alguns países, principalmente os envolvidos em conflitos em África!.
Todavia, estar estacionado em África, uma região quente e húmida entre outras anomalias climáticas, dentro daquela “ganga amarela”, onde a princípio, antes de ser lavada, uma, duas, três, talvez só à quarta vez, largava aquela “goma” que parecia “cola” e, quando isso acontecia, pouco mais durava, começando por o tecido se dissolver, principalmente na zona onde a transpiração mais se fazia notar!.

Agora voltando de novo ao conflito armado e como acima já explicámos, dada a nossa especialidade, éramos um soldado desarmado. No entanto, fizémos coisas, passando por momentos horríveis de desespero, angústia e medo quando de ataques e emboscadas ao local onde estávamos estacionados ou passávamos, tomando conhecimento oficial de relatos angustiantes, onde explicavam como iam deixando por lá companheiros enterrados em cenários de combate, porque não os podiam resgatar e, que hoje ainda nos assombram.
Porquê? Porque muitas vezes, as tropas Portuguesas encontravam-se na pior posição para avançar e identificar com precisão a sua localização no terreno, onde ou existia selva cerrada, pântanos ou canais com água, lama e tarrafo e frequentemente, pelo menos quando atravessavam os rios ou canais, havia os “macaréus”, algumas vezes até animais perigosos, como crocodilos, onde em algumas situações o inimigo, tirando vantagem, surgia de todos os lados, atacando, disparando, sem dar qualquer oportunidade para que se recuperasse os nossos mortos ou feridos.
E nós, além de mal alimentados, (cuja alimentação era confecionada à base de alimentos sem proteínas e repetida quase todos os dias, razão pela qual ainda hoje gostamos de amendoins), sem assistência médica, com equipamento militar absoleto, fomos dos primeiros a entrar e ficar estacionados em zona de permanente combate, usando o tal uniforme “amarelo”.

Assim, além de outras, o nosso moral era triste e a desmotivação e o cansaço eram realidades que minavam os alicerces de quem com elas convivia, numa situação “onde podíamos morrer de amarelo”, dentro de uma vestimenta padronizada e regulamentada, diziam “eles”, que contribuía para a elevação e auto-estima, potencializada pela manifestação de força, com que nos educaram num breve treino específico de recruta, convencidos de que éramos a força de combate mais letal do mundo.
Onde, além de irmos para África lutar contra pessoas que não conhecíamos e nada de mal nos tinham feito antes, íamos transmitir a tal manifestação de força mas, talvez sem os responsáveis pelo governo colonial de então em Portugal saberem, que a nossa educação de família era potencializada por um ideal de paz e igualdade, com que fomos quase todos nós, independentemente de origem ou condição, educados no nosso lar.
Enfim, hoje as imagens do possível passam-nos na mente como se tratasse de um filme arrumado no sótão da nossa existência e, aquele aquartelamento militar que ajudámos a construir e que poderíamos considerar um “Posto Avançado”, ou seja, um lugar onde os militares de combate, tomavam conhecimento das primeiras savanas, florestas, rios, riachos e pântanos, que eram as trilhas frescas usadas pelos guerrilheiros que lutavam pela independência do seu território, continuam bem vivas na nossa memória.
E, tudo isto se passou quando ainda éramos quase crianças, (pois no regime que então se vivia, só éramos adultos aos 21 anos de idade), onde estivémos longe da família, noutro continente e sacrificando a nossa liberdade. E fizémos tudo isto porquê? Porque mesmo sabendo que a desumanização da sociedade continuava uma realidade, onde às vezes parecíamos que éramos todos ilhas à deriva, nós, “éramos quase uns soldados sem um país”, no entanto, fizémos um juramento à bandeira desse país onde nascemos e, viveremos por este juramento até ao dia da nossa morte, porque hoje somos e, seremos sempre um veterano de guerra.

E também acreditamos que às vezes é necessário retornar aos pensamentos da infância, aos amigos ou ao seio da família, o único porto de abrigo, tal como quando regressámos a casa, uns anos depois já como veteranos de guerra, passando por algumas experiências de vida mais traumáticas que se possam imaginar e, os amigos e a família que nos receberam, sabiam, notavam imediatamente que alguma coisa estava mal connosco, pela nossa linguagem, maneira de se comportar, que estávamos diferentes, talvez um pouco loucos e algo agressivos.

Esta é a verdade, que não podemos nunca ocultar.

Tony Borie, Outubro de 2022

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23680: Blogoterapia (303): A maldição de um veterano de guerra, é que nunca esquece (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)

Guiné 61/74 - P23706: Facebok...ando (69): Fernando Nogueira de Carvalho, ex-fur mil, CCAÇ 1684 / BCAÇ 1912 (Susana, Varela e Mansoa, 1967/69), natural de Cabeceiras de Basto, a viver em Matosinhos: fica convidado para se sentar à sombra do nosso poilão, onde já temos o seu camarada Manuel Domingos Santos


O Fernando Nogueira de Carvalho. Página do Facebook. Foto de perfil (2020).  Foi fur mil, CCAÇ 1684 / BCAÇ 1912 (Susana, Varela e Mansoa, 1967/69).


Guiné > Região de Cacheu > CCAÇ 1684 (Susana, Varela e Mansoa, 1967/69) > s/l > s/ d > Convívio dos furriéis milicianos. O Fernando Nogueira de Carvalho está assinalado com cercadura a amarelo. À sua direita, o Manuel Domingos Santos, nosso grã-tabanqueiro.


