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domingo, 13 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26041: A nossa guerra em números (26): Aceitemos, provisoriamente, o número (oficioso) de 437 "internacionalistas cubanos" que terão combatido ao lado do PAIGC, "de 1966 a 1975"


Guiné > Bissau > HM 241 > 1969 >  O capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta. Fotograma, sem indicação de fonte (RTP ?). Cortesia da página do Facebook de António José Vale, 26 de maio de 2018. Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné /2024), com a devida vénia...







Citação: (1963-1973); "Fernando de Andrade com um grupo de guerrilheiros do PAIGC e internacionalistas cubanos", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43457 (com a devida vénia). (*)

A maior parte destes combatentes seria de origem afro-americana, como parece deduzir-se desta foto de grupo. Segundo lemos algures,  Amílcar Cabral não queria gente de tez branca, dava muito nas vistas à CIA e às demais "secretas" dos países ocidentais... Por outro lado, era mais fácil para o PAIGC e seus apoiantes, tanto a nível interno como externo, justificar a presença de "estrangeiros" nas fileiras dos combatentes da liberdade da Pátria: os cubanos de origem afro-americano podiam ser apresentados e aceites como lídimos representantes dos escravos, brutalmente arrancados das suas aldeias e levados pelos "negreiros" para o Novo Mundo... Quanto ao Fernando Andrade, aqui referido, era irmão de Lucette de Andrade, esposa do Luís Cabral.  


1.  O número de "internacionalistas cubanos" (sic) que combateram na Guiné-Bissau, de 1965 a 1974, ao lado do PAIGC, é objeto de especulações, não havendo fontes independentes, válidas e fiáveis onde nos possamos basear para apontar o seu número exato. Tal como o número de baixas mortais.

Numa carta de 17 de agosto de 1966 remetida ao seu amigo Paulo António Osório de Castro Barbieri, em Lisboa,  o  alf mil Pedro Barros e Silva , SPM 0368, escreveu o seguinte sobre o IN (**):

(...) "As secções do Exército Popular encontram-se fardadas, treinadas e armadas até aos dentes. E, para ajudar à festa, temos os russos e os cubanos (estes, pelo menos, já têm levado umas coças bastante razoáveis). Pensa-se que dentre em pouco estarão na Guiné mil ou mais cubanos.

"O material que o IN possuiu é o que de há de melhor pelos sítios. Só lhes falta aviação e marinha. De resto, postos-rádio, antiaéreas quádruplas, canhões sem recuo de infantaria (fala-se em obuses), bazucas, rockets, morteiros de 61, 82 e até talvez de 120, metralhadoras de todos os tipos e feitios, automáticas a dar com pau, enfim, estão mais bem armados que cá a rapaziada." (...)

Não sabemos ao certo a unidade a que pertencia o Pedro Barros da Silva, correspondente ao SPM 0368,  mas tudo indica, por outra carta do seu amigo Nuno Barbieri, 1º tenente fuzileiro especial, que estava colocado no Quartel-General, em Bissau, trabalhando  "numa repartição de nome estranho e pouca importância" (carta de 2 de maio de 1967).  Ou seja, estava na "guerra do ar condicionado" (que não podia ser para todos, porque alguém tinha que matar e morrer...).

De qualquer modo, o nosso camarada Pedro Barros e Silva deveria estar, em 1966,  mais bem informado sobre os cubanos (e os russos) que a maioria dos seus camaradas "do mato"...

No entanto, parece-nos "alarmista" a sua especulação sobre o número exponencial de cubanos (que dentro em breve poderiam chegar aos "mil ou mais", escrevia ele em meados de 1966...). E, seguramente,  "despropositada", no que diz respeito à presença de russos no território da nossa "Guinézinha": a Cilinha nunca os viu e eu também não... 

Quanto ao morteiro 120, só há notícia dele, em agosto de 1968,  utilizado pela primeira vez em Gandembel, na região de Tombali. As bases de fogos eram sempre localizadas no território da Guiné-Conacri. Foi utilizada, contra as NT, como arma de artilharia, e terá sido a arma mais mortífera do PAIGC. (Convirá lembrar que as NT não tinham, à exceção de Gandembel, Guileje e pouco mais, abrigos à prova do morteiro 120 mm. Os nossos "bunkers" eram literalmente "bu...rakos", escavados na terra, e com cobertura de terra, chapa de zinco e troncos de cibe...).

Embora próximo do poder (estando no QG), o nosso camarada Pedro Barros e Silva não estava assim tão bem informado, como fazia crer na carta que escreveu ao seu amigo Paulo António Osório de Castro Barbieri (que, por ua vez,  ainda não deveria estar em idade de ir para a tropa...).

2. Sabemos que em 1966 o PAIGC terá recebido umas escassas três dezenas de cubanos, entre "instrutores militares" (de artilharia) (3), médicos (2) e "combatentes" (25). (***)

(...) " 1966: Abril – Chega a Conacri o grupo avançado de três artilheiros e dois médicos, comandado pelo tenente António Lahera Fonseca;

"Junho – Chega por via marítima, ao Porto de Conacri, o grupo de 25 combatentes cubanos chefiado pelo tenente Aurélio Riscard Hernandez" (...) (**)

Nos anos seguintes (1967, 1969, 1970 e n1972) há notícia de chegada a Conacri de barcos com "pessoal militar e meios materiais", oriundos de Cuba, sem indicação das quantidades... Nem Cuba nem  o PAIGC tinha capacidade logística (barcos de transportes e instalações em Conacri)  para receber de chofre centenas e centenas de combatentes, entre 1967 e 1972. +E possível que, depois da independência, tenha aumentada o número de conselheiros militares cubanos na Guiné-Bissau.
O mais célebre (ou mediático) de todos os "internacionalistas cubanos" foi o capitão Pedro Rodriguez Peralta (****), capturado por tropas paraquedistas em 18 de novembro de 1969, no decurso da Op Jove.. 

Com ferimentos graves, foi enviado para o HM 241 (Bissau) e depois para Lisboa, onde foi devidamente tratado. Foi julgado em Tribunal Militar e condenado em 2 anos e 2 meses de prisão.

