"Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!
por Alberto Branquinho
− Ó meu alferes, o Angelino quer falar consigo.
O Angelino era um rapaz franzino, mediador de conflitos, sempre a tentar conciliar mesmo aquilo que parecia inconciliável. Mas, para tentar conciliar os desavindos, não utlizava linguagem contida, cuidada. Pelo contrário, as suas tentativas para conciliar as partes em confronto passavam por uma linguagem agressiva, insultando, até, os que estivessem a quezilar.
Estava, agora, prostrado na cama, naquela espécie de enfermaria, que tinha uma porta de ligação para o quarto do furriel e do cabo, enfermeiros. Estava com paludismo. Era a sua primeira experiência.
Depois dos picos de febre, na área dos quarenta graus, vómitos, diarreia, tonturas, que o faziam gritar "Ai, que vou morrer!", vinham os arrepios e estremeções que abanavam a cama como se estivesse a haver um terramoto. A seguir, ficava de tal modo prostrado que parecia morto. Era aquela sensação de fim de mundo, apocalíptica, instalada na cabeça.
Quando recuperava da prostração e sentia que as tonturas iam regressar, agarrava-se aos ferros da cama para evitar ser arrastado, de novo, no rodopio infernal, que só existia dentro da sua cabeça. Regressavam, então, os vómitos.
Porque estava a demorar mais do que o habitual, o furriel enfermeiro estava preocupado e desejava, do fundo da alma, que houvesse um médico.
Depois de quatro (ou cinco?) dias de cama, começou, finalmente, a recuperar, a reter líquidos, a comer sopa. Parecia estar a estabilizar, mas sentia-se prostrado, sem forças. O furriel comunicou, então, ao capitão que o Angelino estava a melhorar e não seria necessário transportá-lo para a sede do Batalhão [BART 1913, Catió, S3]
Foi já nesse estado que o Angelino ouviu dizer que o alferes Abreu iria nesse dia na Dornier [DO-27] para Bissau, para passar férias na Metrópole.
− Meu alferes, o Angelino quer falar consigo.
O alferes mandou parar o Unimog à porta da "enfermaria". Saltou do carro, entrou e demorou uns segundos a adaptar-se à luz interior. Sentou-se na cama.
− Então, pá, isso está melhor ?!
As mãos do Angelino procuraram as do alferes, enquanto no rosto, macilento, barbudo, corriam duas lágrimas.
− Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela. Para este número.
O alferes não telefonou. O Angelino não morreu. Quando o alferes regressou, o Angelino, envergonhado, evitava encontrar-se com ele.
In: Fonte: Excertos de Alberto Branquinho - "Paludismo". In: Cambança final: Guiné, guerra colonial: contos. Lisboa,Vírgula, 2013, pp. 193/194. (***)
(Título, revisão / fixação de texto, itálicos: LG) (Com a devida vénia ao autor e à editora)
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