Guiné > Região de Cacheu > CCAÇ 1684 (Susana, Varela e Mansoa, 1967/69) > s/l> s/d> Convívio dos furriéis milicianos. O Fernando Nogueira de Carvalho está assinalado com cercadura a amarelo. O Carlos Resende  identificou todos os elementos: "Em cima: Barreto, Sousa, Resende, Sá, 
[?] , Brito; ao meio: Santos, Gil, Carvalho, Félix, Leonel, Domingos, Arenga; em baixo: Nogueira e Ferreira".
 
Fotos (e legendas): © Fernando Nogueira de Carvalho  (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Cacheu > Susana > Maio de 1968 > Perdidos no rio... Memorial aos mortos da CCAÇ 1684... Força comandada pelo alf mil SAM Virgílio Teixeira, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), aguardando instruções do seu comando, em São Domingos (*)...

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1. Através do Formulário de Contacto do Blogger recebemos a seguinte mensagem:

Data - quinta, 6/10/2022, 17:00 

Percurso na Guiné: Ingoré, Barro, S. Domingos, Suzana, Mansabá. Ferido 2 vezes em combate.  Sou DFA.  Pior experiência: mata do Cassum,  12 mortos. Aqui recusei a cruz de guerra que me valeu um dia detido no quarto.

Furriel mas mais de metade da comissão, depois de 2 alferes mortos, fiquei a comandar o pelotão. Na desmobilização como tantos outros senti-me descartável.

Paradoxo ou não, tenho vontade de regressar à Guiné.

Saúde e abraço para todos,
Cumprimentos,
Fernando Nogueira de Carvalho (...)

 
2. O que sabemos deste camarada, pela consulta à sua página do Facebook (**): 

Vive em Matosinhos, é de Cabeceiras de Basto. Reformado, é sócio da Árvore onde aprendeu técnicas de pintura. Pinta nas horas vagas.

Pertenceu à CCAÇ 1684 (Susana, Varela e Mansoa, 1967/69). Cmdt: Cap Inf António Feliciano Mota da Câmara Soares Tavares.

A CCac 1684 ficou inicialmente colocada em Bissau como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe. 

Nesta situação, foi atribuída, a partir de 23mai67, em reforço do BCac 1894, deslocando-se para Ingoré e, a partir de 23jun67, instalando-se em S. Domingos, com vista à realização de operações nas regiões de Bunhaque, Santana e Campada, tendo entretanto destacado, em 28jun67, um pelotão para Susana.

Após rendição, por fracções, da CCav 1483, iniciada em 4jul67, assumiu, em 13jul67, a responsabilidade do subsector de S. Domingos, então, temporariamente, com sede em Susana, com pelotões destacados em Varela e S. Domingos, ficando integrada no dispositivo e manobra do mesmo BCac 1894.

Em 23ag067, após subdivisão do subsector de S. Domingos e criação do subsector de Susana, foi substituída em S. Domingos pela CArt 1744 e assumiu a responsabilidade do novo subsector de Susana, mantendo um pelotão destacado em Varela.

Em 31Mar69, foi rendida pela CCac 1791 e foi colocada em Mansoa, em 2abr69, a fim de substituir a CCac 2315 no dispositivo e manobra do seu batalhão, realizando acções ofensivas nas regiões de Polibaque, Ponta Bará, Cutia e Namedão e escoltas a colunas de reabastecimento.

Em 14Mai69, foi substituída pela CCCac 2589 e recolheu a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

A CCAÇ 1684 (tal como a CCAÇ 1685 e CCAÇ 1686) pertenceu ao BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69)

 O Fernando Nogueira de Carvalho é amigo da Tabanca Grande Luís Graça, mas não se senta ainda, formalmente, à sombra do sagrado poilão  da Tabanca Grande. Temos para ele o lugar nº 866, se aeitar, na volta do correio, o nosso convite. Gostaríamos de ter uma foto dele, visto de frente, do tempo da tropa e/ou da guerra.  

Mais: gostávamos de ter pormenores da sua participação na operação, na mata de Cassum, de triste memória,  onde as NT terão tido 12 mortos, e onde o Fernando se terá distinguido, por corajosa ação em combate. 

Não encontrámos referência, nos livros da CECA (Comissão para o Estudo das Campanhas de África),  a essa operação. E não pode ser a Op Falcão II, realizada em 13 de fevereiro de 1966 pela CCAV 1485,  que teve 5 mortos:  nessa data a CCAÇ 1684 ainda não estava na Guiné (onde desembarcaria, só 14 meses depois, em 14abr1967).

Será que o Fernando seria de rendição individual ? E teria pertencido originalmente á CCAV 1485 ? Os dois alferes a que ele se refere,  terão sido o Manuel Francisco Afonso Sampaio, da CCAV 1485 (morto em combate em 10/1/1966) e o Delfim dos Anjos Borges, da CCAÇ 1684 (morto em combate em 17/7/1967) ?

O único camarada da CCAÇ 1684, representado no nosso blogue, é o Manuel Domingos Santos (***). Está a decorrer, entretanto,  a campanha dos 900: queremos chegar a esta meta (900 membros registados na Tabanca Grande) até ao final do próximo ano de 2023. (****)
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(****) Vd. poste de 8 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23684: Mi querido blog, por qué no te callas? (7): Campanha dos 900 membros da Tabanca Grande até ao fim de 2023... Toca a "tocar o burro"... Porque, como diz o provérbio guineense, Buru tudu karga ki karga si ka sutadu i ka ta janti (O burro, com pouca ou muita carga, se não é açoitado, não anda)...