Depois do 25 de Abril de 1974, o capitão Peralta foi libertado. Aliás, houve manifestações (do MRPP e outras organizações da  extrema esquerda) a favor da sua libertação incondicional. Os americanos queriam trocá-lo por um alegado espião preso em Cuba...

Peralta, que fez amigos em Portugal, pode ser visto aqui numa reportagem da RTP, no aeroporto de Lisboa, em 15 de setembro de 1974, sempre sorridente e amável na presença entre outros do seu advogado, Manuel João da Palma Carlos (1915-2001), momentos antes de embarcar para Havana onde foi recebido como herói (depois de esquecido, por incómodo, durante os anos de cativeiro)...

Antes do 25 de Abril, era considerado um "preso político", o governo de então recusava-se a tratá-lo como "prisioneiro de guerra", negando haver uma guerra na Guinén(técnica e legalmente falando). Além disso, Portugal e Cuba mantinham relaçóes diplomáticas, contrariamente à ex-URRS e demais países da Europa de Leste. 

Depois do 25 de Abril, mudou o estatuto do capitão Peralta: passaria a ser "prisioneiro de guerra", não ficando abrangido pela amnistia aos presos políticos... E só foi libertado, em 15 de setembro de 1974, após a entrega, pelo PAIGC, dos "prisioneiros de guerra" portugueses, entre os quais o nosso saudoso António Batista, o "morto-vivo", membro da nossa Tabanca Grande.

Sabe-se que, em 2008, com o posto de coronel reformado, pertencia ao Comité Central do Partido Comunista Cubano.  

Era seguramente o mais célebre dos 437 combatentes que, segundo o regime de Havana, terão combatido, no TO da Guiné, nas fileiras do PAIGC, durante a guerra da independência  (dos quais terão morrido 9 ou 17, conforme as duas fontes cubanas oficiosas, já aqui citadas no nosso blogue). (De qualquer modo, é uma taxa de letalidade elevada: 2,05% e 3,89%, respetivamente.)

Mesmo assim, achamos inflacionado o número de combatentes cubanos (a menos que se incluia ainda, indevidamente,  o ano de 1975: aliás, desde meados de maio de 1974, deixou de haver combates entre as NT e o PAIGC) (*****).


3. Leia-se aqui um recorte do jornal "Granma", de 29 de maio de 2007:

Recuerdan misión militar cubana en Guinea Bissau


Internacionalistas cubanos de La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde se reunieron en la Casa Central de las FAR

Publicado: Martes 29 mayo 2007 | 12:43:23 am.

Autor: Dora Pérez Sáez | dora@juventudrebelde.cu


Jorge Risquet, miembro del Comité Central del Partido, conversa con el coronel Pedro Rodríguez Peralta, uno de los 437 cubanos que combatió en Guinea Bissau.

Foto: Franklin Reyes (não disponível)

El primer encuentro de internacionalistas cubanos residentes en Ciudad de La Habana, La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde desde 1966 hasta 1975 se efectuó en la Casa Central de las FAR.

En el encuentro participaron 190 combatientes que lucharon junto al Partido Africano para la Independencia de Guinea y Cabo Verde (PAIGC) y su líder, Amílcar Cabral, hasta que alcanzaron su independencia.

El general de brigada (r) Harry Villegas, Héroe de la República de Cuba y vicepresidente de la Asociación de Combatientes de la Revolución, expresó que esta misión hizo reconocer a los portugueses la imposibilidad de seguir manteniendo el colonialismo.

«Esa misión fue, justamente, la que creó las posibilidades para la presencia masiva de los cubanos en África. No se trata solo de Guinea Bissau, sino de nuestra colaboración con otros países de ese continente, que culminó con la caída del apartheid».

En Guinea Bissau combatieron 437 cubanos, de los cuales murieron nueve. Desde el fin de la misión hasta el momento, han fallecido otros 51 compañeros.

El acto contó con la presencia de Jorge Risquet Valdés, miembro del Comité Central del Partido.

F0nte: Dora Pérez Sáez - Recuerdan misión militar cubana en Guinea Bissau: Internacionalistas cubanos de La Habana y Pinar del Río que combatieron en Guinea Bissau y Cabo Verde se reunieron en la Casa Central de las FAR". Juventud Rebelde. ,martes 29 mayo 2007 | 12:43:23 am.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor:




Vd. também postes de:



14 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra

domingo, 14 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25742: Timor Leste : passado e presente (12): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte IV: A vida de um médico de saúde pública, Baucau, 1941


A parte oriental da  parte portugues da ilha de Timor, em 1940, com os percursos (de automóvel e a cavalo) feitos pelo dr. José dos Santos Carvalho na sua primeira visita à sua zona sanitária (integrando as circunscrições de Bacau, Manatuto e Lautém). O mapa é da sua autoria, com as devidas adaptações feitas por  nós (LG)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)



Timor Leste > Baucau > O antigo mercado público ("bazar"), restaurado em 2014. Foto de J. Patrick Fischer.  Fonte: Wikipedia, com a devida vénia...



Timor > Bacau ou "Vila Salazar > c. 1936-1940 > O "bazar" ou mercado público



Timor > Bacau ou "Vila Salazar > c. 1936-1940 > Igreja




Timor > Bacau ou "Vila Salazar > c. 1936-1940 > Um aspeto da vila

 
Timor > Bacau ou "Vila Salazar > c. 1936-1940 > Armazéns de trigo



Timor >  Manatuto > c. 1936-1940 >  Paisagem


Timor >  Manatuto > c. 1936-1940 >  Aileu ou "Vila General Carmona"


Timor >  s/l > c. 1936-1940 >  Propaganda do Estado Novo: timorenses, deitados, formam a palavra "SALAZAR".


Timor >  s/l > c. 1936-1940 >  Propaganda do Estado Novo: timorenses, deitados, formam a palavra "CARMONA".


Fotos do Arquivo de História Social > Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editadas por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024). Com a devida vénia...



1. Continuamos a publicar notas de leitura e excertos do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive.

Timor Leste foi  o único território  ultramarino (na altura, designado como "colónia" , até 1951)  que foi invadido e esteve ocupado por forças estrangeiras, durante a II Guerra Mundial (entre dezembro de 1941 e setembro de 1945): tropas anglo-autralianas e holandesas, primeiro, e depois japonesas).

O livro em apreço é um notável documento, memorialístico,  importante para se conhecer melhor este dramático  período da nossa história do séc. XX. E no pequeno território de Timor (de 15 mil quilómetros quadrados, menos de metade da superfície da Guiné)  a vida não era muito diferente da pacata colónia da África Ocidental (acabada de "pacificar" em 1936...), tirando a distância da metrópole, que era cinco vezes maior (entre Lisboa e Dili eram quase 20 mil km em linha reta).

Atualizámos a ortografia e a grafia dos topónimos. O livro foi redigido no principio da década de 1970, sendo uma edição da Livraria Portugal Editora, na Rua do Carmo 70  (que já não existe como editora), tendo sido composto e impresso na Gráfica de Lamego. (O autor seria natural do concelho vizinho de Armamar.)


Vida de um Médico em Baucau, em 1941 (pp. 24-31)

por José dos Santos Carvalho


(i)  O dr. José dos Santos Carvalho, chegado a Dili em finais de 1940,  preparava-se, em meados de 1941,  para conhecer a sua "delegacia de saúde",  a da zona leste, para a qual tinha sido nomeado, e   que abrangia as circuncrições de S. Domingos (com sede em Baucau), de Manatuto e a de Lautém (vd. mapa de Timor, 1940; recorde-se que na época o território  estava dividido em cinco circunscrições administrativas com sede em Bobonaro, Aileu, Manatuto, Baucau e Lautém,  e um concelho, que era o de Díli).

A sede da zona sanitária oriental era  Bacau, então conhecida por "Vila Salazar"...

Vila Salazar  era também a antiga designação colonial da cidade angolana de N'dalatando (hoje capital da província do Cuanza Norte) ; mas também da  cidade moçambicana da Matola (capital da província da Matola).  Em Timor também havia uma "vila general Carmona", que era Aileu.
 
Baucau é hoje um dos 13 municípios administrativos de Timor-Leste. Fica localizado na parte zona oriental do país. Segundo o censo de 2010, tinha à volta de  112 mil habitantes e uma superfície de  cerca de 1,5 mil km² (10% da áera total do país). A cidade de Baucau é a segunda cidade de Timor Leste,  distando 122 km de Dili (qur fica a oeste). (Fonte: Wikipedia).


(...)   Entretanto, passaram-se os seis meses do meu estágio de médico que iniciava a carreira em meio colonial, pelo que fui nomeado delegado de saúde da zona leste, em fins de julho de 1941, seguindo para Baucau, a florescente Vila Salazar, no vapor 'Oé-Kússi'.

(...) Chegado o 'Oé-Kússi' à praia de Baucau, aí me esperava o colega dr. Francisco Rodrigues,  trazido no automóvel da administração da circunscrição que, com o respectivo motorista,  era posto à disposição do delegado de saúde da zona leste, sempre que o serviço público o requeria.

Subimos cerca de três quilómetros e assim me encontrei na nova terra onde iria exercer a minha actividade nos campos da saúde pública e da assistência médica.

A residência do delegado de saúde construída recentemente em pedra e cimento, estava esplendidamente situada fora da vila, a cerca de 500 metros, e dela se avistava um magnífico panorama sobre o mar, tendo por pano de fundo a ilha de Wetar 

[hoje indonésia

ilha de Wetter, na grafia do livro

].


Rodeada por alterosos coqueiros e por aprazíveis várzeas em socalcos, amorosamente cultivadas pelos timorenses,  era, na verdade, uma habitação muito confortável e simpática.

No dia seguinte, depois de ter acompanhado o meu colega a praia onde embarcou no 'Oé-Kússi' para Dili, dirigi-me para a sede da delegacia de saúde, muito razoavelmente instalada no centro da vila, relativamente perto da sede da administração da circunscrição, da residência do administrador, do monumental 'bazar' 
[designação comum para os mercados públicos ], do edifício do correio e telefone, da escola chinesa e do 'palácio', residência de recreio do governador da colónia. (...) 

(ii) Descreve sumariamente os equipamentos de que dispunha a
 delegacia de saúde de Baucau que funcionava, já nesse tempo, como um verdadeiro "centro de saúde" (sic),  conhecido pelos habitantes locais como  "o hospital". 

(...) "Dispunha de variadas dependências, nomeadamente de enfermaria no total de quarenta camas, serviços administrativos, farmácia e depósito de medicamentos, sala de operações cirúrgicas, sala de tratamentos, etc, e, em anexo, um posto de consultas externas e tratamentos ambulatórios.

Sob as minhas ordens directas tinha eu dois enfermeiros e três enfermeiros auxiliares, todos diplomados no hospital Dr. Carvalho. (...)


(iii) Nessa  ocasião  conheceu o administrador da circunscrição, tenente Pires  e o seu secretário,  Howell de Mendonça. 
Em nota de rodapé, diz-nos que o  administrador da circunscrição de S. Domingos, com sede em Baucau, era o tenente de infantaria Manuel de Jesus Pires, que havia combatido na Flandres, na Primeira Guerra Mundial; fiel è República,  pertencera às tropas que sufocaram a "Monarquia do Norte", uma tentativa de restauração da monarquia a partir do Porto,  de 19 de janeiro a 13 de fevereiro de  1919. Veio para Timor, em 1928 como militar: depois de pedir licença ilimitada do serviço do exército, passou, em 1932, para o quadro administrativo, onde até então (1941) muito se distinguia pelas "excecionais qualidades de inteligência e cultura e intensíssima actividade,apesar de já passar dos cinquenta anos".

O médico visita também a Missão Católica que ficava no centro da vila de Bacau, para cumprimentar os missionários, padres António Manuel Serra  e Júlio Ferreira, ambos naturais de Freixo de Espada-à-Cinta. Tinham sido formados no seminário de Macau e então eram novatos em Timor.   

(iv) Dá para perceber que Timor tinha, há 80 anos atrás,  uma economia, essencialmente de base agrícola, fracamente monetarizada, praticando os timorenses uma agricultura de autossubsistência. Praticamente não havia colonos nem comerciantes europeus.

Para as deslocações pelo interior, o nosso médico comprou  "dois fogosos e bonitos cavalos, excelentes para trepar, apesar de não serem ferrados, as íngremes e difíceis encostas timorenses".

(...) Não era difícil a vida económica em Baucau, por esses tempos, apesar dos ordenados serem muito reduzidos. É que o povo timorense cultiva largamente tudo o que é necessário à subsistência sendo muito poucos os produtos que é necessário importar.  Para estes, tais como o vinho e o azeite e géneros de mercearia, havia os dois estabelecimentos comerciais dos chineses,  Mu-Ping-Ki e Mu-A-Si. 

Quanto a criados, conservei os que serviam o dr. Rodrigues e os colegas anteriores, todos antigos na casa e perfeitos no seu trabalho. Comprei ao dr. Rodrigues a mobília que ele também tinha adquirido ao colega precedente e juntei-lhe magníficas peças chinesas em teca por mim compradas em Dili e delicadas obras de escultura javanesa que conseguira obter na minha passagem pela ilha de Bali. (...)

(v) Podemos depois seguir o percurso do delegado de saúde nas suas primeiras visitas à sua zona, utilizando o automóvel, junto à costa norte, e o cavalo, no interior montanhoso (vd. infografia acima)

(...) Começando pela circunscrição de Baucau, segui, de automóvel, para Venilale e daí para Ossú, indo pernoitar a Viqueque, na tranqueira, residência do chefe de posto.

No dia seguinte, ainda de automóvel, pude visitar o posto de Uátu-Lári,  sendo fidalgamente recebidos pelo chefe de posto, filho do liurai de Bobonaro, D. Aleixo Corte Real, que tinha sido aluno de um instituto de ensino médio em Lisboa. Regressando a Viqueque, à tarde, aí pernoitei.
[ "Tranqueira" era uma fortficação ou cerca feita de estacas e terra. (LG)]

Agora, somente cavalgando eu poderia completar este meu programa de viagem.

De madrugada, montei a cavalo e mudando várias vezes de montada, após oito fatigantes horas de caminhada, cheguei a Barique onde almocei com o respectivo liurai [régulo].

De tarde, andando ainda três horas sem descansar, alcancei a tranqueira de Lacluta onde recebi amabilíssima hospitalidade do chefe de posto, sr. José Tinoco. No dia seguinte regressei a Viqueque e aí retomei o automóvel para Baucau.

Passados alguns dias completei as minhas visitas na circunscrição de S. Domingos, seguindo de automóvel para leste, indo almoçar a Kelikai, onde encontrei uma enfermaria regional magnificamente instalada.

De tarde, segui para Báguia, ficando na tranqueira, residência do chefe de posto, sr. cabo Alegria, tendo passado pelo posto de Laga e sido aí recebido fidalgamente pelo chefe de posto , sr. Matos e Silva. No dia seguinte regressei a Baucau.

A visita às formações sanitárias da área da circunscrição de Lautém, pôde ser, toda, feita de automóvel. Passando outra vez por Laga e seguindo por Laivai, alcancei rapidamente Lautém onde o administrador, sr. Manuel de Barros e a sua esposa me cumularam de atenções e gentilezas, hospedando-me na tranqueira, sua residência.

O dia seguinte foi destinado às visitas ao posto sanitário de Fui-Loro e a uma digressão turística a Tutuala, apreciando a maravilhosa paisagem e a vista do ilhéu do Jaco.

No terceiro dia regressei a Baucau tendo visitado então o posto sanitário do Luro, por uma estrada que entroncava na de Laga a Báguia.

Coube, por fim, à circunscrição de Manatuto a sua vez de ser visitada, o que me deu oportunidade de conhecer o posto sanitário de Vemássi, da área da circunscrição de S. Domingos, que ficava em caminho.

Fui hospedado, com toda a gentileza e distinção, pelo administrador da circunscrição de Manatuto, dr. Mendes de Almeida, na sua residência, a tranqueira de Saututo, situada como um castelo da metrópole no alto de uma colina junto à vila de Manatuto.

No dia seguinte visitei a enfermaria regional de Manatuto que estava a cargo do enfermeiro, sr. Senanes, e a missão onde conheci os srs. padres Almeida, natural de Goa, e Madeira, natural de Timor. Em seguida, (acompanhado pelo administrador e na carrinha da administração que ele próprio guiava) ,visitei o posto sanitário de Cribas e, voltando a Manatuto, o posto sanitário de Laleia. 

Regressei a Baucau, pois sabia que, em breve, teria uma missão oficial na Soibada e, então, poderia concluir as visitas às formações sanitárias da área a meu cargo. (...)

(vi) A falta de recursos humanos na  ilha (professores, médicos, magistrados, engenheiros, etc.) levava a soluções  "ad hoc" como esta, referida pelo autor, que foi nomead0 
 para presidir ao júri dos exames da 4ª classe do ensino primário no colégio da Soibada", juntamente com um dos missionários...


 (...) Saí de Baucau com o senhor padre Serra (que tinha sido também nomeado membro do júri) no automóvel da circunscrição de S. Domingos que nos levou a Cribas. Aí, montámos a cavalo e subimos até Laclúbar, onde fomos recebidos pelo sr. chefe de posto e fazia um agradabilíssimo frio.

Chegámos à Soibada já de noite, sendo acolhidos fraternalmente pelo superior da missão, padre Januário, e pelos outros padres que aí prestavam serviço missionário e pedagógico.

No dia seguinte, de manhã, todos nos encontrámos junto ao mastro da bandeira nacional colocado em frente do colégio e junto do campo de jogos, para assistir à cerimónia que aí todos os domingos se fazia do hasteamento da bandeira, com os corneteiros da banda da missão tocando a sentido.

A sensação de intenso ardor patriótico que, então, de mim se apoderou, nunca a esquecerei, sobretudo por ver aqueles jovens portugueses de tão longe se comportarem como os melhores da metrópole, cheios de aprumo e garbo, cantando a 'Portuguesa' e marchando como autênticos soldados. (...)


(vii) De assinalar também o facto de às autoridades civis (administradores e chefes de posto) e tradicionais ("liurais" ou régulos) incumbir tanbém o dever de hospitalidade, como por exemplo de alojar o delegado de saúde em serviço pelo interior da ilha.

 De entre os funcionários  administrativos,  que ele vai conhecedendo, e que lhe dão hospedagem, há o Augusto Padilha: pormenor curioso, era formado pela Escola Superior Colonial de Lisboa (criada  em 1906, por iniciativa  da Sociedade de Geografia de Lisboa, antecessora do ISCSPU - Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, hoje ISCPS / UL, Instituto Superior de Ciências Sociais (ISCPS); da Universidade de Lisboa).

(...) Acabados os exames, pude repousar uns dias e aproveitá-los para visitar o resto das formações sanitárias da delegacia da zona leste e o lugar da Pualaca onde vi extrair petróleo, com toda a facilidade, por meio de um copo de folha seguro por uma argola na ponta dum bambu e que, introduzido num cano que aí havia sido metido por prospecções anteriores da Allied Mining Timor Corporation, vinha cheio dum líquido que ardia perfeitamente e era usado pelos timorenses em candeeiros.

Após a visita a Fátu-Berliu, cujo chefe de posto era o sr. Augusto Padinha , aproveitei o facto de estarem perto e, assim, visitei os postos administrativos de Maubéssi e Turiscal, da circunscrição do Suro.

 

(viii) Em Baucau, os poucos portugueses existentes, reuniam-se para conviver e passar o tempo livre, jogando por exemplo ténis e merendando em conjunto.

(...) Todas as tardes disponíveis nos encontrávamos e quase sempre jogávamos ténis no corte que o tenente Pires havia mandado construir, há pouco, junto ao jardim público e à caudalosa e puríssima nascente que jorra em borbotões no centro da vila.

O secretário Howell de Mendonça e o Padre Serra tinham sido educados em Macau sendo, por isso, bons tenistas. Comigo e com a D. Hermínia, esposa do secretário, disputavam agradabilíssimas partidas de jogo que duravam até ao fim da tarde, o qual passávamos em merendas familiares, alternadamente nas casas uns dos outros.

O Tenente Pires aparecia, sempre, no seu corte, embora não jogasse, divertindo-nos com o seu inalterável bom-humor. (...)

(ix) Isolados do mundo, sem electricidade, sem conunicações, sem jornais, sem rádio,  iam tendo notícias da guerra, muito esporadicamente... Em Dili, passou a haver, entretanto, três consulados: o do Japão, o da Austrália e o da Holanda.

(...) Assim se passava o tempo em Baucau, longe do resto do mundo, do qual, praticamente nada sabíamos pois somente o tenente Pires dispunha de uma radiotelefonia cuja electricidade era fornecida pelas baterias de acumuladores do carro e do camião da circunscrição.
 
(...) O tenente Pires, inquieto com a situação internacional ouvia assiduamente, o noticiário fornecido pelas emissoras australianas e dava-nos parte dos acontecimentos mais importantes, frisando a hipótese de os japoneses pretenderem firmar o pé em Timor para saltarem sobre a Austrália que, tal como ainda hoje,  estava muito despovoada oferecendo as maiores possibilidades de colonização e de ocupação à sua gente que iá mal cabia nas ilhas de origem.

(x) Mas a guerra vai entrar brutamente nas suas vidas e na vida do povo timorense...

(,...) No dia 7 de dezembro de 1941 surpreendeu-nos com a quase inacreditável notícia de que aviões japoneses haviam atacado a esquadra americana ancorada na base de Pearl Harbor, nas ilhas Havai, causando-lhe severos prejuízos. 

Ora, o Japão não estava em guerra com os Estados Unidos e sabia-se que até havia negociações entre os dois países para um entendimento, visto estes últimos terem congelado no seu país os créditos japoneses, em Julho deste ano, o que tinha sido logo imitado pelo Governo britânico, pelos Domínios e pela Índia.

Somente no fim da Guerra eu pude saber quanto os Estados Unidos haviam sofrido com o ataque a Pearl Harbor por aviões e submarinos japoneses, pois aí foram afundados oito grandes couraçados, encalhados oitenta e seis navios secundários e destruídos duzentos e quarenta e sete aviões, tendo passado deste modo, em poucas horas, o domínio do Pacífico dos americanos para os japoneses.

Porém, duma coisa nunca, então, restou dúvida. Os japoneses estavam senhores duma força avassaladora que seria dificílimo deter, embora empregando todos os recursos das nações aliadas. (...)

Fonte: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pp. 24-31.

(Continua)
 
(Seleção, revisão / fixação de texto, títuoo, parêntses retos, itálicos e negritos: LG)


Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972,  208 pp.  Cortesia de Internet Archive.

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Notas do editor:



quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25222: Memórias cruzadas: A Op Safira Solitária (em que o PAIGC sofre um dos maiores reveses da guerra, no Morés) e o delirante comunicado, em francês, do Amílcar Cabral em que fala de uma derrota amarga dos colonialistas portugueses, incluindo a morte de 102 militares e o suicidio do... comandante da operação, que foi o major comando Almeida Bruno



Amílcar Cabral (1924-1973) > c. 1970 >  Foto  do líder histórico do PAIGC, incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC  (1970)... O "culto da personalidade" com a ajuda dos amigos suecos (mas também italianos, franceses, etc.)...

O homem que assina o comunicado de 4 de janeiro de 1972 não podia ser um tipo "inteletualmente honesto"...  Aceitava "acriticamente" todas atoardas que os seus comandantes no mato lhe faziam chegar a Conacri, incluindo a notícia (manifestamente exagerada...) do suicídio do major comando Bruno de Almeida, futuro cmdt do Batalhão de Comandos da Guiné, de 2 de novembro de 1972 a 27 de julho de 1973... 

Neste comunicado (vd. abaixo), o Amílcar Cabral, em desespero de causa, transforma um dos maiores desaires militares do PAIGC, no coração das "áreas libertadas" (o mitico Mores) numa heróica vitória do seu povo em armas... Mas era assim que se construíam os mitos revolucionários naquele tempo....

O então capitão Almeida Bruno, ajudante de campo do gen Spínola, fotografado no decorrrer da Op Ostra Amarga, na mata da Caboiana, em 18 de outubro de 1969. (Foto do arquivo do Virgínio Briote, reproduzida, a preto e branco, na pág. 223, do livro de memórias do Amadu Djaló).


1. Comunicado original, em francês, datilografado, a 2 folhas, datado de 4 de janeiro de 1972, e assinado pelo Secretário Geral, Amílcar Cabral (tradução, revisão e fixação de texto: LG)



PAIGC - Comunicado

O governo português, por intermédio do Estado Maior das tropas colonialistas no nosso país,  tornou público, no dia 29 de dezembro último, um "comunicado especial", relativamente aos resultados de uma operação designada "Safira Solitária" ("Saphir Solitaire", em francês), lançada contra a zona libertada do Morés, no centro-norte, a cerca de 50 km de Bissau.


Este comunicado especial, ao mesmo tempo que reconhece que as tropas colonialistas tiveram 61 baixas no decurso da operação, vêm fazer elogios à ação e à "técnica avançada" dos nossos combatentes, ao mesmo tempo que pretende fazer crer que se trata de grupos infiltrados do Senegal, enquadrados por cubanos e "mercenários estrangeiros africanos".

 Estamos perante uma tentativa desesperada, da parte do Estado Maior colonial e particularmente do governador militar, de esconder a amarga derrota, infligida às tropas colonialistas pelas nossas forças armadas e pelo povo em armas.


Convém esclarecer, em primeiro lugar, que o Sector do Morés, onde a luta armada foi desencadeada em julho de 1963, é uma zona libertada desde 1964, em que a organização do Partido e do nosso Estado em desenvolvimento é uma das mais sólidas.

É neste  sector que o escritor francês Gérard Chaliant assim como os cineastas e jornalistas Mario Marret e Isidro Romero (franceses), Piero Nelli e Eugenio Bentivoglio (italianos), Justin Vyera, Justin Mendy e Mamlesa Dia (africanos), Oleg Ignatiev (soviético), Nicolai Bozev (búlgaro) e tantos outros, rodaram os seus filmes e fizeram reportagens bem conhecidas da opinião mundial, nomeadamente europeia.

Lembremos, além disso, que o dito "Comunicado Especial" afirma que, durante os combates, as forças armadas regulares do nosso Partido estavam reforçadas por mais de 300 elementos da milícia popular, a qual, no quadro da nossa organização, é uma força armada local integrada pelos camponeses e camponesas do sector.


Com base nos relatórios recebidos do Comando da Frente Norte e do sector do Morés, assim como em informações provenientes de Bissau e Mansoa, estamos em condições, neste momento, de esclarecer a opinião pública sobre o que se passou no sector do Morés, entre 20 e 26 de dezembro último.

Face à intensificação da acção dos nossos combatentes que, em dezembro, tinham atacado por por diversas vezes todos os campos fortificados do centro-norte do país, nomeadamente


as cidades de Farim e Mansoa, e as importantes guarnições de Bissorã e Olossato, o Estado Maior colonialista convenceu-se que nós estávamos a preparar uma ação mais ampla por altura do fim do ano, nomeadamente um novo ataque contra a capital.

Foi tomada então a decisão de desencadear uma operação de grande envergadura contra as nossas forças na região, em particular no sector do Morés, conhecida como uma base importante,


Assim, na manhã de 20 de dezembro, vários contingentes de tropa colonialista, estimados em cerca de 800 homens, saídos dos quartéis da região, e dos comandos especiais helitransportados de Bissau, penetraram no sector do Morés, vindos de várias direcções, depois de um bombardeamento aéreo intensivo.

No decurso de vários reencontros e emboscadas realizadas tanto pelos combatentes das nossas forças armadas regulares como pelas forças armadas locais e o povo armado, a tropa colonial foi posta em debandada, tendo vindo em seu socorro os aviões a jacto, e helicópteros para evacuar os mortos e os feridos.

Os nossos combatentes mataram 102 militares inimigos, tendo ferido


várias dezenas. Os hospistais de Bissau transbordaram com a chegada de feridos, de tal modo que não havia lugar para todos. O comandante português que dirigiu a operação dita "Safira Solitária", suicidou-se.

Os colonialistas portugueses  sabem muit0 bem (e estes resultados mostraram-no mais uma vez) que, se é fácil dar às suas operações uma designação de estilo nazi, o nosso povo não tem necessidade de recorrer a combatentes ou a quadros não nacionais,  para transformar estas operações em amargas derrotas.


Noite de 4 de janeiro de 1972, 
Amílcar Cabral, Secretário Geral


Comunicado PAIGC, datilografado, a duas págimas, redigido em francês, datado da noite de 4 de jneiro de 1972, e assinado pelo Secretário geral Amílcar Cabral

Fonte: Casa Comum |  Instituição: Fundação Mário Soares |  Pasta: 07197.160.006 | Título: Comunicado do PAIGC analisando os resultados da operação "Safira Solitária" | Assunto: Comunicado assinado por Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, analisando os resultados da operação "Safira Solitária" lançada contra o sector de Morés, cujos dados foram divulgados pelo Estado Maior do Exército Português num comunicado especial. | Data: Terça, 4 de Janeiro de 1972 | Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Documentos. | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Documentos. Citação (1972), "Comunicado do PAIGC analisando os resultados da operação "Safira Solitária"", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42402 (2024-2-28)


2. Despacho da Agência Lusitânia, datada de Bissau, 29 Dez 1971 (não nos foi possível encontrar este comunicado das Forças Armadas na imprensa de Lisboa, e em especial no "Diário de Lisboa", neste dia e dias imediatos)

 
BISSAU, 29 Dez 1971  - Comunicado especial do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné: 

"Numa das mais importantes operações militares realizadas no Teatro de Operações da Guiné, as forças guerrilheiras acabam de sofrer um expressivo revés.

"Desde Outubro, final da 'época da chuvas',  que o Comando, através dos seus orgãos de pesquisa,  vinha acompanhando os movimentos de infiltração do inimigo nas florestas da área do Morés, situada no norte da Província, tendo lançado algumas operações de diversão com vista a criar no inimigo uma falsa sensação de segurança que o levasse a continuar a concentrar meios na referida área,  o que efectivanente se verificou. 

"A crescente adesão das populações à causa nacional permitiu que,  através de informações seguras e detalhadas, colhidas no seio do próprio dispositivo inimigo, se localizassem exactamente as posições inimigas e se completasse o conhecimento do esquema da sua denominada 'Ofensiva do Natal' e definida nos seguintes termos constantes em documentos apreendidos: Oposição a todo o custo ao asfaltamento das estradas Mansoa - Bissorâ e Bula- Bissorâ - Olossato; desencadeamento dum conjunto de acções ofensivas na quadra do Fim de Ano sobre as povoações mais importantes da área, nomeadamente Bissorã, Mansoa, Olossato, Mansabá e sobre todos os novos aldeamentos. 

" De posse de todos os elementos foi planeado, no maior sigilo, uma grande operação visando envolver, cercar e aniquilar as forças de guerrilha concentradas na referida área fulcral do Morés.  Montada a operação, denominada 'Safira Solitária', foi esta levada a efeito por unidades da força africana e teve início ao alvorecer do dia 20,  prolongando-se até à tarde do dia 26,  tendo as nossas forças sido guiadas na floresta por elementos das populações da área pertencentes à nossa rede de informações que conhecia a localização precisa das posições inimigas. 

"Apesar de colhido de surpresa,  o inimigo estimado em 6 bigrupos, 2 grupos armados de armas pesadas instalados em posições fortificadas e cerca de 333 elementos armados da milícia popular, opôs durante os três primeiros dias tenaz resistência,  acabando todavia por ser desarticulado e aniquilado, tendo sofrido 215 mortos confirmados, entre os quais três cubanos, e alguns mercenários estrangeiros africanos, 28 capturados, além de apreciável número de feridos. Segundo declarações dos capturados, encontravam-se na área pelo menos mais 4 elementos cubanos. 

"Verificou-se que o inimigo estava implantando no Morés um sistema de fortificação de campanha do qual se destacavam espaldões para armas pesadas e abrigos subterrâneos para pessoal. Os grupos de guerrilha, pela resistência que ofereceram,  revelaram uma sensível melhoria de enquadramento e uma técnica mais avançada de guerra de posição. 

"No decurso da operação foi capturado o seguinte material: 1 canhão sem recúo B-10, 2 morteiros de 82 mm, 2 morteiros de 60mm, 3 metralhadoras pesadas Goryonov, 7 lança-granadas RPG-7, 14 espingardas automáticas Kalashnikov, 38 espingardas semi-automáticas Simonov, 8 espingardas Mosin Nagant, 14 pistolas metralhadoras PPSH, além de avultado número de armas de repetição, de cunhetes de munições, fitas e carregadores, destruídos no local por desnecessárias. 

"As nossas forças sofreram 8 mortos, 12 feridos graves e 41 feridos ligeiros." 

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P25221: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Anexos: IV. Excertos do relatório da Op Safira Solitária (Morés, 20-24Dez71)

 

João de Almeida Bruno: em 20-24Dez71, já major, comandou a Op Safira Solitária. E será, com este posto, o primeiro cmdt do Batalhão de Comandos da Guiné entre nov72 e e jul73.0

O PAIGC, em comunicado em francês, dactilografado,  datado da noite de 4 de janeiro de 1972 (sic), diz que esta operação  mobilizou 800 inimigos, que tentaram em vão penetrar no coração do Morés (considerado um dos grandes santuários da guerrilha),  mas  que se saldou por uma retumbante derrota, com mais de 100 soldados colonialistas mortos !... E, no final, acrescenta-se, para nissov espanto: "o comandante da operação suicidou-se!"... (Iremos, em próximo poste, traduzir e reproduzir este delirante comunicado da propaganda do partido do Amílcar Cabral; e uma peça de antologia!)


 

Capa do livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il., edição esgotada) 




O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


1. Ainda com base no manuscrito, digitalizado, do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il., edição esgotada) (*), estamos a  publicar alguns "Anexos" (pp. 287-299).

O nosso camarada e amigo Virgínio Brioe, o editor literário ou "copydesk" desta obra , facultou-nos uma cópia digital. (O Virgínio, com a sua santa paciência e a sua grande generosidade, gastou mais de um ano a ajudar o Amadu a pòr as suas memórias direitinhas em formato word, a pedido da Associação dos Comandos, a quem, de resto, manifestamos também o nosso apreço e gratidão...).

O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais  de 120 referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não lhe permitaram ultimar. As folhas manuscritaas foram entregues ao Virgínio Briote com a autorização para as transcrever (e eventualmente publicar no nosso blogue). Desconhecemos o seu conteúdo, mas já incentivámos o nosso coeditor jubilado a fazer um derradeiro esforço para transcrever, em word, o manuscrito do II volume (que ficou incompleto). E ele prometei-nos que ia começar a fazê-lo, "para a semana"...

 Reprduz-se a seguir o relatório (resumido) da Op Safira Solitária, Morés, 20-24Dez1971

Anexos

IV. Excerto do Relatório da operação “Safira Solitária” [1]


De 20DEZ71 a 24DEZ71, na região de Morés


- Cmdt: Major Almeida Bruno

- Adjunto Operacional: Tenente Saiegh/Cmdt 1ª CCmdsAfri

Forças envolvidas: 1ª e 2ª CCmdsAfri

- Agrupamento Alfa – Tenente Saiegh/Cmdt 1ª CCmdsAfri/4 GrsCmds (100H)

- Agrupamento Bravo – Alferes Carolino Barbosa/2º CCmdsAFRI4/4 GrsCmds (100H)

- Agrupamento Charlie (Reserva) – Alferes Candé/2ª CCmdsAfri/2 GrsCmds da 1º e 2ª CCmdsAfri (40H)


Desenrolar da acção:


  • Dia 21Dez71


- 0900 – IN emboscou NT entre ponto 9 e 10. Causados 04 mortos ao IN. NT sofreram 01 ferido grave e 05 ligeiros;

- 0945 – NT flageladas com mort. 82 em Santambato;

- 1030 – NT assaltaram o objectivo 40, tendo sido abatidos 68 elementos IN;

- 1100 – NT emboscaram Gr IN, causando 06 mortos, no objectivo 40;

- 1125 – NT flageladas com mort. 82 em Gã Fará;

- 1345 – Em encontro frontal das NT com Gr IN, estes sofreram 04 mortos e as NT 05 feridos ligeiros, junto ao objectivo 41;

- 1500 – NT foram emboscadas pelo IN sem resultados junto ao ponto 41;

- 1530 – Junto do objectivo 33, o IN sofreu 06 mortos e as NT sofreram 01 morto e 01 ferido ligeiro;

- 1630 – Capturados 09 elementos da população no ponto 29;

- 1700 – NT emboscadas pelo IN na cambança 7, sem resultados.

  • Dia 22Dez71

- 0600 – IN emboscou NT junto do objectivo 25 e sofreu 01 morto;

- 0730 – NT assaltaram um objectivo junto do ponto 25 e abateram 17 elementos IN;

- 0900 – IN emboscou no objectivo 25. IN sofreu 03 mortos e NT 01 ferido grave;

- 1030 – IN emboscou NT junto ao objectivo 25, sofrendo 43 mortos e apreendidas 02 GR. RPG-2. NT sofreram 01 ferido grave e 01 ligeiro;

- 1050 – 20 elementos IN abatidos junto do ponto 25;

- 1200 – Assaltado o objectivo 17, tendo o IN sofrido 28 mortos;

- 1250 – Junto do objectivo 17, em assalto ao acampamento, abatidos 42 elementos;

- 1300 – Por TMAN (helis) colocados a N do objectivo 40, 2 Grs. Cmds, antecedidos de ATIP;

- 1500 – NT abateram, em progressão, 06 elementos IN junto do ponto 24;

- 1600 – NT capturaram 19 elementos da população no ponto 35 e apreenderam 01 Esp. Aut. Simonov e 01 canhangulo;

- 1630 – No objectivo 40, NT emboscaram GR. IN, causando 04 mortos e capturando 02 Esp. Aut. Kalashnicov e 05 carregadores. NT sofreram 02 mortos e 03 feridos ligeiros;

- 1700 – NT emboscaram GR. IN junto do ponto 29, causando 04 mortos e capturando 01 Esp. Mosyn Nagan M/44. NT sofreram 02 feridos ligeiros;

- 2000 – Junto do objectivo 40, NT emboscaram Gr IN, causando 05 mortos.

  • Dia 23Dez71

- 0645 – NT foram emboscadas pelo IN, junto ponto 17, causando às NT 02 feridos ligeiros. IN sofreu 05 mortos e a captura de 01 Esp. Aut. Simonov.

- 0900 – Interceptado numeroso grupo na bolanha do objectivo 25, tendo o Gr IN sofrido 43 mortos.

- 1100 – NT emboscaram Gr IN junto ao objectivo 25, tendo abatido 28 elementos.

- 2130 – Forte gr. IN apoiado por barragem de fogos de morteiro 82 tentou assalto às posições NT, causando-nos 04 mortos, 09 feridos graves e 23 ligeiros, tendo sofrido baixas não confirmadas.

  • Dia 24Dez71

- 0100 – Forte Gr IN voltou a tentar assalto às posições NT, causando 01 morto, 03 feridos graves e 06 ligeiros. IN sofreu baixas não confirmadas.


NT: baixas em combate:

Mortos: 08


- Soldado Adulai Djaló (1ªCCA)

- Soldado Vicente Malef (1ªCCA)

- Soldado Aliu Djaquité (1ªCCA)

- Soldado Mamadu Camará (2ªCCA)

- Soldado Carlos Aliu Mané (2ªCCA)

- Soldado Quintino Gomes (2ªCCA)

- Soldado Deneba Denibo (2ªCCA)

- Soldado Mil Anso Seidi

Feridos graves: 15

Feridos ligeiros: 44


IN: 

Mortos confirmados: 217 (+ um nº indeterminado)
Capturados (População):  28


O que diz a CECA (2015): 

Operação "Safira Solitária" - 20 a 24Dez71

Na região de Morés-Santambato- Tambato-Gã Farã- Talicó-Cambajo--larom-Siure, Secyor 04 e COP 6, forças da 1ª e 2ª CCmds Afr efectuaram
uma nomadização. 

O lN reagiu por 21 vezes à penetração e progressão das NT, com maior intensidade nas regiões de Cubonge e Morés.

Foram causados ao lN 54 mortos confirmados, bastantes feridos e 283 elementos da milícias locais, todos armados, também mortos que reagiram à acção das NF. 

As NT sofreram 8 mortos, 15 feridos graves e 44 ligeiros. Recuperados 28 elementos da população, 2 esp autom "Simonov", 2 esp autom "Kalashnikov" com cinco carregadores, 1 esp "Mosin-Nagant",  met lig  "MG-42", 1 "longa" e 2 gran de LGFog  "RPG-2".

Foi destruído um acampamento lN.

Fonte: Excertos de: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume: aspectos da actividade operaciona. Tomo II: Guiné, Livro III, Lisboa: 2015, pág. 46.

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Nota do editor VB:
Blogue 
[1] Nota do editor: em “Uma noite nos cajueiros em Morés” (pp8. 212/224): Vd. poste de


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Nota do editor LG:

Último poste da série > 22 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25199: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Anexos: III. Lista dos "meus companheiros do Batalhão de Comandos, que morreram em combate, acidentes ou por doença" (n=59)